Fernanda de Castro
O SACO DE RETALHOS
FERNANDA DE CASTRO
(1900-1994)
O
Saco de Retalhos
Velho
saco, onde estavas? No baú
das
coisas mortas,
esquecidas
como tu?
Guardado
na gaveta
como
as sedas, as cassas,
os
ramos de violeta,
a
poeira e as traças?
Velho
saco, onde estavas? Pendurado
numa
daquelas portas
que
um dia se fecharam
sobre
a infância, o passado,
e
nunca mais se abriram?
Ou
no sótão,
na
trouxa dos farrapos,
misturado
com os trapos?
Velho
saco dos tempos esquecidos,
nos
teus retalhos desbotados
reconheço
os meus bibes,
as
chitas e os percais dos meus vestidos.
Estes
velhos riscados
foram
saias, corpetes, aventais
de
criadas que então eram meninas.
E
estas cambraias, estas sedas finas,
usou-as
minha mãe.
Ó
velho saco, feito de retalhos,
rever-te
fez-me bem.
Este
linho desfeito, remendado,
foi
lençol de noivado,
e
quantas vezes te vi pôr na cama,
ó
minha ama,
esta
chita vermelha de ramagens.
Meu
velho saco, meu livro de imagens,
rever-te
fez-me bem.
Não
sei, porém,
que
travo amargo esta alegria tem,
que
tristeza me fez, que nostalgia,
ver
surgir na distância
a
minha infância,
descosida,
em farrapos,
e
reencontrar a minha mocidade
remendada
e puída
numa
saca de trapos.
Ó
saco, ó velho saco de farrapos,
já
não sei, afinal,
se
ver-te me fez bem ou me fez mal.
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