domingo, 25 de setembro de 2011

Viver é preciso!


CORRENTES DE ÁGUA. Paisagem com rio (1778). Jacob Philipp Hackert (1737-1807)
Óleo sobre tela (64,5 x 88,5 cm). Szépmûvészeti Múzeum - Budapest.

FLUXOS DOS QUATRO ELEMENTOS PRIMORDIAIS
De acordo com a da Teoria dos Quatro Elementos do filósofo grego Empédocles (495/490 - 435/430 a.C.), tudo o que existe na natureza é constituído por quatro princípios primordiais: água, ar, fogo e terra.
Passageiros do Universo, na condição de habitantes do planeta Terra, estamos rodeados de fluxos desses quatro elementos primordiais:
- Em primeiro lugar, correntes de água, através das quais esta se move de uma região de maior potencial gravítico, para outra de menor potencial gravítico. Por outras palavras, a água flui por acção da gravidade.
- Para além dadas correntes de água, temos os ventos que são fluxos de massas de ar que se deslocam de regiões de alta pressão para regiões de baixa pressão.
- Temos ainda as correntes de fogo ou se quisermos, correntes de lava, que brota dos vulcões em erupção. É sabido que devido à enorme tensão das camadas subjacentes, o núcleo central da Terra se encontra num estado ígneo permanente, o que faz com que esta gigantesca caldeira, de vez em quando tenha que descomprimir, o que tem lugar através de erupções vulcânicas, nas quais correntes de fogo, se deslocam por convenção, de regiões profundas, caracterizadas por valores elevados de massa volúmica e de temperatura, para regiões superficiais caracterizadas por valores de massa volúmica e temperatura, mais baixos.
- Há de resto, movimentos de terra, devidos a agentes de geodinâmica externa (movimentos dunares e aluimento de terrenos) ou de geodinâmica interna (tremores de terra, movimento de placas, tremores de de terra).
Dalguns destes fluxos nos fala a Bíblia. Assim, relativamente ao vento:
- No primeiro dia de criação do mundo: “A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as águas”. (Gênesis 1,2)
- Depois do Dilúvio Universal: “Então Deus lembrou-Se de Noé e de todas as feras e animais domésticos que estavam com ele na arca. Deus fez soprar um vento sobre a terra, e as águas baixaram.” (Gênesis 8,1)
Relativamente à água:
- No segundo dia de criação do mundo Deus disse: “Que as águas que estão debaixo do céu se juntem num só lugar e apareça o chão seco. E assim se fez.” (Gênesis 1,9)
Relativamente à terra:
- No segundo dia de criação do mundo, “Deus chamou ao chão seco “terra”, e ao conjunto das águas “mar”. E Deus viu que era bom.” (Gênesis 1,10)
Relativamente ao fogo:
- Quando da destruição de Sodoma e Gomorra “O Senhor fez então cair sobre Sodoma e Gomorra uma chuva de enxofre e de fogo, vinda do Senhor, do céu.” (Gênesis 19,24)
Fluxos de água, ar, fogo e terra, são exemplos elementares e paradigmáticos de que o mundo que nos rodeia e com ele o homem, personagem principal da História, da Antropologia e da Etnologia, são atravessados transversalmente e longitudinalmente por fluxos, que determinam que as coisas sejam de uma maneira e não de outra maneira qualquer. Cabe ao Homem, na qualidade de actor principal e fim último daquelas ciências, interpretar os dados de que elas dispõem e aprender com eles, para que com um desejável espírito positivo de cidadão do mundo, seja capaz de equacionar, planificar e edificar a existência de um mundo mais solidário e mais fraterno.

FLUXOS NA ALDEIA GLOBAL
Para o nosso bem e para o nosso mal, o mundo é hoje uma aldeia global, com fronteiras esbatidas e praticamente inexistentes, que todavia são atravessadas por qualquer internauta, à velocidade de um clique.
As águas e os ventos não conhecem fronteiras. A contaminação e a poluição não são locais, são sempre globais.
A prática errada da agricultura intensiva, com recurso a fertilizantes artificiais e a pesticidas está a contaminar os aquíferos e a condenar o Homem à morte. Só a prática de uma agricultura biológica auto-sustentada, poderá vir a evitar esse desfecho.
Por sua vez, a poluição e dentro dela a poluição atmosférica tem atingido níveis assustadores, nunca equacionados no arranque da revolução industrial e que têm múltiplos reflexos negativos, como é o caso do efeito de estufa, que perigosamente faz aumentar a temperatura do planeta. Só a adopção de políticas energéticas limpas e a implementação responsável de energias alternativas por parte de todos os governos, poderá salvar a Humanidade.
Para além disso, a luta contra o desperdício e o consumismo, pela melhoria da nossa qualidade de vida e pela salvação do planeta, passa pela implementação da política dos 3 RRR:
- Reduzir o lixo que se produz;
- Reutilizar as embalagens mais que uma vez;
- Reciclar os componentes do lixo, separando-os na origem.
Há que voltar a usar o talego, a alcofa e o cesto, que quando se estragam podem ser reparados ou usados sob outra forma e só em casos limite se devem deitar fora, para então serem degradados pela Terra-Mãe e renascerem sob outra forma.

VIVER É PRECISO
Para terminar não queria deixar de prestar aqui a minha singela homenagem a Afonso Cautela, jornalista, ensaísta e escritor, velho militante ecológico, percursor entre nós do ambientalismo e da sustentabilidade do planeta. Foi ele que introduziu na terminologia do militante ecológico, para serem usadas como armas de arremesso, termos como “ecocídio” para designar o assassinato do planeta, bem assim como de termos mais pesados, como “ecofascistas”, epíteto com que nos seus escritos apodava todos aqueles que com desprezo olímpico, agrediam o ambiente. Conheci-o há cerca de quarenta anos. Continuam actuais as palavras de ordem que sempre perfilhámos:
“NUCLEAR? NÃO OBRIGADO!”
E sabem porquê?
“PORQUE VIVER É PRECISO!”

Publicado inicialmente a 25 de Setembro de 2011

VENTOS. Embarcações em vento forte (c. 1630). Jan Porcellis (c. 1584-1632)
Óleo sobre tela (42 x 62 cm). Colecção particular.

CORRENTES DE FOGO. Vulcão à Noite (1880). Jules Tavernier (1844-1889)
Óleo sobre tela (48,3 × 91,4 cm). Honolulu Academy of Arts.
 
MOVIMENTOS DE TERRA. Paisagem de dunas com camponeses num caminho (1634)
Jan van Goyen (1596-1656). Óleo sobre tela (88.9 x 125.8 cm). Colecção particular.
 
POLUIÇÃO. Nuvens Industriais (2003). Kay Jackson. Óleo com folha de ouro e cobre sobre tela
(86,46 x 96,5 cm).

sábado, 24 de setembro de 2011

O Outono na Pintura Universal

OUTONO (Finais do séc. XIV). Iluminura do “Tacuinum Sanitatis”, livro medieval sobre o bem-estar, com base na al Taqwin Taqwin تقوين الصحة ("Quadros de Saúde"), tratado do século XI da autoria do médico árabe Ibn Butlan de Bagdá, o qual pertence à Biblioteca Casanatense, em Roma.

O Outono começa com o Equinócio de Outono. O Equinócio é o instante em que o Sol, no seu movimento anual aparente, cruza o equador celeste. A palavra de origem latina significa "noite igual ao dia", uma vez que nesta data, o dia têm duração igual à noite.

São múltiplas as referências bíblicas ao Outono:
- "Eu dar-vos-ei chuva no seu tempo: chuvas de Outono e de Primavera. Deste modo, poderás recolher o teu trigo, o teu vinho novo e o teu azeite." (Deuteronómio 11,14)
- "Pudesse eu reviver os dias do meu Outono, quando Deus era íntimo na minha tenda," (Jó 29,4)
- "Quem armazena no Outono é prudente; quem dorme no tempo da colheita cobre-se de vergonha." (Provérbios 10,5)
- "No Outono o preguiçoso não lavra, e na colheita vai procurar e nada encontra." (Provérbios 20,4)
- "Não pensaram: “Vamos temer a Javé nosso Deus, que nos dá a chuva do Outono e da Primavera no tempo certo; e ainda estabeleceu as semanas certas para a colheita”. (Jeremias 5,24)
- "Alegrai-vos, filhos de Sião, e rejubilai em Javé, vosso Deus. Pois Ele mandou no devido tempo as chuvas do Outono e fez cair chuvas abundantes: as chuvas do Outono e da Primavera, como antigamente." (Joel 2,23)
- "Irmãos, sede pacientes até à vinda do Senhor. Vede como o agricultor espera pacientemente o fruto precioso da terra, até receber a chuva do Outono e da Primavera." (São Tiago 5,7)
- "São eles que participam descaradamente nas vossas refeições fraternas, apascentando-se a si mesmos com irreverência. São como nuvens sem água, levadas pelo vento, ou como árvores no fim do Outono que não dão fruto, duas vezes mortas e arrancadas pela raiz." (São Judas 1,12)

A igualdade dos dias e das noites, característica do equinócio de Outono é referida por Luís por Camões (c. 1524 - 1580) nos Lusíadas (II, 63):

"Vai-te ao longo da costa discorrendo,
E outra terra acharás de mais verdade,
Lá quase junto donde o Sol ardendo
Iguala o dia e noite em quantidade;
Ali tua frota alegre recebendo
Um Rei, com muitas obras de amizade,
Gasalhado seguro te daria,
E, para a Índia, certa e sábia guia."

Em 2011, o Equinócio de Outono, ocorre no dia 23 de Setembro às 9h 5min (tempo universal), 10h 5min em Portugal continental. Este instante assinala o começo do Outono no Hemisfério Norte. Esta estação prolonga-se até ao próximo Solstício que ocorre no dia 22 de Dezembro às 05h30m.
O Outono é a estação do ano que estabelece a transição do Verão para o Inverno. É caracterizada por um abaixamento de temperatura e pelo amarelecer das folhas das árvores. Estes factos, por vezes associados às fainas agro-pastoris característicos da época, constituem o tema central de telas criadas por grandes nomes da pintura universal, dos quais destacamos, agrupados por períodos:

- IDADE MÉDIA: Autor desconhecido (Finais do séc. XIV);
- RENASCENTISMO: Francesco del Cossa (c. 1435- c. 1477), italiano;
- MANEIRISMO: Jacob Grimmer (c. 1525-1590), flamengo; Giuseppe Arcimboldo (1526-1593), italiano; Abel Grimmer (c. 1570-c. 1619), flamengo;
- BARROCO: Francesco Albani (1578-1660), italiano; Pieter Pauwel Rubens (1577-1640), flamengo; Nicolas Poussin (1594-1665), francês; Jacques Bailly (c. 1634-1679), francês; Rosalba Carriera (1675-1757), italiano; Anton Kern (1709-1747), alemão; Jacob van Strij (1756-1815), holandês;
- RÓCÓCÓ: François Boucher (1703-1770), francês; Jacob Cats (1741-1799), holandês; Jacob Philipp Hackert (1737-1807), alemão;
- REALISMO: Jean-François Millet (1814-1875), francês;
- ROMANTISMO: Frederic Edwin Church (1826-1900), americano;

Publicado em 24 de Setembro de 2011

O OUTONO: A MUSA POLÍMNIA (1455-1460).
Francesco del Cossa (c. 1435-c. 1477).
Óleo sobre madeira (116,6 x 70,5 cm).
Gemäldegalerie Deutsch, Berlin.

OUTONO.
Jacob Grimmer (c. 1525-1590).
Óleo sobre madeira (36 x 60 cm).
Szépmûvészeti Múzeum, Budapest.
 
OUTONO (1572).
Giuseppe Arcimboldo (1526-1593).
Óleo sobre tela (93 x 72 cm).
Art Museum, Denver.

 
OUTONO (1607).
Abel Grimmer (c. 1570-c. 1619).
Óleo sobre tela (33 x 47 cm).
Koninklijk Museum voor Schone Kunsten, Antwerp.
 
OUTONO – VÉNUS E ADÓNIS (1616-1617).
Francesco Albani (1578-1660).
Óleo sobre tela (Diâmetro 154 cm).
Galleria Borghese, Rome.

Paisagem de Outono com vista de Het Steen (c. 1635).
Pieter Pauwel Rubens (1577-1640).
Óleo sobre madeira (137 x 235 cm).
National Gallery, London.

OUTONO (1660-1664).
Nicolas Poussin (1594-1665).
Óleo sobre tela (118 x 160 cm).
Musée du Louvre, Paris.
 
OUTONO. (1664-68).
Jacques Bailly (c. 1634-1679).
Iluminura.
Bibliothèque Nationale, Paris.
 
OUTONO (C. 1725).
Rosalba Carriera (1675-1757).
Pastel sobre papel colado em cartão cinzento (24 x 19 cm).
The Hermitage, St. Petersburg.
 
OUTONO E INVERNO (1747).
Anton Kern (1709-1747).
Óleo sobre tela (165 x 126 cm).
The Hermitage, St. Petersburg.

OUTONO PASTORIL (1749).
François Boucher (1703-1770).
Óleo sobre tela (260 x 199 cm).
Wallace Collection, London.

PAISAGEM DO OUTONO COM ARCO-ÍRIS (1779).
Jacob Cats (1741-1799).
Aguarela e caneta (334 x 415 mm).
Rijksmuseum, Amsterdam.

OUTONO (c. 1784).
Jacob Philipp Hackert (1737-1807).
Óleo sobre tela (96,5 x 64 cm).
Wallraf-Richartz Museum, Cologne.
 
PAISAGEM DE OUTONO (Segunda metade do século XVIII).
Jacob van Strij (1756-1815).
Óleo sobre tela (229 x 210 cm).
Colecção particular.

PALHEIROS: OUTONO (c. 1874).
Jean-François Millet (1814-1875).
Óleo sobre tela (85 x 110 cm).
Metropolitan Museum of Art, New York.
   
OUTONO (1875).
Frederic Edwin Church (1826-1900).
Óleo sobre tela (39 x 61 cm).
Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid.

domingo, 18 de setembro de 2011

O Alentejo nas Aguarelas de Feliciano Cupido


RUA EM BRANCO
Aguarela s/papel (40 x 50 cm)

“AGUARELAS DE FELICIANO CUPIDO” é a exposição que de 17 de Setembro a 29 de Outubro de 2011, se encontra patente ao público no Centro Cultural Dr. Marques Crespo, na Rua João de Sousa Carvalho, em Estremoz. Trata-se duma organização da Associação Filatélica Alentejana, com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.

Feliciano Cupido nasceu em Alcáçovas, exactamente no ano da graça de 1948, no dia da Restauração da Independência de Portugal. Data paradigmática em que o Portugal espezinhado pelo jugo castelhano, pôs o seu destino nas mãos de um homem de cultura, que governaria com o real nome de D. João IV, um alentejano de Vila Viçosa, que inauguraria a distinta dinastia dos Braganças, pela qual nutro especial admiração.
D. João IV foi um homem de profunda cultura musical e Alcáçovas, é reconhecida desde tempos primordiais, como pátria sonora e alentejana dos chocalhos. Desses mesmos chocalhos com que os ganadeiros ataviam a gadeza com que se enche a barriga, já que barriga vazia não conhece alegrias.
São chocalhos machos, chocalhos beirões, chocalhas, campanilhas, esquilões, esquilas, guizos, mangas, sem serras, picadeiros e sinetas.
São maquinetas de sons campestres que anunciam a fartura da matança que há de vir: a cachola, os pezinhos, as orelhas, a focinheira, as costeletas, os lombinhos, os presuntos, os paios, as paias, as farinheiras e as morcelas, que são como que hóstias sagradas com as quais nos seus rituais gastronómicos, os alentejanos comungam com vinho tinto rijo, espesso e aveludado, daquele que se mastiga e deposita “ad eternum” memórias de prazer nas suas papilas gustativas. Memórias de castas nacionais como Aragonês, Trincadeira Preta, Castelão, Tinta Caiada, Touriga Nacional e Alicante, mas memórias também de castas internacionais como Syrah, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Petit Verdot e Merlot. Memórias também do odor das flores de esteva, dos poejos e dos ourégãos, do azeite com que temperamos divinamente a comida e do barro húmido que tresanda a ventre de mulher fecundada.
Estão pois a ver que a data de nascimento de Feliciano Cupido, consubstanciou um acto premonitório de que todo a sua vida decorreria sob os auspícios da música e toda ela teria a ver com estas terras de Além Tejo.
Como quase todos os homens da sua geração, Feliciano Cupido, passou pelas fileiras militares e permaneceu vinte e sete meses em Moçambique. Quando regressou inteiro, privilégio que muitos não tiveram, foi trabalhar em Évora para a Siemens, mais tarde Tyco. Aí iniciou a sua vida laboral e viveu intensamente os momentos mais extraordinários da novel revolução portuguesa e de todos os seus supremos valores de generosidade.
Desde sempre esteve ligado a movimentos e pessoas que cultivam o contacto com a natureza e o respeito pela mesma.
Integrou o Grupo Coral e Etnográfico “Cantares de Évora”, do qual foi um dos fundadores. Foi ainda criador e fundador da primeira Escola de Pintura de Évora, na Casa do Pessoal da Siemens, da qual foi Presidente da Direcção, durante vários anos.
Da Tyco se aposentou em 2006, ano em que começou a pintar, pois parar é morrer.
Para Feliciano Cupido, viver tem sido bom, uma vez que teve uma meninice agradável com pais e avós que sempre lhe proporcionaram o bem estar possível, com muito amor e carinho, temperados pelo respeito pelo próximo e pelos valores humanos, código que ainda hoje mantém.
A atracção pela pintura acompanha-o desde criança. Na qualidade de Director da Casa do Pessoal da Siemens, proporcionou ao pintor Camol d´Évora, as condições para se fixar em Évora. Instalaram então aí a primeira Escola de Pintura, passando então a dedicar-se a ela com mais empenho. Começou primeiro pelo acrílico, passando quase de imediato ao óleo e só mais tarde à aguarela.
Como pintor, Feliciano Cupido considera-se um autodidacta em aprendizagem permanente. Por outras palavras: um eterno insatisfeito na demanda alquímica de querer sempre fazer melhor, o que procura concretizar numa entrega total. Como tema dominante tem a região Alentejo, muito em especial a paisagem e alguns dos seus pormenores. Para ele, o acto de criação artística, representa um encontro consigo próprio. Nos seus quadros utiliza as cores que o Alentejo tem no Verão ou seja as cores da charneca seca. É que ele gosta muito das cores que nos transmitem a sensação de calor. Daí que o preto não entre nos seus trabalhos e o verde seja uma cor pouco utilizada.
Parafraseando - me a mim próprio, em texto já parido anteriormente, eu diria que Feliciano Cupido nos sabe transmitir duma maneira sábia, o azul límpido do céu, o castanho da terra de barro, a cor de fogo do Sol e o verde seco da copa dos sobreirais. E, as suas aguarelas, essas constituem uma paleta de cores, trespassada por uma claridade que quase nos cega e é companheira inseparável do calor que nos esmaga o peito, queima as entranhas e encortiça a boca.
Feliciano Cupido é natural das Alcáçovas, a catedral da sonoridade chocalheira desta terra transtagana. Dela fala Eduardo Teófilo na “Planície Heróica”, quando nos diz que: “Comovedora, sobretudo, era a música do crepúsculo, o cardume tremidinho de esquilas, campainhas e chocalhos dos lentos rebanhos recolhendo a currais, apriscos e arribanas – que ora tinha a soturnidade dum fabordão, ora a finura e a macieza dum coro angélico.”
As aguarelas de Feliciano Cupido têm a ver com a dimensão regional das minhas emoções, que é o mesmo que dizer com a identidade cultural do povo alentejano, forjada e caldeada em condições adversas.
Por isso eu me identifico com as aguarelas de Fernando Cupido.


MONTE DOS MOCISSOS
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)

MONTE DA BARRA AZUL
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)
ESTENDAL
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)

MONTE DA ALFARROBEIRA
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)
CEIFA
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)

TELHADOS - MONSARAZ
Aguarelas/papel (30 x 40 cm)
MONSARAZ - TORRE DO RELÓGIO
Aguarela s/papel (50 x 40 cm)
FONTE DAS PORTAS DE MOURA II – ÉVORA
Aguarela s/papel (40 x 30 cm)

PALÁCIO DE D. MANUEL I - ÉVORA
Aguarela s/papel (40 x 30 cm)

AQUEDUTO - ÉVORA
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)
SALA DO MUSEU MUNICIPAL DE ESTREMOZ
Aguarela s/papel (40 x 30 cm)
SALA DO MUSEU MUNICIPAL DE ESTREMOZ
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)

SALA DO MUSEU MUNICIPAL DE ESTREMOZ
Aguarela s/papel (30 x 40 cm)


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A criação na gíria popular

Ilustração de Alfredo Roque Gameiro (1864 - 1935)
para “As Pupilas do Senhor Reitor”,
de Júlio Diniz (1839-1871).

Na sequência da nossa pesquisa em catorze fontes bibliográficas distintas, citadas na bibliografia, reunimos a presente colectânea de “dizeres” sobre a criação, a qual sistematizámos em oito grupos distintos:

- FRANGO/FRANGA
- GALINHA
- GALO
- GANSO/GANSA
- OVOS
- PATO/PATA
- PERU/PERUA
- PINTO

A extensão desta colectânea é mais uma vez um índice seguro da riqueza da nossa tradição oral.

FRANGO/FRANGA
- Comer o peito da franga com molho pardo = Alcançar a vitória [10]
- Franga = Menina quando começa a desenvolver-se e a tomar formas de mulher [11]
- Franga = Mentira = Pantominice [11]
- Franga = Mulher ainda jovem e muito bela [9]
- Franga = Pita [9]
- Frangaínha = Menina = Rapariguinha [5]
- Frangaiola Mulher moça; rapariga (Turquel) [5]
- Frangalho = Farrapo [5]
- Frangalhona = Mulher desmazelada, que anda com vestidos rotos [5]
- Frangalhoteiro = Indivíduo que é doido por mulheres [5]
- Franganada = Grupo de rapazes e raparigas [2]
- Franganote = Rapazola adolescente e já dando ares de adulto e conquistador [8]
- Franganote = Rapazola imberbe [1]
- Frangão = O frango já maior e capadouro [3]
- Frango = Defesa fácil que o guarda-redes falha [8]
- Frango romanisco = Frango que tem crista muito rebicada e chata [11]
- Frangolho = Trigo mal partido ou mal pisado que se coze em papas [11]
- Frangueiro = Guarda-redes que comete repetidos erros [11]
- Franguelho = Caruma seca (Minho) [11]
- Franguinho = Frangoinho [14]
- Franguinho = Rapaz com pretensão de homem [6]
- Frangulete = Rapazelho com ares de homem (Douro) [11]
- Frangulheiro = Caruma seca (Minho) [11]
- Frangúria = Hérnia = Quebradura [11]
GALINHA
- Andar com galinha = Atravessar um período de azar [10]
- Branco é, galinha o põe = Referência àquilo que é evidente [10]
- Cantar de galinha = Esmorecer = Desanimar [10]
- Comer galinha e arrotar peru = Alardear riqueza, poder ou importância que não se tem [10]
- Contar com o ovo no cu da galinha = Ter como certo aquilo que ainda não é realidade [10]
- Deitar uma galinha = Colocar ovos num ninho para serem incubados por galinha choca [10]
- Deitar-se com as galinhas = Deitar-se muito cedo [10]
- Dormir com as galinhas = Adormecer muito cedo [7]
- Galinha = Azar = Infelicidade [1]
- Galinha = Coisa fácil [11]
- Galinha = Jogo popular [4]
- Galinha = Mulher devassa [5]
- Galinha = Mulher estúpida [11]
- Galinha dos ovos de ouro = Fonte de riqueza de que resultam grandes benefícios [11]
- Galinha gorda por pouco dinheiro = Deve-se desconfiar da oferta [11]
- Galinha metralhada = Galinha guisada, mal partida, parecendo que tinha sido estilhaçada por uma granada (Guerra de 1914-18) [6]
- Galinhaça = Excremento de galinhas [4]
- Galinha-cega = Jogo popular, o mesmo que cabra-cega [4]
- Galinha-choca = Metralhadora pesada alemã usada na Guerra de 1914-18, cujo ruído se assemelhava ao cacarejar duma galinha [6]
- Galinha-choca = Pessoa doente e descorada [4]
- Galinhaço = Mau agouro = Desventura [1]
- Galinhaço = Que é infeliz = Que tem má sorte [6]
- Galinhame = Porção de galinhas [4]
- Galinhas = Jogo pueril em que fingem ser galinhas [3]
- Galinhas de Nossa Senhora = Andorinhas [14]
- Galinheiro = Bancada em anfiteatro nas aulas da Universidade de Coimbra [6]
- Galinheiro = Cachaço = Pescoço [4]
- Galinheiro = Cadafalso = Patíbulo = Prisão [1]
- Galinheiro = Lugares inferiores, no alto do teatro [1]
- Galinheiros = Designação atribuída aos habitantes da freguesia de Santo António do Concelho do Funchal [12]
- Galinho = Gomo de laranja (Beira) [5]
- Ir ao galinheiro = Dar pancadas = Bater [4]
- Matar a galinha dos ovos de ouro = Destruir fonte regular de pequena riqueza, por ganância em ter tudo de uma única vez [10]
- Pés-de-galinha = As rugas que se formam nos olhos como primeiros sinais de velhice [8]
- Quando as galinhas tiverem dentes = Nunca [4]
- Ter miolos de galinha = Ser pessoa pouco inteligente [10]
GALO
- Cantar de galo = Assumir atitudes arrogantes por ocupar posição privilegiada [10]
- Debaixo da pata = Sob o completo domínio de alguém [10]
- Ficar para galo de S. Roque = Referência a mulher que não se casa [10]
- Galinho = Galego (Trás-os-Montes) [11]
- Galipão = Automóvel velho ou de modelo antiquado = Bate-latas = Chocolateira [11]
- Galiparlas = Aquele que tem a mania de falar francês [11]
- Galispo = Burro ou cavalo que tem um só testículo [4]
- Galispo = Pequeno galo [4]
- Galizo = Ovo (Minde) [11]
- Galo = Elevação na testa ou na cabeça produzida por pancada [4]
- Galo = Gomo de laranja (Beira) [5]
- Galo = Indivíduo que não dá gorjeta ao barbeiro e ao engraxador [6]
- Galo = Termo que exprime indiferentemente azar ou sorte [8]
- Galo = Variedade de ameixa alentejana [4]
- Galo de rinha = Galo de combate = Pessoa conflituosa = Pessoa brigona [10]
- Galo doido = Homem volúvel [6]
- Galo doido = Tresloucado = Cabeça no ar [1]
- Memória de galo = Fraca memória [10]
- Missa do galo = Primeira missa do Natal, celebrada à meia-noite de 24 de Dezembro [10]
- Outro galo cantaria = Expressão usada para sublinhar que tendo-se verificado determinado facto, os resultados teriam sido muito diferentes [10]
- Salgar o galo = Matar o bicho = Tomar bebida alcoólica pela primeira vez no dia [10]
GANSO/GANSA
- Gansa = Amásia = Barregã = Prostituta [11]
- Gansa = Mulher leviana [12]
- Gansar = Furtar com subtileza [2]
- Ganso = Alcunha que se dá aos alunos da Casa Pia de Lisboa [11]
- Ganso = Antiga moeda chamada pinto [1]
- Ganso = Comboio [11]
- Ganso = Cruzado novo [4]
- Ganso = Homem de elevada estatura [1]
- Ganso = Parte externa e posterior da coxa do boi [4]
- Ganso patrolho = Mau estudante [6]
- Passar de pato a ganso = Piorar de situação = Descer de categoria [10]
- Passo de ganso = Modo militar de marchar, sem dobrar a perna [10]
OVOS
- A pisar ovos = Muito lentamente = Cautelosamente [10]
- Cacarejar e não pôr ovo = Referência a pessoa que promete muito, mas nada cumpre [10]
- Cheio como um ovo = Coisa cheia [3]
- Contar com o ovo no cu da galinha = Ter como certo aquilo que ainda não é realidade [10]
- Expor um assunto desde o ovo = Expor um assunto desde o princípio [4]
- Fazer ovo = Fazer mistério em torno de alguma coisa [10]
- No fritar dos ovos = No momento decisivo [10]
- Ovada = Multidão de ovos [14]
- Ovada = Sova = Tareia = Pancadaria [11]
- Ovante = Alegre = Contente = Soberbo [11]
- Oveiro = Vadio [6]
- Ovo = Haxixe moldado com a forma de ovo, com cerca de 540 g de peso [9]
- Ovo de Colombo = Coisa fácil com aparência de difícil [11]
- Ovo de duas gemas = Maravilha = Coisa excelente [1]
- Ovo estrelado = Placa circular amarela com indicação do limite de velocidade, que se usava nos veículos automóveis conduzidos por indivíduos encartados há menos de um ano [8]
- Ovo goro = Ovo não galado ou ao qual não chegou o calor da galinha quando chocou [3]
- Ovo goro = Ovo que não foi fecundado [13]
- Ovos = Testículos [9]
- Ovos de ouro = Fartura = Riqueza [7]
- Ovos moles = Doce feito de gemas de ovos e açúcar, especialidade da região de Aveiro (Aveiro) [11]
- Pisar ovos = Proceder com extrema cautela por ser delicada a situação [10]
- Sair do ovo = Começar uma pessoa a manifestar a sua personalidade [10]
- Um ovo por um real = Coisa muito barata = Pechincha [10]
PATO/PATA
- Andar à pata = Andar a pé [4]
- Cair que nem um pato = Deixar-se iludir [10]
- Meter a pata = Fazer alguma coisa inconveniente [10]
- Os patinhos = Número 22 no jogo do Loto [12]
- Pagar o pato = Ser a vítima = Pagar as consequências [6]
- Passar de pato a ganso = Piorar de situação = Descer de categoria [10]
- Pata = Cinematógrafo (Porto) [6]
- Pata = Jogo de rapazes [14]
- Pata = Pé grande [4]
- Pata que pôs = Dito que substitui um insulto que ofende a mãe de alguém [6]
- Pata-choca = Mulher desajeitada [6]
- Pata-choca = Mulher gorda e baixa [1]
- Pata-choca = Sacristão = Menino de coro [1]
- Pata-choca = Trôpego = Velho [6]
- Patada = Asneira = Tolice = Parvoíce [1]
- Patada = Dito ou acção que ofende alguém [8]
- Pata-galhana = Coxo [14]
- Pata-galharda = Jogo de rapazes, no qual o jogador deve bater com o pau noutro que esta erguido no chão e, levantando-o com a pancada, bater-lhe no ar e em certas direcções [4]
- Patão = Tolo = Asno [3]
- Patareco = Feijão verde [1]
- Patareco = Imbecil = Ignorante [8]
- Pataroco = Imbecil = Ignorante [1]
- Pata-toada = Palmatoada [4]
- Pateca = Melancia [1]
- Pateiro = Gafanhoto (Minde) [6]
- Pateiro = Indolente = Vagaroso [1]
- Patela = Burla [6]
- Patinhar = Bulir na água a modo de pato [3]
- Patinhar no jogo das cartas = Jogar mal [3]
- Patinho = Indivíduo néscio, que se deixa explorar [11]
- Patinho = Patamar de uma escada (Baixo Alentejo) [11]
- Patinho no jogo das cartas = Aquele que joga mal [3]
- Pato = Homem que gosta de pagar tudo que as mulheres desejam = Gastador [1]
- Pato = Jogador inexperiente e fácil de enganar [6]
- Pato = Jogo de rapazes [14]
- Pato = Palerma = Pateta = Parvo [11]
- Pato = Pessoa crédula que se deixa enganar = Trouxa [5]
- Pato mudo = Indivíduo que fala muito pouco = Aluno que não sabe a lição [11]
- Pato-bravo = Construtor civil improvisado [11]
- Pato-bravo = provinciano [7]
- Patocho = Idiota = Parvo = Patego [11]
- Patoilar = Patear = Vaiar [11]
- Patoilo = Indivíduo forte, pesado (Beira) [11]
- Patola = Bota mal feita [1]
- Patola = Pé demasiado Grande [1]
- Patola = Tolo [3]
- Patolho = Patego [11]
- Pato-moleque = Tolo = Pateta [14]
- Pato-mudo = Deputado que não faz uso da palavra [5]
- Patonha = Pé muito grande [5]
- Patonilha = Trapalhão [11]
- Patorra = Mão ou pé grande [11]
PERU/PERUA
- Apanhar uma perua = Embriagar-se [10]
- Comer galinha e arrotar peru = Alardear riqueza, poder ou importância que não se tem [10]
- Comer peru = Referência a senhora, que nos bailes, não é convidada para dançar [10]
- Não enjeitar peru por carregado = Referência a pessoa que não evita riscos [10]
- Patudo = Homem de pés grandes [14]
- Peru = Homem que explora mulheres do teatro [1]
- Peru = Indivíduo que dá boa gorgeta ao engraxador [6]
- Peru velho = Ápodo que se grita aos perus para estes responderem “glu-glu” [11]
- Peru velho = Conquistador velho [11]
- Perua = Embriaguês = Bebedeira [1]
- Perua = Loja de tecidos [8]
- Perua = Meretriz [11]
- Perua = Mulher rica, vaidosa e espampanante [11]
- Pírua = Perua [14]
- Pirum = Peru [14]
PINTO
- Estar como um pinto = Estar muito molhado pela chuva [6]
- Fazer pinto = Fazer pequenos furtos [10]
- Pintão = Indivíduo com manias = Convencido = Cagão [9]
- Pintinho = Cabelo da púbis (Madeira) [11]
- Pinto = Criança [11]
- Pinto = Cruzado novo [11]
- Pinto calçudo = Pessoa que usa as calças muito curtas [2]
- Pinto calçudo = Pessoa que usa calças muito compridas [10]
- Pinto calçudo = Pessoa que veste de modo desajeitado, com as calças curtas ou compridas [7]
- Pinto de balseira = Filho ilegítimo (Turquel) [5]
- Pinto saído da casca = Criança a ter opinião de adulto [7]
- Ser pinto = Ser uma coisa insignificante [10]

BIBLIOGRAFIA
[1] - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho-Editor. Lisboa, 1901.
[2] – BÍVAR, Artur. Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa. 1948.
[3] - BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino (10 vol.). Coimbra, 1712-1728.
[4] - FIGUEIREDO, Cândido de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1913.
[5] - FIGUEIREDO, Cândido de. Novo Dicionário de Língua Portuguesa. (2 vol.). Editora Portugal-Brasil Limitada, 1922.
[3] – LAPA. Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
[7] – NEVES, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes. Editorial Notícias, Lisboa, 1998.
[8] – NOBRE, Eduardo. Dicionário de Calão. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1986.
[9] – PRAÇA, Afonso. Novo Dicionário de Calão. Editorial Notícias. Lisboa, 2001.
[10] – SANTOS, António Nogueira. Novos dicionários de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
[11] – SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1993.
[12] – SOUSA. Luís de. Dizeres da Ilha da Madeira. Palavras e Locuções. Edição do autor. Funchal, 1950.
[13] - TAVARES DA SILVA, D. A. Esboço Dum Vocabulário Agrícola Regional. Separata dos Anais do Instituto Superior de Agronomia, Vol. XI. Lisboa, 1942.
[14] – THOMAZ PIRES, A. Vocabulário alemtejano. Editor – António José Torres de Carvalho. Elvas, 1913.