1 - Porta de Évora vista do exterior (Finais do
séc. XIX). Nesta época já tinha sido
suprimida a ponte levadiça que lhe dava
acesso. Fotografia de autor desconhecido,
posterior a C. J. Walowski (1891).
Sob a epígrafe “PORTAS DE ÉVORA EM RECUPERAÇÃO”,
uma newsletter do Município de Estremoz, datada de 11 de Agosto de 2017,
informava que o sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte
levadiça tinham sofrido actos de vandalismo, que levaram o Município a proceder
imediatamente à sua retirada para recuperação, a qual prometia ser breve.
Decorridos que são oito meses, ainda não foi reposto o equipamento vandalizado,
o que causa estranheza.
História da Porta
No decurso da Guerra da Restauração houve
necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola. Foi o que aconteceu em
Estremoz que ganhou importância no contexto militar nacional, uma vez que
funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos
logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas. Foi
assim que a Praça de Estremoz foi ampliada e fortemente protegida por um
sistema defensivo abaluartado, que abraça o centro histórico num perímetro com
mais de cinco quilómetros, cuja maior parte ainda hoje subsiste. As obras
decorreram entre 1642 e 1671 e as portas monumentais só foram concluídas entre
1676 e 1680.
A Porta de Évora, virada a Sul, recebeu a sua
designação por através da estrada de São Lázaro conduzir à estrada que por
Évora Monte segue em direcção a Évora. Em mármore da região e inacabada foi
dedicada a Santiago e no seu nicho deveria figurar a escultura do patrono, o
que nunca veio a acontecer. É a entrada exterior para o ancestral Bairro de
Santiago e a ela se acedia através de uma ponte levadiça, cujo sistema
elevatório e correntes de ferro suspensoras, já foram reconstituídos
posteriormente. A Porta terá sido também munida de portas em madeira, que foram
abatidas à existência quando deixaram de ter serventia.
Memórias da Porta
A Porta constitui a moldura em pedra duma paisagem
rural diversificada que se estende até aos confins da Serra de Ossa. Tem também
um espectro largo de memórias que vão desde a Guerra da Restauração até aos
dias de hoje. São memórias cuja sequência temporal constitui um autêntico
documentário de estórias de vidas que aqui são contadas, para além daquelas que
ainda ficam por contar. São também a memória do traço identitário do engenheiro
militar que as gizou, bem como a memória sonora das pancadas malhadas pela
maceta no escopro dos pedreiros de seiscentos para assim aparelharem os calhaus
da região.
Pela Porta transitaram cavaleiros, infantes e
artilheiros que guarneceram a praça-forte no decurso da Guerra da Restauração e
que daqui partiram para travar batalhas como a Batalha das Linhas de Elvas
(1659), a Batalha do Ameixial (1663) e a de Montes Claros (1665).
Por ali passaram carradas de pão destinadas ao
exército da província do Alentejo fabricado na Padaria Militar que funcionou no
edifício que desde 1740 serviu como Assento Real e Armazém de Guerra. Em tempo
de guerra chegaram a ser ali produzidos, diariamente, 40.000 pães.
Por ali saíram desde sempre, homens e mulheres do
Povo que iam vender a sua força de trabalho nos campos vizinhos, bem como
aqueles que por necessidade de subsistência, dali partiam para a recolha de
espargos, cardinhos, alabaças e iam ao rabisco no tempo da azeitona.
Por lá caminharam oleiros como Mestre Cassiano, em
demanda do barro com que torneavam o vasilhame que vendido no mercado,
constituía o seu ganha-pão diário.
Por ali passava o João Caixão, homem simples,
vagamente parecido com o Cantiflas, que recolhia desperdícios de comida para
alimentar os porcos que com ele viviam nas ruínas da Ermida de São Lázaro.
À saída da Porta
À saída da Porta de Évora pode-se virar à esquerda
ou à direita. O caminho do lado esquerdo conduz à chamada Aldeia das Ferrarias,
que em 1758 tinha 20 fogos, tendo o topónimo origem no facto de ali estarem
sediados os ferreiros que tinham a seu cargo a fundição da artilharia utilizada
pelos militares. Indo pelo lado direito entra-se na chamada estrada de São
Lázaro, que à esquerda revela as ruínas da Ermida de São Lázaro, associada a
uma leprosaria atestada documentalmente desde os finais do século XIV.
A modificação da paisagem rural
A estrada de São Lázaro era bordejada por olivais e
trigais, que na época das colheitas davam para arregalar a vista. Actualmente,
os olivais e os trigais são memórias de outros tempos. Agora aquilo é vinhedo
de João Portugal Ramos Vinhos S.A., eufemisticamente designados por “Vila
Santa”. Hoje já não dá para na Quinta-feira da Ascensão ir ali colher a espiga,
a não ser para recolher uma ou outra papoila tresmalhada.
Onde é que está o encanto?
Pela estrada de São Lázaro transitam turistas de
posses, em direcção à Pousada gerida pelo Grupo Pestana, onde são atendidos
principescamente. Logo à entrada da Porta são confrontados com a supressão do
sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça, que
muito valorizavam aquela Porta. Deparam ainda com o aspecto desagradável das
paredes interiores da Porta, repletas de caruncho.
Mais tarde acabam por tomar conhecimento da
realidade social que é o Bairro de Santiago, a heróica “Ilha brava”, que há
muito devia ter sido objecto de reabilitação urbana por parte do Município.
Decerto que a memória fotográfica que consigo irão transportar,
não será um cartaz promocional que faça outros acreditar que “Estremoz tem mais
encanto!”, como proclama o slogan do marketing municipal.
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 198, de 19-04-2018)
3 - Porta de Évora vista do exterior (2016). É visível a ponte levadiça suspensa por
5 - Porta de Évora vista do seu interior (2018). Visível a supressão das correntes e
(Texto publicado no jornal E nº 198, de 19-04-2018)
2 - Porta de Évora vista do
exterior (Anos 40 do séc. XX). Ainda não tinha sido
reconstituída a ponte levadiça, provida de sistema
elevatório e correntes de ferro
suspensoras, o que terá
ocorrido no período 1967-1970 em que decorreram as
obras de adaptação do
Castelo de Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel.
Fotografia de Rogério
Carvalho (1915-1988).3 - Porta de Évora vista do exterior (2016). É visível a ponte levadiça suspensa por
correntes. Fotografia de
Pedro Perdigão.
4 - Porta de Évora vista do
seu interior (2015). Visível a existência das correntes e
do sistema elevatório da
ponte levadiça. As paredes caiadas de branco não
apresentam vestígios de
caruncho. Fotografia de Pedro Perdigão.5 - Porta de Évora vista do seu interior (2018). Visível a supressão das correntes e
do sistema elevatório da
ponte levadiça. Observável ainda nas paredes o caruncho
que as reveste, fruto de
infiltrações aquosas que a incúria dos responsáveis não
combateu. Até quando?
Fotografia de Hugo Silva.
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