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domingo, 5 de maio de 2019

Estremoz - Surpresas do Mercado das Velharias - 01

O Mercado das Velharias em Estremoz continua a ser um pólo de atracção de turistas naturais e estrangeiros. Se uns o descobrem ocasionalmente, outros são seus frequentadores habituais, à procura de peças para integrar as suas colecções e que por vezes já pré-existiam no seu imaginário. Dou hoje conta de três espécimes que polarizaram a minha atenção e que por isso mesmo adquiri, visto assentarem como uma luva nas minhas colecções.

Prato raso de Estremoz, em barro vermelho vidrado, com 17, 5 cm de diâmetro. 
 Comemorativo das Festas à Exaltação da Santa Cruz de 1990. Decorado com motivos
florais e tendo no centro, em relevo, a imagem do Senhor Jesus dos Passos de Estremoz,
 obtida a partir do molde em gesso, utilizado pela Olaria Alfacinha nos anos 60 do
séc. XX, na produção de medalhas em barro, comemorativas daquelas Festas.

No parte posterior do prato, a marca manuscrita "Olaria / Alfacinha / Estremoz /
/ Portugal / Joana. De salientar que entre 1987 e 1995 (data do seu encerramento),
a Olaria Alfacinha que anteriormente era propriedade da firma Leonor das Neves da
Conceição Herdeiros, passou para a posse de Rui Barradas e sua mulher Cristina
Barradas. Aí Rui Barradas, barrista e azulejista, produziu louça vidrada de barro
vermelho que era comercializada numa loja de artesanato, propriedade do casal e
situada na Praça Luís de Camões, nº 11, em Estremoz. 

 Pisador em madeira, provavelmente manufactura de arte pastoril. Trata-se de uma
peça bi-funcional onde numa extremidade figura o pisador (pilão) e na outra uma
colher para retirar o pisado do gral. 16 cm de comprimento. 

Púcaro em barro de Estremoz com a particularidade de reunir em si, três tipos de
decoração: empedrado, riscado e picado. Dimensões em cm: 13, 5 (altura), 12 (largura),
5 (diâmetro da base), 5,7 (diâmetro exterior da boca). Embora não apresente marca de
oleiro, o picado (neste caso círculos), permite identificá-lo como exemplar da Olaria
Regional de Mário Lagartinho.

Hernâni Matos

domingo, 11 de fevereiro de 2018

CARNAVAL DE ESTREMOZ: Oh tempo, volta para trás!


1 - Corso carnavalesco de 1919 na Praça Luís de Camões, onde ainda não existia o
passeio junto ao qual estacionam os táxis na actualidade. Na parte central ao fundo,
é visível a torre sineira da Igreja da Antiga Misericórdia, situada no local onde está
hoje sedeada a Sociedade Recreativa Popular Estremocense (Porta Nova).

Origem do Carnaval
O período de três dias que precedem a Quaresma é conhecido por Carnaval e nele decorrem alegres brincadeiras e festas populares, que assumem múltiplas formas.
Apontado por muitos como tendo uma remota origem pré-cristã, o Carnaval assumiu importância no séc. IV d.C., quando a Igreja Católica estabeleceu a Semana Santa antecedida dos quarenta dias da Quaresma. Um período de tão longa penitência e privações, incentivaria a realização de festas populares nos três dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. Os três dias de Carnaval são conhecidos por dias gordos, especialmente a Terça-feira Gorda.
Carnavais com personalidade própria
O Carnaval é uma festa de âmbito planetário. Por esse mundo fora ocorrem Carnavais afamados como os de Veneza, Nice, Santa Cruz de Tenerife, Nova Orleães e Rio de Janeiro. Cada um deles tem a sua identidade cultural intrínseca, forjada por vezes há mais de 100 anos e consolidada pelo tempo. São Carnavais com personalidade própria, que não têm necessidade de copiar outros Carnavais. Sem sombra de dúvida que o mais famoso de todos é o Carnaval do Rio de Janeiro, considerado a maior festa do mundo, que decorre durante 5 dias e se manifesta de múltiplas formas, das quais a mais mediática é o desfile das escolas de samba no Sambódromo da Marquês de Sapucaí.
Em Portugal são inúmeros os locais onde de modos variados é comemorado o Carnaval. Deles destaco os Carnavais de Lindoso, Podence, Lazarim, Cabanas de Viriato, Guimarães, Barcelos, Torres Vedras e Loures, por terem individualidade própria e não serem decalcados de outros.
A 1ª Batalha de Flores em Estremoz
Em Estremoz, a primeira notícia conhecida e referente à realização de um corso carnavalesco, remonta a Fevereiro de 1919, na sequência do final da I Grande Guerra Mundial, travada entre 28 de Julho de 1914 e 11 de Novembro de 1918. A seguir ao horror e à destruição daquele conflito europeu e entre muitas outras coisas, alteraram-se os padrões de vida. Daí não ser de estranhar a criação de um corso carnavalesco em Estremoz. Estava-se na ante porta dos loucos anos 20 e o corso assumiu a forma de uma “Batalha de flores”. Os carros, pertencentes a lavradores e a elementos da melhor sociedade de então, iam enfeitados com flores que deles eram também lançadas sobre a assistência que se encontrava ao longo do percurso, o qual é seguido ainda hoje. Tratou-se de uma batalha amigável em que os projécteis eram flores de cores variegadas e que perfumavam o ar.
O Orfeão e a revitalização do Carnaval de Estremoz
Após a criação em 1930 do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide", este chamou a si a iniciativa de promover corsos carnavalescos designados também por “Batalhas de flores”, integradas por carros alegóricos, grupos de cavaleiros, grupos de ciclistas, grupos de foliões e ranchos folclóricos do concelho. Os corsos eram abrilhantados pelas bandas locais, Sociedade Filarmónica Luzitana e Sociedade Filarmónica Artística Estremocense, as quais tocavam música portuguesa, assegurando a animação do evento. “Cabeçudos” e “gigantones” completavam o ramalhete de animação que percorria as ruas da parte baixa da cidade, previamente engalanadas.
O primeiro corso carnavalesco organizado pelo Orfeão teve lugar em 1935 e saldou-se por um assinalável êxito, não só pela participação da população, como pelo impacto junto de forasteiros que visitaram a cidade. O sucesso reeditou-se nos anos subsequentes até 1939, ano em que em 1 de Setembro teve início a II Guerra Mundial. Após o interregno causado pelo conflito bélico, o Orfeão retomou a organização dos corsos carnavalescos em Estremoz em 1951. O auge do Carnaval de Estremoz terá acontecido nos anos 50-60 do século passado. As flores já eram de papel e os projécteis eram papelinhos, serpentinas e saquinhos com serradura. Também apareciam saquinhos com areia e dalguns carros lançavam-se tremoços ou grão-de-bico e ocorriam também as inevitáveis farinhadas e bisnagadas. A música era bem portuguesa e havia foliões que em grupo ou individualmente fizeram História: Joaquim António Chouriço, José Gancho, João Mourinha, Padre-Santo, José Manuel Figo, Francisco Chouriço, José Albano França, Joaquim Viana, António José Martins (Costeleta), Ezequiel Chouriço e António Pegado (Pendão). Não deixavam o seu crédito por mãos alheias, quer encarnassem o papel de um personagem respeitável ou pelo contrário fossem caricaturalmente exagerados. Eram a elite vanguardista e bem disposta de um Carnaval bem português: o Carnaval de Estremoz. Isto no “Tempo da Outra Senhora”. 
Abrasileiramento do Carnaval de Estremoz
Com o eclodir da Guerra Colonial em 1961, os corsos carnavalescos viriam a ser interrompidos e só seriam retomados pontualmente em 1972 e 1973, graças à iniciativa particular de um grupo de foliões estremocenses. Fruto de múltiplas condicionantes, a organização dos corsos carnavalescos só seria retomada pelo Orfeão em 1993, ano em que para além daquilo que era tradicional no Carnaval de Estremoz, alguém teve a triste ideia de acrescentar “escolas de samba”. Foi o abrasileiramento do Carnaval de Estremoz, que fez com que este se abastardasse e que por isso constituiu um atentado histórico e social à sua identidade cultural local.
Actualmente, o Carnaval de Estremoz tem o samba como música de fundo, ao som da qual os blocos de marchantes “sacodem as pulgas”, enquanto no seu imaginário é projectado um filme em que se sentem bailarinos duma escola de samba. Foram obliterados pela colonização brasileira e sentem-se como passistas no Sambódromo da Marquês de Sapucaí no Rio de Janeiro, quando afinal estão no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. Querer transformar as ruas de Estremoz em sambódromo é como em Lisboa, querer meter o Rossio na Rua da Betesga.
O samba, expressão privilegiada da cultura popular brasileira, música e dança alegre para quem as sente no corpo e na alma porque é brasileiro, faz tanto sentido no Carnaval de Estremoz como um elefante numa loja de cristais. Quem desfila por aqui ao som da aparelhagem sonora, não consegue transmitir a alegria nem tem o poder de comunicação dos marchantes cariocas. É uma tristeza. É como se Domingo e Terça-feira Gorda se tivessem transformado em Quarta-feira de Cinzas. O Carnaval de Estremoz é um arremedo do Carnaval carioca. Daí que seja legítimo questionar:
- Quem te manda a ti sapateiro, tocar rabecão?
No corso carnavalesco de Estremoz constata-se a ausência de qualquer tipo de crítica social ou política. Para além disso e pese embora o Carnaval ser um período propício a consumos proscritos durante a Quaresma, não é pedagógica e eticamente aceitável que marchantes consumam álcool durante o desfile, já que esse consumo pode transmitir a ideia errada que para haver alegria é preciso haver consumo de álcool.     
É Carnaval, ninguém leva a mal
Curiosamente, no desfile deste ano, o locutor de serviço proclamava de vez em quando:
- O Carnaval de Estremoz tem o apoio incondicional da Câmara Municipal de Estremoz!
Da minha parte só uma resposta é possível:
- É Carnaval. Ninguém leva a mal.

Hernâni Matos
Cronista do Jornal E, folião e tudo
Publicado inicialmente em 11 de Fevereiro de 2018
(Texto publicado no jornal E nº 194, de 22-02-2018)

CRÉDITOS DAS FOTOGRAFIAS
1 - Fotografia de Mendes Lopes – Jaime dos Santos. Arquivo de Hernâni Matos.
2,3,6,7 – Fotografias de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”.
4 - Fotografia de Manuel Gato (1908-1994). Arquivo de Hernâni Matos.
5 - Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo de Hernâni Matos.


  2 Corso carnavalesco de 1935. Carro alegórico da papelaria “A Tabaqueira”.

 3 - Corso carnavalesco de 1935. Carro alegórico de temática equestre frente ao
Quiosque Maniés.


4 - Anos 30 do séc. XX. Mascarados fazendo-se transportar numa Dona-elvira
descapotável e florida, com uma matrícula digna de figurar num vetusto
relicário. Ao fundo, o edifício do RC3 com uma cerca de tabuinhas,
no mesmo local onde hoje existe uma sebe de buxo.

 
 5 - Corso carnavalesco de 1951, frente ao edifício do extinto Círculo Estremocense,
sociedade recreativa frequentada pela alta sociedade da época e cuja criação
em 1850 foi autorizada por alvará régio de D. Pedro V.

6 -Corso carnavalesco de 1954. Grupo de “cabeçudos” e “gigantones”
junto ao Jardim Municipal. 

7 - Corso carnavalesco de 1957. Carro Alegórico do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Auto do Arraial de Santo António


Santo António. Imagem seiscentista em lenho dourado,
do altar homónimo do Convento de São Francisco em
Estremoz,  situado no lado esquerdo da Capela Maior
e referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758.

A acção decorre há duzentos anos atrás e os personagens são bem conhecidas.
Foi do agrado geral, o arraial de Santo António, que na respectiva noite animou a rua da Paróquia e a Praça Luís de Gamões, frente à Casa das Leis. A iniciativa coube à Comissão Fabriqueira, visando obter fundos para as obras sociais da Paróquia.
No arraial chamaram a atenção algumas mesas, as quais passamos a referir:
- MESA DA PARÓQUIA – Presidida por Dona Maria das Dores, grande devota de Santo António. Nela tiveram lugar a sua afilhada Maria da Fé e os doutores Cruz, Martim e Cariz, estes últimos, organizadores do arraial, sob os auspícios de Dona Maria das Dores. Foi uma mesa onde só foi servida groselha, visto que D. Maria das Dores é abstémia. Todavia, no copo dos homens, a groselha aparentava ter um tom bastante mais carregado.
 - MESA DA CULTURA - Nela tiveram assento Vasco, Sargento-Mor Francisco Trás, Fernão, Carmelo Alturas e o poeta António Limões. Esta mesa além de honrar as sardinhas e o resto, contribuiu para animação cultural do arraial desde a abertura. É que Dona Maria das Dores que os conhecia a todos como pessoas bem falantes e muito educadas, os convidou para, cada um à sua maneira, se dirigir em breves palavras aos presentes, solicitação a que corresponderam com natural agrado e por esta ordem: - VASCO: No Convento de São Francisco em Estremoz, venera-se a imagem seiscentista de Santo António em lenho dourado, existente no altar homónimo, situado no lado esquerdo da Capela Maior e já referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758. – SARGENTO-MOR FRANCISCO TRÁS: Santo António teve uma brilhante carreira militar póstuma. Começou no 2º Regimento de Infantaria de Lagos, onde foi alistado em 1668, por alvará de D. Pedro II, que em 1863 o promoveu a capitão. Em 1777 foi promovido a major por D. Maria I. Em 1807, por decisão de Junot, foi promovido a tenente-coronel. Com a extinção do seu Regimento, apareceu em 1810 ao serviço do Regimento de Infantaria nº 19 de Cascais no decurso de toda a Guerra Peninsular, o que lhe valeu uma cruz de oiro e a promoção a tenente-coronel por alvará do príncipe regente D. João. A uma brilhante folha de serviço prestado na metrópole, junta-se ainda uma larga participação em guerras nas colónias, pelo que é considerado um militar de carreira. - FERNÃO: Santo António foi um dos intelectuais mais notáveis de Portugal antes de existir Universidade, tendo-se distinguido como asceta, místico, taumaturgo,  teólogo exímio e grande pregador. Um ano após a sua morte foi canonizado pelo papa Gregório IX e é venerado pela Igreja Católica que lhe atribui um extraordinário número de milagres. - CARMELO ALTURAS: A circunstância de o dia de Santo António coincidir com as festas do Solstício de Verão, faz com que seja celebrado em Portugal como um dos santos mais populares, com presença honrosa e permanente na literatura, na pintura, na escultura, na música, na toponímia, no folclore, na arte popular, especialmente na barrística, assim como na literatura oral. – POETA ANTÓNIO LIMÕES: Vou-vos dizer algumas quadras populares alentejanas relativas a Santo António casamenteiro. Eis uma:  “Santo António de Lisboa, / Guardador dos olivais, / Guardai o meu lindo amor, / Que cada vez foge mais.“ / E mais esta: “O sol bate de chapa, / Faz a maçã coradinha; / Tenho fé em Santo António / Que inda hás-de vir a ser minha.“. 
- MESA DAS MULHERES: Liderada por Libertária, ali se encontravam Mofina, Valentina, Maria Machadão e Firmina Tautau. Comeram e beberam moderadamente, mas falaram muito entre si, tendo Libertária proclamado que o amanhã é das mulheres, pelo que para a frente é que é caminho. Todas concordaram e Maria Machadão em sinal de assentamento, pregou tal murro na mesa que entornou os copos todos. Valentina concluiu que não fazia mal, já que o que é preciso é alegria.
- MESA DAS AUTORIDADES: Chefiada por SandeAoCão, o qual se encontrava acompanhado de Vascão e de Patilhas. Com grande desgosto de Vascão, ali teve que se beber com moderação, já que como advertiu SandeAoCão, as autoridades devem ser as primeiras a dar o exemplo.
 - MESA DOS DEVOTOS DE SÃO MARTINHO: Nela se sentaram o sargento Patacão, Chico Pinguinhas, Zé Tretas e Lérias. Por ali a festa foi rija, já que eram como o Jacinto, tanto gostavam do branco como do tinto, além que eram como os da Amareleja, que também gostam de cerveja.
No arraial foram notadas algumas ausências: - O REGEDOR: Que por dever do cargo que tão bem desempenha, se viu mais uma vez forçado a testar a qualidade dos serviços na rota das tabernas do concelho, missão espinhosa em que foi acompanhado por outros destacados elementos da Regedoria; - CARLOS TUNA: Por se encontrar ausente num seminário sobre questões transfronteiriças, numa cidade do outro lado da raia; - LELO: Por ter alergia ao cheiro das sardinhas; - DONA MAGNIFICÊNCIA: Por achar que a rua da Paróquia não é rua que se recomende.
Foi Carmelo Alturas quem lançou o balão de Santo António, no que foi aplaudido por todos. Aproveitou para fazer um improviso sobre a passarola voadora do Padre Bartolomeu de Gusmão e a sua experiência aerostática no Pátio da Casa da Índia em 1709, perante a corte de D. João V. Pilérias, bastante descontraído pelos copos que emborcara, quando ouve falar em passarola, pensou noutra coisa e começou a rir a bandeiras despregadas. Até parecia que lhe faltava o ar. Firmina Tautau viu-se então forçada a levantar-se do lugar onde se encontrava e assestou-lhe um monumental par de tabefes que lhe restituíram a respiração normal.
Já no final do arraial teve lugar o leilão de fogaças. Como habitualmente o leilão foi dirigido pelo Dr. Cruz. Merecem especial destaque quatro caixas de garrafas de vinho, oferecidas por adegas do concelho: - Uma caixa de Vila Tanta Trincadeira da Adega de Portugal Damos, que foi arrematada pelo Xico Pinguinhas, para consumo próprio; - Uma caixa de Quinta do Touro Cabernet Sauvignon da Adega da Quinta do Touro, que foi adjudicada pelo sargento Patacão, para gasto pessoal; - Uma caixa de Herdade das Trevas, Colheita Seleccionada Branco da Adega do Monte das Trevas. Foi arrematada pelo Sargento-Mor Francisco Trás com o pedido expresso de o Dr. Cruz a entregar no Retiro dos Combatentes, numa das suas habituais visitas de conforto espiritual; - Uma caixa de Dona Bia Grande Reserva da Adega de Júlio Castos, licitada por Fernão, que a foi entregar pessoalmente a D. Maria das Dores, a fim de ser leiloada no próximo arraial, o que muito sensibilizou a piedosa senhora, que aproveitou para pedir a Fernão para dar eco de todos os brados do arraial, no jornal onde cronista é.
Hernâni Matos

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

32 - São Pedro, Pescador, Apóstolo, Porteiro do Céu, 1º Bispo de Roma, 1º Papa e Mártir.



São Pedro. Liberdade da Conceição (1913-1990). 
Colecção particular.

São Pedro (ca.1 a.C - 67 d.C.) nasceu na povoação de Betsaida na Palestina e foi morar mais tarde para a cidade de Cafarnaum. Era filho de um homem chamado João e irmão do igualmente apóstolo André. Ambos eram armadores com frota de barcos própria, em sociedade com Tiago, João e o pai destes, Zebedeu.
São Pedro conheceu Jesus quando este lhe pediu para utilizar uma das suas barcas, para poder pregar à multidão que o queria escutar. Pedro anuiu e afastou a barca um pouco da margem. No final da pregação, Jesus aconselhou-o a pescar em águas mais profundas. Foi tão bem sucedido que as redes iam rebentando. Numa atitude de humildade e surpresa, Pedro ajoelhou perante Jesus, a quem disse para se afastar dele, já que era um pecador. Jesus incentivou-o, então, a segui-lo, dizendo que o tornaria "pescador de homens".
São Pedro foi um dos 12 apóstolos e por Jesus Cristo indigitado para os guiar. Discípulo de Jesus, resolve fugir na altura da prisão do Mestre. Ao regressar ao Pretório para saber notícias, é confrontado e renega, então, três vezes Jesus Cristo, que lhe havia vaticinado a sua traição.
Em Antioquia, onde fundou a primeira igreja, é preso entre 41 e  43 d.C. por ordem de Herodes Agripa I (c.10 a.C. - 44 d.C.), acabando por ser libertado por um anjo. Segue depois para Roma (ano 43 d.c.), cidade de que foi o primeiro Bispo e o primeiro Papa e onde foi crucificado no ano 64, de cabeça para baixo, a seu pedido, pois, conforme disse, “Não merecia ser tratado como o seu Divino Mestre”.
São Pedro é tido como autor de duas epístolas, dois dos 27 livros do Novo Testamento.
Iconograficamente São Pedro é representado como homem robusto, de meia-idade, de barba curta, vestido de apóstolo ou de papa. Múltiplos são os seus atributos: as chaves do Céu, em número de uma, duas ou três (que Cristo lhe terá confiado, dizendo: “Dar-te-ei a chave do Reino dos Céus: àqueles a que tu as abrires, as portas franquear-se-ão, e àqueles a quem as cerrares, ser-lhes-ão cerradas); a barca e o peixe (alusão ao seu mester de pescador); o galo sobre uma coluna (a lembrar a sua traição a Cristo: “Antes que o galo cante me negarás três vezes”); as cadeias (referência à sua prisão em Antioquia e Roma); a cruz de três ramos (atributo dos Papas), a cruz invertida (símbolo do seu martírio) e um livro (é um dos autores do Novo Testamento).
São Pedro é Padroeiro de Papas e pescadores. A sua festa litúrgica ocorre a 29 de Junho. Os festejos populares de São Pedro, ocorrem de 28 para 29 de Junho, são diversificados e atingem especial brilhantismo em Alverca do Ribatejo, Câmara de Lobos, Montijo, Nisa, Póvoa de Varzim, Ribeira Brava, Ribeira Grande, Ribeira Seca, São Pedro do Campo, Teixoso e Viana do Castelo.
São Pedro integra a nossa literatura de tradição oral. A nível de adagiário destacamos: “Até ao São Pedro, o vinho tem medo.”, “Até São Pedro, abre rego e fecha rego.”, “Bem está São Pedro em Roma.”, “Chuva de São Pedro, faz acordar cedo.”, “Dia de São Pedro tapa o rego.”, “Dia de São Pedro, vê teu olivedo e se vires um bago, espera por cento.”, “Pelo S. João, figo na mão, pelo S. Pedro, figo preto.” São abundantes as referências ao Santo no cancioneiro popular alentejano. Dele destacamos duas quadras. Uma brejeira: “Se S. Pedro não me casa/ N'este domingo de festa,/ Hei de me ir á sua egreja,/ Hei de lhe chamar careca.” Outra que reflecte as tradições agro-pastoris: “S. João e mais S. Pedro/ São dois santos mudadores,/ S. João muda os criados,/ S. Pedro muda os pastores.”

Texto publicado inicialmente a 17 de Setembro de 2015

domingo, 19 de julho de 2015

30 - São João Baptista, Precursor, Profeta e Mártir


São João Baptista. Maria Luísa da Conceição (1934-2015). Colecção particular.

São João Baptista (2 a.C. - 27 d.C.) foi um pregador judaico do início do século I, citado pelo historiador Flávio Josefo (37 ou 38 - ca. 100) e pelos autores dos quatro Evangelhos da Bíblia (Mateus, Marcos. Lucas e João). Era filho do sacerdote judaico Zacarias e de Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus.
João, que em hebraico se diz Iohanan, com o significado de “Favorecido de Deus”, veio à luz em idade avançada de seus pais (Lucas 1,36). Muito jovem retirou-se para o deserto. Chamava-se "Baptista" devido a pregar um baptismo de penitência (Lucas 3,3). Quando estava a baptizar crentes no rio Jordão, apareceu Jesus, que também se apresentou para se baptizar. Logo o reconheceu apelidando-O, de “Cordeiro de Deus”, o Messias anunciado pelos profetas. Introduziu o baptismo como cerimónia que mais tarde seria adoptada pelo Cristianismo como prática na conversão de gentios, rito entendido como purificação e vida nova, constituindo o primeiro sacramento da iniciação cristã.
Censurou Herodes Antipas (20 a.C. – 39 d.C.), governador da Galileia, por ter cometido adultério ao casar-se com Herodíade, sua sobrinha e cunhada, cujo marido ainda estava vivo. Na sequência da sua prisão, as suas imprecações incomodaram Herodíade, que através da sua filha Salomé, induziu Herodes a mandá-lo degolar. É considerado o primeiro mártir do Cristianismo.
É o único santo cujo nascimento (24 de Junho) e martírio (29 de Agosto) são evocados em duas solenidades cristãs. É correntemente representado como um adulto ascético, vestido de pele de carneiro, com um cordeiro e um estandarte com a legenda “Ecce Homo”. É padroeiro das cidades do Porto e de Braga, onde é festejado com alegria pelo povo, de 23 para 24 de Junho. Trata-se de uma festa com origem no solstício de Junho e que inicialmente se tratava de uma festa pagã, na qual as pessoas festejavam a fertilidade, associada à alegria das colheitas e da abundância. Como tal é uma festa repleta de tradições, como a utilização dos alhos-porros (símbolos fálicos da fertilidade masculina) para bater nas cabeças de quem vai a passar, assim como de ramos de cidreira (símbolo dos pelos púbicos femininos), usados pelas mulheres para pôr na cara dos homens que passam. A Igreja viria a cristianizar essa festa pagã e atribuiu-lhe São João como Padroeiro.
São João Baptista está presente na nossa literatura de tradição oral. A nível de adagiário destacamos: “Ande por onde andar o Verão, há-de vir pelo São João”, “Pelo São João, ceifa o pão”, “Lavra pelo São João: terás palha e grão”, “A chuva de São João bebe o vinho e come o pão”, “Pelo São João deve o milho cobrir o cão”, “Pelo São João semeia o teu feijão”, “Pelo São João, figo na mão”, “Galinhas de São João, pelo Natal, ovos dão”, “Tem o porco meão pelo São João”, “Sardinha de São João pinga no pão”. No que respeita ao cancioneiro popular alentejano, salientamos duas quadras brejeiras. Uma: “Onde está o Baptista, / Elle não está na egreja, / Anda de mastro em mastro, / Para vêr quem no festeja.” E esta outra: “Lá vem o Baptista abaixo / Subindo aquellas ladeiras, / Dando abraços ás viúvas / E beijinhos às solteiras.”
 
Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 19 de Julho de 2015

segunda-feira, 1 de junho de 2015

O Dia da Espiga (2ª edição)

Esta é a 2ª edição do post, cuja 1ª edição, datada de 6 de Março de 2010, foi agora ampliada com diversas referências de literatura oral: adagiário português (4), superstições populares (6) e cancioneiro popular (1). Foram igualmente adicionadas, novas fontes bibliográficas (3).

Bilhete-postal ilustrado dos anos 20 do século XX,
reproduzindo ilustração de A. Rey Colaço.

De acordo com o calendário litúrgico cristão, na Quinta-Feira de Ascensão comemora-se a ascensão de Cristo Salvador ao Céu, após ter sido crucificado e ter ressuscitado. Esta data móvel encerra um ciclo de quarenta dias após a Páscoa. Lá diz o adágio: "Da Páscoa à Ascensão, 40 dias vão."
Na Quinta-Feira de Ascensão celebra-se igualmente o Dia da Espiga. Era tradição e igualmente superstição [2], as pessoas irem para o campo neste dia, para apanhar a espiga de trigo e outras plantas e flores silvestres. Faziam um ramo que incluía pés de trigo e/ou centeio, cevada, aveia, um ramo florido de oliveira, papoilas e margaridas.
O ramo tinha um valor simbólico. Simbolizava a fecundidade da terra e a alegria de viver. As espigas simbolizavam o pão e a abundância, as papoilas o amor e a vida, o ramo de oliveira a paz e as margaridas o ouro, a prata e o dinheiro.
Nalguns locais, o ritual da colheita da espiga era muito preciso. Na 5ª Feira de Ascensão, devia ir-se ao campo, do meio-dia para a uma hora, colher flores de oliveira, espigas de trigo e flores amarelas e brancas, tudo em número de cinco. Deviam rezar-se igualmente cinco Padres-Nossos, cinco Ave Marias e cinco Gloria Patres, para que durante o ano, houvesse sempre em casa, azeite, ouro e prata. [6]
De acordo com a tradição, o ramo devia ser pendurado dentro de casa, na parede da cozinha ou da sala, aí se conservando durante um ano, até ser substituído pelo ramo do ano seguinte. Havia a crença que o ramo funcionava como um poderoso amuleto que trazia a abundância, a alegria, a saúde e a sorte. Lá diz o adágio: "Quem tem trigo da Ascensão, todo o ano terá pão." E porquê? Porque se acredita naquilo que diz o cancioneiro popular alentejano:

"Tudo vai colher ao campo
Quinta-feira d'Ascensão,
trigo, papoila, oliveira.
p'ra que Deus dê paz e pão." [4]

"Quinta-feira de Ascensão
As flores têm virtudes,
Quis amar teu coração,
Fiz empenho mas não pude." (Évora) [3]

Estava de resto, arreigada a superstição de que era bom colher certas flores e plantas medicinais na Quinta-Feira de Ascensão, antes do nascer do Sol. [2] Existia igualmente a crença de que os ovos postos pelas galinhas, entre o meio-dia e a uma hora da Quinta-Feira de Ascensão, nunca apodrecem e têm a virtude de curar doenças e suprimir dores. [2] Acreditava-se também que o queijo feito na Quinta-Feira de Ascensão era medicamento eficaz contra as sezões. [1] Existia ainda o convencimento de que o vento que na Quinta-feira de Ascensão, soprasse à uma hora da tarde, era o que sopraria durante todo o ano. Existia finalmente a convicção de que era bom comer carne na Quinta-Feira de Ascensão, de acordo com adágio:

“Em Quinta-Feira de Ascensão,
Quem não come carne
Não tem coração;
Ou de ave de pena,
Ou de rês pequena.” [2]

A origem festiva do Dia da Espiga, coincidente com a Quinta-Feira da Ascensão, é muito anterior à era cristã. Na verdade, este dia é um sucessor claro de rituais pagãos, praticados durante séculos, por todo o mundo mediterrâneo, em que grandiosos festivais de cantares e danças, celebravam a Primavera e consagravam a natureza. Neles se exortava o eclodir da vida vegetal e animal, após a letargia dos meses frios, bem como a esperança nas novas colheitas. O Dia da Espiga era assim como que uma bênção aos primeiros frutos e marcava o início da época das colheitas.
A Igreja, à semelhança do que fez com outras ancestrais festas pagãs, cristianizou o Dia da Espiga. A data atravessa assim os tempos com uma dupla significação:
- como Quinta-feira de Ascensão, para os cristãos, assinalando, a ascensão de Jesus ao Céu, ao fim de 40 dias;
- como Dia da Espiga, traduzindo aspectos e crenças não religiosos, mas exclusivos da esfera agrícola e familiar.

Bilhete-postal ilustrado do 2º quartel do século XIX, edição A.V.L. (Lisboa),
reproduzindo aguarela de Alfredo Moraes (1872-1971).

Actualmente poucas são as pessoas que ainda se deslocam ao campo na Quinta-Feira da Ascensão para apanhar o ramo da espiga. Mas aquelas que vão, têm dificuldade em constituir o ramo, sobretudo pela dificuldade em recolher pés de cereal, raros a partir do momento em que os nossos agricultores receberam dinheiro de Bruxelas para deixar de cultivar. Apesar de tudo, há quem consiga cumprir a tradição. E há também quem faça negócio com a tradição, colhendo e vendendo ramos de espiga na cidade. Apesar do mercantilismo deste biscate em tempo de crise, é um contributo para a preservação da tradição. Actualmente, também são poucas as pessoas que se deslocam à Igreja para participar nos deveres religiosos inerentes à data. Todavia, houve tempos em que a data, das mais festivas do ano, era repleta de cerimónias sagradas e profanas, que chegavam a implicar a paralisação laboral. Existia mesmo a crença que em Quinta-Feira de Ascensão, os passarinhos não vão aos ninhos. [1] Daí também o adágio: “No Dia da Ascensão nem os passarinhos bolem nos ninhos”, o que está de acordo com o cancioneiro popular:

“Se os passarinhos soubessem
Quando é dia d'Ascensão,
Nem subiam ao seu ninho,
Nem punham o pé no chão.” [5]

Existia igualmente a crença de que na Quinta-Feira de Ascensão, os pássaros não iam ao ninho desde o meio-dia até à uma hora, que era o período de orações nas festas da Igreja. Consta, que antigamente, finalizadas essas orações, era costume soltarem-se passarinhos do coro e das tribunas, e espargirem-se flores desfolhadas sobre os fiéis. [6]
Por vezes chove na Quinta-feira de Ascensão, o que originou a convicção de que em chovendo na tarde de Quinta-Feira de Ascensão, as nozes apodrecem e os frutos sairão pecos. [6] O adagiário, regista, de resto a crença de que “Água d'Ascensão, tira o vinho e dá o pão”, assim como “Chuvinha da Ascensão, dá palhinha e dá pão” e também “Quinta-feira da Ascensão, coalha a amêndoa e o pinhão”.

BIBLIOGRAFIA
[1] - CHAVES, Luís. Páginas Folclóricas - I : A Canção do Trabalho. Separata do vol. XXVI da "Revista Lusitana". Imprensa Portuguesa. Porto, 1927.
[2] - CONSIGLIERI PEDROSO, "Superstições Populares”, “O Positivismo: revista de Filosofia, Vol. III. Porto, 1881.
[3] – LEITE DE VASCONCELLOS, J. Leite. Cancioneiro Popular Português, vol. III. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra, 1983.
[4] – SANTOS, Vítor. Cancioneiro Alentejano - Poesia Popular. Livraria Portugal. Lisboa, 1959.
[5] - THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. I. Typographia Progesso. Elvas, 1902.
[6] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927.

Publicado inicialmente a 1 de Junho de 2015

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Feira Medieval de Estremoz – 2015

Esta imagem, tal como as restantes refere-se à Feira Medieval de Estremoz - 2014

De alguns anos a esta parte que têm proliferado um pouco por toda a parte, eventos a que se convencionou chamar “Feiras Medievais”. Estremoz não podia deixar de fugir à regra e daí que no ano transacto, por iniciativa da Escola Secundária e com o apoio do Município, tenha ocorrido a 17 de Maio a chamada “I Feira Medieval de Estremoz”. O acontecimento para além dos objectivos pedagógicos pré-fixados pela Escola, contribuiu para a animação sócio-cultural e turística, que figura e muito bem nos objectivos do Município. Incluiu a parte baixa da Cidade e o Bairro do Castelo.
Os estremocenses gostaram do que viram no ano passado e neles eu me incluo. Todavia, esse facto não me impede de enumerar algumas críticas que visam contribuir para o aperfeiçoamento da realização de um evento, o qual é desejável que se consolide e fortaleça. Naturalmente que com credibilidade. Para tal é recomendável o máximo de rigor histórico. Tal não é compatível com a utilização de acessórios pessoais e o comércio de produtos inexistentes na época, assim como a utilização visível de tubagem de ferro. Uma Feira Medieval não pode ser um albergue espanhol, onde tudo cabe. Daí que não deva ser vendido gato por lebre. Assim o exige a nobreza dos objectivos pedagógicos da Escola Secundária e que o Município subscreve.
Provavelmente será difícil fugir a clichés que têm sido seguidos noutros lados. Todavia há que saber resistir à tentação de o fazer. A organização da Feira deve ter uma contextualização sócio-cultural e espaço-temporal credível. Daí que tenha ficado perplexo com a designação "Festival da Rainha -  II Feira Medieval de Estremoz", concedida ao evento deste ano, a decorrer nos próximos dias 16 e 17 de Maio. É que a Rainha Santa Isabel morreu em Estremoz em 1336 e a I Feira Medieval de Estremoz, teve lugar 127 anos depois, entre 20 e 30 de Junho de 1463, já na 2ª Dinastia, graças a carta de mercê datada de Estremoz aos 25 de Janeiro de 1463, concedida por D. Afonso V, que nesse sentido tinha sido solicitado pelos oficiais e homens-bons do Concelho, no decurso da sua permanência em Estremoz, na última quinzena de Janeiro desse ano. De salientar também que em 1463 era inexistente o culto oficial à Rainha Santa, o que só aconteceu após a beatificação concedida em 1516 pelo Papa Leão X, por solicitação de D. Manuel I.
Em Estremoz tem-se usado e abusado do nome da Rainha Santa Isabel para tudo e mais alguma coisa. Creio que o respeito devido à sua memória deveria inspirar mais comedimento na utilização do seu nome.












quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Searinhas do Menino Jesus (2ª edição)


Searinha do Menino Jesus.
Fotografia de Carlos Dalves (http://olhares.aeiou.pt)

Uma tradição que ainda hoje se cumpre no Alentejo é a sementeira das “Searinhas do Menino Jesus”, já referida por A. Thomaz Pires (2) e que se efectua no dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
Consiste esta tradição em semear em pequenos recipientes (pires ou chávenas) com terra, alguns grãos de trigo que são humedecidos com água para germinar, após o que são diariamente borrifados com a mesma, a fim de os rebentos se manterem viçosos.
As searinhas, dedicadas ao Menino Jesus, são utilizadas no presépio e no oratório, assim como são levadas à mesa da Consoada, na crença de que o Menino Jesus abençoe o trigo, de modo que nunca falte pão em casa e na mesa. No dia de Reis (6 de Janeiro), as searinhas devem ser transplantadas para a terra.
Thomaz Pires cita D. José Coroleu (Las supersticiones de la humanidad) quando afirma que as searinhas “(…) recordam as sementes semeadas nos testos pelas mulheres Phrygias, e que levavam ao terrado para germinarem aos raios do Sol.”.
A tradição teve início no século XVI quando o cardeal e teólogo ascético francês Pierre de Bérulle (1575-1629) decidiu adornar o presépio com searinhas e laranjas para que as sementeiras e árvores de fruto fossem abençoadas e dessem muito durante o ano inteiro.
Parece não restarem dúvidas que se trata de mais um aproveitamento cristão duma tradição pagã. Na verdade, a festa pagã do solstício de Inverno que comemorava o renascimento do Sol, foi substituída pela festa cristã do Natal, que celebra o nascimento de Cristo. Daí que usos e costumes que lhe estavam associados tenham sido adaptados ao Cristianismo, pelo que são reminiscência das antigas crenças.

BIBLIOGRAFIA
(1) - PESTANA, M. Inácio. Etnologia do Natal Alentejano. Assembleia Distrital de Portalegre. Portalegre, 1978.
(2)  – PIRES, A. Thomaz. A noite de Natal, o Anno Bom e os Santos Reis. 2ª edição. António José Torres de Carvalho. Elvas, 1928

Publicado inicialmente em 4 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

quarta-feira, 26 de junho de 2013

SANTO ANTÓNIO NA TRADIÇÃO POPULAR ESTREMOCENSE (Conferência no Museu Municipal de Estremoz)


Fig. 1 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz.


“Santo António na Tradição Popular Estremocense” foi o tema da conferência proferida pelo professor Hernâni Matos, no passado sábado, dia 22 de Junho, pelas 17 horas, no Museu Municipal de Estremoz. A dissertação, à qual assistiram mais de duas dezenas de pessoas, foi acompanhada de projecções multimédia (Fig. 2).
O orador começou por fazer uma súmula da vida de Santo António, afirmando seguidamente que o culto do Santo foi incentivado em Estremoz pelos religiosos da ordem de S. Francisco de Assis, sediados no Convento de S. Francisco (Fig. 3), desde os primórdios da sua construção no século XIII, em data imprecisa, balizada pelos reinados de D. Sancho II – D. Afonso III (1239-1255). Sublinhou também que a circunstância de o dia festivo de Santo António (13 de Junho) coincidir com as festas do Solstício de Verão, faz com que seja celebrado em Portugal como um dos santos mais populares. Daí que nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado, houvesse arraiais decorados com mastros e tronos de Santo António no Largo do Almeida, nas traseiras da Igreja de Santo André, no largo General Graça e no Pátio dos Solares, na noite de 12 para 13 de Junho. Houve também a tradição das Marchas Populares, as primeiras das quais tiveram lugar em Estremoz na noite de Santo António em 1948, numa organização da Banda Municipal, tendo as marchas desfilado desde o Pelourinho até à Esplanada Parque, onde se exibiram. Apresentaram-se a concurso quatro marchas: do Outeiro, da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, do Castelo e de Santa Catarina. Uma das marchas vencedoras foi a Marcha do Outeiro (Fig. 4), do tradicional bairro dos oleiros e bonequeiras, que tinha música de João Manaças e letra de Luís Rui (Fig. 5), pseudónimo literário de Joaquim Vermelho, posteriormente estudioso da nossa barrística popular.
Continuando, o conferencista concluiu que a popularidade do culto antoniano levou o povo a recriar pequenos altares nas suas casas e a ter o Santo exposto em oratórios. A procura de imagens estará na origem do aparecimento da figura de Santo António na barrística popular estremocense. Como fontes de inspiração possível apontou: - A imagem seiscentista de Santo António em lenho dourado, do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz, situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758 (Fig. 6); - A Imagem seiscentista de Santo António em mármore branco existente no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz (Fig. 7).
Na sequência da sua exposição, o prelector deu conhecimento que no acervo do Museu Municipal de Estremoz existem imagens que vão desde o século XVIII até à actualidade e com dimensões e atributos variáveis, tendo passado em revista algumas dessas imagens, bem como outras pertencentes a colecções particulares (Fig. 8 a Fig. 17).
A finalizar a sua dissertação, o discursante concluiu ser vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António, debruçando-se ali sobre o adagiário, tradições e superstições populares, orações populares (encomendações e responsos) e cancioneiro popular alentejano, reveladores da religiosidade própria do homem alentejano, em consonância com a sua própria identidade cultural. Já no fim, congratulou-se com a candidatura dos bonecos de Estremoz a Património Imaterial da Humanidade.
A sessão terminou com um debate com a assistência.

Texto inicialmente publicado a 26 de junho de 2013

Fig. 2 - Um aspecto da assistência à conferência.

Fig. 3 - Convento de São Francisco em Estremoz, nos finais do séc. XIX.
Fotografia do Arquivo Hernâni Matos.
 
Fig. 4 - Marcha do Outeiro, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948. 
Fotografia cedida pela Biblioteca Municipal de Estremoz / Arquivo Fotográfico.

Fig. 5 – Letra da Marcha do Outeiro (1948),
da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário
de Joaquim Vermelho (1927-2002). 

Fig. 6 - Santo António. Imagem seiscentista em lenho dourado,
do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz,
 situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas
Memórias Paroquiais de 1758. 

Fig. 7 - Santo António. Imagem seiscentista em mármore branco, existente
no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz. 

Fig. 8 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 9 - Santo António (séc. XIX). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 10 - Santo António (séc. XX). Mariano da Conceição.
Colecção Museu Rural de Estremoz .

Fig. 11 - Santo António (séc. XX). Sabina Santos.
Colecção Sabina Santos. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 12 - Santo António (séc. XX). José Moreira.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 13 - Santo António (séc. XX). Liberdade da Conceição.
Colecção Hernâni Matos. 

Fig. 14 - Santo António (séc. XX). Quirina Marmelo.
Colecção Irmãs Flores. 

Fig. 15 - Santo António (séc. XX-XXI). Luísa da Conceição.
Colecção Luísa da Conceição. 

Fig. 16 - Santo António (séc. XX-XXI). Irmãs Flores.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 17 - Santo António (séc. XXI). Ricardo Fonseca.
Colecção Hernâni Matos.