sexta-feira, 23 de março de 2018

Valha-nos a Rainha Santa!


1 - Um aspecto do acesso à Capela da Rainha Santa Isabel após os gradeamentos
oitocentistas das janelas laterais terem sido visados pela cobiça de amigos do
alheio. Fotografia de Catarina Matos. Arquivo do autor.

Saiu gorada a tentativa de roubo do gradeamento das janelas que ladeiam o portão de acesso à Capela da Rainha Santa, junto à Torre da Menagem do Castelo de Estremoz.
O que aconteceu?
Ao início da tarde da passada sexta-feira, dia 9 de Março, data em que se abateu um forte temporal sobre a cidade, alguém sentiu um enorme estrondo devido à queda do gradeamento da janela do lado esquerdo, pelo que foi imediatamente alertar o Director do Museu Municipal.
Chegado ao local, este deu conta da remoção dos parafusos utilizados na fixação do gradeamento às ombreiras de mármore daquelas janelas. Só em baixo é que um parafuso fixava os gradeamentos, pelo que a intempérie se encarregou de derrubar um deles. Tornou-se evidente que alguém, aproveitando-se do facto de o Largo D. Dinis ser desabitado, retirou os parafusos, com o fito de furtar os gradeamentos e os carregar pela calada da noite.
Alertado o Director do Museu Municipal, o mesmo contactou os competentes Serviços do Município, que imediatamente removeram os gradeamentos do local e os transferiram para a Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo, onde ficaram à guarda da mesma.
E agora?
Um responsável do Município terá declarado que os gradeamentos seriam repostos no local onde se encontravam, assim que estejam reunidas condições que permitam chumbar as grades nas ombreiras, visando impedir a repetição da ocorrência.
De salientar que a ferrugem grassa pelos gradeamentos e pelo portão, pelo que seria desejável que após aquela reposição, fosse removida a ferrugem, aplicado um aparelho e dada uma nova pintura naquele conjunto todo.
Alguma História da Capela
Pertenceu à Rainha Dona Luísa de Gusmão (1613-1666), mulher de El-Rei D. João IV (1604-1856), a ideia de adaptar a Capela, os supostos aposentos da Rainha Santa no Castelo de Estremoz, em acção de graças pela vitória do exército português sobre o exército espanhol, na batalha das Linhas de Elvas, travada a 14 de Janeiro de 1689. A Capela que ficou a cargo da Congregação do Oratório de São Filipe Néri, encontrou em El-Rei D. João V (1689-1750) um mecenas e foi sob a sua égide que se concluíram as obras da Capela em 1706. Foi este Rei, descendente em linha directa da Rainha Santa Isabel, que ofereceu à Capela a imagem em madeira policromada e que a seus pés orou, quando visitou a Capela com a sua esposa, D. Mariana de Áustria (1683-1754), em 30 de Janeiro de 1729.
Durante a 1ª Invasão Francesa, os oratorianos retiraram da Capela a Imagem da Rainha Santa, a qual esconderam no Convento dos Congregados, protegendo-a assim do saque dos franceses. Após a retirada destes, em 29 de Outubro de 1808, teve lugar uma solene procissão que com pompa e circunstância trasladou através das ruas da vila, a sacrossanta imagem da Padroeira até à sua Capela no Castelo.
De acordo com Túlio Espanca o terreiro de acesso à Capela, lageado com placas de mármore, “… outrora público, foi fechado no tempo de D. João VI (1767-1826), pelo subsistente portão neoclássico, de mármores regionais, do tipo apilastrado, com empenas interrompidas, sobrepujadas de fogaréus estilizados: grade férrea, de barrinha, elegantemente compostas pelas armas reais e o cronograma de 1825.”
Centro Histórico a saque
O Largo de Dom Dinis é o coração do núcleo do Centro Histórico de Estremoz. Ali nasceu o burgo ao qual os Reis de Portugal se dignaram conceder a distinção de ser designada por “Notável Vila de Estremoz” e que seria elevada à categoria de cidade em 1926.
Ali foram escritas inúmeras páginas da nossa História local, em relação íntima com a nossa identidade cultural de estremocenses. Trata-se assim dum local que deve merecer atenção especial por parte do Município, que continua a afirmar pretender candidatar a cidade a Património Cultural da Humanidade. Não percebemos é como, sobretudo depois de a EDP ter maculado a alvura das paredes com toda aquela execrável cablagem negra, transportadora de sinal eléctrico, mas que simultaneamente perturba e polui visualmente o local, ao introduzir ruído na leitura e interpretação espaço-temporal da Estremoz medieval.
O crime que ali foi cometido não devia ficar impune. Assim o desejam as pessoas de bem, entre as quais eu me situo.
António Mexia, na qualidade de Presidente da EDP aufere um vencimento superior a 6.800 euros por dia, mas isso não confere à EDP o direito de ser dona disto tudo e fazer o que lhe dá mais jeito.
Inverter a situação
A edilidade que sufragada pelo voto popular gere o Município, pretende candidatar a cidade a Património Cultural da Humanidade. Como tal, não pode ser cúmplice do atentado que aqui denuncio, pelo que só lhe resta uma coisa a fazer. Accionar os mecanismos adequados para que a EDP retire dali toda aquela cablagem e a faça passar pelo sub-solo. Levantando a calçada, pois claro!. Se tal não se vier a verificar, é legítimo concluir que afinal o crime compensa e o Centro Histórico está a saque.
Reforço da segurança
Os amigos do alheio poderiam não existir, mas um facto é que os há.
O Largo de Dom Dinis podia ser habitado, mas não o é.
A zona podia ser mais segura, mas tal não se verifica.
Que fazer então?
Em primeiro lugar, promover a reabilitação integral das moradias populares dos bairros do Castelo e de Santiago, gerando uma dinâmica que se traduza na fixação de moradores. Até isso ser feito, deve ser reforçada a segurança da zona. Em particular, no Largo de D. Dinis pode ser aumentada a vigilância policial e implementado um sistema de vídeo vigilância, acções que se podem complementar. Por ali, a necessidade de segurança de pessoas e bens merece isso. De contrário, só nos resta suplicar:
- VALHA-NOS A RAINHA SANTA! 
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 196, de 22-03-2018) 
NOTA - O jornal E chegou às bancas no dia 22 às 9 horas e os trabalhadores do Município repuseram o gradeamento nesse mesmo dia, cerca das 14 horas. Agora falta o resto.
  

 2 - Estremoz. Imagem da Rainha Santa Isabel quando ainda se encontrava na sua
Capela. A escadaria que dava acesso ao púlpito e que se vê à direita, também já
não existe actualmente. Fotografia de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.
Arquivo do autor.

 3 - O Dr. Marcelo Caetano (1906-1980), 1º Ministro de Portugal (1968-1975) à saída
da Capela da Rainha Santa Isabel no decurso duma visita oficial a Estremoz, ocorrida
no fim-de-semana 19-20 de Dezembro de 1970. À sua esquerda, o Dr. Luís Pascoal
Rosado (1922-1971), Presidente da Câmara Municipal de Estremoz (1961-1971). Ao
fundo, são visíveis dum lado e outro do portão, os gradeamentos datados de 1825 e
que recentemente foram alvo de uma tentativa de furto. Fotografia de Rogério de
Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.

 4 - No período 1967-1970 em que decorreram as obras de adaptação do Castelo de
Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel, os gradeamentos das janelas que ladeiam
o portão de acesso à Capela da Rainha Santa Isabel estiveram protegidos exteriormente
por uma parede de alvenaria. Fotografia de Foto Tony, dos finais dos anos 60 do séc. XX.
Arquivo do autor.

5 - Estremoz. Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz. Fotomontagem mostrando
a Rainha Santa pairando sobre a cidade, numa nítida alegoria a ser sua Protectora.
Fotografia de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX. Arquivo do autor.

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