domingo, 14 de julho de 2019

Jorge da Conceição: Bonecos de Estremoz


Jorge da Conceição (1963- ). Fotografia de 2014.

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
Jorge da Conceição 

Nasceu a 24 de Outubro de 1963 na Rua Brito Capelo, nº 33, freguesia de Santo André, em Estremoz. Filho legítimo de Octávio Varela Dias Palmela, comerciante, e de Maria Luísa Banha da Conceição Palmela, doméstica, que se viria a tornar barrista. É, pois, filho da barrista Maria Luísa da Conceição (1934-2015), neto dos barristas Mariano da Conceição (1903-1959) e Liberdade da Conceição (1913-1990) e sobrinho de Sabina da Conceição Santos (1921-2005), irmã de Mariano (3). Filho e neto de peixes sabe nadar, pelo que Jorge da Conceição estava condenado a ser barrista, tomando contacto com o barro desde criança e criando apetência pela manufactura de Bonecos como via fazer à avó e à mãe. Foi assim que aprendeu as técnicas e a arte de modelar o barro, manufacturando Bonecos enquanto estudava, até à idade de 21 anos. Na juventude, participou em várias exposições colectivas em Portugal e vendeu peças a coleccionadores particulares e ao Museu Municipal de Estremoz.
Frequentou a Escola Secundária de Estremoz desde 1975, tendo concluído em 1981 o 12º ano de Escolaridade do 1º Curso – Via ensino, com a média de 19,3 valores (4). Ingressou então no Instituto Superior Técnico onde se viria a licenciar em Engenharia Electrónica e de Computadores – Variante de Electrónica e Telecomunicações. Terminada esta, iniciou uma carreira profissional na área de consultoria que durou 25 anos e o manteve afastado da modelação do barro. Porém, a chamada do barro, que transporta na massa do sangue, levou-o em 2013 a dedicar-se exclusivamente à barrística. Tem ateliê em Estremoz na Rua Brito Capelo nº35, bem como no Largo do Andaluz nº 2, em Lisboa.
Tive o privilégio de ser Professor de Física de 12º ano de Jorge da Conceição e desde essa época que o vejo como um perfeccionista que procura dar o melhor de si próprio em tudo aquilo que faz, o que se reflecte não só na concepção como nos acabamentos das figuras que modela. Bem ilustrativo do seu pensamento e da sua prática barrística é o depoimento concedido ao jornal E de Estremoz, nº117, de 4 de Dezembro de 2014 (1). Referindo-se aos Bonecos de Estremoz, Jorge da Conceição considera que: “As peças são todas elas diferentes porque têm a ver com o estilo artístico de cada um. Uns têm mais habilidade que outros, uns arriscam mais e outros são mais tradicionais e mais comerciais e tentam repetir
as peças que fizeram. Existe a barrística naquilo que é a sua forma de fazer e nos materiais usados e existe o resultado final que é aquilo que cada artesão põe de si”. Lançou ainda o desafio de “entender o que é o Boneco de Estremoz”, acrescentando: “Existe muita tendência de pensar que o boneco de Estremoz é um conjunto de figuras dos anos quarenta que sistematizaram e que a partir daí foram feitas réplicas de uma forma inesgotável. Hoje em dia há muito mais figuras, mas às vezes, quando se fazem figuras um bocadinho diferentes, as pessoas dizem que já não é boneco de Estremoz porque já não é o pastor nem a ceifeira”. Concluiu, dizendo que “não se pode rejeitar estas figuras só porque não têm essas formas mais naif de fazer os Bonecos de Estremoz. Nós estamos no século XXI, o boneco está vivo, vai evoluindo e evolui com aquilo que cada artista acrescenta”. Estou inteiramente de acordo com ele. Sem se afastar da produção ao modo de Estremoz, o perfeccionismo de Jorge da Conceição e a que ele tem direito como marca das sua identidade, implica uma confecção mais complexa e morosa do que os espécimens doutros barristas. Para além disso, e já não é pouco, corresponde, em termos de imaginário do seu criador, a uma ruptura com aquilo que vinha sendo feito, elevando assim a nossa barrística a um novo patamar. É caso para dizer que com este barrista ocorrem frequentemente mudanças de paradigma,
que apraz registar e valorizar.
Não será despropositado recorrer aqui ao sociólogo Álvaro Borralho, que, no artigo “Bonecos de Estremoz: não há identidades puras”, publicado no Jornal E nº 199, de 3 de Maio de 2018 (2), conclui a determinado passo: “E os Bonecos de Estremoz não escapam a esta lógica: não há uma identidade dos bonecos, há identidades (no plural), quer dizer, tendências diversas, várias visões, concepções e estratégias para as quais concorrem diversos agentes que não só os barristas”.
Jorge da Conceição participou até ao presente nas seguintes exposições e eventos: - Julho de 1983 - 1ª Feira de Arte Popular e Artesanato Artesanato do Concelho de Estremoz; - Dezembro 2013 - VII Exposição de Presépios de Artesãos do Concelho de – Estremoz; - Janeiro 2014 - Exposição de Barrística de Jorge da Conceição (Estremoz); - Junho 2014 - FIA 2014 (Lisboa); Julho 2014 - 1º Prémio do Concurso de Artesanato
Tradicional - FIA 2014 (Lisboa) com a peça “Fado”; - Julho 2014 - Exposição temática sobre a Rainha Santa Isabel (Estremoz); - Novembro 2014 - VIII Exposição de Presépios de Artesãos do Concelho de Estremoz; - Junho 2015 – FIA 2015 (Lisboa); Julho de 2015 - Exposição “Os Artesãos de Estremoz e o Apóstolo Santiago” (Estremoz); - Dezembro 2015 - IX Exposição de Presépios de Artesãos do Concelho de Estremoz; - Abril de 2016 - Exposição “500 Anos da Beatificação da Rainha Santa Isabel” (Estremoz); - Junho 2016 - FIA 2016 (Lisboa); - Junho 2016 - Menção Honrosa - FIA 2016 (Lisboa) com a peça “Presépio - Adoração dos Reis Magos”; - Julho 2016 - RAÍZES - Jorge da Conceição (Fátima); - Novembro 2016 - X Exposição de Presépios de Artesãos do Concelho de Estremoz; - Dezembro 2016 - A Arte dos Presépios (Montijo); Março 2017 - Figurado de Estremoz por Jorge da Conceição (Museu de Arte Sacra da Covilhã); - Novembro de 2017- XI Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz (Estremoz); - Abril de 2018 - Exposição “Figurado de Estremoz” (Estremoz); - Maio de 2018 - Exposição “Figurado de Estremoz de Jorge da Conceição” - Museu de Ovar (Ovar); - Junho de 2018 - FIA 2018 (Lisboa).

BIBLIOGRAFIA
1 - Bonecos de Estremoz / Proposta nas mãos da “Cultura” in jornal E, nº117, 04/12/2014. Estremoz, 2014 (pág. 5).
2 - BORRALHO, Álvaro. Bonecos de Estremoz: não há identidades puras in Jornal E nº 199, 03/05/2018. Estremoz, 2018 (pág. 15).
3 - Jorge Manuel da Conceição Palmela – Assento de Nascimento Informatizado nº 5493 de 2008, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
4 - Jorge Manuel da Conceição Palmela – Processo Individual de aluno nº 4280, no Arquivo da Escola Industrial António Augusto Gonçalves e sucessoras.


 Presépio de trono ou altar. Jorge da Conceição.

  Nossa Senhora do Ó. Jorge da Conceição.

  Santo António. Jorge da Conceição.

  Rainha Santa Isabel. Jorge da Conceição.

Senhor dos Passos. Jorge da Conceição.

 Primavera de arco. Jorge da Conceição.

 Bailadeira. Jorge da Conceição.

 Amor é cego. Jorge da Conceição.

Vitória de Estremoz. Jorge da Conceição.
  
 Pastor de tarro e manta. Jorge da Conceição.

Ceifeiro. Jorge da Conceição.
  
Aguadeiro. Jorge da Conceição.
  
 Leiteiro. Jorge da Conceição.

 Mulher das castanhas. Jorge da Conceição.

Barrista a modelar Bonecos de Estremoz. Jorge da Conceição. Figura modelada
em homenagem ao avô Mariano da Conceição (1903-1959), que nos anos 30 do
séc. XX e na peugada de Ana das Peles [Ana Rita da Silva (1870-1945)], ficou
indissociavelmente ligado à  recuperação dos Bonecos de Estremoz na Escola
Industrial António Augusto Gonçalves, graças à iniciativa do seu director, José
Maria de Sá Lemos (1892-1971). Trabalho inspirado em fotografia de Rogério de
Carvalho (1915-1988), datada dos anos 40 do séc. XX.

Barrista a pintar Bonecos de Estremoz. Jorge da Conceição. Figura confeccionada em
homenagem à avó Liberdade da Conceição (1913-1990), barrista que participou na
Exposição do Mundo Português, em 1940. Trabalho inspirado em imagens do filme
“A Grande Exposição do Mundo Português (1940)”, de António Lopes Ribeiro. 

 Mulher a lavar a roupa. Jorge da Conceição.

Mulher a passar a ferro. Jorge da Conceição.

 Senhora a servir o chá. Jorge da Conceição.

 Senhora ao toucador. Jorge da Conceição.

Galo no poleiro (apito). Jorge da Conceição.
  
Cesta de ovos (apito). Jorge da Conceição.

 Galinha no choco (apito). Jorge da Conceição.

Fado. Jorge da Conceição. Figura composta a que foi atribuído o 1º Prémio do
Concurso de Artesanato Tradicional na Feira Internacional de Lisboa (FIA), em 2014.

sábado, 13 de julho de 2019

Auto da Alma


Cirurgia, um caso grave no hospital (1981). Louis Toffoli (1907-1999).
Óleo sobre tela. (114 x 162 cm). Musée Toffoli Charenton-le-Pont, France.
  

ADVERTÊNCIA AO LEITOR
Para que não haja confusões de tipo algum, fica o leitor avisado de que este “Auto da Alma” não é da lavra do beirão Gil Vicente, poeta e ourives, mas do alentejano Hernâni Matos, escritor, jornalista e blogger.

ENREDO
O enredo do auto desenrola-se na actualidade, em quatro locais distintos:
HOSPITAL - Instituição onde se tratam doentes e onde umas vezes se salvam vidas e outras vezes não.
CÉU – Morada do Senhor e dos anjos, para onde vão as almas dos bem-aventurados, na sequência de se terem separado do corpo após a morte.
INFERNO - Destino da alma humana daqueles que em vida assumiram condutas condenadas pela Igreja e que por isso ali sofrem castigo eterno, supliciados com o fogo por Satanás e pelos diabos menores.
PURGATÓRIO - Local em que as almas daqueles que morrem em estado de graça, mas que ainda são imperfeitas, são preparadas através do fogo purificador para poderem ascender ao céu.
O auto envolve 5 personagens, assim caracterizados:
ALGUÉM - Anestesista de serviço no Hospital.
ALMA - a do paciente submetido a intervenção cirúrgica.
SÃO PEDRO - Barbado e com pele crestada pelo sol da Galileia. Vestido de apóstolo e com um molho de chaves à cinta. Desempenha as funções de porteiro do céu e é robusto, para impedir a intrusão de almas indesejadas.
SATANÁS – Nu, peludo e com a pele avermelhada pelo calor do Inferno. Como anjo caído em desgraça, mantém as asas. Para torturar melhor os condenados ao fogo do Inferno, dispõe de cornos na cabeça, mãos com garras e cascos como um bode.  
CENA I
Após intervenção cirúrgica complexa e demorada, algo corre mal na sala de recobro do Hospital. Ouve-se então Alguém gritar:
- Acabamos de o perder!
A sala de recobro torna-se então num pandemónio, com o pessoal clínico a entrar em parafuso.
CENA II
O corpo do paciente torna-se instável e é abandonado pela alma que, de consciência tranquila se dirige para o céu, porque julga ingenuamente que é esse o seu caminho.
Atingida uma das portas do céu, o acesso é-lhe vedado por São Pedro, que lhe diz:
- Não pode entrar, Irmão!
Espantada, a alma pergunta:
- Então porquê, São Pedro?
A resposta do Santo foi imediata:
- Antes do Irmão aqui chegar, já o Senhor me tinha informado do sucedido lá em baixo. Alertou-me também para o facto de o Irmão não reunir os requisitos necessários para aqui entrar. Consultei então os Santos Registos, nos quais consta que o Irmão foi uma pessoa de bem, respeitador das crenças do próximo e que colaborou com as obras sociais da Igreja. Todavia, a nível de sacramentos isto está muito mal. Confirmei que o Irmão foi baptizado, recebeu o crisma, fez a 1ª comunhão e a comunhão solene e chegou a ensinar doutrina aos mais novos. Todavia, aí pelos 12 anos, deixou de se confessar e de comungar, assim como de frequentar a Igreja. Mais tarde, casou-se apenas pelo registo civil e divorciou-se, vindo a reincidir, ao casar novamente pelo civil. Mais recentemente, o Irmão só frequentava a Igreja para casamentos, baptizados e missas por defuntos. Como vê Irmão, nada disto abona a seu favor. 
Pesarosa, a alma prepara-se para replicar, mas São Pedro é peremptório:
- A lei do Senhor é para cumprir e não pode haver desvios. Foi por a fazer cumprir que passei de pescador a apóstolo, me tornei o 1.º Bispo de Roma e o 1.º Papa. Foi por a fazer cumprir que me tornei Mártir e agora sou porteiro do céu. 
Convencida que dali não leva nada, a alma despede-se, dizendo:
- Assim seja. Terei de procurar outro caminho.
CENA III
Depois de ver recusada a sua entrada no céu, a alma entra em depressão e dirige-se para o Inferno, onde julga que será o seu lugar. Numa das entradas encontra-se Satanás que, ao vê-la, dispara à queima-roupa: 
- Onde pensas que vais? Tira o cavalinho da chuva que aqui não tens cabidela. Era o que faltava!
Incrédula, a alma questiona: 
- Palavra de honra que não estou a perceber nada disto. Não me quiseram lá em cima e agora não me querem cá em baixo?
Resposta de Satanás:
Lá em cima é lá com eles, cá em baixo é comigo. E sempre te digo que é preciso descaramento para fazer de mim parvo e procurar cá entrar.
A alma que gosta de conhecer as linhas com que a cosem, insiste e questiona:
- Mas porquê?
Satanás responde de imediato:
- Em 1.º lugar, porque foste baptizado, recebeste o crisma, fizeste a 1.ª comunhão e a comunhão solene e chegaste mesmo a ensinar doutrina aos mais novos. Apesar de não te confessares e de comungar desde os 12 anos, ainda frequentavas a Igreja para casamentos, baptizados e missas por defuntos. Para além disso foste uma pessoa de bem, respeitador das crenças dos outros e que colaborou com as obras sociais da Igreja. Como estás a ver, tudo isto é contra ti. Mas há mais!   
Em 2.º lugar, tiveste preocupações sociais e lutaste por elas. Mas o mais grave de tudo é que fizeste parte da trupe da Catarina Martins, que defende a igualdade a todos os níveis e quer que os ricos paguem a crise. E isso não posso tolerar, já que os ricos constituem a maioria residente no Inferno, pelo que me cabe a mim zelar pelos seus interesses, mesmo depois de mortos.
Em terceiro lugar e por aquilo que conheço de ti, eras capaz de sabotar o fogo dos caldeirões, fomentar a greve entre os diabos menores e virá-los mesmo contra mim. Até eras capaz de me serrar os cornos, aproveitando alguma distracção minha ou quando estivesse a dormir.
Por isso, põe-te na alheta!
E a alma assim fez.
CENA IV
Mais pesarosa que antes, a alma dirige-se para o Purgatório, a ver se ao menos consegue ingressar ali. Com grande surpresa sua, logo à entrada vê um cartaz que diz: ENCERRADO POR FALTA DE HÓSPEDES. Para onde ir então?
CENA V
Na sala de recobro do hospital, após porfiados esforços do pessoal clínico, o paciente regressa à vida. Alguém exclama:
- Já cá o temos outra vez!
Nesse preciso momento, a alma regressa ao corpo. Terminara a sua peregrinação por territórios de rejeição. Já não era a mesma. Tinha muito que contar. Agora o seu lugar era ali, para o que desse e viesse.
MORAL DO AUTO
Preso por ter cão e preso por não ter.

Hernâni Matos

 São Pedro (Entre 1610 e 1612) . Peter Paul Rubens  (1577–1640). Óleo sobre
tela (107 x 82 cm). Museo del Prado, Madrid.

 O Inferno (c. 1510-1520). Mestre português desconhecido. Óleo sobre madeira
de carvalho (119 x 217,5 cm). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Um anjo salva as almas do purgatório (c. 1610). Lodovico Carraci (1555-1619).
Óleo sobre tela (44 x 51 cm). Pinacoteca, Vaticano.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Ou há moralidade ou comem todos!


Edifício-sede da CGD, em Lisboa.


CARTA ABERTA AO CEO DA CGD


Ex.mo Senhor
Presidente da Comissão Executiva da CGD
O signatário:
- Tem 72 anos de idade e é cliente da CGD desde os 18 anos;
- É coleccionador de tudo o que tem a ver com a identidade cultural alentejana e o registo da memória colectiva de Estremoz, os quais há largos anos vem adquirindo e acumulando a expensas suas;
- Pensa ser do interesse público que as suas colecções estejam expostas para que possam ser fruídas pela comunidade. Tal exige a existência de um espaço público para o fazer, o qual reúna as condições por si julgadas adequadas a um Museu;
- Tem conhecimento que a CGD tem à venda no mercado, as antigas instalações da delegação da CGD no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. As mesmas ocupam uma área de 338 m2 e foram postas à venda por 405.000 euros;
- Apesar de ter interesse nas referidas instalações, não tem disponíveis meios financeiros que lhe permitam concretizar a sua aquisição;
- É conhecido como rica pessoa, possuidor de vastos bens de natureza imaterial, dos quais sobressaem entre muitos outros, a honradez, o carácter e a verticalidade. Daí que venha solicitar que a CGD lhe conceda um empréstimo daquele montante, visando comprar o imóvel à própria CGD, dando como garantia o próprio imóvel. Trata-se de um tipo de operação de crédito que não constitui novidade, uma vez que já foi praticada anteriormente pela CGD. De resto, a ser concedido o empréstimo para a referida aquisição e dadas as práticas anteriores da Câmara Municipal, crê ser possível celebrar com a mesma um protocolo, o qual assegure que as despesas de funcionamento do Museu são da responsabilidade da Câmara Municipal;
- A ser bem sucedido na concessão do empréstimo para a aquisição do imóvel e na celebração do protocolo que lhe assegure o funcionamento do Museu a custo zero, vai apresentar um projecto de financiamento aos fundos comunitários, o qual lhe permitirá pagar o empréstimo agora solicitado;
- A não ser bem sucedido o pedido de financiamento aos fundos comunitários, o que espera não vir a acontecer, a CGD não fica a perder. É que vem a receber o imóvel que lhe foi dado como garantia no acto de compra desse mesmo imóvel a si própria. Apenas perde os juros do empréstimo, perda que poderá ser encarada como uma operação de mecenato cultural mal sucedida.
Com vista à concessão do empréstimo solicitado, o signatário informa que:
- Não é cliente de qualquer outra instituição bancária nacional ou estrangeira e não tem depósitos bancários em paraísos fiscais;
- Não é Comendador e o único título que usa é o de Professor, uma vez que exerceu o magistério professoral durante 36 anos consecutivos;
- Não é devedor à Banca, ao Fisco ou a qualquer entidade pública ou privada;
- Não tem qualquer Fundação com estatutos, atrás dos quais se possa entrincheirar e blindar para não pagar aquilo que deve;
- Não tem advogado nem escritório de advogado que, para o bem e para o mal, o aconselhem sobre o que deve, ou não, fazer e dizer.
Na expectativa da sua prezada resposta à minha solicitação, queira ser recebedor dos meus melhores cumprimentos.
Hernâni Matos
Estremoz, 7 de Julho de 2019

(Texto publicado no jornal E nº 227, de 11-07-2019)
No jornal, o texto foi truncado e omitida no início
a frase: "O signatário"  

domingo, 7 de julho de 2019

Bonecos de Estremoz: Armando Alves


Fig. 1 - Armando Alves (1935- ) com a idade de 14 anos. Fotografia de Rogério de
Carvalho (1915-1988). Arquivo fotográfico do autor.

Na Conservatória do Registo Civil de Estremoz consta que, no dia 7 de Novembro de 1935, numa casa sita próximo às “Portas de Santo António”, na freguesia de Santa Maria de Estremoz, nasceu uma criança do sexo masculino, a quem foi dado o nome de Armando José Ruivo Alves, filho de António José Simões Alves de 34 anos de idade, serralheiro, e de Maria Amélia Ruivo Simões Alves, de 28 anos de idade, doméstica, domiciliados na referida casa (2).
O recém-nascido era neto paterno de Joaquim Alves e de Joana Rita e materno de Armando Macarro Ruivo e de Felismina Maria Pimentão Ruivo.
O registo de nascimento foi efectuado pelo pai da criança no dia 4 de Dezembro de 1935, tendo apadrinhado o acto Joaquim António Chouriço, solteiro, maior, sapateiro, domiciliado na rua Narciso Ribeiro, 58, desta cidade e Felismina Maria Pimentão Ruivo, casada, doméstica, domiciliada no Terreiro do Barguilha, desta cidade.
De 1942 a 1945, o Armando (Fig. 1) frequentou a Escola Primária do Castelo, situada no actual edifício do Museu Municipal de Estremoz. De 1946 a 1949, frequentou o Colégio do capitão Grincho e, de 1949 a 1952, frequentou a Escola Industrial e Comercial de Estremoz, onde teve aulas de oficinas de olaria com Mestre Mariano da Conceição (1).
Foi no ano lectivo de 1951-52, já com a Escola Industrial e Comercial de Estremoz instalada no Castelo, no local onde hoje funciona a Pousada da Rainha Santa Isabel, que Armando começou a confeccionar os seus Bonecos de Estremoz.
O trabalho de modelação, cozedura, pintura e envernizamento era feito na própria Escola. Armando não terá feito mais que 10 modelos de Bonecos: - Figuras que têm a ver com a realidade local: Amazona, Leiteiro, Mulher a vender chouriços e Homem do harmónio; - Figuras intimistas que têm a ver com o quotidiano doméstico: Mulher a lavar; - Figuras que são personagens da faina agro-pastoril nas herdades alentejanas: Ceifeira, Mulher da azeitona, Pastor de tarro e manta, Pastor com um borrego e Pastor do harmónio (Fig. 2).
Ao todo, não terá manufacturado mais de cinquenta Bonecos que eram comercializados na Papelaria Ruivo, situada no Largo da República, 24, em Estremoz, exactamente um dos locais em que também eram comercializados os Bonecos do Mestre Mariano da Conceição. Fê-lo a pedido da proprietária, a sua tia Joana Ruivo. Cada figura era vendida ao preço de vinte e cinco tostões, enquanto os de mestre Mariano custavam 12$50.
Mestre Mariano marcava os seus Bonecos, estampando na base a marca ESTREMOZ/PORTUGAL em maiúsculas, distribuídas por duas linhas. Porém, o jovem Armando vai além do Mestre e assina simplesmente “Armando” (3) (Fig. 3), em caracteres manuscritos. Fá-lo a verde, o verde da esperança e das searas que, já doiradas, ondularão mais tarde as suas telas de artista consagrado. Tratou-se então de uma aposta forte visando o futuro, uma espécie de premonição da Obra que iria construir. Daí a razão de assinar simplesmente “Armando”. Sabem porquê? É simples. Toda a gente sabe quem é o Armando. Pois claro! É um consagrado artista plástico a quem José Saramago (1922-2010) prestou tributo, chamando-lhe “Inventor de Céus e Planícies”.
Actualmente, o Armando não faz ideia de quem eram as pessoas que compravam os seus Bonecos. Todavia, lembra-se da tia uma vez lhe ter dito que uma dessas pessoas era o coleccionador e médico calipolense, Dr. Couto Jardim (1879-1961).

BIBLIOGRAFIA
(1) - Armando José Ruivo Alves - Processo Individual de aluno nº 572.
(2) - Armando José Ruivo Alves - Registo de Nascimento nº 555 de 1931, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(3) - MATOS, Hernâni. Armando, bonequeiro de Estremoz in Brados do Alentejo nº 847, 11/12/2014. Estremoz, 2014 (pág. 15).

Fig. 2 – O Pastor do harmónio criado pelo jovem Armando no ano lectivo de 1951-52.

Fig. 3 - A marca "Armando" manuscrita, pintada a verde na base.

sábado, 29 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: Maria Luísa da Conceição


Fig. 1 - Maria Luísa da Conceição (1934-2015). Fotografia do Arquivo Fotográfico
Municipal de Estremoz / BMETZ - Colecção Joaquim Vermelho.

Nasceu às 13 horas de 20 de Maio de 1934 no prédio situado no nº 13 da rua Brito Capelo, da freguesia de Santo André, em Estremoz. Filha legítima de Mariano Augusto da Conceição, de 31 anos, oleiro e de Liberdade Banha da Conceição, de 20 anos, doméstica, ambos naturais da referida freguesia. Neta paterna de Narciso Augusto da Conceição, oleiro, e de Leonor das Neves Conceição, doméstica. Neta materna de José Ricardo Banha e de Agripina da Conceição Banha (5).
A 23 de Julho de 1946 é aprovada no exame do 2º grau do Ensino Primário Elementar. Com 13 anos de idade, candidata-se em 12 de Agosto de 1947 à frequência do Curso de Tapeceira (3 anos) após o Dr. Francisco Affonso de Mattos, médico cirurgião pela Universidade de Coimbra, ter atestado que Maria Luísa foi revacinada contra a varíola há menos de um ano e não sofre de doença infecto-contagiosa, designadamente tuberculose pulmonar ou qualquer das suas formas clínicas. Conclui o curso de Tapeceira em 1950. A 19 de Agosto desse ano candidata-se à frequência do Curso de Aperfeiçoamento de Comércio (4 anos), o qual conclui em 1954, tendo nesse mesmo ano realizado o Exame de Aptidão Profissional (4).
A 21 de Abril de 1957, com 22 anos de idade e na condição de doméstica, casou catolicamente com Octávio Varela Dias Palmela, de 34 anos, comerciante, natural da freguesia de Casa Branca, concelho de Sousel. A celebração do matrimónio decorreu na Capela de Nossa Senhora da Conceição em Estremoz e foi presidida pelo Padre Serafim Tavares. Adoptou então o sobrenome Palmela do marido (2).
O primeiro contacto de Maria Luísa com os Bonecos de Estremoz remonta a 1940, à época da Exposição do Mundo Português, quando, com 6 anos, já ajudava a mãe a pintar os Bonecos confeccionados pelo pai. Com a morte prematura do pai em 1959 e o início da modelação pela mãe, em 1961, Maria Luísa continua a ajudá-la na pintura dos Bonecos. Confecção e pintura são feitas na cozinha, uma vez que aquela que viria a ser a sua oficina e se situava no rés-do-chão da moradia, era então oficina de Sabina Santos, tia de Maria Luísa.
Apesar de ajudar a mãe a pintar, Maria Luísa (Fig. 1) não modela e a sua actividade profissional é tricotar vestuário de lã, o que faz até 1981, ano em que, por motivo de alergia, é levada a abandonar aquela laboração, o que coincide também com o ingresso do filho, Jorge da Conceição, no Instituto Superior Técnico. Passa então a modelar Bonecos de Estremoz, cuja manufactura tinha aprendido por observação do pai, da mãe e da tia. O trabalho continua a ser feito na cozinha. Só com a aposentação da tia em 1988 é que mãe e filha passam a trabalhar na oficina do rés-do-chão, na Rua Brito Capelo, nº 35, em Estremoz. Aqui comercializam os seus Bonecos, passando mais tarde Maria Luísa a fazê-lo também na loja “Artesanato José Saruga”, no Rossio Marquês de Pombal, 98 A, em Estremoz.
Maria Luísa era uma frequentadora assídua de feiras de artesanato: Feira Internacional de Artesanato (Lisboa), Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, Feira de Artesanato de Coimbra, FIAPE (Estremoz), Salão de Artesanato da Feira de Vila Franca de Xira, Feira de Artesanato da Foz do Douro e Festa Ibérica da Olaria e do Barro (São Pedro do Corval). Foi numa dessas feiras, a XIII Feira de Artesanato de Coimbra, que se sentiu indisposta e acabou por falecer num Hospital de Coimbra, vítima de paragem cárdio-respiratória, na madrugada de 7 de Junho de 2015 (3), (7). Tinha então 81 anos. A comunidade bonequeira de Estremoz ficou de luto e, com a sua partida, a barrística popular de Estremoz ficou mais pobre. Maria Luísa era uma pessoa muito estimada em Estremoz. Daí que o seu funeral para o cemitério local, tenha constituído uma sentida manifestação de pesar, na qual se integraram familiares, amigos, admiradores e oficiais do mesmo ofício, que lhe foram prestar uma última homenagem.
Como traço importante do carácter de Maria Luísa, ressalta o orgulho que sentia em ser quem era, filha de bonequeiros, que tinha prazer em trabalhar e ir junto das pessoas, nas feiras de artesanato.
Era com emoção que falava dos Bonecos de Estremoz, sempre que dava entrevistas, o que era frequente. É que Maria Luísa tinha os Bonecos na massa do sangue. Aqueles que lhe saíram das mãos, tanto os “Bonecos da Tradição”, como aqueles que criou e nisso foi pródiga, são muito apreciados e apresentam marcas de identidade muito próprias e inconfundíveis, que os distinguem dos confeccionados pelos diferentes barristas, incluindo o seu pai e a sua mãe. Deixa como continuador da sua arte, o seu filho, Jorge da Conceição, cujos Bonecos ostentam igualmente marcas de identidade muito próprias.
A qualidade do seu trabalho, levou a que lhe fossem atribuídos inúmeros prémios e distinções, sendo de salientar o 1.º Prémio para a melhor peça de artesanato (Vila do Conde - 1991) e o 1.º Prémio da Exposição de Presépios (Viana do Castelo - 2007), merecendo especial destaque a Medalha de Prata de Mérito Municipal, que lhe foi outorgada pela Câmara Municipal de Estremoz, em 2008.
Maria Luísa da Conceição concedera-me há muito, o privilégio da sua amizade e dela reúno Bonecos que comecei a coleccionar desde a I Feira de Artesanato de Estremoz, em 1983. Em sua casa me recebeu inúmeras vezes, onde, como estudioso, me deslocava sempre que precisava de uma informação ou de um esclarecimento sobre Bonecos de Estremoz.
Em 2012 concedeu-me uma entrevista [1] (6) (Fig. 2) que considero importante e que conjuntamente com descobertas que fiz no Arquivo da Escola Secundária e em correspondência particular, permitiram-me esclarecer aspectos menos claros da História dos Bonecos de Estremoz. Estes foram trazidos à luz do dia, quando naquela Escola proferi uma conferência (8) subordinada ao tema “Mestre Mariano da Conceição (O Alfacinha)”, à qual ela assistiu, bem como o seu filho, Jorge da Conceição.
Maria Luísa da Conceição partiu, mas deixou connosco os Bonecos que criou, disseminados por museus e colecções particulares. Deixou também connosco, a Memória da sua jovialidade e da sua vitalidade. De forte compleição física como seu pai, dele herdou também o gosto, a vontade e a determinação que punha em tudo o que fazia. Aos oitenta e um anos, deslocava-se sozinha no seu automóvel, a fim de participar nas feiras de artesanato, de norte a sul do país. Por isso, deu um elevado contributo para a divulgação dos Bonecos de Estremoz.
Quando faleceu, decorria a candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial de Humanidade, para a qual muito contribuiu e da qual era entusiasta. Agora que a candidatura saiu vitoriosa, sou levado a proclamar:
- MARIA LUÍSA DA CONCEIÇÃO, PRESENTE!

BIBLIOGRAFIA
1 - Catálogo da I Feira de Arte Popular e Artesanato. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 15 a 17 de Julho de 1983.
2 - Maria Luísa Banha da Conceição – Assento de Casamento nº 65 de 1957, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
3 - Maria Luísa Banha da Conceição – Assento de Óbito nº 94 de 2015, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
4 - Maria Luísa Banha da Conceição – Processo Individual de aluna nº 528, no Arquivo da Escola Industrial António Augusto Gonçalves e sucessoras.
5 - Maria Luísa Banha da Conceição – Registo de Nascimento nº 301 de 1934, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz
6 - MATOS, Hernâni. Entrevista a Maria Luísa da Conceição. Estremoz, 7 de Fevereiro de 2013. Registo sonoro do Arquivo de Hernâni Matos.
7 - MATOS, Hernâni. Maria Luísa da Conceição, presente! in Brados do Alentejo nº 861, 25/06/2015. Estremoz, 2015 (pág. 4).
8 - MATOS, Hernâni. Mestre Mariano da Conceição (O Alfacinha). Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. Estremoz, 15 de Fevereiro de 2013. sp.




[1] Sem aviso prévio, surgi-lhe inesperadamente na oficina, acompanhado do fotógrafo Luís Mariano Guimarães. Disse-lhe que queria que me concedesse uma entrevista sobre o trabalho do pai, da mãe e dela própria. A sua resposta foi imediata:
- Sim senhor, mas tem que ser rápida. Sabe porquê? Não me deu tempo para responder.
Deu ela própria a resposta:
- É que tenho aqui uma Santa para lhe pôr dois braços.
Todavia, a entrevista não foi rápida. Falámos agradável e descontraidamente durante mais de uma hora. É que “As palavras são como as cerejas, vêm umas atrás das outras. Com aquela conversa informal começou a ser reescrita a História dos Bonecos de Estremoz. Foi um bom começo duma caminhada que nunca terá fim.


Fig. 2 - Maria Luísa da Conceição e o autor no decurso da entrevista que lhe concedeu
em Fevereiro de 2013.