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quarta-feira, 8 de maio de 2019

Bonecos de Estremoz - Figuras de negros


 Fig. 1 - Preto a cavalo (s/d) – 
- José Moreira (1926-1991).

A produção bonequeira dos diversos barristas dos sécs. XX-XXI tem um elo comum: os chamados “Bonecos da Tradição”. Trata-se de um conjunto de cerca de 100 figuras que são comuns à produção individual de cada barrista. Naquele conjunto existem três figuras de negros que são reveladoras da colonização africana ocorrida no Alentejo: Preto a cavalo (Fig. 1), Preta grande (Preta florista) (Fig. 2) e Preta pequena (Fig. 3).
Na freguesia de Santa Vitória do Ameixial no concelho de Estremoz, existe o chamado Monte dos Pretos, situado junto à mina abandonada que foi explorada no período da ocupação romana da região, a qual começou no séc. I, mas foi mais significativa nos sécs. III-IV. A existência dum Monte com aquela designação, é indicativo de que existiram escravos negros na região. Em Estremoz, como noutras localidades do país, existe a Rua dos Malcozinhados. Estes eram tabernas populares onde se reuniam escravos, trabalhadores braçais e prostitutas e, se consumia vinho barato e comida feita à pressa como peixe frito e iscas. A nível nacional, os malcozinhados são conhecidos desde o tempo das descobertas. O facto de existir em Estremoz uma Rua dos Malcozinhados é um indicador de que por aqui houve escravos negros. Jorge Fonseca em “Religião e Liberdade / Os negros nas irmandades e confrarias portuguesas (séculos XV a XIX)” [(2) - pág.50-51] dá conta que: “Em Estremoz houve duas confrarias do Rosário, sendo aparentemente e ao contrário do que se passa noutros locais, a dos Negros de fundação mais tardia que a outra. Segundo Frei Jerónimo de Belém foi erigida a confraria na Igreja do Convento de São Francisco, em 1545. Em 1585 D. Filipe I autorizou os respectivos confrades a pedirem esmolas pela vila e pelo termo, durante dois anos. Porém, em 1633, os homens e mulheres pretos moradores na vila de Estremoz obtiveram do rei, como governador da ordem de Avis, licença para criarem a confraria e irmandade de Nª Sª do Rosário, na igreja matriz de Nª. Sª. da Assunção, situada na vila intramuros (ao contrário do convento referido), que era da mesma ordem militar. Mas esta deve ter tido duração efémera, ou ter sido unificada com a primeira, tendo em conta um livro seiscentista pertencente à confraria do convento franciscano, com a entrada de irmãos a partir de 1676. Entre pessoas das mais variadas profissões e níveis sociais, aparece Isabel Mendes, escrava de Manuel Garcia Mendes, em 1692”. Resta na cidade, como testemunho da piedade dos descendentes de africanos, uma escultura de São Benedito, setecentista, na igreja de Nª. Sª. do Socorro.” Arlindo Caldeira em “Escravos em Portugal / Das origens ao século XIX” [(1) - pág.308], diz que “Como instituição, as irmandades já funcionavam desde o século XII na Europa, nomeadamente em Portugal, com fins religiosos e de solidariedade. No entanto, não seria no seio das já existentes que os africanos encontrariam acolhimento. Tiveram de criar, com o apoio de algumas ordens religiosas, associações completamente novas. Foi assim que proliferaram estas confrarias, com marcada distinção étnica, e em que ao nome do patrono religioso, se acrescentava “dos homens pretos” ou, sobretudo depois do século XVIII “dos homens pretos e pardos”. Na mesma obra [(1) - pág. 308] refere que: “Embora varie a invocação religiosa que aparece na designação dessas associações, a mais comum é a da Nossa Senhora do Rosário, decorrente do culto do rosário, muito popular desde o séc. XIII, promovido pela ordem dos Dominicanos.” O mesmo autor [(1) - pág. 305] informa que “Além das festas informais de rua, os músicos e dançarinos negros, nomeadamente os escravos, eram os elementos imprescindíveis das festividades anuais das confrarias ditas “de pretos e mulatos” e participavam também nos principais acontecimentos festivos da cidade, sendo uma presença sempre aguardada nas touradas, nos cortejos e nas procissões…” O mesmo historiador revela que: “A música e a dança, uma e outra de raiz claramente africana, eram o prato forte das festividades domingueiras. Estas manifestações de exotismo despertavam, por um lado, a curiosidade, mas, para outros sectores da sociedade eram vistas como sinais de barbarismo pagão ou mesmo de demonismo.” A terminar é de referir de que nos dá conta que [(1)-305]: “Algumas das festas de africanos ligadas às irmandades, mas não só, incluíam a nomeação, em geral com a duração de um ano, de um “rei” e de uma “rainha”, que, além da função decorativa, eram uma espécie de mordomos dos festejos, cabendo-lhes, por exemplo, animar os peditórios para angariação de esmolas.” Julgo ter provado de uma vez por todas e duma forma insofismável que a presença de negros na barrística popular estremocense se dever à existência desde tempos remotos de escravos negros, os quais foram representados pelos barristas.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CALDEIRA, Arlindo M. Escravos em Portugal / Das origens ao século XIX. A Esfera dos Livros. Lisboa, 2017 (págs. 304, 305, 308 e 310).
(2) - FONSECA, Jorge. Religião e Liberdade / Os negros nas irmandades e confrarias portuguesas (séculos XV a XIX). Editora Húmus. Vila Nova de Famalicão, 2016 (págs. 50, 51).


Fig. 2 - Preta grande (Preta florista) (s/d) –
- Liberdade da Conceição (1913-1990).

Fig. 3 - Preta pequena (2018) –
- Irmãs Flores (1957, 1958- ).

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A NOITE MAIS LONGA DE TODAS NOITES



A NOITE MAIS LONGA DE TODAS NOITES é o título da mais recente obra de Helena Pato, a lançar no dia 23 de Maio pelas dezoito horas e trinta minutos, no Espaço Biblioteca Europa (antigo Cinema Europa), no Bairro de Campo de Ourique, em Lisboa. A apresentação está a cargo da Historiadora Irene Pimentel e do Escritor Mário de Carvalho.
A obra é constituída por um volume de capa mole, com grafismo de Raquel Ferreira sobre fotografia da Autora num comício em 1974. Formato 16 cm x 23 cm, com 260 páginas e 16 fotografias. A edição é da Colibri e tem o preço de lançamento de 15 euros, sendo posteriormente comercializada nas livrarias ao mesmo preço.
A autora
Helena Pato nasceu em Mamarrosa (Aveiro), em 1939. Militou activamente na Resistência, durante as duas décadas que antecederam a Revolução, tendo sido presa e detida várias vezes pela polícia política. Acompanhou o marido no exílio ate ao seu falecimento, em 1965. Em 1967 esteve presa seis meses na Cadeia de Caxias, sempre em regime de isolamento. Dirigente estudantil (1958 a 1962); dirigente política da CDE (1969 a 1970); fundadora do MDM (1969) e sua dirigente (1969 a 1971). Integrou o núcleo de professores que, durante o fascismo, dirigiu o movimento associativo docente (1971 a 1974). Fundadora dos sindicatos de professores (1974), foi dirigente do SPGL nos seus primeiros anos.
Licenciada em Matemática, a sua vida profissional foi dedicada ao ensino de crianças e de jovens e à formação docente: leccionou durante 36 anos no ensino público e publicou livros e estudos, no âmbito da Pedagogia e da Didáctica da Matemática. Coordenou Suplementos de Ciência e de Educação em jornais diários.
Dirigente do “Movimento Cívico Não Apaguem a Mem6ria” (NAM), desde 2008; presidente do NAM de 2012 a 2014. Em 2013 criou no facebook e coordena, desde então, a página “Antifascistas da Resistência” e o grupo “Fascismo Nunca Mais”. Publicou dois livros de mem6rias do fascismo: “Saudação, Flausinas, Moedas e Simones” (2005, Editora Campo das Letras) e “Já uma Estrela se Levanta” (2011, Editora Tágide).
A obra
Trata-se de uma colectânea de 60 estórias vividas pela autora durante o fascismo, algumas delas já publicadas e às quais acrescentou referências históricas, sociais e políticas, que as contextualizam.
No Prefácio diz-nos Maria Teresa Horta: “Obra de uma precisão exemplar e simultaneamente de uma beleza límpida no seu veio narrativo, enquanto tessitura de recordações assumidamente pessoais embora arreigadamente políticas (...). A Noite Mais Longa de Todas as Noites é pois uma obra tecida com o fio do júbilo dos ideais, mas igualmente com os acontecimentos vividos no nosso país, então asfixiado por uma longa, cruel e impiedosa ditadura. Sendo tudo isto elaborado com uma vivacidade e uma argúcia que nos leva a lê-la até chegar ao fim, para logo desejar tornar ao seu começo”.
Num dos Posfácios confessa Luís Farinha: “Nunca vi as comemorações do 1.º de Maio no Rossio de Lisboa, em tempo de clandestinidade, tão intensamente descritas (e vividas) como no relato de Helena sobre esse dia de 1962”.
No outro Posfáscio, observa Jorge Sampaio: “As estórias que Helena Pato vai contando, valem, primeiro, pela valência pessoal de sabor autobiográfico, de grande despojamento, sobriedade e elegância, mesmo se tal não é o principal propósito, e, depois, por serem o retrato de uma época de "resistência contra a ditadura"”.

Helena Pato, a autora.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

As Missões Laicas Republicanas e os Equívocos Missionários e Históricos da Igreja Católica



Este é o título da mais recente obra do Académico Honorário Pedro Marçal Vaz Pereira, a lançar pelas dezassete horas e trinta minutos da próxima quarta-feira, dia 16 de Maio, na Sala do Actos da Academia Portuguesa de História, na Alameda das Linhas de Torres, 198-200, em Lisboa. A obra será apresentada pelo Professor Doutor António Ventura, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Académico de Número da Academia Portuguesa da História.
A obra, com extensa bibliografia a servir de suporte documental, é constituída por um volume de capa mole, 17 cm x 20 cm, de 344 páginas. A edição é do autor e tem o preço de lançamento de 15 euros, sendo posteriormente comercializada em Lisboa nas Livrarias Barata e Sinfonia (Avenida de Roma) e Pó dos Livros (Avenida Duque de Ávila).
O autor
O autor, filatelista eminente, escritor e jornalista filatélico, subscreve vasta colaboração em revistas e catálogos de exposições filatélicas, tanto em Portugal como no estrangeiro. É Presidente da Federação Portuguesa de Filatelia (FPF) e foi Presidente da Federação Europeia de Sociedades Filatélicas (FEPA), assim como director das respectivas revistas “Filatelia Lusitana” e “FEPA News”.
Em 2005 publicou a obra em 2 volumes “Os Correios Portugueses entre 1853-1900. Carimbos Nominativos e Dados Postais e Etimológicos”, editado pela Fundação Albertino Figueiredo, de Madrid. Esta obra veio a ser complementada com um “Suplemento I”, editado em 2013. Neste mesmo ano, o autor publicou “As Missões Laicas em África na 1ª República em Portugal” (2 volumes), que foi distinguida com o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian,História Moderna e Contemporânea de Portugal, atribuído pela Academia Portuguesa da História. Em 2015 publicou “O Teatro numa aldeia da Beira - Cernache do Bonjardim", editado pelo Clube Bonjardim.
A obra
No preâmbulo diz-nos o autor: “Em Maio de 2013 foi publicado um livro sobre as Missões Laicas, em 2 volumes, com o título "As Missões Laicas em África Durante a Iª República", de autoria de quem hoje escreve este trabalho. Nesse livro era narrada a verdadeira história das Missões Laicas, baseada em documentos da época, e que comprovavam como a Igreja Católica e os seus historiadores, tinham sempre deturpado historicamente a gran­de organização, que foram efectivamente as Missões Laicas na 1a República.
Esta falta de rigor histórico, tendencioso e lesivo da verdade histórica, professado por estas pessoas ligadas à Igreja Católica, conduziu durante muitos anos, a uma imagem completamente distorcida e falhada, das Missões Laicas, quando assim não foi.” E acrescenta: “Organizaram-se então as hostes da Igreja, contra este meu trabalho sobre as Missões Laicas. Levaram então a cabo um conjunto de iniciativas de completa intolerância, que pensavam rectificativas da afronta para a sua ver­dade, que eles tinham contado, durante tantos anos, sobre as Mis­sões Laicas Republicanas, e que afinal de verdade histórica, tinha bem pouco. Tentaram emendar a mão, com textos absolutamente lamentáveis, bem ao estilo destes terrenos fundamentalistas, que têm na Igreja a sua grande obsessão, e no seu deus o único, a quem respondem, e a quem querem, que todos respondam!!”
Em seguida, dá-nos conta de que: “Foi então publicado um livro, de autoria de Amadeu Gomes de Araújo, ex-padre ordenado no Seminário de Cernache do Bon­jardim e membro do grupo do Sr. Padre Manuel Castro Afonso, sendo este dedicado às Missões Laicas Republicanas, com o título Um Erro de Afonso Costa - As Missões Laicas Republicanas (1913-1926). Este é um trabalho de puro exercício primário e básico, de anti republicanismo beato.” O preâmbulo continua e através dele ficamos a perceber que neste seu novo livro, Pedro Vaz Pereira procura repor a verdade dos factos.


Pedro Marçal Vaz Pereira, o autor.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Porta de Évora: Até quando?


1 - Porta de Évora vista do exterior (Finais do séc. XIX). Nesta época já tinha sido
suprimida a ponte levadiça que lhe dava acesso. Fotografia de autor desconhecido,
posterior a C. J. Walowski (1891).


Sob a epígrafe “PORTAS DE ÉVORA EM RECUPERAÇÃO”, uma newsletter do Município de Estremoz, datada de 11 de Agosto de 2017, informava que o sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça tinham sofrido actos de vandalismo, que levaram o Município a proceder imediatamente à sua retirada para recuperação, a qual prometia ser breve. Decorridos que são oito meses, ainda não foi reposto o equipamento vandalizado, o que causa estranheza.
História da Porta
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância no contexto militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas. Foi assim que a Praça de Estremoz foi ampliada e fortemente protegida por um sistema defensivo abaluartado, que abraça o centro histórico num perímetro com mais de cinco quilómetros, cuja maior parte ainda hoje subsiste. As obras decorreram entre 1642 e 1671 e as portas monumentais só foram concluídas entre 1676 e 1680. 
A Porta de Évora, virada a Sul, recebeu a sua designação por através da estrada de São Lázaro conduzir à estrada que por Évora Monte segue em direcção a Évora. Em mármore da região e inacabada foi dedicada a Santiago e no seu nicho deveria figurar a escultura do patrono, o que nunca veio a acontecer. É a entrada exterior para o ancestral Bairro de Santiago e a ela se acedia através de uma ponte levadiça, cujo sistema elevatório e correntes de ferro suspensoras, já foram reconstituídos posteriormente. A Porta terá sido também munida de portas em madeira, que foram abatidas à existência quando deixaram de ter serventia. 
Memórias da Porta
A Porta constitui a moldura em pedra duma paisagem rural diversificada que se estende até aos confins da Serra de Ossa. Tem também um espectro largo de memórias que vão desde a Guerra da Restauração até aos dias de hoje. São memórias cuja sequência temporal constitui um autêntico documentário de estórias de vidas que aqui são contadas, para além daquelas que ainda ficam por contar. São também a memória do traço identitário do engenheiro militar que as gizou, bem como a memória sonora das pancadas malhadas pela maceta no escopro dos pedreiros de seiscentos para assim aparelharem os calhaus da região.
Pela Porta transitaram cavaleiros, infantes e artilheiros que guarneceram a praça-forte no decurso da Guerra da Restauração e que daqui partiram para travar batalhas como a Batalha das Linhas de Elvas (1659), a Batalha do Ameixial (1663) e a de Montes Claros (1665).
Por ali passaram carradas de pão destinadas ao exército da província do Alentejo fabricado na Padaria Militar que funcionou no edifício que desde 1740 serviu como Assento Real e Armazém de Guerra. Em tempo de guerra chegaram a ser ali produzidos, diariamente, 40.000 pães.
Por ali saíram desde sempre, homens e mulheres do Povo que iam vender a sua força de trabalho nos campos vizinhos, bem como aqueles que por necessidade de subsistência, dali partiam para a recolha de espargos, cardinhos, alabaças e iam ao rabisco no tempo da azeitona.
Por lá caminharam oleiros como Mestre Cassiano, em demanda do barro com que torneavam o vasilhame que vendido no mercado, constituía o seu ganha-pão diário.
Por ali passava o João Caixão, homem simples, vagamente parecido com o Cantiflas, que recolhia desperdícios de comida para alimentar os porcos que com ele viviam nas ruínas da Ermida de São Lázaro.
À saída da Porta
À saída da Porta de Évora pode-se virar à esquerda ou à direita. O caminho do lado esquerdo conduz à chamada Aldeia das Ferrarias, que em 1758 tinha 20 fogos, tendo o topónimo origem no facto de ali estarem sediados os ferreiros que tinham a seu cargo a fundição da artilharia utilizada pelos militares. Indo pelo lado direito entra-se na chamada estrada de São Lázaro, que à esquerda revela as ruínas da Ermida de São Lázaro, associada a uma leprosaria atestada documentalmente desde os finais do século XIV.
A modificação da paisagem rural
A estrada de São Lázaro era bordejada por olivais e trigais, que na época das colheitas davam para arregalar a vista. Actualmente, os olivais e os trigais são memórias de outros tempos. Agora aquilo é vinhedo de João Portugal Ramos Vinhos S.A., eufemisticamente designados por “Vila Santa”. Hoje já não dá para na Quinta-feira da Ascensão ir ali colher a espiga, a não ser para recolher uma ou outra papoila tresmalhada.
Onde é que está o encanto?
Pela estrada de São Lázaro transitam turistas de posses, em direcção à Pousada gerida pelo Grupo Pestana, onde são atendidos principescamente. Logo à entrada da Porta são confrontados com a supressão do sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça, que muito valorizavam aquela Porta. Deparam ainda com o aspecto desagradável das paredes interiores da Porta, repletas de caruncho.
Mais tarde acabam por tomar conhecimento da realidade social que é o Bairro de Santiago, a heróica “Ilha brava”, que há muito devia ter sido objecto de reabilitação urbana por parte do Município.
Decerto que a memória fotográfica que consigo irão transportar, não será um cartaz promocional que faça outros acreditar que “Estremoz tem mais encanto!”, como proclama o slogan do marketing municipal.

Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 198, de 19-04-2018)


2 - Porta de Évora vista do exterior (Anos 40 do séc. XX). Ainda não tinha sido
reconstituída  a ponte levadiça, provida de sistema elevatório e correntes de ferro
suspensoras, o que terá ocorrido no período 1967-1970 em que decorreram as
obras de adaptação do Castelo de Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel.
Fotografia de Rogério Carvalho (1915-1988).

 3 - Porta de Évora vista do exterior (2016). É visível a ponte levadiça suspensa por
correntes. Fotografia de Pedro Perdigão.

4 - Porta de Évora vista do seu interior (2015). Visível a existência das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. As paredes caiadas de branco não
apresentam vestígios de caruncho. Fotografia de Pedro Perdigão.

 5 - Porta de Évora vista do seu interior (2018). Visível a supressão das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. Observável ainda nas paredes o caruncho
que as reveste, fruto de infiltrações aquosas que a incúria dos responsáveis não
combateu. Até quando? Fotografia de Hugo Silva.

domingo, 8 de abril de 2018

ESTREMOZ - Cruz da Igreja de Santa Maria


1 - Igreja Paroquial de Santa Maria no início do séc. XX. No topo da fachada e em
posição central é visível a cruz em mármore. Imagem de um bilhete-postal ilustrado,
edição Faustino António Martins (Lisboa), com o número 1204. No verso a data do
carimbo de expedição dos correios é de 1904. Arquivo do autor.

A cruz como sinal sagrado e objecto de culto
O passado domingo foi Páscoa, festividade religiosa em que os cristãos celebram a Ressurreição de Jesus Cristo depois da sua morte por crucificação, que ocorreu na “Sexta-Feira Santa” (sexta-feira antes do Domingo de Páscoa), data em que é evocado o julgamento, paixão, crucificação, morte e sepultura de Jesus, através de diversos cerimónias religiosas.
Segundo os Evangelhos, Jesus foi condenado a morrer na cruz numa sexta-feira e o responsável pela sentença foi Pôncio Pilatos, prefeito da província romana da Judeia entre os anos 26 e 36 d.C. apesar de não ter encontrado nele nenhuma culpa. Todavia os líderes judeus queriam a sua morte, por considerarem blasfémia Jesus dizer-se filho do Messias. Vejamos o que nos dizem os Evangelhos.
Jesus foi preso no Jardim de Getsémani (Marcos 14:43-52) e foi submetido a seis julgamentos – três por líderes judeus e três pelos romanos [João (18:12-14), Marcos (14:53-65), Marcos (15:1), Lucas (23:6-12), Marcos (15:6-15)].
Pilatos tentou negociar com os líderes judeus ao permitir que flagelassem Jesus, mas eles rejeitaram a proposta por não os satisfazer e pressionaram Pilatos a condená-lo à morte. Pilatos entregou-lhes então Jesus a fim de ser crucificado tal como eles pretendiam (Lucas 23:1-25). Os soldados escarneceram Jesus e vestiram-lhe um manto escarlate e impuseram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos (Mateus 27:28-31).
Jesus veio a ser crucificado num lugar chamado Gólgota, que quer dizer “Lugar da Caveira”. Por cima da sua cabeça puseram uma tabuleta com o motivo da sua condenação: “JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS” [João (19,19), Lucas (23,38)]. Na ocasião foram também crucificados dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus. (Mateus 27:33-38). A escuridão cobriu então o céu durante três horas (Lucas 23:44), até que Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isto, expirou. (Lucas 23:46). Os relatos evangélicos mostram que Jesus entregou livremente a vida a Deus pela redenção da humanidade.
O sentido espiritual da cruz indicado pelo próprio Jesus (Mateus 10:38), fez com que ela passasse a ser sinal sagrado e objecto de culto.
Igreja Paroquial de Santa Maria
A Igreja Paroquial de Santa Maria de Estremoz terá sido projectada pelo arquitecto Miguel de Arruda (15??-1563). As obras tiveram início em 1560, a custas de El-Rei D. Sebastião (1554-1578) e do Cardeal Infante D. Henrique (1512-1580), arcebispo de Évora. Só ficaram concluídas no século XVII. A Igreja sofreu consideráveis estragos no pavoroso incêndio dos Armazéns de Guerra, ocorrido a 17 de Agosto de 1698.
A fotografia mais antiga da Igreja que conheço e tenho no meu arquivo, não a reproduzo aqui por falta de nitidez. Data de 1891 e é do fotógrafo C. J. Walowski, que de acordo com o jornal  “O ESTREMOCENSE”, dirigido por Rodam Tavares, trabalhou em Estremoz entre Fevereiro e Maio daquele ano. Nessa fotografia é visível uma cruz no topo da fachada e em posição central. A mesma cruz é visível num bilhete-postal ilustrado, edição Faustino António Martins (Lisboa), do início do séc. XX (Fig. 1). Uma imagem da recuperação da fachada principal ocorrida no período 1967-1970, mostra igualmente a mesma cruz em mármore, exactamente na mesma posição (Fig. 2). Todavia, mesmo antes de no séc. passado, depois do 25 de Abril, ter sido colocada uma antena de telecomunicações no telhado, a cruz agora mutilada encontrava-se inexplicavelmente deslocada para a esquerda da sua primitiva posição central (Fig. 3). Em fotografia de 2008 é visível a cruz mutilada e deslocada para a esquerda da primitiva posição central, tendo à sua direita uma abominável e inestética antena de telecomunicações (Fig. 4), a poluir visualmente o espaço e a deslustrar um edifício que pela sua função deve ter um aspecto imaculado. Em fotografia actual, já não figura a antena de telecomunicações, que foi recentemente removida. Mas lá está a cruz mutilada desviada para a esquerda da sua posição inicial (Fig. 5).
Devolver a dignidade ao templo
Com a remoção da antipática antena de telecomunicações, o aspecto frontal da Igreja Matriz saiu melhorado. Talvez não fosse difícil devolvê-lo à sua dignidade passada, repondo uma réplica da primitiva cruz na sua ancestral localização. Seria ouro sobre azul. Bastaria uma cadeia trinitária de pessoas de boa vontade: um industrial de mármores que doasse a pedra, um canteiro que esculpisse a cruz e um pedreiro que a assentasse no local original, a sinalizar que aquele local é um local de culto. Creio que o Pároco e os paroquianos agradeceriam. É caso para dizer:
- Mãos à obra, irmãos! 
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 197, de 05-04-2018) 

2 - Igreja Paroquial de Santa Maria – Recuperação da fachada principal ocorrida no
período 1967-1970 em que decorreram as obras de adaptação do Castelo de
Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel. No topo da fachada e em posição
central é visível a cruz em mármore. Fotografia do SIPA – Sistema de Informação
para o Património Arquitectónico, recolhida no website da Direcção-geral do
Património Cultural. (http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/).
3 - Igreja Paroquial de Santa Maria - Fachada principal e cobertura exterior em
telhado de quatro águas. Ainda não tinha sido colocada uma antena de
telecomunicações no telhado, mas a cruz em mármore já tinha sido
inexplicavelmente deslocada para a esquerda da sua primitiva posição central
Fotografia recolhida no website da Direcção-geral do Património Cultural (http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/).
4 - Igreja Paroquial de Santa Maria em 2008. No topo da fachada e deslocada
para a esquerda da posição central é visível a cruz em mármore. Próximo da
posição central e à direita, é visível uma antena de telecomunicações.
Fotografia de João Simas, datada de 1908 e recolhida no blogue RUA DE
ALCONCHEL (http://ruadealconxel.blogspot.pt).
5 - Igreja Paroquial de Santa Maria em 2018. No topo da fachada e deslocada
para a esquerda da posição central é visível a cruz em mármore. A antena de
telecomunicações já foi retirada. Do lado direito estão pousados pombos cujos
dejectos provocaram o entupimento de algerozes e estiveram na origem de te
chovido em Santa Maria (Vide jornal E nº 195, de 08-03-2018). Fotografia de
Hugo Silva.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Valha-nos a Rainha Santa!


1 - Um aspecto do acesso à Capela da Rainha Santa Isabel após os gradeamentos
oitocentistas das janelas laterais terem sido visados pela cobiça de amigos do
alheio. Fotografia de Catarina Matos. Arquivo do autor.

Saiu gorada a tentativa de roubo do gradeamento das janelas que ladeiam o portão de acesso à Capela da Rainha Santa, junto à Torre da Menagem do Castelo de Estremoz.
O que aconteceu?
Ao início da tarde da passada sexta-feira, dia 9 de Março, data em que se abateu um forte temporal sobre a cidade, alguém sentiu um enorme estrondo devido à queda do gradeamento da janela do lado esquerdo, pelo que foi imediatamente alertar o Director do Museu Municipal.
Chegado ao local, este deu conta da remoção dos parafusos utilizados na fixação do gradeamento às ombreiras de mármore daquelas janelas. Só em baixo é que um parafuso fixava os gradeamentos, pelo que a intempérie se encarregou de derrubar um deles. Tornou-se evidente que alguém, aproveitando-se do facto de o Largo D. Dinis ser desabitado, retirou os parafusos, com o fito de furtar os gradeamentos e os carregar pela calada da noite.
Alertado o Director do Museu Municipal, o mesmo contactou os competentes Serviços do Município, que imediatamente removeram os gradeamentos do local e os transferiram para a Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo, onde ficaram à guarda da mesma.
E agora?
Um responsável do Município terá declarado que os gradeamentos seriam repostos no local onde se encontravam, assim que estejam reunidas condições que permitam chumbar as grades nas ombreiras, visando impedir a repetição da ocorrência.
De salientar que a ferrugem grassa pelos gradeamentos e pelo portão, pelo que seria desejável que após aquela reposição, fosse removida a ferrugem, aplicado um aparelho e dada uma nova pintura naquele conjunto todo.
Alguma História da Capela
Pertenceu à Rainha Dona Luísa de Gusmão (1613-1666), mulher de El-Rei D. João IV (1604-1856), a ideia de adaptar a Capela, os supostos aposentos da Rainha Santa no Castelo de Estremoz, em acção de graças pela vitória do exército português sobre o exército espanhol, na batalha das Linhas de Elvas, travada a 14 de Janeiro de 1689. A Capela que ficou a cargo da Congregação do Oratório de São Filipe Néri, encontrou em El-Rei D. João V (1689-1750) um mecenas e foi sob a sua égide que se concluíram as obras da Capela em 1706. Foi este Rei, descendente em linha directa da Rainha Santa Isabel, que ofereceu à Capela a imagem em madeira policromada e que a seus pés orou, quando visitou a Capela com a sua esposa, D. Mariana de Áustria (1683-1754), em 30 de Janeiro de 1729.
Durante a 1ª Invasão Francesa, os oratorianos retiraram da Capela a Imagem da Rainha Santa, a qual esconderam no Convento dos Congregados, protegendo-a assim do saque dos franceses. Após a retirada destes, em 29 de Outubro de 1808, teve lugar uma solene procissão que com pompa e circunstância trasladou através das ruas da vila, a sacrossanta imagem da Padroeira até à sua Capela no Castelo.
De acordo com Túlio Espanca o terreiro de acesso à Capela, lageado com placas de mármore, “… outrora público, foi fechado no tempo de D. João VI (1767-1826), pelo subsistente portão neoclássico, de mármores regionais, do tipo apilastrado, com empenas interrompidas, sobrepujadas de fogaréus estilizados: grade férrea, de barrinha, elegantemente compostas pelas armas reais e o cronograma de 1825.”
Centro Histórico a saque
O Largo de Dom Dinis é o coração do núcleo do Centro Histórico de Estremoz. Ali nasceu o burgo ao qual os Reis de Portugal se dignaram conceder a distinção de ser designada por “Notável Vila de Estremoz” e que seria elevada à categoria de cidade em 1926.
Ali foram escritas inúmeras páginas da nossa História local, em relação íntima com a nossa identidade cultural de estremocenses. Trata-se assim dum local que deve merecer atenção especial por parte do Município, que continua a afirmar pretender candidatar a cidade a Património Cultural da Humanidade. Não percebemos é como, sobretudo depois de a EDP ter maculado a alvura das paredes com toda aquela execrável cablagem negra, transportadora de sinal eléctrico, mas que simultaneamente perturba e polui visualmente o local, ao introduzir ruído na leitura e interpretação espaço-temporal da Estremoz medieval.
O crime que ali foi cometido não devia ficar impune. Assim o desejam as pessoas de bem, entre as quais eu me situo.
António Mexia, na qualidade de Presidente da EDP aufere um vencimento superior a 6.800 euros por dia, mas isso não confere à EDP o direito de ser dona disto tudo e fazer o que lhe dá mais jeito.
Inverter a situação
A edilidade que sufragada pelo voto popular gere o Município, pretende candidatar a cidade a Património Cultural da Humanidade. Como tal, não pode ser cúmplice do atentado que aqui denuncio, pelo que só lhe resta uma coisa a fazer. Accionar os mecanismos adequados para que a EDP retire dali toda aquela cablagem e a faça passar pelo sub-solo. Levantando a calçada, pois claro!. Se tal não se vier a verificar, é legítimo concluir que afinal o crime compensa e o Centro Histórico está a saque.
Reforço da segurança
Os amigos do alheio poderiam não existir, mas um facto é que os há.
O Largo de Dom Dinis podia ser habitado, mas não o é.
A zona podia ser mais segura, mas tal não se verifica.
Que fazer então?
Em primeiro lugar, promover a reabilitação integral das moradias populares dos bairros do Castelo e de Santiago, gerando uma dinâmica que se traduza na fixação de moradores. Até isso ser feito, deve ser reforçada a segurança da zona. Em particular, no Largo de D. Dinis pode ser aumentada a vigilância policial e implementado um sistema de vídeo vigilância, acções que se podem complementar. Por ali, a necessidade de segurança de pessoas e bens merece isso. De contrário, só nos resta suplicar:
- VALHA-NOS A RAINHA SANTA! 
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 196, de 22-03-2018) 
NOTA - O jornal E chegou às bancas no dia 22 às 9 horas e os trabalhadores do Município repuseram o gradeamento nesse mesmo dia, cerca das 14 horas. Agora falta o resto.
  

 2 - Estremoz. Imagem da Rainha Santa Isabel quando ainda se encontrava na sua
Capela. A escadaria que dava acesso ao púlpito e que se vê à direita, também já
não existe actualmente. Fotografia de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.
Arquivo do autor.

 3 - O Dr. Marcelo Caetano (1906-1980), 1º Ministro de Portugal (1968-1975) à saída
da Capela da Rainha Santa Isabel no decurso duma visita oficial a Estremoz, ocorrida
no fim-de-semana 19-20 de Dezembro de 1970. À sua esquerda, o Dr. Luís Pascoal
Rosado (1922-1971), Presidente da Câmara Municipal de Estremoz (1961-1971). Ao
fundo, são visíveis dum lado e outro do portão, os gradeamentos datados de 1825 e
que recentemente foram alvo de uma tentativa de furto. Fotografia de Rogério de
Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.

 4 - No período 1967-1970 em que decorreram as obras de adaptação do Castelo de
Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel, os gradeamentos das janelas que ladeiam
o portão de acesso à Capela da Rainha Santa Isabel estiveram protegidos exteriormente
por uma parede de alvenaria. Fotografia de Foto Tony, dos finais dos anos 60 do séc. XX.
Arquivo do autor.

5 - Estremoz. Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz. Fotomontagem mostrando
a Rainha Santa pairando sobre a cidade, numa nítida alegoria a ser sua Protectora.
Fotografia de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX. Arquivo do autor.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Estremoz - Rua 31 de Janeiro


1 - RUA DE SANTA CATARINA (1891) – Ao fundo ainda não existe a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Os candeeiros da iluminação pública estão implantados
nas paredes dos prédios. Fotografia de C. J. Walowski (1891).

Estudo de toponímia local

 “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança: / Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” (Camões). É assim que os topónimos identificadores das ruas são modificados no decurso do tempo. A presente crónica procura trazer à luz do dia, as razões históricas que estiveram na origem das alterações sucessivas dum topónimo estremocense, conhecido actualmente como Rua 31 de Janeiro.
Guerra da Restauração
Em 1580 ocorreu a ocupação filipina de Portugal, tendo o nosso país vivido sob o domínio espanhol até à Restauração da Independência em 1 de Dezembro de 1640. Nesta data ocorreu em Lisboa um golpe de estado revolucionário que se propagou a todo reino e levou à aclamação de D. João IV como rei de Portugal. A partir daquela data, Portugal travou com Espanha a chamada Guerra da Restauração. Esta só terminaria a 13 de Fevereiro de 1668 com a assinatura do Tratado de Lisboa entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, no qual é reconhecida a total independência de Portugal.
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola, mormente em localidades fronteiriças, as quais tiveram que ser fortificadas. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância na contextura militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas.
Foi D. João IV que em 1642 ordenou ao engenheiro militar holandês João Pascácio Cosmander, o traçado da futura muralha poligonal abaluartada que cinge o centro histórico num perímetro com mais de 5 Km, cuja maior parte ainda hoje existe. Após a morte de Cosmander em 1648, foi o engenheiro-militar francês Nicolau de Langres, que a partir de 1662 foi encarregue das obras que terminaram em 1671, sob a direcção de Luís Serrão Pimentel, engenheiro-mor do exército. As portas monumentais da muralha só foram concluídas entre 1676 e 1680. Uma dessas portas que ainda hoje estabelece comunicação com as estradas para Sousel-Fronteira e Veiros-Monforte-Portalegre, é a Porta de Santa Catarina, que inclui um nicho de devoção à padroeira, Santa Catarina de Alexandria. Em termos toponímicos e na perspectiva da época seria natural designar por Rua de Santa Catarina a rua que até ao Hospital Real de São João de Deus dava acesso aquela porta, o que veio a acontecer. A partir do Hospital e até à porta a designação toponímica recebida pelo arruamento foi a de Largo de Santa Catarina.
Proclamação da República
A 5 de Outubro de 1910 ocorre o derrube da Monarquia, fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime. As questões ideológicas não eram primordiais na estratégia dos republicanos, uma vez que para a maioria dos seus simpatizantes, bastava ser contra a Monarquia, a Igreja e a corrupção política dos partidos tradicionais.
Na noite de 3 para 4 de Outubro de 1910, eclodiu em Lisboa um Movimento Revolucionário impulsionado pelo Partido Republicano e apoiado pela Marinha de Guerra e por forças do Exército. Após dois dias de combate, o Movimento Revolucionário triunfa e a República é proclamada na manhã de 5 de Outubro das janelas da Câmara Municipal de Lisboa e é constituído imediatamente um Governo Provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga, que assume como tarefa fundamental uma mudança radical nas instituições vigentes.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente.
Na sequência da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, as instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda, as fórmulas de franquia postais e os topónimos.
A 1ª República decretou em 1911 uma “Lei de Separação da Igreja do Estado”, de acordo com a qual a religião católica apostólica romana deixou de ser a religião do Estado, cuja laicidade passou a ser defendida. A influência secular da Igreja Católica fazia-se sentir mesmo a nível de toponímia, pelo que os republicanos entenderam que a mesma deveria ser laicizada. Daí que em Estremoz, a Rua de Santa Catarina tenha sido rebaptizada laicamente como Rua 31 de Janeiro, em memória de um marco importante na luta pela implantação da República, que foi a Revolta de 31 de Janeiro de 1891, primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal.
Aquela revolta eclodiu ao início da madrugada no Porto, cidade onde foi proclamada a República, na varanda da Câmara Municipal. A revolta surgiu como reacção às cedências do Governo (e da Coroa) ao ultimato britânico de 1890 por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique. Cerca das 10 horas da manhã, os revoltosos são forçados a render-se, atingidos pela fuzilaria e pela artilharia da Guarda Municipal. A Revolta saldou-se por 12 mortos e 40 feridos entre os revoltosos civis e militares, os quais foram julgados e condenados em Conselhos de Guerra realizados a bordo de navios, ao largo de Leixões.
28 de Maio
Desde os primórdios que a I República Portuguesa deu indícios de fragilidade. Num período de 16 anos, que findou a 28 de Maio de 1926, a I República Portuguesa teve 7 Parlamentos, 8 Presidentes da República, 39 Governos, 40 Chefes de Governo, uma Junta Constitucional e uma Junta Revolucionária. O clima era de instabilidade e o país encontrava-se permanentemente à beira da guerra civil.
A de 28 de Maio de 1926 ocorreu um pronunciamento militar de cunho nacionalista e antiparlamentar, que derrubou a I República Portuguesa e implantou uma Ditadura Militar, que eufemisticamente se viria a autodenominar Ditadura Nacional. Após a aprovação da Constituição de 1933, a Ditadura Nacional rebaptizou-se com a designação de Estado Novo, regime autoritário de partido único, chefiado sucessivamente por Oliveira Salazar e por Marcelo Caetano, que se manteve no poder até 25 de Abril de 1974.
A necessidade de apagar todos os vestígios locais de republicanismo e de num acto de vassalagem homenagear o então “Dono disto tudo”, terão estado na origem dos responsáveis municipais de então, terem travestido a Rua 31 de Janeiro em Rua Dr. Oliveira Salazar.
25 de Abril
O derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no interior das próprias Forças Armadas.
Um Esquadrão do RC3, comandado pelo Capitão Andrade Moura, tendo como adjunto o Capitão Alberto Ferreira e com a participação do 1º Sargento Francisco Brás, teve papel determinante no desfecho dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Lisboa. Daí que à sua chegada a Estremoz no dia 27 de Abril, tenha sido objecto de honras militares e de aclamação popular, junto ao quartel do Regimento. Foi o reconhecimento local e possível pela liberdade reconquistada.
Logo a seguir ao 25 de Abril, opositores ao regime reuniram-se numa casa da rua do Mau Foro, vulgo Rua Alexandre Herculano. Ali funcionaria mais tarde a primeira sede do PS. Tinha sido ali a sede do Círculo Cultural de Estremoz, associação cultural de antes de Abril, no tempo do Dr. Luís Pascoal Rosado e cuja história está ainda por fazer. Era propriedade dos irmãos José e Afonso Costa. Ali se preparou o primeiro 1º de Maio. Eu e o meu pai estávamos lá. O camarada Binadade Velez, comunista da clandestinidade e que já estivera preso, levava uma lista de ruas com nomes ligados ao fascismo, as quais entendia ser preciso mudar. Uma delas era a Rua Dr. Oliveira Salazar, o que logo ali teve o acordo de todos. E foi assim que um topónimo, associado a um ditador de tão triste memória, entrou na rampa de lançamento para ser banido do nosso quotidiano diário, o que veio a ser concretizado pelo poder municipal, democraticamente legitimado. E foi assim que a rua foi rebaptizada laica e republicanamente com a sua designação anterior: Rua 31 de Janeiro. E viva a Liberdade!
Cronista do E, toponomista, republicano e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018) 

2 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909) – Ao fundo é visível a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Esta fonte foi mandada construir pela Câmara de 1834, no
muro contíguo à ermida de São Brás e a edilidade de 1901 ordenou que fosse removida
para o local onde ainda hoje se encontra. Os candeeiros da iluminação pública estão
agora implantados nos passeios. Em segundo plano do lado direito é visível um típico
carro  de canudo alentejano e na frontaria do prédio contíguo é perceptível  um letreiro
que parece dizer “HOTEL GRADE”. Entre as crianças que brincam na rua, uma delas que
está agachada, parece estar a aparar um pião. A imagem é de um bilhete-postal ilustrado,
edição MALVA (Lisboa nº 697). No verso a data do carimbo de expedição dos correios é de 1909.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

5 - RUA DR. OLIVEIRA SALAZAR (Anos 60 do séc. XX). Fonte do Hospital Real de São
João de Deus. Bilhete-postal ilustrado editado por FOTO TONY.