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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Carlos Alberto Alves na 45ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde


Clique na fotografia para ver o vídeo

Desde o passado domingo, dia 30 de Junho e até ao próximo domingo, dia 6 de Agosto, que o barrista Carlos Alberto Alves de Estremoz, estará presente na 45ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, por convite da Organização da Feira.
Trata-se do único bonequeiro de Estremoz presente na Feira, uma vez que a prevista participação colectiva do Município de Estremoz, a convite da Organização da Feira, foi cancelada por aquele Município e não se concretizou, ao contrário do que aconteceu no ano anterior.
Segundo consta, alguns barristas terão revelado indisponibilidade para estar presentes, o que terá levado o Município de Estremoz a cancelar a sua participação.
Carlos Alberto Alves arcou sobre os seus ombros a pesada tarefa e responsabilidade de representar na Feira a produção dos Bonecos de Estremoz, classificados em 2017 pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade.
A excelência da participação de Carlos Alberto Alves, visualizável num breve vídeo do seu stand, o qual divulgou no Facebook, permitem-me desde já concluir que a missão a que se propôs, será necessariamente coroada de êxito. É caso para dizer:
- PARABÉNS CARLOS!








domingo, 23 de julho de 2023

Costurar é preciso!

 

Mulher a cozer à máquina. José Carlos Rodrigues (1970- ). 
Bonequeiro de Estremoz certificado pela Adere-Certifica.

A máquina de costura é um objecto primordial que povoa o universo de memórias da minha infância.
Nasci no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, no dia 19 de Agosto de 1946. Ali se situava a primeira oficina de alfaiate do meu pai. Daí que algumas das memórias de infância sejam de natureza acústica e tenham a ver com o regime de funcionamento da máquina, entre um arranca e um pára, ao sabor do tamanho da costura. Familiarizei-me, de resto, com diferenças de sonoridade associadas a costuras lineares, em ziguezague e pespontadas. Todavia, também há outras que fui registando desde muito cedo, até porque menos agradáveis. Entre elas, o partir da linha, o enfiar da agulha, a mudança de bobine e até mesmo o partir da agulha. Tudo contratempos que perturbavam o ritmo do ganha pão diário lá de casa.
Lá fui crescendo no meio de costureiras que tratavam o meu pai respeitosamente por Mestre e aí pelos 15 anos fui recrutado como aprendiz no decurso das férias escolares. Com uma cajadada, o meu pai matou dois coelhos: para o que desse e viesse, pôs-me a aprender os rudimentos do ofício, ao mesmo que me subtraía à rua, onde entre a rapaziada já havia quem gostasse de “Rock'n and Roll” e sem ele o saber, eu era um deles.
Parece que tinha o destino marcado e lá comecei a desempenhar as tarefas mais simples destinadas a um aprendiz, o que incluía não só cozer à mão, como também à máquina. E era aqui que eu renascia sempre que ao cozer entretelas, descarregava as tensões acumuladas ao ritmo do pedal da máquina. Era um indício bastante forte de que a minha vida não iria ser aquela.
Por isso, quando o meu pai equacionou o meu ingresso no Ensino Secundário, eu acarinhei a ideia com o compromisso solene de me empenhar mais que até aí, acordo que sempre cumpri.
A partir daí passei a encarar a máquina de costura com outros olhos.
Como estudante de Física vim a perceber que o movimento de vaivém do pedal da máquina, é transformado pelo sistema biela-manivela, em movimento de rotação da roda grande inferior, o qual através duma correia se transmite à roda pequena superior, que assim atinge uma velocidade muito superior, indispensável ao funcionamento eficaz da máquina de costura. Percebi também que é graças à inércia de rotação, que a máquina continua a trabalhar, mesmo após termos deixado de dar ao pedal.
Como membro responsável desta aldeia global que é o mundo, reconheço o contributo da máquina de costura caseira para a sustentabilidade do planeta. Com ela se podem reparar rasgões ou tapar buracos, reconverter modelos ou ajustá-los ao tamanho dum novo utilizador. Tudo isto numa prática de economia circular, a qual combate o desperdício da Sociedade do Descartável, que inescapavelmente conduz ao ecocídio.
Não é de estranhar que a máquina de costura ocupe um lugar privilegiado cá em casa, não como mero adorno decorativo, mas como instrumento de economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta. Trata-se de uma máquina SINGER centenária, que me foi oferecida pela minha mãe há cerca de 50 anos, após a sua aquisição aos herdeiros de uma velha senhora, acompanhada do catálogo do modelo e do respectivo recibo de compra.
Como coleccionador, investigador e publicista de Bonecos de Estremoz, não podia deixar de me encantar com uma criação do barrista José Carlos Rodrigues, representando a “Mulher a cozer à máquina”, em contexto de inícios do séc. XX com matriz alentejana (chão de tijoleira e cadeira pintada com flores).
Felicito vivamente o bonequeiro por este seu trabalho, não só pelo trabalho em si, mas porque nele estão interligados dois conceitos que me são gratos: a economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta e o Património Cultural Imaterial da Humanidade cuja salvaguarda é imperativa.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Mestres Bonequeiros de Estremoz

 
Mariano da Conceição (1903-1959). Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988).
Arquivo fotográfico do autor.

Prólogo
A língua portuguesa é rica em múltiplos aspectos. Um deles resulta do facto de um mesmo termo ser susceptível de várias interpretações. É o que se passa com o termo “Mestre”, substantivo masculino, cuja etimologia provém do latim “magistru”, “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”.
O termo “Mestre” no verdadeiro sentido do termo, é usado no contexto de múltiplas actividades profissionais, designando alguém que tem aprendizes numa oficina. Por outro lado, a nível das artes, pelo menos desde a Idade Média que a designação atribuída a Mestres que pela excelência do seu trabalho se destacam dos outros Mestres, é a de Grandes Mestres. Todavia, o termo “Mestre” tem sido banalizado e é usado paralelamente e muitas vezes com carácter subjectivo, para designar quem domina muito bem uma actividade profissional, ainda que não tenha aprendizes.
A utilização do termo “Mestre” é comum a múltiplas actividades, entre elas a de barristas ou bonequeiro(a)s. Daí que me proponha suscitar uma reflexão em torno da correcta utilização do mesmo, retrocedendo no tempo em termos de dados históricos relativos a Bonecos de Estremoz.

Mestres bonequeiros no século XIX
Entre as referências mais antigas a figuras em barro de Estremoz, destacam-se as das actas de sessões da Câmara Municipal de Estremoz, de 31 de Outubro e de 10 de Dezembro de 1770, que referem a existência de mulheres chamadas “boniqueiras”, que fazem figuras e “brincos”. Fica-se a saber que nessa época a produção de figuras em barro era efectuada exclusivamente por mulheres, situação que se altera em data que não é possível apurar. Na verdade, o Mapa das Fábricas existentes no Distrito de Évora em 1837 (Fundo do Governo Civil de Évora - Arquivo Distrital de Évora), mostra que em 1 de Janeiro de 1837, no concelho de Estremoz e na freguesia de Santo André, existem 26 oficinas de figuras, com 26 proprietários, 26 mestres e 36 operários (7 homens, 18 mulheres e 11 rapazes). Naquela data, a produção de figuras em barro encontrava-se já em decadência, deixara de ser efectuada exclusivamente por mulheres e cada oficina era dirigida por um mestre que era também o proprietário.

Mariano Augusto da Conceição (1903-1959)
O escultor José Maria Sá Lemos (1892-1971), director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves conseguiu, entre 1933 e 1935, a recuperação da tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, considerada extinta com a morte de Gertrudes Rosa Marques (1840-1921). O instrumento primordial dessa recuperação foi a velha bonequeira Ana das Peles (1859-1945) e Mariano Augusto da Conceição (1903-1959), oleiro, foi o instrumento de continuidade dessa recuperação.
Mariano Augusto da Conceição era neto de Caetano Augusto da Conceição, fundador da Olaria Alfacinha e filho primogénito de Narciso Augusto da Conceição, que orientou aquela oficina até 1933. Ingressou como Mestre provisório da Oficina de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, em 3 de Dezembro de 1930, passando à situação de Mestre contratado em 29 de Abril de 1931 e de Mestre efectivo em 19 de Março de 1936, cargo que desempenhou ininterruptamente até à sua morte prematura em 30 de Setembro de 1959. Na escola e em contexto de ensino-aprendizagem foi para além de Mestre oleiro, Mestre bonequeiro que ensinou gerações de alunos a produzir Bonecos de Estremoz. Destaco desses alunos, o pintor Armando Alves (1935 - ) e as barristas Aclénia Pereira (1927-2012) e Maria Luísa da Conceição (1934-2015), sua filha. De salientar que os Bonecos produzidos na escola eram comercializados pela própria escola, funcionando assim como receita da mesma e os alunos recebiam por isso um salário.

Sabina da Conceição Santos (1921-2005)
Em 1960, depois da morte do seu irmão Mariano da Conceição, Sabina da Conceição Santos tomou a atitude corajosa de prosseguir com estilo muito próprio, a manufactura de Bonecos de Estremoz, impedindo assim que a arte se perdesse. Sabina nunca tinha confeccionado Bonecos, apenas vira o irmão fazê-los. Formou-se a ela própria, usando como modelos os Bonecos do seu irmão. Dentre as discípulas que até à aposentação em 1988, passaram pela sua oficina e das quais foi Mestra, ressaltam aquelas que se estabeleceram por conta própria: Fátima Estróia (1948- ), Isabel Carona Bento (1949-2006) e Irmãs Flores [Maria Inácia (1957- ) e Perpétua (1958- )]. Estas últimas completaram recentemente 50 anos de carreira, o que levou o Município a distingui-las com um louvor, para “expressar-lhes reconhecimento e gratidão pelos seus 50 anos de dedicação efetiva ao Boneco de Estremoz, pelo apuro técnico e estético do seu trabalho e pela disponibilidade que sempre demonstraram na salvaguarda e valorização desta arte multisecular.”

Sabina da Conceição Santos (1921-2005) nos anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita
 as discípulas Maria Inácia Fonseca (1957- ) e Perpétua Sousa (1958- ). Fotografia
de Xenia V. Bahder. Arquivo fotográfico do autor.

Jorge da Conceição (1963 - )
Entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que decorreu no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição, que contou com o apoio inestimável de Isabel Água e de Luís Parente. Foi frequentado por 16 formandos e ali se formou um grupo de barristas, dos quais 6 se encontram presentemente a produzir. São eles: Ana Catarina Grilo, Inocência Lopes, José Carlos Rodrigues, Madalena Bilro, Manuel J. Broa e Vera Magalhães. Desses 6 e até à presente data, 4 foram certificados pela Adere - CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.
Todos eles o reconhecem como uma referência de topo da nossa barrística e praticamente todos o tratam carinhosamente por Mestre, já que foi com ele que aprenderam.
As criações de Jorge da Conceição ostentam marcas identitárias singulares e por isso notáveis. Em primeiro lugar, o rigor e a perfeição na modelação, com integral respeito pelas proporções, pela morfologia, pelas texturas, bem como a representação do movimento. Em segundo lugar, um cromatismo harmonioso que resulta de uma sábia combinação de cores. Em qualquer dos casos, no mais rigoroso respeito pelo modo de produção e pela estética do Boneco de Estremoz. Tudo isso contribui para que os trabalhos de Jorge da Conceição sejam reveladores da sua incomensurável mestria. Trata-se de facetas do seu trabalho, que ultrapassam o âmbito restrito dos seus formandos e catapultam o barrista a uma nova dimensão de Mestre. Daí dever ser considerado um Grande Mestre, dada a dualidade da sua mestria. Mestre enquanto formador de barristas e Mestre pelo esmero, rigor, beleza e excelência na plenitude do seu trabalho, que fazem guindar a sua obra do patamar da arte popular para o degrau da arte erudita.

Jorge da Conceição (1963 - ), rodeado de discípulos numa sessão do Curso de Formação
sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, ocorrido em 2019. Fotografia de
Luís Parente, recolhida no Facebook.

Epílogo
Já vimos que no verdadeiro sentido do termo, Mestre é “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”. No conjunto de todos os barristas dos séculos XX-XXI houve apenas três que em contexto oficinal e não familiar, ensinaram discípulos, pelo que podem ser considerados Mestres Bonequeiros de Estremoz. Foram eles: Mariano da Conceição (em contexto oficinal escolar), Sabina da Conceição Santos (em contexto oficinal privado) e Jorge da Conceição (em contexto oficinal formativo).

Publicado no jornal E, nº 317, de 21 de Julho de 2023

quarta-feira, 12 de julho de 2023

NATIVIDADE - uma tipologia de cantarinha enfeitada, criada pelas Irmãs Flores


Cantarinha enfeitada com Natividade. Irmãs Flores

A chamada "olaria enfeitada" não integra aquilo que se convencionou chamar o “Figurado de Estremoz”. Trata-se de objectos oláricos produzidos na roda pelos oleiros e enfeitados “à maneira de Estremoz” e na qual predominam cores como o zarcão, o azul, o verde e o vermelho. São peças com dupla autoria, que ostentam por vezes na base, as marcas dessa dupla autoria.
A cantarinha enfeitada aqui designada por "Natividade" é uma criação das Irmãs Flores.
Com a cantarinha ainda em cru, foi-lhe extraída a parte frontal superior do bojo e colada ao nível do corte, uma placa de barro que encaixa perfeitamente na concavidade aberta da cantarinha.
Com uma tal opção, essa concavidade configura a gruta na qual segundo uma das tradições bíblicas, terá nascido o Menino Jesus.
No interior da gruta e nas posições usuais, encontram-se: o berço do Menino Jesus, Nossa Senhora, São José, o burro e a vaca.
A “gruta” encontra-se protegida por uma sacada com arcos floridos, inspirada na protecção lateral do berço dos anjinhos (um dos tipos de berço do Menino Jesus).
Esta última opção visou embelezar ainda mais a decoração do conjunto, bem como impedir que as figuras da Natividade possam cair quando se desloca a cantarinha.
Com esta criação, as Irmãs Flores ampliaram e reforçaram o conceito de olaria enfeitada, criando uma peça composta, bivalente, que pertence simultaneamente a dois mundos: o da olaria enfeitada e o dos presépios.

Publicado inicialmente a 12 de Julho de 2023

quinta-feira, 6 de julho de 2023

MORREU O “ROLO” - A Arte Popular Portuguesa ficou mais pobre



CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS 
Fotografias de Joaquim Vermelho (1927-2002),
 cedidas pela Bibloteca Municipal de Estremoz / 
Arquivo Municipal

Faleceu na passada 6ª feira, dia 30 de Junho, na Residência de São Nuno de Santa Maria (Lar dos Combatentes), em Estremoz, com a idade de 88 anos, Joaquim Martins Carriço (Rolo), notável artesão de arte pastoril alentejana.
Era natural da Aldeia de Cima, freguesia da Glória, concelho de Estremoz, onde nasceu em 1935 e onde residiu até 2017, ano em que após a morte da esposa, Maria Augusta Lopes Anjinho e por vontade própria, resolveu ingressar naquela Estrutura Residencial para Pessoas Idosas.

Cerimónias fúnebres
O velatório do falecido teve lugar na Casa Mortuária da Glória, dali saindo o corpo às 16 h 30 min de sábado, dia 1 de Julho, para a Igreja da Glória, onde decorreram as cerimónias fúnebres, presididas pelo diácono João Prates. Terminadas estas, cerca das 17 horas teve lugar o funeral para o Cemitério da Glória, nele se integrando familiares, amigos e admiradores, que apesar do calor que fazia, não quiseram deixar de lhe prestar uma última homenagem.

Nota de pesar do Município
Em nota divulgada pela Autarquia, a Câmara Municipal de Estremoz, une-se no pesar de todos aqueles que tiveram a felicidade de conhecer e usufruir dos conhecimentos e amizade de um verdadeiro Tesouro Vivo desta região.

Como conheci o “Rolo”
Conheci o “Rolo” no decurso da I FEIRA DE ARTE POPULAR E ARTESANATO DO CONCELHO DE ESTREMOZ, que por iniciativa do Município, decorreu entre 15 e 17 de Julho de 1983, no Rossio Marquês de Pombal, frente às esplanadas dos cafés. Nessa Feira participaram 5 dezenas de artesãos do concelho, distribuídos por 32 stands, tendo em conta as diferentes matérias-primas e tipologias de artesanato (barro, bunho, chifre, cortiça, couro, peles, madeira, mármores, metais, palhinha, papel, têxteis e vidro). Foi uma Feira primordial. Como ela nunca mais haverá nenhuma, a começar pela diversidade e elevada qualidade das criações dos artesãos do concelho, dos quais poucos restam vivos. Foi um Feira que teve uma Comissão Organizadora liderada pelo professor Joaquim Vermelho, um visionário no bom sentido do termo e para o qual a Feira foi sempre a “menina dos seus olhos”. Naturalmente que para o êxito da mesma, contribuiu o auspício do Município, liderado por José Guerreiro, o qual no catálogo, a assumiu como o resultado do trabalho colectivo de um grupo de pessoas que ainda acreditam na importância da cultura popular, como forma de desenvolvimento de toda uma sociedade.
Foi neste contexto pioneiro que conheci o “Rolo”, descoberto pelo professor Joaquim Vermelho e posteriormente por ele estudado e divulgado através do seu Núcleo de Dinamização Cultural. Entre eles era conhecido por “Rolo”, referência que eu adoptei, já que sou um apaixonado por alcunhas alentejanas e aquela era aceite pelo visado, o qual lidava bem com ela. Mais tarde, quando ele me concedeu o privilégio da sua amizade, a forma de tratamento fraternal e respeitosa usada com quem era 11 anos mais velho do que eu, foi, naturalmente, a de “Amigo Rolo”.

O fascínio do “Rolo”
Decorridos 40 anos, posso asseverar que foi “amor à primeira vista”. Para além de amigo, dele fiquei cliente até deixar de produzir, marcando presença anual no seu stand, enquanto participou na Feira.
O “Rolo” exercia sobre mim um fascínio incomensurável. Em primeiro lugar, não só pela diversidade das tipologias dos artefactos de arte pastoril que lhe nasciam das suas mãos mágicas, como pela riqueza dos baixos relevos, lavrados em chifres e paus sabiamente escolhidos e nos quais projectava toda a imaginária popular que transportada pela massa do sangue, lhe aquecia a alma. Em segundo lugar, pela oralidade. O “Rolo” era, todo ele, oralidade transbordante: a sua estória de vida, a estória de vida das suas criações e as estórias que estas lhe contavam, como se adquirissem vida autónoma, após o acto de criação.
Visitei-o algumas vezes com a minha mulher, na Aldeia de Cima, ainda a sua esposa era viva. Foram momentos inesquecíveis de fraternal conversa, onde eu ávido da sua oralidade transbordante e rendido à beleza dos frutos mágicos das suas mãos, quase que não falava, porque o que era importante não era o meu falar, o que era importante era o falar dele e que eu ouvia sofregamente, como se fosse um faminto, ávido de pão.

“Rolo” e o Museu Municipal de Estremoz
Pertence ao Museu Municipal de Estremoz, o conjunto mais importante de obras do artífice, reunidas pelo professor Joaquim Vermelho, amigo e estudioso da sua obra, às quais se foram juntar 22 espécimes doados pelo autor, para memória futura. Encontram-se em exposição permanente no Museu e foram objecto da Exposição “MESTRE ROLO - TESOURO DA ARTE POPULAR DE ESTREMOZ", que em 2018 esteve patente ao público na Galeria Municipal Dom Dinis, em Estremoz. Nela esteve presente o artesão, que posteriormente, em 2020, participou numa "CONVERSA À VOLTA DA ARTE PASTORIL", na qual também intervieram António Carmelo Aires (coleccionador) e Hugo Guerreiro, (director do Museu Municipal de Estremoz).

A Arte Popular Portuguesa ficou mais pobre
Com o seu passamento, a Arte Popular Portuguesa ficou mais pobre, pois ele era um dos seus mais prestigiados e afamados intérpretes.
Resta-nos a consolação do deleite da visualização e fruição da sua obra, a qual além de integrar colecções particulares, como é o caso da minha, integra colecções museológicas, como é o caso da mais importante delas todas, que é a do Museu Municipal de Estremoz, no qual se encontra em exposição permanente.
O “Rolo” partiu, mas a memória da sua oralidade e dos frutos mágicos das suas mãos, permanecerão vivos nos nossos corações, o que me leva a proclamar:
- O AMIGO “ROLO” ESTARÁ SEMPRE PRESENTE ENTRE NÓS!

Hernâni Matos
Publicado no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023




sexta-feira, 30 de junho de 2023

Centenário do nascimento de João Sabino de Matos

 

João Sabino de Matos (1923-2006)


João Sabino de Matos nasceu a 1 de Julho de 1923 na aldeia da Cunheira, da freguesia e concelho de Chança. Foi o segundo de 4 filhos (2 rapazes e 2 raparigas) de Manuel Sabino (pedreiro) e Antónia Maria (doméstica).
Teve uma infância bastante difícil, já que a família passava dificuldades, agravadas para ele e para os irmãos, quando entraram para a escola primária, situada a 8 Km na vila de Chança e para onde diariamente tinham de ir e vir todos dias, fizesse chuva ou fizesse sol. No caso do João era mais complicado ainda, pois tinha um defeito físico numa perna, fruto de um acidente em casa quando era pequeno. Mas era já uma pessoa determinada e fez a 4ª classe da instrução primária
A juventude também não foi fácil, uma vez que terminada a escola foi dar serventia de pedreiro ao pai, o que era penoso para ele. O pai mandou-o então aprender o ofício de alfaiate, profissão que na aldeia acumulava com a de barbeiro, pois quando não havia farpela para confeccionar, sempre havia barbas e cabelos para dar para a bucha.
Pelos 20 anos já estava em Estremoz para onde veio atraído por um tio. Aqui casou em 1946 com 22 anos de idade, com Selima Augusta Carmelo, telefonista e da mesma idade. Começou, então, a exercer em exclusivo a profissão de alfaiate, primeiro no Largo do Espírito Santo, depois na Rua da Misericórdia e mais tarde na Rua 5 de Outubro, onde veio a abrir uma loja de pronto a vestir, ainda antes do 25 de Abril.
Ao longo da vida formou futuros alfaiates. Subiu a vida a pulso e quer como alfaiate, quer como comerciante, foi uma pessoa considerada pelos seus pares e respeitada na praça. Sem dúvida que foi o melhor alfaiate que Estremoz alguma vez conheceu e que dentro da oficina e fora dela, chegou a ter 15 pessoas a trabalhar sob a sua orientação.
Em termos associativos, foi sócio do Clube de Futebol de Estremoz, da Sociedade de Artistas Estremocense (a cuja direcção pertenceu), do Círculo Cultural de Estremoz e do Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide (onde foi barítono).
Foi desde sempre um opositor ao regime salazarista. Em 1958 apoiou a candidatura do General Humberto Delgado a Presidente da República. Em 1969 nas eleições para a Assembleia Nacional apoiou a Comissão Democrática Eleitoral (CDE).
Antes do 25 de Abril integrou o grupo oposicionista que reunia clandestinamente no monte do Dr. Afonso Costa, pelo que foi com naturalidade que recebeu o 25 de Abril de braços abertos.
Após o 25 de Abril aderiu ao PS e esteve na fundação da Secção do PS de Estremoz, em Maio de 1974.
Ao serviço do PS, foi Presidente da Junta de Freguesia de Santo André entre 1977 e 1979 e entre 1986 e 1989. Foi ainda membro eleito da Assembleia Municipal entre 1980 e 1982 e entre 1986 e 1989. Integrou também a Comissão Administrativa do Hospital da Misericórdia.
Em 2014, no 40º Aniversário da Secção do PS de Estremoz foi homenageado postumamente como um dos membros fundadores do PS local.
Era uma pessoa de carácter, frontal, com coragem física e moral, que não fugia às responsabilidades e que honrava a palavra dada. Valores que como pai me inculcou no espírito e que me norteiam, bem como os ideais de justiça, liberdade, igualdade e fraternidade.
Porque a memória dos homens é curta, achei por bem fazer esta evocação na passagem do 1º centenário do seu nascimento, procurando honrar a sua Memória.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 25-06-2023

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Sessão evocativa de Aníbal Falcato Alves

 

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Aníbal Falcato Alves (1921-1994). Fotografia do cineasta Manuel Costa e Silva (1938-1999).
No próximo dia 2 de Julho, pelas 15 h, terá lugar no Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz, uma sessão evocativa da vida e obra do estremocense Aníbal Falcato Alves. O encontro visa recordar a sua faceta de Homem de Cultura, a sua obra, o seu papel e legado na recolha e preservação das tradições, da gastronomia e dos costumes do Alentejo, assim como o seu papel de resistente antifascista e a sua acção como militante comunista.
O evento é promovido pela Comissão Concelhia de Estremoz do PCP e do programa consta:
- 15 h - Abertura de Portas;
- 15 h 30 min - Momento cultural: “Palavras de Abril” (com Débora Soares, Inês Siquenique e José Lourido);
- 16 h - Intervenções da mesa: NOEL MOREIRA (membro da Comissão Concelhia de Estremoz do PCP e do Executivo da DOREV do PCP), JOSÉ GUERREIRO (sociólogo e ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz), ABÍLIO FERNANDES (militante do PCP e ex-Presidente da Câmara Municipal de Évora), JOAQUINA BABAU (moderadora, membro da Comissão Concelhia de Estremoz do PCP);
- 16 h 45 min - Intervenções do Público;
- 17 h 30 min - Tinto de honra e mostra das obras de Aníbal Falcato Alves;
- 18 h 30 min - Encerramento da sessão evocativa.
O período destinado a intervenções do público, programado para depois das intervenções da mesa, destina-se a que os presentes que o desejarem, possam intervir, partilhando experiências, estórias ou aprendizagens com Aníbal Falcato Alves, não devendo as intervenções exceder os 5 minutos.

Hernâni Matos

quinta-feira, 22 de junho de 2023

EXPOSIÇÃO "IRMÃS FLORES, 50 ANOS EM 50 BONECOS"

 

Irmãs Flores. Fotografia cedida por cortesia de Sul Ibérico.

Clique nas imagens para
 aumentar o "zoom" das mesmas.

Foi inaugurada no passado sábado, dia 17 de Junho, na Galeria Municipal Dom Dinis, a exposição "Irmãs Flores, 50 anos em 50 Bonecos", que ali ficará patente ao público até ao próximo dia 2 de Setembro. O certame, organizado pelo Museu Municipal de Estremoz, visa proporcionar uma visão retrospectiva de 50 anos de carreira daquelas barristas, ilustrada através de 50 Bonecos de sua produção.


Acto inaugural
Ao acto inaugural compareceram cerca de 4 dezenas de pessoas, entre familiares, amigos e admiradores, que com a sua presença quiseram testemunhar o elevado apreço que nutrem pelas Irmãs Flores e pelo trabalho por elas desenvolvido ao longo da sua carreira.
A cerimónia foi presidida pelo Presidente do Município, José Sadio, que se encontrava acompanhado da Vice-Presidente, Sónia Caldeira. Na oportunidade, elogiou o trabalho desenvolvido pelas Irmãs Flores e o contributo dado ao longo destes anos todos, visando a divulgação, valorização e salvaguarda do Boneco de Estremoz e que permitiu que a sua produção fosse proclamada pela UNESCO em 2017, como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Anteriormente usara da palavra, Isabel Borda d’Água, Directora do Museu Municipal de Estremoz. No final, usaram da palavra, Perpétua e Maria Inácia Fonseca, que agradeceram, relembrando esta última todo o apoio e incentivo recebidos de Mestra Sabina Santos e do Professor Joaquim Vermelho, cuja evocação fez com saudade e aos quais foi dedicada a exposição. Seguiu-se uma visita guiada à mesma. Ali foi possível apreciar e ouvir comentar pelas Irmãs Flores, trabalhos de toda uma vida dedicada com paixão e emoção aos Boneco de Estremoz. Ali havia Bonecos de todas as tipologias: Presépios, imagens devocionais, figuras da faina agro-pastoril, figuras da realidade local, figuras do quotidiano doméstico, figuras de negros, figuras alegóricas e figuras de assobio. Presentes também exemplares de olaria enfeitada.
Na exposição chamavam especialmente a atenção duas peças. Uma delas, uma espectacular cantarinha enfeitada com 2 sargentos no jardim e arcos com flores, foi trabalho realizado a 8 mãos. Ilídio Fonseca, irmãos das Irmãs flores, modelou a cantarinha na roda de oleiro, Maria Inácia Fonseca modelou os folhos e os Bonecos, Perpétua Fonseca pintou tudo e Mestra Sabina Santos fez a decoração. A outra peça, é uma magnífica imagem de Nossa Senhora da Conceição, feita a 6 mãos, pelas Irmãs Flores e seu sobrinho, Ricardo Fonseca, igualmente prestigiado barrista.

A consagração de uma carreira
Os 50 anos de carreira das Irmãs Flores ocorreram em Novembro passado, tendo a Câmara Municipal de Estremoz, na sessão ordinária de 16 de Novembro, aprovado por unanimidade um louvor, no qual expressa “reconhecimento e gratidão pelos seus 50 anos de dedicação efetiva ao Boneco de Estremoz, pelo apuro técnico e estético do seu trabalho e pela disponibilidade que sempre demonstraram na salvaguarda e valorização desta arte multisecular.” O louvor foi completado pela entrega de uma placa a assinalar os seus 50 anos de carreira, com que foram distinguidas pelo Município de Estremoz, cerimónia que em Abril passado, marcou o acto inaugural da FIAPE 2023.

Exposições recentes
É notável a actividade exposicional suscitada pelo trabalho das Irmãs Flores. Só no séc. XXI e em Estremoz, anteriormente à presente exposição "IRMÃS FLORES, 50 ANOS EM 50 BONECOS"(2023), participaram nas seguintes exposições individuais: - O TRAJE POPULAR PORTUGUÊS (2007), Centro Cultural Dr. Marques Crespo, organização da Associação Filatélica Alentejana; - BONECOS DA GASTRONOMIA (2009), XVII Cozinha dos Ganhões, organização da Associação Filatélica Alentejana; - ALENTEJO DO PASSADO (2011), Centro Cultural Dr. Marques Crespo, organização da Associação Filatélica Alentejana; - FIGURADO DE IRMÃS FLORES NA COLEÇÃO DE ANTÓNIO GRANGER RODRIGUES (2022), Galeria Municipal Dom Dinis, organização do Museu Municipal de Estremoz.

Notas finais
Maria Inácia e Perpétua são discípulas de Mestra Sabina Santos (1921-2005), com quem começaram a trabalhar a Maria Inácia em 1972 e a Perpétua em 1975.
Após a aposentação de Mestra Sabina Santos em 1988, criaram então a sua própria oficina-ateliê, primeiro na Rua das Meiras, 8 e daí transitaram, em 1999, para o Largo da República, 16. Aqui se mantiveram até 2010, ano em que se fixaram no Largo da República, 31-32, sempre na procura de melhores condições de trabalho e de atendimento do público.
Ao longo da sua carreira, o trabalho das Irmãs Flores desenvolveu-se em dois planos distintos, mas necessariamente convergentes. Por um lado, a produção daquilo que se convencionou chamar “Bonecos da tradição”, que são aquelas figuras das várias tipologias que são geralmente manufacturadas por todos os barristas. Por outro lado, a produção de “Bonecos da Inovação”, que são figuras que até então não existiam nas diversas tipologias de Bonecos de Estremoz e que tornam a barrística popular estremocense mais vasta e rica. Nalguns casos, a execução de figuras mais complexas e morosas, levou mesmo a que tenha existido uma autêntica mudança de paradigma. Em qualquer dos casos, o trabalho das Irmãs Flores tem-se pautado sempre por uma estrita fidelidade ao modo de produção e à estética do Boneco de Estremoz, naturalmente que com um estilo e um cromatismo muito próprios.
A comunidade estremocense revê-se na elevada qualidade artística do trabalho das Irmãs Flores, as quais pela já sua longa carreira, são muito justamente consideradas embaixatrizes da nossa barrística. Daí estar em consonância e aplaudir o voto de louvor que lhes foi atribuído pelo Município.
Publicado no jornal E nº 315, de 22 de Junho de 2023

O acto inaugural da exposição. Fotografia de Miguel Belfo -  CME.

Um aspecto parcial da exposição. Fotografia de Miguel Belfo -  CME.

Cantarinha enfeitada, uma das peças em destaque na exposição.

Nossa Senhora da Conceição. Outra das peças em destaque na exposição.

Selecção de recortes de imprensa alusivos ao trabalho das irmãs Flores.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Exposição "Irmãs Flores, 50 anos em 50 Bonecos"




Transcrito com a devida vénia da
newsletter do Município de Estremoz,
de 14 de Junho de 2023.

 EXPOSIÇÃO "IRMÃS FLORES,
50 ANOS EM 50 BONECOS"

Irmãs Flores, duas irmãs que a vida levou a que se unissem e dedicassem a vida à produção do Boneco de Estremoz. Inicialmente por mero acaso e posteriormente por vocação e paixão.

Esta exposição é uma mostra de 50 Bonecos que nos ilustram o percurso de 50 anos de trabalho, amor e dedicação ao Boneco de Estremoz de duas Grandes Mestres, as Irmãs Flores, guardiãs de uma arte popular única que em 2017 viu o seu saber-fazer ser classificado pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

A mostra, a não perder, será inaugurada no sábado, dia 17 de junho de 2023, pelas 18h00, na Galeria D. Dinis e estará patente até dia 2 de setembro de 2023.

Visite!


quinta-feira, 25 de maio de 2023

CURIOSIDADES - Figurado de Estremoz de Inocência Lopes

 

Inocência Lopes na Casa do Alentejo, em Lisboa. Fotografia de Luís Mendeiros . CME.

APRECIE AQUI EM PORMENOR

Esta a designação da exposição inaugurada no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, na passada 5ª feira, dia 18 de Maio, pelas 11 horas e que ali ficará patente ao público até ao próximo dia 3 de Setembro.
Ao acto inaugural compareceram cerca de 2 dezenas de pessoas, entre familiares, amigos e admiradores da barrista Inocência Lopes, que ali foram testemunhar a estima que nutrem por ela e pelo seu trabalho.
O evento foi iniciado por Isabel Borda d’Água, directora do Museu Municipal de Estremoz, que historiou o percurso formativo da barrista e elogiou o seu trabalho. Seguidamente usou da palavra a artesã, que justificou o título da Exposição e que emocionada agradeceu o apreço manifestado pelos presentes, assim como o trabalho de mestria dos seus formadores, bem como o enquadramento proporcionado pelo Município, pelo CEARTE e pela ADERE-CERTIFICA.

Infância e juventude
A barrista, de seu nome completo, Inocência Isabel Gonçalves Saias Lopes, nasceu em 1973 no Monte do Redondinho, na Freguesia de Évora Monte e foi a terceira de quatro irmãos (2 rapazes e 2 raparigas). Foi baptizada na Igreja de S. Pedro em Évora Monte, vila e freguesia onde completou o 1º e o 2º ciclo do Ensino Básico. Desse tempo, lembra-se das brincadeiras de infância com outras crianças suas vizinhas, de ser muito reservada na escola e tem boas recordações das férias de Verão.
Começou a trabalhar muito jovem, revelando interesse e até mesmo paixão pelo artesanato, de tal modo que aos 15 anos já dizia que um dia havia de ter uma loja de artesanato no Castelo de Évora Monte. Com 15/16 anos frequentou um curso de tecelagem e de tinturaria vegetal, a que se seguiu uma formação em tapetes de Arraiolos. Dos 18 aos 20 anos foi baby-sitter e mais tarde foi viver para Quarteira durante um ano, entre 1994 e 1995, aí trabalhando em Hotelaria.
Aos 16 anos começou a namorar com um jovem de 19, José Manuel da Silva Lopes, que conhecia desde a escola primária e com quem casou em 1993, em cerimónia realizada na Igreja de São Pedro, em Évora Monte. Do casamento nasceria um filho, José Manuel Gonçalves Lopes, actualmente com 25 anos de idade e designer gráfico, interessado por tudo que é arte e que já revelou potencialidades de poder dar continuidade ao trabalho da mãe, como barrista de bonecos de Estremoz.
Em 2003/2004, Inocência Lopes frequentou um Curso de Formação Profissional do IEFP, com equivalência ao 9º ano de escolaridade. Em 2005 concretizou o antigo sonho de abrir uma loja de artesanato dentro do Castelo de Évora Monte, o que veio a acontecer no nº 11 da Rua da Convenção, local onde até 1915 tinha funcionado o Celeiro Comum, fundado por alvará de D. João IV, em 1642. Devido à sua localização, a loja passaria a ser designada por Loja de Artesanato Celeiro Comum e entre outras coisas eram ali comercializadas cadeiras alentejanas, louça regional, artefactos em cortiça e pantufas de pele. Em 2010, frequentou algumas aulas de Técnicas de Modelação de Bonecos de Estremoz, ministradas por Isabel Borda d´Água no Museu Municipal de Estremoz, as quais não puderam ter continuidade, por motivos de natureza pessoal. Entretanto, frequentou várias formações em pintura e técnicas de artes decorativas, visando comercializar os seus trabalhos. Todavia, a atracção exercida pelos Bonecos de Estremoz, revelar-se-ia crucial.

O nascimento da barrista
Em 2019 frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que teve lugar no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Mestre Jorge da Conceição. Em 2022 recebeu Carta de Artesão e de Unidade Produtiva Artesanal na área da Cerâmica Figurativa, emitida pelo CEARTE.
Também em 2022 foi reconhecida como artesã produtora de Bonecos de Estremoz. O reconhecimento consta de um certificado atribuído pela Adere-Certifica, organismo nacional de acreditação a quem compete a certificação de produções artesanais tradicionais, com garantia da qualidade e autenticidade da produção.
O ano de 2022 é um ano relevante na vida de Inocência Lopes, que passa a produzir e a comercializar Bonecos de Estremoz, como artesã certificada. Trata-se de uma condição que para além de constituir uma mais valia na salvaguarda do Boneco de Estremoz, a enche de orgulho por constituir o reconhecimento da qualidade e do mérito do seu trabalho como barrista.

A exposição em si
A exposição intenta dar-nos uma ideia do que é o trabalho da barrista na actualidade, para o que recorre a cerca de 40 trabalhos, distribuídos por diferentes tipologias; - IMAGENS DEVOCIONAIS: Menino Jesus do Missal, Nossa Senhora da Conceição, Pão de Santo António, Rainha Santa Isabel (Milagre das Rosas), Santo António com o Menino ao colo; - PRESÉPIOS: Presépio de 3 figuras, Presépio da manta alentejana; - FIGURAS DA FAINA AGRO-PASTORIL NAS HERDADES ALENTEJANAS: Dia da espiga, Mulher dos carneiros, Mulher dos enchidos, Mulher dos perus, Par do Rancho Convenção de Évora Monte; - FIGURAS QUE TÊM A VER COM A REALIDADE LOCAL: Dama, Mulher a vender chouriços, Peralta; - FIGURAS INTIMISTAS QUE TÊM A VER COM O QUOTIDIANO DOMÉSTICO: Mulher a lavar a roupa, Senhora a servir o chá, Senhora ao espelho; - FIGURAS DE NEGROS: Preta florista, Rei negro (par); - FIGURAS ALEGÓRICAS: Amor é cego (par), Vitória de Estremoz, Primavera (duas), Primaveras de arco (três); - ASSOBIOS: Arco enfeitado, Candelabro enfeitado, Pucarinho enfeitado, Terrina enfeitada;
O conjunto dos trabalhos agora expostos integra na sua maioria, o núcleo central dos Bonecos de Estremoz, habitualmente designado por “Bonecos da Tradição”. Em particular, algumas das figuras expostas inspiram-se em exemplares da colecção Júlio dos Reis Pereira, pertencente ao acervo do Museu Municipal de Estremoz. Todavia e para além disso, no conjunto agora exposto figuram exemplares englobáveis naquilo que se convencionou designar por “Bonecos da Inovação”. Trata-se de modelos que ainda não tinham sido criados por outros barristas. Tal é o caso de composições como “Dia da espiga”, “Par do Rancho Convenção de Évora Monte” e “Presépio da manta alentejana”, que ostentam em comum, marcas identitárias da cultura alentejana, nomeadamente a nível do traje. Tal é ainda o caso dos assobios designados por “Arco enfeitado”, “Candelabro enfeitado”, “Pucarinho enfeitado”, “Terrina enfeitada”. Neste caso, a inovação foi acompanhada de uma verdadeira mudança de paradigma. Com efeito e até ao presente, os assobios de barro vermelho de Estremoz, apresentavam como padrão comum, o facto de a sua decoração integrar uma ave, uma figura antropomórfica (Senhora de pezinhos, Peralta, Sargento) ou uma figura mista (Amazona, Peralta a cavalo, Sargento a cavalo). A partir de agora e com Inocência Lopes, os assobios passam também a integrar espécimes de olaria enfeitada como elementos decorativos. Trata-se de uma inovação visualmente harmoniosa, que eu aplaudo e subscrevo.
“CURIOSIDADES” (2023) é a primeira exposição individual de Inocência Lopes, que a encara como um misto de realização pessoal e de reconhecimento e valorização do seu trabalho. Anteriormente e em termos colectivos, a barrista já participara em certames como a Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde (2022) e a FIA - Feira Internacional de Artesanato, em Lisboa (2022).

Características do trabalho da barrista
Na execução dos seus trabalhos, Inocência Lopes respeita os cânones da técnica de produção e da estética dos Bonecos de Estremoz, o que vem fazendo desde o início da sua formação como barrista. É um trabalho que vem aprofundando, na procura incessante da perfeição e do seu próprio caminho, através da afirmação de um estilo caracterizado por marcas identitárias diferenciadoras que a vão distinguindo dos outros barristas.
A representação do olhar e das maçãs do rosto é inconfundível e o cromatismo das suas figuras, vivo ou suave, é sempre harmonioso.
Congratulo-me com a qualidade dos trabalhos agora expostos por Inocência Lopes, que nos revelam a existência de uma nova estrela no firmamento da barrística popular de Estremoz. Mais uma vez se constata a importância e a relevância que teve o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, promovido em 2019 pelo CEARTE, em parceria com o Município de Estremoz.

Contactos
Visando facilitar o contacto com a barrista, disponibilizo aqui os vários modos de o fazer: INOCÊNCIA LOPES / Artesanato - Celeiro Comum de Évora Monte / Rua da Convenção 11, 7100-314 Évora Monte / TELEFONE: 966 759 534 / EMAIL: celeirodocomum@hotmail.com

Publicado no jornal E, nº 215, de 25 de Maio de  2023

Isabel Borda d'Água apresentando Inocência Lopes e a sua exposição. 
Fotografia de Miguel Belfo -  CME.

Uma visão geral da exposição de Inocência Lopes. 
Fotografia de Miguel Belfo -  CME.

 Inocência Lopes com o marido, filho e nora. 
Fotografia de Miguel Belfo -  CME.


Bonecos de Estremoz de Inocência Lopes

 

Nossa Senhora da Conceição

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“CURIOSIDADES” é o título da exposição de Bonecos de Estremoz da barrista evora montense Inocência Lopes, que desde 18 de Maio e até 3 de Setembro estará patente ao público no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz.
A exposição intenta dar-nos uma ideia do que é o trabalho da barrista na actualidade, para o que recorre a cerca de 40 trabalhos, distribuídos por diferentes tipologias; - IMAGENS DEVOCIONAIS: Menino Jesus do Missal, Nossa Senhora da Conceição, Pão de Santo António, Rainha Santa Isabel (Milagre das Rosas), Santo António com o Menino ao colo; - PRESÉPIOS: Presépio de 3 figuras, Presépio da manta alentejana; - FIGURAS DA FAINA AGRO-PASTORIL NAS HERDADES ALENTEJANAS: Dia da espiga, Mulher dos carneiros, Mulher dos enchidos, Mulher dos perus, Par do Rancho Convenção de Évora Monte; - FIGURAS QUE TÊM A VER COM A REALIDADE LOCAL: Dama, Mulher a vender chouriços, Peralta; - FIGURAS INTIMISTAS QUE TÊM A VER COM O QUOTIDIANO DOMÉSTICO: Mulher a lavar a roupa, Senhora a servir o chá, Senhora ao espelho; - FIGURAS DE NEGROS: Preta florista, Rei negro (par); - FIGURAS ALEGÓRICAS: Amor é cego (par), Vitória de Estremoz, Primavera (duas), Primaveras de arco (três); - ASSOBIOS: Arco enfeitado, Candelabro enfeitado, Pucarinho enfeitado, Terrina enfeitada;
“CURIOSIDADES” (2023) é a primeira exposição individual de Inocência Lopes, que a encara como um misto de realização pessoal e de reconhecimento e valorização do seu trabalho. Uma exposição cuja visita recomendo vivamente.


Santo António com o Menino Jesus ao colo

Pão de Santo António

Menino Jesus do Missal

Rainha Santa Isabel (Milagre das Rosas)

Presépio de 3 figuras

Presépio da manta alentejana


Mulher dos carneiros

Mulher dos perus

Mulher dos enchidos

Dia da espiga

Par do Rancho Convenção de Évora Monte

Mulher a vender chouriços

Dama

Peralta

Mulher a lavar a roupa

Senhora a servir o chá

Senhora ao espelho

Preta florista


Reis negros (par)

Amor é cego (par)

Vitória de Estremoz

Primavera

Primavera

Primavera de arco

Primavera de arco

Primavera de arco

Arco enfeitado (assobio)

Candelabro enfeitado (assobio)

Pucarinho enfeitado (assobio)

Terrina enfeitada (assobio)