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sábado, 17 de julho de 2021

A República é uma bebedeira


Bêbado sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos.
Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX.


Adquiri recentemente um belo e curioso exemplar de barrística popular produzido numa das Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX, tematicamente situado no domínio satírico, o que me é particularmente grato.
Representa um homem trajando à moda da época, sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos. As notórias rosetas que ostenta nas faces, indiciam tratar-se de um bêbado. Este, apresenta a cabeça coberta por um barrete frígio vermelho, símbolo da Revolução Francesa (1789) e desde então adoptado como inequívoco símbolo do regime republicano, que em 1910 seria implantado em Portugal.
O Partido Republicano Português foi fundado em 1876, iria crescer e a propaganda republicana iria suscitar adesão popular às suas propostas, que abalavam fortemente a monarquia no poder desde o início do reinado de D. Afonso Henriques (1143).
Naturalmente que a batalha ideológica entre monárquicos e republicanos seria intensa e cada um dos lados tinha os seus apoiantes e os seus detractores. Essa batalha ideológica teria repercussões em vários domínios: na literatura, na imprensa, na ilustração e é claro na arte popular, acabando os autores por serem partidários duma facção ou da outra.
A meu ver, o presente exemplar de barrística popular estremocense é uma sátira monárquica à República, já que o bêbado usa barrete frígio vermelho. A mensagem anti-republicana implícita parece ser evidente: “A República é uma bebedeira”.
De salientar a decoração da base octogonal (quadrangular com as pontas cortadas em bisel), sarapintada com manchas brancas, verdes e pretas, que configuram um tecido camuflado.

domingo, 9 de maio de 2021

EXTREMOZ VILLA – ESTREMOZ CIDADE

 

José Guerreiro

EXTREMOZ VILLA – ESTREMOZ CIDADE
Este o nome do livro de José Guerreiro, a apresentar pelas 16 horas da próxima 5.ª feira, dia 13 de Maio (Feriado Municipal), no Salão da União de Freguesias de Estremoz. Na apresentação do livro terão lugar sucessivamente intervenções de Nuno Mourinha (prefaciador), de João Jaleca (jornalista) e do autor.

O AUTOR
José Emílio Vasconcelos Câmara Guerreiro é natural de Estremoz, onde nasceu em 1951. Sociólogo de formação, desempenhou os seguintes cargos: Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária de Estremoz (1976), Director do jornal Brados do Alentejo (1979-1980), Presidente da Câmara Municipal de Estremoz (1983-1985), Presidente da Assembleia Municipal de Estremoz (1994). Foi quadro da Câmara Municipal de Évora desde 1979, onde entre outros cargos, foi Director do Centro de Estudos responsável pela classificação do Centro Histórico de Évora como Património Mundial da UNESCO em 1986. Quando da sua aposentação em 2018, integrava o Gabinete de Apoio ao Presidente da Câmara Municipal de Évora. É colaborador regular do jornal Brados do Alentejo.

A OBRA
O livro resulta da conjugação de dois factores: o gosto do autor pela escrita e a disponibilidade actual para pensar melhor no que acontece à sua volta. Daí que tenha decidido fazer o relato de episódios marcantes da História de Estremoz, desde 1900 até à actualidade. Para tal, utilizou como fontes, a imprensa local, testemunhos orais, bibliografia sobre História de Portugal e pesquisa na internet. A metodologia seguida levou-o a contextualizar a História Local na História do País, a arrumar os episódios históricos por décadas em cada um dos dois séculos e a identificar os episódios mais relevantes em cada década. Sempre que lhe foi possível, identificou esses acontecimentos em mapas à escala local.
Dentre os acontecimentos mais relevantes do século XX em Estremoz, o autor destaca: 1904 - Fundação do Centro Republicano, por Júlio Martins; 1905 - Chegada do caminho de ferro; 1916 - Demolição de parte da muralha seiscentista; 1922 - Inauguração do Teatro Bernardim Ribeiro; 1926 - Elevação à categoria de cidade; 1930 - Criação da Escola Industrial António Augusto Gonçalves; 1960 - Demolição da igreja de Santo André; 1962 - Construção do "desvio" - variante sul da EN4; 1963 - Conclusão da fachada da igreja dos Congregados; 1974 - Participação do RC3 no 25 de Abril.
O prefácio do livro é do arqueólogo Nuno Mourinha e a capa do artista plástico António Couvinha.
O livro, edição do autor, tem capa dura a cores e miolo a preto e branco, 371 páginas, 12 mapas e 523 ilustrações. A tiragem foi de 500 exemplares e foi impresso em formato A5 na Tipografia Brados do Alentejo, em Estremoz.

Hernâni Matos

sábado, 16 de maio de 2020

São Roque em Portugal


São Roque (séc. XVII). Escultura em madeira policromada. Igreja de São Roque, Lisboa.

Início do culto a São Roque em Portugal
As primeiras notícias sobre os milagres de Santo Roque chegadas a Portugal remontam ao final do reinado de D. João II e ao início do de D. Manuel I. A devoção a São Roque expandiu-se através da fundação duma confraria que contava com a família real e a nobreza entre os seus membros. Desde então que a Irmandade de São Roque de Lisboa tem mantido vivo o culto a São Roque.
Em 1506 teve início a construção da Ermida de São Roque no exterior da Cerca Fernandina, perto do adro onde se sepultavam as vítimas da peste. A ermida foi consagrada pelo bispo em 1515 e nela se depositaram as Relíquias de São Roque cedidas ao rei D. Manuel I pelas autoridades venezianas. O adro foi consagrado em 1527. A ermida transformou-se num importante local de peregrinação, aonde acorriam peregrinos para cumprir as suas promessas.
Em 1553 a Companhia de Jesus tomou posse da Ermida e em 1556 decidiu avançar com a construção da Igreja de São Roque no local da Ermida.
A Irmandade de São Roque conseguiu subsistir à expulsão da Companhia de Jesus em 1759. Em 1990 transformou-se em Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa e em 2011 fundiu-se com a Real Irmandade do Glorioso São Roque dos Carpinteiros de Machado.
Padroeiro de localidades
- VILAS: São Roque do Pico (Pico – Açores); - ALDEIAS: Gens – Foz do Sousa (Gondomar), Vilarinho de São Roque (Albergaria a Velha); - FREGUESIAS: Abrigada (Alenquer), Altares (Angra do Heroísmo), Cortes do Meio (Covilhã), Romarigães (Paredes de Coura), São Roque (Funchal), São Roque (Oliveira de Azeméis), São Roque (Ponta Delgada – Açores), São Roque do Faial (Santana – Madeira).
Padroeiro de profissões
São Roque é padroeiro de cirurgiões e deficientes, dermatólogos, padeiros, tratadores e treinadores de cães, curtidores de peles, cardadores, agricultores, viticultores e trabalhadores da pedra (canteiros, calceteiros e carreiros).
Protector
São Roque é invocado como protector: - Contra epidemias de peste, cólera, tifo, gripe espanhola, sida, etc. - Contra a silicose de canteiros, calceteiros e carreiros. - Contra doenças de animais (febre aftosa) e da videira (filoxera). – De cães.
Arquitectura
São Roque é um nome muito usado na designação de construções pertencentes aos vários tipos de arquitectura: - ARQUITECTURA CIVIL – Existem três Pontes ditas de São Roque: a que atravessa a Ribeira de Ovar, a que une as margens do rio Coa entre as freguesias de Castelo Bom e Mido e a que liga as duas margens do rio Tâmega em Chaves; - ARQUITECTURA MILITAR – Existe Forte de São Roque em Castelo de Vide e em Lagos (Meia Praia); - ARQUITECTURA RELIGIOSA – Tendo por orago São Roque existem: Ermidas (1), Capelas (59) e Igrejas (4). Destas últimas a mais importante é, sem dúvida, a Igreja de São Roque, em Lisboa.
Arte
São Roque tem conhecido entre nós e através dos séculos, múltiplas representações iconográficas: escultura em pedra ou madeira policromada, pintura, azulejaria e gravura.
Festas em Honra de São Roque
Têm lugar em 71 locais diferentes do país, com datas de realização e componentes profanas e religiosas igualmente variáveis de local para local. Pela importância de que se revestem são de referir aqui os festejos realizados em Lisboa.
Actualmente, a Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa celebra o seu Orago no primeiro Domingo de Outubro. As Festas em Honra de São Roque compreendem dois períodos: um de natureza cultural que ocorre no sábado e outro, de natureza espiritual, que sucede no Domingo.
Os festejos de Domingo iniciam-se com a Eucaristia na Igreja de São Roque, no decurso da qual está exposta a Relíquia do Santo Patrono. Durante a Missa são entoados os cânticos e o Hino de São Roque, e lido o texto do nono e último dia da Novena de São Roque.
A Eucaristia termina com a Bênção com a Relíquia, a distribuição do Pão de São Roque “que simboliza o alimento e o amparo da comunidade humana” e a entrega da Pagela, que todos os anos é editada para esta celebração e que, de forma iconográfica, recorda a figura do Santo e os seus atributos.
Ainda no primeiro domingo de Outubro, tem lugar a Procissão solene com a Relíquia de São Roque e a imagem do Santo Patrono, a qual sai da Igreja de São Roque, caminha pelas ruas do Chiado e dirige-se à Capela da Irmandade do Glorioso São Roque dos Carpinteiros de Machado, no Arsenal da Marinha. De acordo com a Irmandade promotora, trata-se de “um acto de manifestação pública de fé, de peregrinação e de testemunho, mantendo vivo o culto a São Roque e divulgando as singulares obras de caridade e de misericórdia…”
Divisão Administrativa
O nome de São Roque figura na designação de concelhos, vilas, aldeias e freguesias: - CONCELHOS (1): São Roque do Pico (Pico); - VILAS (1): São Roque do Pico (Pico). – ALDEIAS (1): Vilarinho de São Roque (Albergaria a Velha); - Freguesias (4): São Roque (Funchal), São Roque do Faial (Santana), São Roque (Oliveira de Azeméis), São Roque (Ponta Delgada).
Toponímia
O nome de São Roque marca presença na toponímia portuguesa tanto a nível urbano como a nível rural: - A NÍVEL URBANO: altos (1), arraiais (1), avenidas (3), bairros (4), calçadas (2), caminhos (5), casais (1), corredouras (1), estradas (1), ilhéus (1), largos (14), loteamentos (1), miradouros (1) pracetas (1), quelhos (1), quintas (1), rampas (2), rotundas (1), ruas (70), terreiros (1), travessas (35), urbanizações (1) e vielas (1). - A NÍVEL RURAL: lugares (18).
Hidrografia
O nome de São Roque surge no âmbito da hidrografia para designar ribeiras e canais: - RIBEIRAS (3): Ribeira de São Roque (Angra do Heroísmo, Loures e São Roque do Pico). - CANAIS (1): Canal de São Roque (Aveiro).
Heráldica
A imagem de São Roque acompanhado pelo cão integra o brasão de armas das freguesias de São Roque do Faial (Santana) e Vila Chã de São Roque (Oliveira de Azeméis). O bordão de peregrino de São Roque com uma cabaça atada faz parte do brasão da freguesia de São Roque (Funchal).

São Roque (1517-1551)]. António de Holanda. Iluminura. Pintura a têmpera e ouro
sobre pergaminho (14,2x10,8 cm). Fólio 274. Livro de Horas de D. Manuel I.
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Aparição do anjo São Roque (1584). Gaspar Dias. Pintura a óleo sobre madeira
(350x300 cm). Igreja de São Roque, Lisboa.

Milagre de São Roque (1584). Francisco de Matos. Painel de azulejos (Fragmento).
Igreja de São Roque, Lisboa.

Gravura de São Roque datada de 1800, executada por Frei Mattheus da Assumpção
Brandão (1778-1837), com Impressão Régia de 1832 em Lisboa e que ilustra a
Novena do Glorioso S. Roque por occasião da Epidemia Cholera-Morbus no anno
de 1832. Offerecida, e celebrada pela Real Irmandade de S. Roque de Lisboa,
sendo seu Provedor Perpetuo El Rei Nosso Senhor: O senhor D. Miguel I”.

domingo, 10 de maio de 2020

Poesia Portuguesa - 098




Rosas de Santa Isabel
João de Lemos (1819-1890)

Onde ides, correndo asinha,
Onde ides, bela Rainha,
Onde ides, correndo assim?
Porque andais fora dos Paços?
Que peso levais nos braços?
Oh! Dizei-mo agora a mim?...

A Santa, regalos novos,
Frutas, pão, e carne, e ovos,
No regaço e braços seus,
Sem cuidar ser surpreendida,
Ia levar farta vida
Aos pobrezinhos de Deus.

Coram-lhe as faces formosas,
E responde: - "Levo rosas..."
Dom Dinis deitou-lhe a mão,
Ao regaço, de repente;
Mas de rubra cor vivente
Só rosas lá viu então!...

Como o tempo era passado,
Nos jardins, no monte e prado,
De rosas e toda a flor,
El-rei, cheio de piedade,
Nas rosas da caridade
Viu a bênção do Senhor!

E daquele rosal dela
Tirando uma rosa bela,
Que guardou no peito seu,
Disse-lhe:- "Em paz ide agora,
Que eu me encomendo, Senhora,
À Santa, ao Anjo do Céu."

João de Lemos (1819-1890)

Hernâni Matos  


O Milagre das Rosas (c. 1735-40). André Gonçalves (1685-1762).
Óleo sobre tela. Igreja do Menino Deus, Lisboa.

sábado, 4 de abril de 2020

Poesia Portuguesa - 097



Salgueiro Maia
Manuel Alegre (1936-  )

Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.

Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.

Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém

trazendo a espada e a flor da liberdade. 

Manuel Alegre (1936-  )

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Homenagem a Mário Tomé


Casa do Alentejo, Lisboa. Vista parcial do salão onde decorreu a homenagem.

A Casa do Alentejo foi pequena
Mário Tomé foi alvo de uma entusiástica homenagem que decorreu no passado dia 25 de Janeiro, no salão principal da Casa do Alentejo, em Lisboa. Aí teve lugar um almoço que reuniu cerca de 260 pessoas que encheram literalmente o salão. A sua presença ali visava assinalar também os 40 anos da eleição de Mário Tomé como deputado da UDP à Assembleia da República.
À homenagem associaram-se camaradas de luta, militares de Abril, dirigentes sindicais, activistas de movimentos sociais, amigos e amigas de Mário Tomé.
A iniciativa foi promovida por uma comissão alargada, presidida pelo general Pezarat Correia.
Otelo Saraiva de Carvalho foi uma das personalidades que na impossibilidade de estar presente, enviou uma calorosa mensagem a Mário Tomé.
O almoço terminou com intervenções de Pezarat Correia e de Mário Tomé, às quais se seguiram momentos musicais e de leitura de poemas, com José Fanha, Francisco Naia, Jorgete Teixeira, e Francisco Rosa, apresentados pelo actor Luís Vicente.
Biografia de Mário Tomé
De acordo com o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, a biografia de Mário Tomé é a que se segue.
“Mário António Baptista Tomé é natural de Estremoz, coronel do Exército e foi condecorado, entre outras, com a Cruz de Guerra.
4 comissões na guerra colonial (1963/64, Guiné; 66/68, Moçambique; 70/72, Guiné; 72/74, Moçambique).
Reserva compulsiva desde Maio 1984, no posto de major. Na reforma desde 1993. Em 1970, em comissão na Guiné, sob comando de Spínola, pediu a demissão das FA's por "desacordo com a guerra colonial e com a política em geral do Governo".
Coordenador do Movimento dos Capitães em Moçambique, membro da Assembleia do Movimento das Forças Armadas, redactor do "Documento do COPCON" (que em Agosto de 1975 surgiu como alternativa de esquerda ao "Documento dos Nove"), subscritor do "Manifesto dos Oficiais  Revolucionários aos Soldados, Operários, Camponeses e Povo Trabalhador" (Novembro de 1975).
2.º Comandante do Regimento de Polícia Militar, delegado na Assembleia Democrática da Unidade (regimento) e responsável pelo Grupo de Dinamização da Unidade, delegado da Unidade na Assembleia do MFA. Preso em 26 de Novembro de 1975 no seguimento do golpe do "25 de Novembro". (Cadeia de Custóias e Presídio Militar de Santarém). Libertado em 23 de Abril de 1976 ficando na situação de residência fixa e arbitrariamente impedido sine die de exercer a sua profissão até ser passado compulsivamente à reserva em 1984.
Membro da Comissão Nacional da Candidatura de Otelo à Presidência da República em 1976, Deputado à Assembleia da República de 1979 a 1983 como independente pela UDP e de 1991 a 1995, eleito nas listas da CDU na base de um acordo do PCP  com a UDP.
No seguimento da lei 43/99 teve a sua carreira reconstituída ficando, por tal, no posto de coronel, posto mínimo que lhe competia no desenvolvimento normal da carreira. Foi dirigente nacional da União Democrática Popular – UDP.”
Mário Tomé, hoje
Dos aspectos biográficos de Mário Tomé ressaltam os de resistente anti-fascista, militar de Abril, resistente anti-neoliberalismo e defensor das conquistas de Abril e do socialismo.
Mário Tomé tem militado activamente no Bloco de Esquerda desde a sua fundação em 1999, tendo sido mandatário das candidaturas às eleições europeias (2013) e às eleições legislativas (2019).

Hernâni Matos
Estremoz, 31 de Janeiro de 2020
(Jornal E nº 239, de 06-02-2020)

Créditos fotográficos: Manuel Xarepe.

Mesa com Mário Tomé, Pezarat Correia e Vasco Lourenço.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Bonecos de Estremoz - Figuras de negros


 Fig. 1 - Preto a cavalo (s/d) – 
- José Moreira (1926-1991).

A produção bonequeira dos diversos barristas dos sécs. XX-XXI tem um elo comum: os chamados “Bonecos da Tradição”. Trata-se de um conjunto de cerca de 100 figuras que são comuns à produção individual de cada barrista. Naquele conjunto existem três figuras de negros que são reveladoras da colonização africana ocorrida no Alentejo: Preto a cavalo (Fig. 1), Preta grande (Preta florista) (Fig. 2) e Preta pequena (Fig. 3).
Na freguesia de Santa Vitória do Ameixial no concelho de Estremoz, existe o chamado Monte dos Pretos, situado junto à mina abandonada que foi explorada no período da ocupação romana da região, a qual começou no séc. I, mas foi mais significativa nos sécs. III-IV. A existência dum Monte com aquela designação, é indicativo de que existiram escravos negros na região. Em Estremoz, como noutras localidades do país, existe a Rua dos Malcozinhados. Estes eram tabernas populares onde se reuniam escravos, trabalhadores braçais e prostitutas e, se consumia vinho barato e comida feita à pressa como peixe frito e iscas. A nível nacional, os malcozinhados são conhecidos desde o tempo das descobertas. O facto de existir em Estremoz uma Rua dos Malcozinhados é um indicador de que por aqui houve escravos negros. Jorge Fonseca em “Religião e Liberdade / Os negros nas irmandades e confrarias portuguesas (séculos XV a XIX)” [(2) - pág.50-51] dá conta que: “Em Estremoz houve duas confrarias do Rosário, sendo aparentemente e ao contrário do que se passa noutros locais, a dos Negros de fundação mais tardia que a outra. Segundo Frei Jerónimo de Belém foi erigida a confraria na Igreja do Convento de São Francisco, em 1545. Em 1585 D. Filipe I autorizou os respectivos confrades a pedirem esmolas pela vila e pelo termo, durante dois anos. Porém, em 1633, os homens e mulheres pretos moradores na vila de Estremoz obtiveram do rei, como governador da ordem de Avis, licença para criarem a confraria e irmandade de Nª Sª do Rosário, na igreja matriz de Nª. Sª. da Assunção, situada na vila intramuros (ao contrário do convento referido), que era da mesma ordem militar. Mas esta deve ter tido duração efémera, ou ter sido unificada com a primeira, tendo em conta um livro seiscentista pertencente à confraria do convento franciscano, com a entrada de irmãos a partir de 1676. Entre pessoas das mais variadas profissões e níveis sociais, aparece Isabel Mendes, escrava de Manuel Garcia Mendes, em 1692”. Resta na cidade, como testemunho da piedade dos descendentes de africanos, uma escultura de São Benedito, setecentista, na igreja de Nª. Sª. do Socorro.” Arlindo Caldeira em “Escravos em Portugal / Das origens ao século XIX” [(1) - pág.308], diz que “Como instituição, as irmandades já funcionavam desde o século XII na Europa, nomeadamente em Portugal, com fins religiosos e de solidariedade. No entanto, não seria no seio das já existentes que os africanos encontrariam acolhimento. Tiveram de criar, com o apoio de algumas ordens religiosas, associações completamente novas. Foi assim que proliferaram estas confrarias, com marcada distinção étnica, e em que ao nome do patrono religioso, se acrescentava “dos homens pretos” ou, sobretudo depois do século XVIII “dos homens pretos e pardos”. Na mesma obra [(1) - pág. 308] refere que: “Embora varie a invocação religiosa que aparece na designação dessas associações, a mais comum é a da Nossa Senhora do Rosário, decorrente do culto do rosário, muito popular desde o séc. XIII, promovido pela ordem dos Dominicanos.” O mesmo autor [(1) - pág. 305] informa que “Além das festas informais de rua, os músicos e dançarinos negros, nomeadamente os escravos, eram os elementos imprescindíveis das festividades anuais das confrarias ditas “de pretos e mulatos” e participavam também nos principais acontecimentos festivos da cidade, sendo uma presença sempre aguardada nas touradas, nos cortejos e nas procissões…” O mesmo historiador revela que: “A música e a dança, uma e outra de raiz claramente africana, eram o prato forte das festividades domingueiras. Estas manifestações de exotismo despertavam, por um lado, a curiosidade, mas, para outros sectores da sociedade eram vistas como sinais de barbarismo pagão ou mesmo de demonismo.” A terminar é de referir de que nos dá conta que [(1)-305]: “Algumas das festas de africanos ligadas às irmandades, mas não só, incluíam a nomeação, em geral com a duração de um ano, de um “rei” e de uma “rainha”, que, além da função decorativa, eram uma espécie de mordomos dos festejos, cabendo-lhes, por exemplo, animar os peditórios para angariação de esmolas.” Julgo ter provado de uma vez por todas e duma forma insofismável que a presença de negros na barrística popular estremocense se dever à existência desde tempos remotos de escravos negros, os quais foram representados pelos barristas.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CALDEIRA, Arlindo M. Escravos em Portugal / Das origens ao século XIX. A Esfera dos Livros. Lisboa, 2017 (págs. 304, 305, 308 e 310).
(2) - FONSECA, Jorge. Religião e Liberdade / Os negros nas irmandades e confrarias portuguesas (séculos XV a XIX). Editora Húmus. Vila Nova de Famalicão, 2016 (págs. 50, 51).


Fig. 2 - Preta grande (Preta florista) (s/d) –
- Liberdade da Conceição (1913-1990).

Fig. 3 - Preta pequena (2018) –
- Irmãs Flores (1957, 1958- ).

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A NOITE MAIS LONGA DE TODAS NOITES



A NOITE MAIS LONGA DE TODAS NOITES é o título da mais recente obra de Helena Pato, a lançar no dia 23 de Maio pelas dezoito horas e trinta minutos, no Espaço Biblioteca Europa (antigo Cinema Europa), no Bairro de Campo de Ourique, em Lisboa. A apresentação está a cargo da Historiadora Irene Pimentel e do Escritor Mário de Carvalho.
A obra é constituída por um volume de capa mole, com grafismo de Raquel Ferreira sobre fotografia da Autora num comício em 1974. Formato 16 cm x 23 cm, com 260 páginas e 16 fotografias. A edição é da Colibri e tem o preço de lançamento de 15 euros, sendo posteriormente comercializada nas livrarias ao mesmo preço.
A autora
Helena Pato nasceu em Mamarrosa (Aveiro), em 1939. Militou activamente na Resistência, durante as duas décadas que antecederam a Revolução, tendo sido presa e detida várias vezes pela polícia política. Acompanhou o marido no exílio ate ao seu falecimento, em 1965. Em 1967 esteve presa seis meses na Cadeia de Caxias, sempre em regime de isolamento. Dirigente estudantil (1958 a 1962); dirigente política da CDE (1969 a 1970); fundadora do MDM (1969) e sua dirigente (1969 a 1971). Integrou o núcleo de professores que, durante o fascismo, dirigiu o movimento associativo docente (1971 a 1974). Fundadora dos sindicatos de professores (1974), foi dirigente do SPGL nos seus primeiros anos.
Licenciada em Matemática, a sua vida profissional foi dedicada ao ensino de crianças e de jovens e à formação docente: leccionou durante 36 anos no ensino público e publicou livros e estudos, no âmbito da Pedagogia e da Didáctica da Matemática. Coordenou Suplementos de Ciência e de Educação em jornais diários.
Dirigente do “Movimento Cívico Não Apaguem a Mem6ria” (NAM), desde 2008; presidente do NAM de 2012 a 2014. Em 2013 criou no facebook e coordena, desde então, a página “Antifascistas da Resistência” e o grupo “Fascismo Nunca Mais”. Publicou dois livros de mem6rias do fascismo: “Saudação, Flausinas, Moedas e Simones” (2005, Editora Campo das Letras) e “Já uma Estrela se Levanta” (2011, Editora Tágide).
A obra
Trata-se de uma colectânea de 60 estórias vividas pela autora durante o fascismo, algumas delas já publicadas e às quais acrescentou referências históricas, sociais e políticas, que as contextualizam.
No Prefácio diz-nos Maria Teresa Horta: “Obra de uma precisão exemplar e simultaneamente de uma beleza límpida no seu veio narrativo, enquanto tessitura de recordações assumidamente pessoais embora arreigadamente políticas (...). A Noite Mais Longa de Todas as Noites é pois uma obra tecida com o fio do júbilo dos ideais, mas igualmente com os acontecimentos vividos no nosso país, então asfixiado por uma longa, cruel e impiedosa ditadura. Sendo tudo isto elaborado com uma vivacidade e uma argúcia que nos leva a lê-la até chegar ao fim, para logo desejar tornar ao seu começo”.
Num dos Posfácios confessa Luís Farinha: “Nunca vi as comemorações do 1.º de Maio no Rossio de Lisboa, em tempo de clandestinidade, tão intensamente descritas (e vividas) como no relato de Helena sobre esse dia de 1962”.
No outro Posfáscio, observa Jorge Sampaio: “As estórias que Helena Pato vai contando, valem, primeiro, pela valência pessoal de sabor autobiográfico, de grande despojamento, sobriedade e elegância, mesmo se tal não é o principal propósito, e, depois, por serem o retrato de uma época de "resistência contra a ditadura"”.

Helena Pato, a autora.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

As Missões Laicas Republicanas e os Equívocos Missionários e Históricos da Igreja Católica



Este é o título da mais recente obra do Académico Honorário Pedro Marçal Vaz Pereira, a lançar pelas dezassete horas e trinta minutos da próxima quarta-feira, dia 16 de Maio, na Sala do Actos da Academia Portuguesa de História, na Alameda das Linhas de Torres, 198-200, em Lisboa. A obra será apresentada pelo Professor Doutor António Ventura, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Académico de Número da Academia Portuguesa da História.
A obra, com extensa bibliografia a servir de suporte documental, é constituída por um volume de capa mole, 17 cm x 20 cm, de 344 páginas. A edição é do autor e tem o preço de lançamento de 15 euros, sendo posteriormente comercializada em Lisboa nas Livrarias Barata e Sinfonia (Avenida de Roma) e Pó dos Livros (Avenida Duque de Ávila).
O autor
O autor, filatelista eminente, escritor e jornalista filatélico, subscreve vasta colaboração em revistas e catálogos de exposições filatélicas, tanto em Portugal como no estrangeiro. É Presidente da Federação Portuguesa de Filatelia (FPF) e foi Presidente da Federação Europeia de Sociedades Filatélicas (FEPA), assim como director das respectivas revistas “Filatelia Lusitana” e “FEPA News”.
Em 2005 publicou a obra em 2 volumes “Os Correios Portugueses entre 1853-1900. Carimbos Nominativos e Dados Postais e Etimológicos”, editado pela Fundação Albertino Figueiredo, de Madrid. Esta obra veio a ser complementada com um “Suplemento I”, editado em 2013. Neste mesmo ano, o autor publicou “As Missões Laicas em África na 1ª República em Portugal” (2 volumes), que foi distinguida com o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian,História Moderna e Contemporânea de Portugal, atribuído pela Academia Portuguesa da História. Em 2015 publicou “O Teatro numa aldeia da Beira - Cernache do Bonjardim", editado pelo Clube Bonjardim.
A obra
No preâmbulo diz-nos o autor: “Em Maio de 2013 foi publicado um livro sobre as Missões Laicas, em 2 volumes, com o título "As Missões Laicas em África Durante a Iª República", de autoria de quem hoje escreve este trabalho. Nesse livro era narrada a verdadeira história das Missões Laicas, baseada em documentos da época, e que comprovavam como a Igreja Católica e os seus historiadores, tinham sempre deturpado historicamente a gran­de organização, que foram efectivamente as Missões Laicas na 1a República.
Esta falta de rigor histórico, tendencioso e lesivo da verdade histórica, professado por estas pessoas ligadas à Igreja Católica, conduziu durante muitos anos, a uma imagem completamente distorcida e falhada, das Missões Laicas, quando assim não foi.” E acrescenta: “Organizaram-se então as hostes da Igreja, contra este meu trabalho sobre as Missões Laicas. Levaram então a cabo um conjunto de iniciativas de completa intolerância, que pensavam rectificativas da afronta para a sua ver­dade, que eles tinham contado, durante tantos anos, sobre as Mis­sões Laicas Republicanas, e que afinal de verdade histórica, tinha bem pouco. Tentaram emendar a mão, com textos absolutamente lamentáveis, bem ao estilo destes terrenos fundamentalistas, que têm na Igreja a sua grande obsessão, e no seu deus o único, a quem respondem, e a quem querem, que todos respondam!!”
Em seguida, dá-nos conta de que: “Foi então publicado um livro, de autoria de Amadeu Gomes de Araújo, ex-padre ordenado no Seminário de Cernache do Bon­jardim e membro do grupo do Sr. Padre Manuel Castro Afonso, sendo este dedicado às Missões Laicas Republicanas, com o título Um Erro de Afonso Costa - As Missões Laicas Republicanas (1913-1926). Este é um trabalho de puro exercício primário e básico, de anti republicanismo beato.” O preâmbulo continua e através dele ficamos a perceber que neste seu novo livro, Pedro Vaz Pereira procura repor a verdade dos factos.


Pedro Marçal Vaz Pereira, o autor.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Porta de Évora: Até quando?


1 - Porta de Évora vista do exterior (Finais do séc. XIX). Nesta época já tinha sido
suprimida a ponte levadiça que lhe dava acesso. Fotografia de autor desconhecido,
posterior a C. J. Walowski (1891).


Sob a epígrafe “PORTAS DE ÉVORA EM RECUPERAÇÃO”, uma newsletter do Município de Estremoz, datada de 11 de Agosto de 2017, informava que o sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça tinham sofrido actos de vandalismo, que levaram o Município a proceder imediatamente à sua retirada para recuperação, a qual prometia ser breve. Decorridos que são oito meses, ainda não foi reposto o equipamento vandalizado, o que causa estranheza.
História da Porta
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância no contexto militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas. Foi assim que a Praça de Estremoz foi ampliada e fortemente protegida por um sistema defensivo abaluartado, que abraça o centro histórico num perímetro com mais de cinco quilómetros, cuja maior parte ainda hoje subsiste. As obras decorreram entre 1642 e 1671 e as portas monumentais só foram concluídas entre 1676 e 1680. 
A Porta de Évora, virada a Sul, recebeu a sua designação por através da estrada de São Lázaro conduzir à estrada que por Évora Monte segue em direcção a Évora. Em mármore da região e inacabada foi dedicada a Santiago e no seu nicho deveria figurar a escultura do patrono, o que nunca veio a acontecer. É a entrada exterior para o ancestral Bairro de Santiago e a ela se acedia através de uma ponte levadiça, cujo sistema elevatório e correntes de ferro suspensoras, já foram reconstituídos posteriormente. A Porta terá sido também munida de portas em madeira, que foram abatidas à existência quando deixaram de ter serventia. 
Memórias da Porta
A Porta constitui a moldura em pedra duma paisagem rural diversificada que se estende até aos confins da Serra de Ossa. Tem também um espectro largo de memórias que vão desde a Guerra da Restauração até aos dias de hoje. São memórias cuja sequência temporal constitui um autêntico documentário de estórias de vidas que aqui são contadas, para além daquelas que ainda ficam por contar. São também a memória do traço identitário do engenheiro militar que as gizou, bem como a memória sonora das pancadas malhadas pela maceta no escopro dos pedreiros de seiscentos para assim aparelharem os calhaus da região.
Pela Porta transitaram cavaleiros, infantes e artilheiros que guarneceram a praça-forte no decurso da Guerra da Restauração e que daqui partiram para travar batalhas como a Batalha das Linhas de Elvas (1659), a Batalha do Ameixial (1663) e a de Montes Claros (1665).
Por ali passaram carradas de pão destinadas ao exército da província do Alentejo fabricado na Padaria Militar que funcionou no edifício que desde 1740 serviu como Assento Real e Armazém de Guerra. Em tempo de guerra chegaram a ser ali produzidos, diariamente, 40.000 pães.
Por ali saíram desde sempre, homens e mulheres do Povo que iam vender a sua força de trabalho nos campos vizinhos, bem como aqueles que por necessidade de subsistência, dali partiam para a recolha de espargos, cardinhos, alabaças e iam ao rabisco no tempo da azeitona.
Por lá caminharam oleiros como Mestre Cassiano, em demanda do barro com que torneavam o vasilhame que vendido no mercado, constituía o seu ganha-pão diário.
Por ali passava o João Caixão, homem simples, vagamente parecido com o Cantiflas, que recolhia desperdícios de comida para alimentar os porcos que com ele viviam nas ruínas da Ermida de São Lázaro.
À saída da Porta
À saída da Porta de Évora pode-se virar à esquerda ou à direita. O caminho do lado esquerdo conduz à chamada Aldeia das Ferrarias, que em 1758 tinha 20 fogos, tendo o topónimo origem no facto de ali estarem sediados os ferreiros que tinham a seu cargo a fundição da artilharia utilizada pelos militares. Indo pelo lado direito entra-se na chamada estrada de São Lázaro, que à esquerda revela as ruínas da Ermida de São Lázaro, associada a uma leprosaria atestada documentalmente desde os finais do século XIV.
A modificação da paisagem rural
A estrada de São Lázaro era bordejada por olivais e trigais, que na época das colheitas davam para arregalar a vista. Actualmente, os olivais e os trigais são memórias de outros tempos. Agora aquilo é vinhedo de João Portugal Ramos Vinhos S.A., eufemisticamente designados por “Vila Santa”. Hoje já não dá para na Quinta-feira da Ascensão ir ali colher a espiga, a não ser para recolher uma ou outra papoila tresmalhada.
Onde é que está o encanto?
Pela estrada de São Lázaro transitam turistas de posses, em direcção à Pousada gerida pelo Grupo Pestana, onde são atendidos principescamente. Logo à entrada da Porta são confrontados com a supressão do sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça, que muito valorizavam aquela Porta. Deparam ainda com o aspecto desagradável das paredes interiores da Porta, repletas de caruncho.
Mais tarde acabam por tomar conhecimento da realidade social que é o Bairro de Santiago, a heróica “Ilha brava”, que há muito devia ter sido objecto de reabilitação urbana por parte do Município.
Decerto que a memória fotográfica que consigo irão transportar, não será um cartaz promocional que faça outros acreditar que “Estremoz tem mais encanto!”, como proclama o slogan do marketing municipal.

Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 198, de 19-04-2018)


2 - Porta de Évora vista do exterior (Anos 40 do séc. XX). Ainda não tinha sido
reconstituída  a ponte levadiça, provida de sistema elevatório e correntes de ferro
suspensoras, o que terá ocorrido no período 1967-1970 em que decorreram as
obras de adaptação do Castelo de Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel.
Fotografia de Rogério Carvalho (1915-1988).

 3 - Porta de Évora vista do exterior (2016). É visível a ponte levadiça suspensa por
correntes. Fotografia de Pedro Perdigão.

4 - Porta de Évora vista do seu interior (2015). Visível a existência das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. As paredes caiadas de branco não
apresentam vestígios de caruncho. Fotografia de Pedro Perdigão.

 5 - Porta de Évora vista do seu interior (2018). Visível a supressão das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. Observável ainda nas paredes o caruncho
que as reveste, fruto de infiltrações aquosas que a incúria dos responsáveis não
combateu. Até quando? Fotografia de Hugo Silva.

domingo, 8 de abril de 2018

ESTREMOZ - Cruz da Igreja de Santa Maria


1 - Igreja Paroquial de Santa Maria no início do séc. XX. No topo da fachada e em
posição central é visível a cruz em mármore. Imagem de um bilhete-postal ilustrado,
edição Faustino António Martins (Lisboa), com o número 1204. No verso a data do
carimbo de expedição dos correios é de 1904. Arquivo do autor.

A cruz como sinal sagrado e objecto de culto
O passado domingo foi Páscoa, festividade religiosa em que os cristãos celebram a Ressurreição de Jesus Cristo depois da sua morte por crucificação, que ocorreu na “Sexta-Feira Santa” (sexta-feira antes do Domingo de Páscoa), data em que é evocado o julgamento, paixão, crucificação, morte e sepultura de Jesus, através de diversos cerimónias religiosas.
Segundo os Evangelhos, Jesus foi condenado a morrer na cruz numa sexta-feira e o responsável pela sentença foi Pôncio Pilatos, prefeito da província romana da Judeia entre os anos 26 e 36 d.C. apesar de não ter encontrado nele nenhuma culpa. Todavia os líderes judeus queriam a sua morte, por considerarem blasfémia Jesus dizer-se filho do Messias. Vejamos o que nos dizem os Evangelhos.
Jesus foi preso no Jardim de Getsémani (Marcos 14:43-52) e foi submetido a seis julgamentos – três por líderes judeus e três pelos romanos [João (18:12-14), Marcos (14:53-65), Marcos (15:1), Lucas (23:6-12), Marcos (15:6-15)].
Pilatos tentou negociar com os líderes judeus ao permitir que flagelassem Jesus, mas eles rejeitaram a proposta por não os satisfazer e pressionaram Pilatos a condená-lo à morte. Pilatos entregou-lhes então Jesus a fim de ser crucificado tal como eles pretendiam (Lucas 23:1-25). Os soldados escarneceram Jesus e vestiram-lhe um manto escarlate e impuseram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos (Mateus 27:28-31).
Jesus veio a ser crucificado num lugar chamado Gólgota, que quer dizer “Lugar da Caveira”. Por cima da sua cabeça puseram uma tabuleta com o motivo da sua condenação: “JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS” [João (19,19), Lucas (23,38)]. Na ocasião foram também crucificados dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus. (Mateus 27:33-38). A escuridão cobriu então o céu durante três horas (Lucas 23:44), até que Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isto, expirou. (Lucas 23:46). Os relatos evangélicos mostram que Jesus entregou livremente a vida a Deus pela redenção da humanidade.
O sentido espiritual da cruz indicado pelo próprio Jesus (Mateus 10:38), fez com que ela passasse a ser sinal sagrado e objecto de culto.
Igreja Paroquial de Santa Maria
A Igreja Paroquial de Santa Maria de Estremoz terá sido projectada pelo arquitecto Miguel de Arruda (15??-1563). As obras tiveram início em 1560, a custas de El-Rei D. Sebastião (1554-1578) e do Cardeal Infante D. Henrique (1512-1580), arcebispo de Évora. Só ficaram concluídas no século XVII. A Igreja sofreu consideráveis estragos no pavoroso incêndio dos Armazéns de Guerra, ocorrido a 17 de Agosto de 1698.
A fotografia mais antiga da Igreja que conheço e tenho no meu arquivo, não a reproduzo aqui por falta de nitidez. Data de 1891 e é do fotógrafo C. J. Walowski, que de acordo com o jornal  “O ESTREMOCENSE”, dirigido por Rodam Tavares, trabalhou em Estremoz entre Fevereiro e Maio daquele ano. Nessa fotografia é visível uma cruz no topo da fachada e em posição central. A mesma cruz é visível num bilhete-postal ilustrado, edição Faustino António Martins (Lisboa), do início do séc. XX (Fig. 1). Uma imagem da recuperação da fachada principal ocorrida no período 1967-1970, mostra igualmente a mesma cruz em mármore, exactamente na mesma posição (Fig. 2). Todavia, mesmo antes de no séc. passado, depois do 25 de Abril, ter sido colocada uma antena de telecomunicações no telhado, a cruz agora mutilada encontrava-se inexplicavelmente deslocada para a esquerda da sua primitiva posição central (Fig. 3). Em fotografia de 2008 é visível a cruz mutilada e deslocada para a esquerda da primitiva posição central, tendo à sua direita uma abominável e inestética antena de telecomunicações (Fig. 4), a poluir visualmente o espaço e a deslustrar um edifício que pela sua função deve ter um aspecto imaculado. Em fotografia actual, já não figura a antena de telecomunicações, que foi recentemente removida. Mas lá está a cruz mutilada desviada para a esquerda da sua posição inicial (Fig. 5).
Devolver a dignidade ao templo
Com a remoção da antipática antena de telecomunicações, o aspecto frontal da Igreja Matriz saiu melhorado. Talvez não fosse difícil devolvê-lo à sua dignidade passada, repondo uma réplica da primitiva cruz na sua ancestral localização. Seria ouro sobre azul. Bastaria uma cadeia trinitária de pessoas de boa vontade: um industrial de mármores que doasse a pedra, um canteiro que esculpisse a cruz e um pedreiro que a assentasse no local original, a sinalizar que aquele local é um local de culto. Creio que o Pároco e os paroquianos agradeceriam. É caso para dizer:
- Mãos à obra, irmãos! 
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 197, de 05-04-2018) 

2 - Igreja Paroquial de Santa Maria – Recuperação da fachada principal ocorrida no
período 1967-1970 em que decorreram as obras de adaptação do Castelo de
Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel. No topo da fachada e em posição
central é visível a cruz em mármore. Fotografia do SIPA – Sistema de Informação
para o Património Arquitectónico, recolhida no website da Direcção-geral do
Património Cultural. (http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/).
3 - Igreja Paroquial de Santa Maria - Fachada principal e cobertura exterior em
telhado de quatro águas. Ainda não tinha sido colocada uma antena de
telecomunicações no telhado, mas a cruz em mármore já tinha sido
inexplicavelmente deslocada para a esquerda da sua primitiva posição central
Fotografia recolhida no website da Direcção-geral do Património Cultural (http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/).
4 - Igreja Paroquial de Santa Maria em 2008. No topo da fachada e deslocada
para a esquerda da posição central é visível a cruz em mármore. Próximo da
posição central e à direita, é visível uma antena de telecomunicações.
Fotografia de João Simas, datada de 1908 e recolhida no blogue RUA DE
ALCONCHEL (http://ruadealconxel.blogspot.pt).
5 - Igreja Paroquial de Santa Maria em 2018. No topo da fachada e deslocada
para a esquerda da posição central é visível a cruz em mármore. A antena de
telecomunicações já foi retirada. Do lado direito estão pousados pombos cujos
dejectos provocaram o entupimento de algerozes e estiveram na origem de te
chovido em Santa Maria (Vide jornal E nº 195, de 08-03-2018). Fotografia de
Hugo Silva.