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segunda-feira, 17 de abril de 2023

Poesia Portuguesa - 102




Canção de Primavera

José Régio (1901-1969)

Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores,
Pois que Maio chegou,
Revesti-o de clâmides de cores!
Que eu, dar, flor, já não dou.

Eu, cantar, já não canto. Mas vós, aves,
Acordai desse azul, calado há tanto,
As infinitas naves!
Que eu, cantar, já não canto.

Eu, Invernos e Outonos recalcados
Regelaram meu ser neste arrepio…
Aquece tu, ó sol, jardins e prados!
Que eu, é de mim o frio.

Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio,
Vem com tua paixão,
Prostrar a terra em cálido desmaio!
Que eu, ter Maio, já não.

Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto;
Ter sol, não tenho; e amar…
Mas, se não amo,
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto,
E não por mim assim te chamo?

José Régio (1901-1969)

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Falem português, por favor

 



“Minha Pátria é a Língua Portuguesa´´
Fernando Pessoa

Colonização linguística
A função de uma língua é servir como um meio de comunicação claro e eficaz, o que exige que se fale e se escreva de forma clara, de modo a conseguir que as outras pessoas compreendam.
Acontece que em Portugal estamos a ser bombardeados com estrangeirismos e muito em especial por anglicismos, veiculados maioritariamente pelos meios de comunicação social e que dificultam ou bloqueiam a compreensão dos conteúdos.
Estamos perante uma agressiva operação de colonização linguística, tanto mais grave quanto mais desnecessária e descabida é, já que na esmagadora maioria das situações, existem termos ou expressões portuguesas, equivalentes aos anglicismos.
Uma tal operação de colonização não é de modo algum aceitável, nem mesmo em nome da globalização, apregoada por alguns como uma fatalidade irreversível. É que essa colonização promove a dicotomia da sociedade em dois estratos com poderes diferenciados, fruto das suas diferentes permeabilidades linguísticas aos anglicismos.
A preservação da nossa identidade cultural enquanto povo soberano, exige a defesa da língua portuguesa, o que entre outras coisas, passa pela denúncia e pelo combate à utilização abusiva e desnecessária desses anglicismos. É essa a missão que assumo no presente texto, com a profunda convicção de que “A língua de um povo é a sua alma”, tal como nos ensina o filósofo alemão Johann Fichte.

Anglicismos desnecessários
Longe de constituir um inventário exaustivo de anglicismos desnecessários, tarefa assaz ciclópica, dada a extensão do mesmo, a presente listagem corresponde apenas a anglicismos nos quais os meus olhos e ouvidos tropeçaram ultimamente: background (pano-de-fundo), backoffice (retaguarda), backup (cópia de segurança), best seller (o mais vendido), black friday (sexta-feira negra), booking (reserva), boss (chef), briefing (resumo), bug (falha informática), bullying (intimidação sistemática), by pass (variante), call girl (acompanhante), casting (pré-selecção), CEO (director executivo), checklist (lista de controlo), check-out (registo de saída), chek up (exame médico completo), chek-in (registo de entrada), coffee break (pausa para café), cool (fresco), data (dados), database (base de dados), delete (excluir), delivery (entrega a domicílio), DJ (animador musical), download (descarga de dados), e-mail (correio electrónico), entertainer (animador), expert (especialista), fake news (notícias falsas), fast-food (comida rápida), franchising (franquia), front (frente de batalha), full screen (tela cheia), happening (evento), hi-fi (alta fidelidade), hi-tech (alta tecnologia), home page (página principal), hosting (hospedagem), input (entrada), jet set (colunáveis), job (trabalho), keyboard (teclado de computador), keyword (palavra chave), know-how (saber-fazer), lay-off (período de inactividade), leading edge technology (tecnologia de ponta), lifestyle (estilo de vida), light (leve), link (ligação), lobby (ante-sala), log in (início da sessão), log out (fecho da sessão), look (aspecto), low cost (baixo preço), make-up (maquiagem), must (necessidade, obrigação), nickname (apelido), online (ligado á internet), open air (ar livre), open market (mercado aberto), output (saída), part-time (tempo parcial), performance (desempenho), performer (artista), pet (animal de estimação), playboy (libertino), player (jogador(a)), playoff (eliminatória), pocket book (livro de bolso), post (publicação), post it (nota adesiva), rating (avaliação), replay (repetir), resort (estância turística), rooming (alojamento conjunto), running (corrida), sale (liquidação), score (pontuação), screening (triagem), set (parte), show (espectáculo), site (sítio), stand by (espera), stock-off (escoamento de stock), streaming (transmissão), talk (conversa), team (equipe), team leader (capitão da equipe), top model (supermodelo), trash (lixo), truck (camião), update (actualização), upgrade (melhoria), upload (envio), vídeo mapping (projecção de vídeo), vintage (clássico), voucher (vale de desconto), website (sítio web), weekend (fim de semana), wireless (sem fio), workshop (oficina), zoom in (ampliar tamanho da tela), zoom out (reduzir tamanho da tela).

O assassínio da língua
No poema “LAMENTO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA”, o poeta Vasco Graça Moura confessa: “não és mais do que as outras, mas és nossa, / e crescemos em ti. nem se imagina / que alguma vez uma outra língua possa / pôr-te incolor, ou inodora, insossa, / ser remédio brutal, mera aspirina, / ou tirar-nos de vez de alguma fossa, / ou dar-nos vida nova e repentina. / mas é o teu país que te destroça, / o teu próprio país quer-te esquecer / e a sua condição te contamina / e no seu dia a dia te assassina.”.

E em Estremoz?
Integrada na Feira Internacional de Desporto de Estremoz - FIDMOZ, decorreu no passado dia 12 de Junho, a “ESTREMOZ FUN RUNNING”, organizada pelo Município de Estremoz e pelas associações desportivas “Sobe e Desce Team” e “Rota D’Ossa”. A iniciativa visava conjugar a actividade física com diversão. A partida teve lugar pelas 17 horas, no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, percorreu diversas ruas da cidade e terminou no local onde começara.
Nos passados dias 7 e 8 de Agosto teve lugar no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, uma exposição de cerca de 80 camiões, que no final do último dia, desfilaram pelas ruas da cidade. O evento, designado por “ESTREMOZ TRUCK FESTIVAL”, foi uma organização conjunta da Câmara Municipal de Estremoz e da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Estremoz.
Entre 8 e 20 de Agosto teve lugar o “TORNEIO DE TÉNIS SÃO LOURENÇO OPEN 2022”, que decorreu no campo Polidesportivo de S. Lourenço de Mamporcão e S. Bento de Ana Loura. Tratou-se duma organização conjunta do Município de Estremoz e da Junta de freguesia local.
Apesar do respeito que me merecem tanto os organizadores como os participantes dos três eventos referidos, não posso deixar de considerar que na designação dos mesmos foram utilizados anglicismos desnecessários, já que as respectivas designações podiam ter sido atribuídas na nossa língua-pátria. Com uma tal desejável opção, os eventos teriam sido e muito bem designados por “CORRIDA ALEGRE DE ESTREMOZ”, “FESTIVAL DE CAMIÕES DE ESTREMOZ” e “TORNEIO ABERTO DE TÉNIS DE SÃO LOURENÇO”. Os eventos teriam sido exactamente os mesmos, igualmente dignos de público apreço, apenas com a importante diferença de não ter sido abastardada a língua portuguesa.

Súplica final
Por quê falar mal ou escrever mal, se é possível falar bem e escrever bem. Fazê-lo é “Vender gato por lebre”, como proclama um velho adágio, ao qual acrescento este outro: “Quem mal fala, sua língua suja.”. Daí que vos suplique:
- FALEM PORTUGUÊS, POR FAVOR.

Publicado no jornal E nº 295, de 15 de Setembro de 2022

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Eu e António Aleixo

 

António Aleixo (1899-1949)

No final dos anos 60 do séc. XX, enquanto membro do Movimento Associativo da Faculdade de Ciências de Lisboa, participei em ocupações da cantina da Faculdade, como forma de protesto por não haver uma Associação de Estudantes democraticamente eleita e como processo de luta contra o regime fascista.
Eram ocupações feitas à noite e em que não deixávamos fechar a cantina às 21 horas. É claro que os informadores da PIDE na Faculdade, cumpriam a sua missão e passado pouco tempo, tínhamos a visita da famigerada Polícia de Choque, a qual cercava a Faculdade. O desfecho dessas ocupações foi variável, o que incluiu muitas vezes bordoada e prisões.
Durante as ocupações, havia intervenções políticas e actuação de cantores que se solidarizavam connosco, com especial destaque para o Zeca Afonso e o para o padre Fanhais. Também me lembro da participação do actor Rogério Paulo.
Numa dessas ocupações lembro-me de ter subido para cima de uma mesa e ter declamado, com agrado geral, quadras de António Aleixo, que era praticamente desconhecido em Lisboa. Era sobretudo conhecido no Algarve e em Coimbra, onde fora divulgado pelo pintor Tossan, que era natural de Vila Real de Santo António e membro do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC). De Coimbra até Estremoz, a poesia de António Aleixo viajaria com a alma e a convicção do João Carlos Gargaté, natural de Estremoz, estudante de Direito, membro do TEUC e meu grande amigo. Foi ele que me transmitiu o culto da poesia de António Aleixo, uma poesia muitas vezes amarga, mas poesia do real e arma de combate contra a injustiça. Foi essa poesia que me levou a subir para cima da mesa e a fazer minhas as palavras de António Aleixo. Terá sido a primeira divulgação pública do trabalho do poeta, na cidade de Lisboa, por via do meu vozeirão, então no seu esplendor.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

O “Despertar para a poesia” de Francisco Ramos


A Mesa da sessão. Cortesia de Pedro Soeiro.

Pelas 17 de horas de sábado, dia 31 de Julho, teve lugar no Auditório do Pavilhão A do Campo de Feiras, em Estremoz, o lançamento e apresentação do livro “Despertar para a poesia” da autoria de Francisco Ramos. Ao evento compareceram cerca de 50 pessoas.
A sessão foi presidida pela Vice-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, Márcia Oliveira, acompanhada na mesa pelo autor e ainda por João Meira e Cruz e Hernâni Matos, respectivamente prefaciador e posfaciador do livro.
A sessão foi aberta pelo autor que agradeceu a presença dos convidados, bem como de todos aqueles que de uma maneira ou de outra, contribuíram para que a edição do livro fosse uma realidade. Seguiram-se as intervenções de João Meira e Cruz que falou do autor e de Hernâni Matos, que falou do autor e da obra.
A sessão encerrou com uma intervenção de Márcia Oliveira que exaltou o espírito cívico e as qualidades humanas do autor.

O autor
O autor é filho de camponeses e nasceu no Largo da Igreja, em S. Bento do Ameixial, a 30 de Julho de 1941, sendo baptizado na Igreja da aldeia, que tivera o seu avô por sacristão. Como era hábito na época foi o padrinho quem lhe deu o nome, tendo entendido por bem que ele se deveria chamar Francisco Martinho Garrido Ramos. Francisco por ser o nome do avô paterno e Martinho por ser o nome do avô materno. Garrido pelo lado da mãe e Ramos pelo lado do pai.
Francisco Ramos aprendeu as primeiras letras na escola da aldeia e ali concluiu a instrução primária. A partir daí nunca mais parou, subindo a vida a pulso. Foi sucessivamente ajudante de porqueiro, aprendiz de fotógrafo, moço de bilhares, empregado de mesa, escrivão de execuções fiscais e por fim Técnico Sanitário, profissão com se aposentou na Função Pública. Todavia não deixou de trabalhar, pois tinha a ruralidade na massa do sangue. Por isso se dedica actualmente à agricultura e à pecuária. Motivado pelo associativismo e pela solidariedade, é Presidente da Academia do Bacalhau de Estremoz, desde a sua fundação em 25 de Novembro de 2000.
Francisco Ramos é aquilo a que os americanos chamam um “self-made man” ou seja, um “homem que se fez a si próprio”, percorrendo o seu próprio caminho, o qual inclui o seu “Despertar para a poesia”. Vejamos como tal aconteceu.
No Alentejo, a taberna sempre foi um local propício a manifestações de Cultura Popular. Aí, o convívio com poetas populares e envolvimento em desafios, levaram Francisco Ramos a passar para o papel aquilo que lhe ia na alma.
O confinamento foi responsável pelo aumento da sua produção poética e o incentivo para publicar por parte de amigos, encontrou eco na sua auto-estima. Daí o livro agora dado à estampa no momento em que se torna octagenário. Como já criara três filhas e plantara muitas árvores, concluiu assim a trindade de coisas que um homem deve fazer na vida e com isso robusteceu a memória que constituirá um legado para os vindouros.

A obra
O livro, de formato aproximadamente A5 e 177 g de peso, com capa cartonada e colorida, da autoria de São Perdigão, tem 136 páginas, que incluem ao longo do texto, 11 figuras a preto e branco. Foi impresso na Tipografia Brados do Alentejo, em Estremoz. A tiragem é de 100 exemplares. A edição é do autor e contou com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.
A obra é dedicada pelo autor à memória dos seus Pais, à Família, aos membros da Academia do Bacalhau de Estremoz e de todo o Mundo, bem como àqueles que o incentivaram à sua publicação.
A arquitectura do livro assenta em 8 capítulos: Sentimentos, Tauromaquia, Reconhecimentos, Pandemia, Alentejo e Alentejanos, Emoções e Estados de Alma, Bonecos de Estremoz e Academia do Bacalhau, Temas vários.
Ao longo da obra a poesia flui, rimada e de métrica livre, estruturada quase exclusivamente sob a forma de conjuntos de quadras e de décimas. Tal facto não é de estranhar já que quadras e décimas são os modos de expressão poética mais gratos aos poetas populares.
Francisco Ramos é uma figura respeitada da nossa sociedade, pelo seu carácter e pela sua grande humanidade. Legou-nos agora um livro através do qual partilha generosamente connosco a sua vida, as suas lutas, as suas emoções, as suas paixões e os seus sonhos. Trata-se de um legado importante para a comunidade, que vê enriquecido o seu património cultural escrito. Tanto ele como a comunidade estão de parabéns. Francisco Ramos pela generosidade da doação, a comunidade por graciosamente ter visto aumentar a sua riqueza.



Um aspecto da assistência. Cortesia de Pedro Soeiro.

Livro com capa da autoria de São Perdigão.

sábado, 24 de julho de 2021

Despertar para a poesia, de Francisco Ramos

 

Francisco Ramos, autor de "Despertar para a poesia".


"Despertar para a poesia” é o título do livro de poemas de Francisco Martinho Garrido Ramos, a ser apresentado ao público, no próximo dia 31 de Julho, sábado, pelas 17 horas, no Auditório do Pavilhão A do Parque de Feiras, em Estremoz.A apresentação do autor e da obra estarão a cargo de João Meira e Cruz e Hernâni Matos, respectivamente prefaciador e posfaciador do livro.
O autor, natural de São Bento do Ameixial, pai de três filhas e agricultor que já plantou muitas árvores, publica agora um livro por ocasião da passagem do seu 80.º aniversário.
A maioria dos poemas foram escritos no decurso da pandemia e divulgados nas redes sociais, onde o seu círculo de amigos o incentivou à publicação, o que agora aconteceu. Com ela fica completa a trindade de coisas, que de acordo com a tradição, um homem deve fazer na vida.
A edição é do autor e contou com o apoio do Município de Estremoz.


domingo, 4 de abril de 2021

Hernâni, Homem de Cultura!


Renato Valadeiro. Funcionário autárquico.
 

Décimas dedicadas a Hernâni Matos
pelo poeta popular Renato Valadeiro


HERNÂNI, HOMEM DE CULTURA!

 
Faz anos que o conheci
Amigo que no tempo perdura
Por isso é que eu digo aqui
Hernâni, homem de cultura!
 
Soube que foi professor
A mim não me leccionou
De estudar não se cansou
O que faz é por amor.
Deixo-lhe assim o louvor
Porque eu nunca fingi
Enquanto assim eu cresci
Descobrindo coisas boas
Foi uma dessas pessoas
Faz anos que o conheci.
 
Sempre ele me convidava
Para os encontros de poetas
Queria atingir suas metas
Em tudo o que organizava.
Ninguém sequer o calava
Tinha até certa “bravura”
Quando alguma criatura
As voltas, lhe queria trocar
Vou então sempre afirmar
Amigo que no tempo perdura.
         
Também ele se dedica
À arte da Filatelia
E cada evento que cria
De coração cheio se fica.
Há mesmo quem o critica
Mas eu jamais percebi
Porque se o Sujeito segui
Sei que sabe muito de História
Não me sairá da memória
Por isso é que eu digo aqui.
 
E no blogue onde escreve
Pode-se provar ser verdade
Falar sobre esta cidade
Só como ele sabe e se atreve.
Que um dia destes se eleve
Para lembrança futura
Justa homenagem em escultura
Deste Ser mui sabedor
Dando-lhe o devido valor
Hernâni, Homem de Cultura!

Renato Valadeiro
Estremoz, 14 de Março de 2021

quarta-feira, 24 de março de 2021

Poesia Portuguesa - 101




AS REVOLUÇÕES MINÚSCULAS
Firmino Mendes

Começam em casa, na cama, na mesa
no lugar mais ameno onde a sombra bate
Pode ser aqui, nesta cave ou porão, onde a palavra
flui silenciosamente, como um tema de Bach

Nada se repete, nem o pleno canto dos pássaros
nem o vento que agora amansou à tona do rio
Tudo se faz devagar, mesmo esta roda do tempo
em que a revolução demora mas é incerta certeza

Repara nestas oliveiras que atravessam os séculos
e que nada têm a ver com os olivais intensivos que agora
vão cobrindo o Alentejo com oliveirinhas imitando o plástico
e onde os pássaros se aninham para dormir e morrer

Pode ser que aqui, à sombra de uma árvore minúscula
bata um coração apressado que solte um punho ao ar
e traga ao coração da terra as raízes mais acordadas
aquelas que, milímetro a milímetro, levantarão o chão

Firmino Mendes
Lisboa, 23 de Março de 2021



Oliveira do Mouchão. Mouriscas, Abrantes. Idade: 3350 anos.
Altura de tronco até ás primeiras pernadas: 3,2 m. Perímetro do tronco: 6,5 m.

Olival intensivo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

A Boniqueira Joana


Joana Oliveira (1978-  ) a modelar uma Primavera de arco.



A Boniqueira Joana

Calcorreou meio mundo.
Queria ter a visão,
conhecimento profundo
como as coisas aí são.

Até que lá chegou a altura,
numa certa ocasião,
para deixar a lonjura,
e vir pisar este chão.

Já depois de ter voltado
de muita e longa andança,
parou em Foros do Queimado,
lugar da sua mudança.

Seria nesse lugar,
que em sonhos lhe apareceu,
ela própria a modelar
e vá daí aprendeu.
A sua modelação
nasce com o pensamento.
Viaja até cada mão
p'ra lá encontrar seu assento.

É com barro e com amor,
logo ali ao começar.
Depois a forma e o calor
para lá continuar.

A pintura vem depois,
com amor, com alegria
e é sempre com os dois 
que trabalha dia-a-dia.

Todas as formas são dela
e a cor nunca é limite,
límpida como aguarela
e não existe quem a imite.

A experiência de vida,
os seus livros e viagens,
são memória construída
que lhe revelam imagens.

E é assim que compõe
com farta imaginação,
tudo aquilo que propõe
com base na tradição.

Criatividade ardente,
inata em quem só produz
aquilo que também sente
e p'ra além disso a seduz.

Não é este o seu Universo,
é mesmo muito mais,
já que o limite do verso
não dá para dizer mais.

Estremoz, Dia de Reis de 2021

sábado, 2 de janeiro de 2021

Hernâni Matos, meu amigo


Francisco Martinho Garrido Ramos (Xico de São Bento).  Poeta popular e Presidente
da Academia do Bacalhau de Estremoz.
 

Décimas dedicadas a Hernâni Matos
pelo poeta popular Xico de São Bento


HERNÂNI MATOS, MEU AMIGO

MOTE                                                                    
Hernâni Matos, meu amigo
Homem da escrita e da cultura,
É um gosto  aprender contigo,
Para mim és uma figura.

És homem de forte convicção,
Como jornalista e escritor,
És dedicado investigador,
És blogger por paixão
E tens Estremoz no coração,
Razões porque te digo,
Que tens a cultura como abrigo
Da barristica gostas de falar,
E tudo sobre os bonecos estudar
Hernâni Matos, meu amigo.

Pessoa nas artes esclarecida,
Ganhas o pão como professor
E és exímio comunicador.
Grande apaixonado pela vida,
Que fazes por ser bem vivida.
Socialmente boa criatura
E fisicamente com estatura
Grande fã da nossa cidade
E bem visto na sociedade
Homem da escrita e da cultura.

Estudioso da arte pastoril,
De que estás bem informado,
Da enxada à charrua e ao arado,
Do alforge, aos safões e ao barril,
Utensílios conheces mais de mil.
Da pastorícia és grande amigo,
Conheces a aveia, a cevada e o trigo,
Desde o churrião ao burnil, até canga
Para Ti não há segredos na manga
É um gosto aprender contigo.

Por vezes temos discordado,
Em nomes ou definições,
Cada um tem as suas opiniões,
Mas eu não fico conformado.
Quando penso que estás errado,
Nas coisas da agricultura,
Mantenho a minha postura.
Ainda que sejas professor,
Eu não sou desconhecedor,
Para mim és uma figura.

São Bento do Ameixial, 31/12/2020
Xico de São Bento

sábado, 21 de novembro de 2020

Um gancho de meia antonino



Santo António (Gancho de meia). Joana Santos (1978-  ). 


À Boniqueira Joana Santos,
de Foros do Queimado,
Évora 
Este Doutor da Santa Igreja
que nasceu em Foros do Queimado,
não há mesmo ninguém que o veja,
pois está muito bem guardado.
           
Mora na rua de Santo André,
desta nossa cidade bem branca,
donde nunca sairá pelo seu pé,
pois aqui há quem isso garanta.

Lá bem longe naqueles recantos,
a Boniqueira deu forma e cor,
ao bem mais popular dos santos,
que doou a um seu admirador.

À Boniqueira Joana Santos
e à sua magia rendido
Da arte do barro os encantos,
há muito que foi seduzido.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Poesia Portuguesa - 099


Joaquim José Vermelho (1927-2002). Arquivo Fotográfico Municipal de Estremoz / BMETZ.

Joaquim José Vermelho (1927-2002). Colaborou na imprensa nacional e regional, nomeadamente nos jornais: A Planície (Moura), Brados do Alentejo (Estremoz), Democracia do Sul (Évora), Eco de Estremoz, Jornal de Almada, Jornal de Estremoz, Jornal de Notícias (Porto), O Calipolense e Primeiro de Janeiro (Porto). Colaborou igualmente em revistas como Almanaque Alentejano, Boletim da Casa do Alentejo, Revista Filme, Revista Celulóide, Revista do IEFP, Revista Objectiva, Revista Olaria, Revista Transtagana e Revista Visor. Obras: Barros de Estremoz (1990), Pousada da Rainha Santa Isabel, Histórias de um Castelo (1992), Estremoz Terra de Encantos (1995), Estremoz Património (1996), 500 Anos / Santa Casa da Misericórdia de Estremoz (Co-autor, 2002), Nas lavras do tempo… Sementes e Raízes (2003), Poesia (2003), Ler nas Pedras (2004), Sobre as Cerâmicas de Estremoz (2005).


BONECOS DE ESTREMOZ
Joaquim Vermelho
 
Bonecos de Estremoz na cantareira
da saleta de estar, sempre sorrindo:
a Primavera vive ali florindo
ao lado do Pastor, da Azeitoneira!

Nesse canto da casa há claridade,
passam beijos de sol da fantasia;
vivem ali os sonhos de outra idade,
fagueiras ilusões da mocidade,
nessa bonecaria!

É um "mundo" de sonho, encantador,
que os meus olhos contemplam, enlevados;
"planície fora segue o bom pastor
mais os seus fartos gados!"

Moços de harmónio, cheirando a função,
camponeses de fato domingueiro!!
De todos se desprende uma canção
que me vem embalar o coração
o santo dia inteiro!

E toda a minha terra, num sorriso,
eu guardo no cantinho dessa casa,   
sentindo o coração a arder em brasa,
vivendo o Paraíso!

Figuras de Presépio! O Deus menino
nas palhas a sorrir, meigo, deitado;
a boa Virgem olha o pequenino
e S. José de lado! Que divino
encanto irradia esse barro moldado!

Meu lindo bonequinho! Tão bizarro!
És um beijo de eterna mocidade,
deram-te vida as mãos que o mole barro
moldaram com carinho e habilidade!

Um bocado de barro, e nada mais!
Mas quanta vida, quanta cor encerra!
A resumir em si carinhos tais,
sonhos da minha terra!

E nas feiras alegres do Alentejo,
com toda essa graça que o bom Deus lhe pôs,
nas bocas dos rapazes são desejos
os meus lindos bonecos de Estremoz!
 

domingo, 10 de maio de 2020

Poesia Portuguesa - 098




Rosas de Santa Isabel
João de Lemos (1819-1890)

Onde ides, correndo asinha,
Onde ides, bela Rainha,
Onde ides, correndo assim?
Porque andais fora dos Paços?
Que peso levais nos braços?
Oh! Dizei-mo agora a mim?...

A Santa, regalos novos,
Frutas, pão, e carne, e ovos,
No regaço e braços seus,
Sem cuidar ser surpreendida,
Ia levar farta vida
Aos pobrezinhos de Deus.

Coram-lhe as faces formosas,
E responde: - "Levo rosas..."
Dom Dinis deitou-lhe a mão,
Ao regaço, de repente;
Mas de rubra cor vivente
Só rosas lá viu então!...

Como o tempo era passado,
Nos jardins, no monte e prado,
De rosas e toda a flor,
El-rei, cheio de piedade,
Nas rosas da caridade
Viu a bênção do Senhor!

E daquele rosal dela
Tirando uma rosa bela,
Que guardou no peito seu,
Disse-lhe:- "Em paz ide agora,
Que eu me encomendo, Senhora,
À Santa, ao Anjo do Céu."

João de Lemos (1819-1890)

Hernâni Matos  


O Milagre das Rosas (c. 1735-40). André Gonçalves (1685-1762).
Óleo sobre tela. Igreja do Menino Deus, Lisboa.

sábado, 4 de abril de 2020

Poesia Portuguesa - 097



Salgueiro Maia
Manuel Alegre (1936-  )

Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.

Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.

Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém

trazendo a espada e a flor da liberdade. 

Manuel Alegre (1936-  )

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Poesia Portuguesa - 096


Fernanda de Castro

O SACO DE RETALHOS
FERNANDA DE CASTRO (1900-1994)

O Saco de Retalhos

Velho saco, onde estavas? No baú
das coisas mortas,
esquecidas como tu?
Guardado na gaveta
como as sedas, as cassas,
os ramos de violeta,
a poeira e as traças?

Velho saco, onde estavas? Pendurado
numa daquelas portas
que um dia se fecharam
sobre a infância, o passado,
e nunca mais se abriram?

Ou no sótão,
na trouxa dos farrapos,
misturado com os trapos?

Velho saco dos tempos esquecidos,
nos teus retalhos desbotados
reconheço os meus bibes,
as chitas e os percais dos meus vestidos.

Estes velhos riscados
foram saias, corpetes, aventais
de criadas que então eram meninas.
E estas cambraias, estas sedas finas,
usou-as minha mãe.

Ó velho saco, feito de retalhos,
rever-te fez-me bem.
Este linho desfeito, remendado,
foi lençol de noivado,
e quantas vezes te vi pôr na cama,
ó minha ama,
esta chita vermelha de ramagens.
Meu velho saco, meu livro de imagens,
rever-te fez-me bem.

Não sei, porém,
que travo amargo esta alegria tem,
que tristeza me fez, que nostalgia,
ver surgir na distância
a minha infância,
descosida, em farrapos,
e reencontrar a minha mocidade
remendada e puída
numa saca de trapos.

Ó saco, ó velho saco de farrapos,
já não sei, afinal,
se ver-te me fez bem ou me fez mal.

FERNANDA DE CASTRO (1900-1994)


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Poesia Portuguesa - 095


José Gomes Ferreira (1976). Fotografia de Miranda Castela (1932-2011).


VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA
JOSÉ GOMES FERREIRA (1900-1985)


Viver sempre também cansa.

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…

E obrigam-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…

JOSÉ GOMES FERREIRA (1900-1985)


terça-feira, 26 de novembro de 2019

José Mário Branco homenageado pela Assembleia Municipal de Estremoz



Na Sessão Ordinária da Assembleia Municipal de Estremoz realizada no passado dia 22 de Novembro de 2019, sob proposta do Grupo Municipal da CDU, foi aprovado por maioria absoluta (28 votos a favor e 1 abstenção) o seguinte: 
VOTO DE PESAR

José Mário Branco, nascido em 1942 no Porto, revelou-se desde cedo um espírito inconformado e rebelde, sendo a campanha eleitoral do General Humberto Delgado para a Presidência da República de 1958 o momento-chave para o início da intervenção política e cívica que iria marcar toda a sua vida.
Jovem militante do PCP ilegalizado, opta por emigrar a salto para França em 1963 de maneira a evitar o serviço militar obrigatório e a consequente mobilização para Guerra Colonial. Exilado até à revolução de Abril de 1974, é neste país que inicia a produção musical, acompanhado por outros nomes maiores da música portuguesa como Sérgio Godinho ou José Afonso, é com este último que mantém uma relação mais profícua e profunda, plasmado na produção e arranjos do disco “Cantigas do Maio” onde se baseia na cadência e estrutura do cante alentejano para assegurar a direcção musical daquele que seria o tema que para sempre será associado ao 25 de Abril, Grândola Vila Morena. É ainda no ano de 1971 que lança o seu disco mais marcante “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
Regressado a Portugal 4 dias depois da mais importante data da história contemporânea portuguesa, imediatamente retoma a sua intervenção artística e política com um fulgor e energia contagiantes. Funda o GAC Grupo de Acção Cultural – Vozes da Luta, colectivo de músicos que desenvolve um trabalho notável de divulgação e recolha musical que percorre o país, com mais de 1000 concertos, levando a música aos mais recônditos locais e localidades apresentando gratuitamente o que de melhor se fazia musicalmente a uma população que, de outro modo, nunca teria acesso a esta realidade e produção cultural.
Continuou a cantar, criar, produzir, fazer arranjos para teatro, filmes e para inúmeros músicos que vão desde os velhos companheiros de estrada até aos novos nomes sonantes da música portuguesa. Com o projecto Maio Maduro Maio volta a revisitar o legado de José Afonso, altura em que actua em Estremoz, no Teatro Bernardim Ribeiro.
Conjuntamente com a actividade profissional como músico, continua a intervir política e partidariamente, primeiro integrando a UDP – União Democrática Popular, e já nos anos 90 é um dos nomes primordiais aquando da criação do Bloco de Esquerda.
Nos últimos anos afirma sentir-se desencantado com o estado do mundo e do país, considerando que Abril nunca foi verdadeiramente concretizado, afasta-se dos palcos, mas nem por isso deixa de ser extraordinariamente activo em estúdio, nomeadamente na qualidade de produtor e arranjador.
Falecido no passado dia 19, a CDU vem por este meio, apresentar esta homenagem da Assembleia Municipal de Estremoz a um dos maiores nomes do panorama musical português. Pela relevância ímpar, pelo brilhantismo da sua produção lírica e musical, pela influência marcante que deixou na vida cultural nacional e ainda pela participação cívica pautada de uma lucidez e assertividade únicas.
Sempre recusando honrarias, homenagens e exposição pública desnecessária e fútil, fica uma frase quando foi surpreendido no Coliseu de Lisboa com um prémio carreira atribuído pela Revista BLITZ, exclamando: “O que é que eu fiz para merecer isto?!””

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Poesia Portuguesa - 094




VÍRGULA
ANTÓNIO MARIA LISBOA (1928-1953)


Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.

A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.

Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida.
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como o frágil véu que nos separa vedados e proibidos.

ANTÓNIO MARIA LISBOA (1928-1953)

Hernâni Matos


Homenagem a António Maria Lisboa (1997). Carlos Calvet (1928-2014). Serigrafia
a 30 cores sobre papel fabriano [58x38 cm (Dimensão da Mancha), 70x50 (Dimen-
são do Suporte): 70x50 cm – Tiragem: 200 exemplares].