domingo, 15 de junho de 2014

A lavadeira na poesia popular

MULHER A LAVAR A ROUPA. Ti Ana das Peles (1ª metade do séc. XX).
Dimensões (cm): Alt. 11; Larg. 6,3.
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

A vida da lavadeira está retratada na poesia popular portuguesa, como mostram as duas quadras seguintes:

Lavadeira lava a roupa
Lava-a bem e lava-a mal,
Bem lavada, mal lavada,
O sabão vem de Pombal[1]

Já morreu quem me lavava!
Minha rica lavadeira!
Quem lavava como prata
Naquella fresca ribeira[2]

Está também descrita em poesias populares de maior extensão, como as seguintes:

A VIDA DA LAVADEIRA [3]

A vida da lavadeira
É como a do caracol
de Inverno morre com frio
E de Verão morre com sol.

Meninas do rio triste
vinde lavar ao alegre
que a água do nosso rio
põe a roupa como a neve.

Fui lavar ao rio turvo
e escorregou-me o sabão
abracei'me com as rosas
ficou-me o cheiro na mão.

A roupa do marinheiro
não é lavada no rio
é lavada no mar alto
à beirinha do navio.


A LAVADEIRA [4]

Bem lavava a lavadeira
ao som da sua barrela
ela cantando dizia:
Ó que meada tão bela!
Os panos que ela lavava
eram do rei de Castela;
o sabão que ela deitava
tinha vindo de Inglaterra,
a lenha que ela queimava
era cravo era canela;
lavava-os em tanque de oiro
estendia-os na Primavera.





[1] In "Cantos Populares Portugueses. Vol. IV. António Tomaz Pires. Typographia e Stereotypia Progresso. Elvas, 1912.
[2] Idem.
[3] In “EU BEM VI NASCER O SOL”/Antologia de Poesia Popular Portuguesa. Alice Vieira. Editorial Caminho. Lisboa. 1994.
[4] Idem.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

3 – Marcas de identidade

Pastor das migas.
Oficinas de Estremoz do séc. XIX. 
Colecção particular

A matriz identitária do figurado de Estremoz distribui-se por quatro níveis distintos.
Em primeiro lugar, a manufactura sui-generis que a distingue de todo o figurado português. Nela, o todo é criado a partir das partes, recorrendo a três geometrias distintas: a bola, o rolo e a placa. São elas que com tamanhos variáveis são utilizadas na gestação de cada boneco. Para tal são coladas umas às outras, recorrendo a barbutina e afeiçoadas pelas mãos mágicas dos artesãos, que lhes transmitem vida e significado.
Em segundo lugar, é notória a identidade cultural regional. As figuras são muitas das vezes protagonistas das fainas agro-pastoris do Alentejo de antanho, envergando os seus trajes populares. São um relato fiel dos ciclos de produção, dos usos e costumes, bem como da gastronomia. A identidade cultural regional está, de resto, presente no alegre e garrido cromatismo das imagens, que reflectem as claridades do Sul. 
Em terceiro lugar, é patente também uma identidade cultural local, que tem a ver com o quotidiano das gentes, com a vida íntima na comunidade, com o respeito pela instituição militar, com a veneração pelos santos da Igreja Católica e com a comemoração de festas cíclicas.
Em quarto e último lugar, estão as marcas de identidade de autor, gravadas ou estampadas na base dos bonecos ou no interior das peças ocas (mulheres de saia ou santos assentes numa peanha). São marcas através das quais os bonequeiros assumem a maternidade ou a paternidade de cada peça nascida das suas mãos. Afirmação legítima da auto-estima dos barristas, que nos relembra as siglas gravadas pelos pedreiros medievais nas pedras que afeiçoavam e que transmitiam a mensagem “Esta pedra é Obra minha”.
As marcas de identidade de autor, além de identificarem o artesão, permitem balizar o período de manufactura das figuras, na medida em que os artífices no decurso da sua actividade vão, por vezes, utilizando marcas distintas. Todavia, não só as marcas de autor permitem identificar o bonequeiro, já que cada um tem o seu próprio modo de observar o mundo que o cerca e de o interpretar, legando traços de identidade pessoal nas peças que manufactura e que são marcas indeléveis que permitem identificar o seu autor.


domingo, 8 de junho de 2014

Interpretação pós-moderna do adagiário sobre coelhos

Painel direito (220 cm x 97,5 cm) de “O Jardim das Delícias Terrenas”(1504), tríptico – óleo sobre
madeira ( 220 cm × 389 cm), de Hieronymus Bosch (1450-1516). Museu do Prado, Madrid. O tríptico
descreve a História do Mundo a partir da Criação, apresentando o Paraíso Terrestre e o Inferno nas
abas laterais. O painel direito é conhecido como "O inferno musical", pelas múltiplas representações de
instrumentos musicais. Aí, Bosch pintou os tormentos do inferno, aos quais fica exposta a  Humanidade. Descreve um mundo onírico, demoníaco, opressivo, de inumeráveis tormentos. Na parte inferior do
painel direito, os instrumentos musicais aparecem transformados em instrumentos de tortura. Vê-se
um coelho a tocar trompa e um homem abraçado por um porco, simbolizando o que acontece às
pessoas, devido ao seu comportamento.

De acordo com o “Correio da Manhã” de hoje, no próximo dia 15 de Agosto tem início a caça ao coelho. Tal facto, levou-nos a fazer uma interpretação pós-moderna do adagiário português sobre coelhos, a qual apresentamos de seguida:  

Temos coelho na toca.
O Passos Coelho está no Palácio de São Bento.

Depois de fugir o coelho, todos dão conselhos.
O Coelho não vai fugir. Os caçadores que se convençam disso.

Depois de fugir o coelho, toma o vilão o conselho.
Já dissemos e repetimos: o Coelho não vai fugir. Os caçadores que se convençam disso.

Matar dois coelhos duma cajadada.
Derrubar o governo PSD-CDS. 

Desta moita não sai coelho.
O PS do Tó Zé Seguro parece pouco empenhado em derrubar o governo.

O caçador do coelho deve ser manso.
Se assim é, o Tó Zé Seguro é manso demais ou faltam-lhe munições.

Os mansos comem coelho.
Se assim é, o Tó Zé Seguro anda há muito com falta de apetite.

O coelho é de quem o levanta, a lebre é de quem a mata e a perdiz de quem a acha.
Há quem pense que o Coelho será do António Costa.

Coelho casa com coelha, não com ovelha.
Esta é a crença de algum PSD, que não gosta de Paulo Portas, que considera uma “ovelha ronhosa”.

Quem corre atrás de dois coelhos, não pega nenhum.
Será uma advertência ao PCP do Jerónimo de Sousa, que combate igualmente o governo PSD-CDS e o PS?

Antes coelho magro no mato, que gordo no prato.
Adágio equivalente a este outro: Pela boca morre o peixe.

Quando o coelho provar que não é lebre, já está assado.
A assadura já começou, mas ainda vai levar o seu tempo.

A coelho ido, conselho vindo.
Adágio equivalente a este outro: Depois da casa roubada, trancas à porta.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Cada macaco no seu galho

Cada macaco no seu galho
(Imagem recolhida em http://nutricionistabia.blogspot.pt) 

Prestíssimo
Decorreram em todo o país, no passado dia 18 de Maio, as Comemorações do Dia Internacional dos Museus, este ano subordinadas ao tema “Museus: Colecções Criam Conexões”. Daí que o Município de Estremoz, através do Museu Municipal, tenha organizado no Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte, uma exposição sob a epígrafe “Os Poetas Populares e o Boneco de Estremoz”. A exposição foi inaugurada no passado dia 18 de Maio, pelas 16h 30 min e estará patente ao público até ao próximo dia 24 de Agosto.
No acto inaugural, poetas populares do concelho e de concelhos limítrofes, convidados por ofício da Vereadora da Cultura, declamaram décimas de sua autoria, tendo por tema os “Bonecos de Estremoz”.
Aleggro
Certa vez na TV, o conhecido humorista Herman José saiu-se com esta graça:
- Sabem porque é que eu e o Dr. Mário Soares nos damos bem?
Ao que logo respondeu:
- É que fizemos um acordo. Ele não conta anedotas e eu não me meto em política.
Larguíssimo
Como agente cultural, tenho desenvolvido actividades com poetas populares que remontam aos anos 70 do século passado e que ultrapassam mais de uma vintena de Encontros, a última das quais na COZINHA DOS GANHÕES 2013.
A minha cooperação com o Município tem tantos anos como o 25 de Abril, sempre foi leal e continuará a ser, pois não poderá ser de outra maneira. Daí que me tenha sentido magoado e entristecido, por o Município ter transvasado as suas competências e se ter substituído a um agente cultural que tem trabalhado na área. É certo que é um procedimento legal, mas não é ético. As pessoas não podem ser descartáveis. Muito menos pelo desconhecimento do trabalho realizado e da disponibilidade em o continuar a realizar. Daí a deselegância da atitude.    
Gravíssimo
Num caso destes, o conhecido dirigente portista, Pinto da Costa, proclamaria:
- Cada macaco no seu galho!
Todavia eu limito-me a citar o rico adagiário português:
- Quem não se sente, não é filho de boa gente.


terça-feira, 3 de junho de 2014

O corta-massa

Corta- massas lisos. 

O corta-massa é uma pequena forma oca de folha-de-flandres, que serve para recortar a massa para certos bolos. Pode ser lisa ou canelada, ter múltiplas formas e existe em vários tamanhos. Pode ou não ter uma pega de suporte na parte superior. 
Na nossa colecção de utensílios de cozinha antigos temos exemplares lisos das seguintes formas: azevinho, circular, cordiforme, elíptica, estrela de cinco pontas, estrela de seis pontas, hexagonal, letras (L,M), meia-lua, quadrada, rectangular, rosácea hexalobada, rosácea trilobada, sino, zoomórfica (em forma de cão, coelho, gato, pássaro, peixe), bem como algumas formas difíceis de descrever.
Quanto a exemplares canelados, temos as seguintes formas: circular, elípica, losangolar,  peixe, pinheiro, quadrada,  rectangular, sector circular, triangular.


Corta- massas lisos, alguns de forma difícel de descrever.
Corta- massas lisos, de forma zoomórfica. 
Corta- massas canelados.


sexta-feira, 30 de maio de 2014

A lavadeira nas lengalengas

MULHER A LAVAR A ROUPA. Maria Luísa da Conceição.
Marcas: ESTREMOZ aposta por carimbo (0,7 cm x 2,5 cm) e
M. Luísa manuscrita. Dimensões (cm): Alt. 16,5; Larg. 7; Prof. 13.
Peso (g): 489. Colecção particular.

A nossa abordagem temática das “lavadeiras” e da “lavagem” ficaria incompleta em termos de literatura oral, se não referíssemos conhecidas lengalengas. Estas são especímenes da tradição oral, transmitidas de geração em geração, que assumem a forma de cantilenas constituídas por frases curtas, em geral rimadas e com repetições, as quais permitem que sejam decoradas com facilidade. Geralmente, as lengalengas estão associadas a brincadeiras e a jogos infantis.
Da temática referida, conhecemos duas, que registamos aqui:

Ó Senhora Lavadeira

Ó senhora lavadeira
Já matou o seu porquinho?
Traga cá uma talhada
Do rabo até ao focinho
Aqui estou à sua porta
Sentada numa cortiça
Não me vou daqui embora
Sem me dar uma linguiça.

Senhora Dona Anica

Senhora Dona Anica
Sra. D. Anica
venha abaixo ao seu jardim
Venha ver as lavadeiras
a fazer assim - assim (gesto de esfregar roupa)

Sra. D. Anica
venha abaixo ao seu jardim
Venha ver as costureiras
a fazer assim - assim (gesto de bordar)

Sra. D. Anica
venha abaixo ao seu jardim
Venha ver os jardineiros
a fazer assim - assim (gesto de cavar)

Sra. D. Anica
venha abaixo ao seu jardim
Venha ver os sapateiros
a fazer assim - assim (gesto de martelar)

Sra. D. Anica
venha abaixo ao seu jardim
Venha ver os carpinteiros
a fazer assim - assim (gesto de serrar)

Sra. D. Anica
venha abaixo ao seu jardim
Venha ver os cozinheiros
a fazer assim - assim (gesto de mexer a sopa)
  

quinta-feira, 29 de maio de 2014

2 - Invariância e Mutabilidade nos Bonecos de Estremoz

Mulher a lavar a roupa. 
Liberdade da Conceição (1913-1990).
 Colecção particular.

2 – Invariância e Mutabilidade nos Bonecos de Estremoz

Os bonecos de Estremoz são pela sua excelência, notórias marcas de identidade desta terra transtagana. E são-no duma maneira que supera o estatismo e que se torna dinâmica. É que a manufactura de cada boneco encerra em si duas componentes distintas: a invariância e a mutabilidade.
Em primeiro lugar, invariância, porque encerram em si mesmos, traços de identidade que se mantêm de barrista para barrista, tal como o gesto augusto do semeador reproduz ancestrais trejeitos padrão.
Em segundo lugar, mutabilidade, já que cada barrista tem a sua própria individualidade, o seu próprio modo de observar o mundo que o cerca e de o interpretar à sua maneira. Lá diz o rifão: “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. É assim que cada barrista, sem pôr em causa a essência temática de cada figura, acrescenta-lhe pormenores através dos quais fixa a posição da mesma ou sugere movimento, bem como pormenores do vestuário e dos utensílios usados, assim como particularidades da actividade desenvolvida. Com esta mutabilidade, os bonecos de Estremoz transvazam a mera produção monolítica e ascendem a novos patamares em que se revigoram, qual Fénix renascida das cinzas, o que vem acontecendo desde a sua génese. 
Exemplo disso é a figura da mulher a lavar a roupa (lavadeira), a qual integra o núcleo central do figurado de Estremoz, muito em particular, o conjunto das figuras intimistas que têm a ver com o quotidiano doméstico, sendo que os exemplares mais antigos conhecidos, pertencem às oficinas de Estremoz, dos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX.