domingo, 2 de agosto de 2020

Ana das Peles e Sá Lemos


Sá Lemos trocando impressões com Ana das Peles numa sala de aulas da Escola
Industrial António Augusto Gonçalves, em Estremoz. Carlos Alves (1958- ).
Colecção do autor.





A mais recente criação do barrista Carlos Alves intitula-se “Ana das Peles e Sá Lemos”. A obra agora divulgada visa perpetuar no barro a Memória do escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971) que nos anos 30 do séc. XX, atribuiu a si próprio a missão de recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz. Visa igualmente perpetuar a Memória de Ana das Peles (1869-1945), velha bonequeira que foi o instrumento primordial dessa recuperação.
Em 1935 os Bonecos de Ana das Peles participaram na “Quinzena de Arte Popular Portuguesa” realizada na Galeria Moos, em Genebra. Em 1936 estiveram presentes na Secção VI (Escultura) da Exposição de Arte Popular Portuguesa ocorrida em Lisboa, em 1937 na Exposição Internacional de Paris e em 1940 na Exposição do Mundo Português, promovida em Lisboa.
Os Bonecos de Ana das Peles, foram nestas exposições, um ex-líbris de excelência da cidade de Estremoz. Eles foram os melhores embaixadores da nossa Arte Popular e da nossa identidade cultural local e regional. Eles foram, simultaneamente, a primeira declaração e a primeira prova insofismável de que na nossa terra existiam criadores populares de grande qualidade. Os Bonecos de Estremoz, até então relativamente pouco conhecidos, adquiriram por mérito próprio e muito justamente grande notoriedade pública.
A 19 de Fevereiro de 2020 completaram-se 75 anos sobre a morte de Ana das Peles. A velha barrista partiu, mas os seus bonecos ficaram como imagem de marca da nossa identidade cultural local e transtagana, testemunho e herança de uma época. Os seus gestos de modeladora de sonhos, continuam a ser repetidos, ainda que recriados pelos barristas de hoje. Por isso Ana das Peles é imortal e os Bonecos de Estremoz serão eternos.
Ana das Peles é uma figura que pela sua acção desempenhou um papel de relevo na construção da Memória de Estremoz, pelo que não pode ser olvidada nas páginas da História local.  Daí que o barrista Carlos Alves tenha modelado o conjunto em epígrafe, inspirando-se numa bem conhecida fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988), datada de 1935 e que representa ”Sá Lemos trocando impressões com Ana das Peles numa sala de aulas da Escola Industrial António Augusto Gonçalves”.
Parabéns Carlos por mais este trabalho, que além de homenagear Sá Lemos e Ana das Peles, vem enriquecer e de que maneira, a já vasta Galeria dos Bonecos da Inovação.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Combinação de cores


Mulher das galinhas. José Moreira (1926-1991).
cores
Graças à vista podemos percepcionar a forma e a cor dos objectos, entre eles os Bonecos de Estremoz. A cor: A luz solar visível que nos ilumina é uma luz branca, composta de luzes de diferentes cores que, ao atravessar as gotas de água de uma nuvem, sofrem nas gotas uma dupla refracção, dispersando –se num conjunto de sete cores que constituem o espectro solar. Do exterior para o interior do arco-íris a sequência de cores é: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. 

Arco-íris.

A luz solar, ao iluminar os objectos, é parcialmente absorvida neles, sendo a fracção restante reflectida pela superfície. Daí que a cor dum objecto seja a cor da luz que ele reflecte. Quando um objecto não absorve nenhuma das cores do espectro solar e reflecte todas, então a sua cor é o branco. Se, pelo contrário, um objecto absorve todas as cores do espectro solar e não reflecte nenhuma, então a sua cor é o preto.

Classificação das cores
De acordo com a Teoria das Cores há diversos tipos de cores. Temos assim:
- CORES PRIMÁRIAS – São aquelas que não se conseguem obter a partir de outras cores: azul, vermelho, amarelo.

Cores primárias.

- CORES SECUNDÁRIAS - Resultam da combinação de quaisquer duas cores primárias: laranja (vermelho e amarelo), verde (amarelo e azul), roxo ou violeta (vermelho e azul).

Cores secundárias

- CORES TERCIÁRIAS -  Resultam da combinação de uma cor primária com uma cor secundária:  vermelho-arroxeado (vermelho e roxo), vermelho-alaranjado (vermelho e laranja), amarelo-alaranjado (amarelo e laranja), amarelo-esverdeado (amarelo e verde), azul-esverdeado (azul e verde), azul-arroxeado (azul e roxo). 

Cores terciárias.

- CORES QUATERNÁRIAS – Resultam da combinação de duas cores secundárias: Ardósia (verde e roxo), castanho (laranja e roxo) e Citrino (laranja e verde).

Cores quaternárias

- CORES NEUTRAS – São: branco, preto e cinza (mistura de branco e preto). Podem servir de base para diversas combinações.

Cores neutras.

Círculo cromático
O círculo cromático é um círculo constituído por 12 cores (3 primárias, 3 secundárias e 6 terciárias) dispostas sequencialmente no chamado círculo cromático, que sintetiza o modo como as cores secundárias foram obtidas pela combinação das primárias, bem como as cores terciárias foram obtidas pela combinação das primárias com as secundárias.
O círculo cromático é uma ferramenta muito utilizada na arte, design e outras áreas criativas, por permitir inferir as combinações de cores que são harmoniosas.

O círculo cromático sintetiza o modo como a partir das cores primárias resultam
todas as outras. É ainda um instrumento útil na combinação harmoniosa de cores.

Há que ter em conta que as cores influenciam directamente as nossas emoções. Daí que a pintura deva sempre ter em conta o resultado provocado pela disposição e quantidade das cores usadas.
As cores que são opostas no círculo, dizem-se cores complementares.
O círculo cromático é composto de cores quentes (amarelo, laranja amarelado, laranja, vermelho alaranjado e vermelho) e cores frias (amarelo esverdeado, verde, verde azulado, azul, azul violeta e violeta). O branco, que reflecte todas as outras cores, é considerado uma cor fria. Já o preto, que absorve todas as cores, pode ser considerada uma cor quente. As cores quentes e as cores frias influenciam o modo como nos vestimos. No Verão devemos usar cores frias, claras e coloridas. Já no Inverno devemos usar cores escuras. Algumas vezes algumas cores frias parecem mais quentes que outras. Por exemplo, o violeta e o verde ambos são cores frias, mas o violeta é mais quente que o verde.

Combinação de cores
Para se alcançar uma combinação harmoniosa de cores, há que recorrer a combinações de cores já estudadas e que são de diversos tipos:

COMBINAÇÃO DE CORES MONOCROMÁTICA
Quando se usa só uma cor ou variações das suas tonalidades. Aqui os contrastes entre as cores são suaves. A combinação de cores monocromática utiliza variações de luminosidade e saturação de uma mesma cor. Estas combinações simples e elegantes, são de fácil percepção pelo observador especialmente quando se trata de tons azuis e verdes. Admite ainda acessoriamente uma cor neutra como branco, preto ou cinzento. A combinação de cores monocromática carece de contraste, pelo que não é tão vibrante como a combinação de cores complementares.

Alguns dos tons de azul.

COMBINAÇÃO DE CORES ANÁLOGAS
Quando se combina uma cor primária com as cores vizinhas no círculo cromático, as quais possuem uma cor básica em comum. Uma cor é utilizada como a dominante enquanto que as adjacentes são utilizadas para enriquecer a harmonia. As combinações de cores análogas transmitem a sensação de unidade e coerência. Admitem acessoriamente a utilização de uma cor neutra. São tão fáceis de criar quanto as combinações de cores monocromáticas, no entanto são mais ricas. De salientar que uma combinação de cores análogas carece de cor de contraste. Deste modo não é tão vibrante como uma combinação de cores complementares.
São possíveis as combinações:
- Verde azulado, azul, azul violeta.
- Vermelho violeta, vermelho, vermelho alaranjado.
- Amarelo esverdeado, verde, verde azulado.

Combinação de cores análogas.

COMBINAÇÃO DE CORES COMPLEMENTARES
Quando se combina uma cor com a cor oposta no círculo cromático. É admissível a combinação de cores frias e cores quentes. Esta combinação associa uma cor mais vibrante com uma cor mais sóbria. Ao utilizar-se esta harmonia deve-se escolher uma cor como dominante e utilizar a complementar para destaques. Como por exemplo, utilizar uma cor para fundo e a outra para destacar os elementos mais importantes. A combinação de cores complementares oferece elevado contraste, ideal para despertar a atenção do observador.
 São possíveis as combinações:
- Amarelo, violeta.
- Laranja amarelado, azul violeta.
- Laranja, azul.
- Vermelho alaranjado, verde azulado.
- Vermelho, verde.
- Vermelho violeta e amarelo esverdeado.

Combinação de cores complementares.

COMBINAÇÃO DE CORES EM TRÍADE
Quando se combinam três cores equidistantes no círculo cromático. Uma tal combinação forma um triângulo equilátero dentro do círculo cromático. É muito simples de constituir uma tríade de cores. Basta escolher uma cor no círculo cromático, saltar três cores, escolher a próxima, saltar mais três cores e escolher a próxima. Sendo uma combinação harmónica, a combinação de cores em tríade é mais colorida que a combinação de cores complementares, análogas ou monocromáticas.
A combinação de cores em tríade não oferece tanto contraste como a combinação de cores complementares, mas é mais harmoniosa.
São possíveis as combinações:
- Vermelho, amarelo, azul.
- Vermelho alaranjado, amarelo esverdeado, azul violeta.
- Laranja, verde, violeta.
- Laranja amarelado, verde azulado, vermelho violeta.

Combinação de cores em tríade.

COMBINAÇÃO COM COR COMPLEMENTAR DIVIDIDA
Quando se combinam três cores que formam um quadrado dentro do círculo cromático. Trata-se de uma combinação de cores menos vibrante que a combinação com cores análogas e a combinação com cores complementares. É muito fácil de conseguir. Basta escolhera uma cor no círculo cromático e em vez de se escolher a cor complementar, escolhem-se as duas cores que lhe são adjacentes. Trata-se de uma combinação de cores que oferece grande contraste sem a tensão da combinação complementar de cores. Por outro lado, a combinação com cor complementar dividida oferece mais nuances que a a combinação com cores complementares, ao mesmo tempo que retém o contraste visual.
São possíveis as combinações:
- Verde, vermelho alaranjado, vermelho violeta.
- Verde azulado, vermelho, laranja.
- Azul, vermelho alaranjado, laranja amarelado.
- Azul violeta, laranja, amarelo.
- Violeta, laranja amarelado, amarelo esverdeado.
- Vermelho violeta, amarelo, verde.
- Vermelho, amarelo esverdeado e verde azulado.
- Vermelho alaranjado, verde, azul.
- Laranja, azul violeta, verde azulado.
- Laranja amarelado, violeta, azul.
- Amarelo, vermelho violeta, azul violeta.
- Amarelo esverdeado, violeta, vermelho.

Combinação com cor complementar dividida.

COMBINAÇÃO DE CORES EM QUADRADO
Quando se combinam quatro cores que formam um quadrado dentro do círculo cromático. Trata-se de uma combinação de cor vibrante, já que corresponde à combinação de dois pares de cores complementares. É muito fácil de constituir um quadrado de cores. Basta escolhera uma cor no círculo cromático, saltar duas cores, escolher a próxima, saltar mais duas cores, escolher a próxima, saltar mais duas cores e escolher a próxima. Esta combinação de dois pares de cores complementares é das mais ricas de todas as combinações, mas é muito difícil de trabalhar. Se as quatro cores são utilizadas em iguais proporções, a harmonia parecerá desequilibrada, pelo que deverá sempre ser escolhida uma cor como dominante em relação às restantes.
São possíveis as combinações:
- azul, vermelho, laranja, verde.
- violeta, vermelho alaranjado, amarelo, verde azulado.

- vermelho,laranja, amarelo esverdeado, azul.
.
Combinação de cores em quadrado.

COMBINAÇÃO DE CORES EM RECTÂNGULO
Quando se combinam quatro cores que formam um rectângulo dentro do círculo cromático. Trata-se de uma combinação de cor vibrante, já que corresponde à combinação de dois pares de cores complementares. É muito fácil de constituir um rectângulo de cores. Basta escolher uma cor no círculo cromático, saltar uma cor, escolher a próxima, saltar mais três cores, escolher a próxima, saltar mais uma cor e escolher a próxima. À semelhança da combinação de dois pares de cores complementares em quadrado, também a combinação de dois pares de cores complementares em rectângulo é das mais ricas de todas as combinações, mas é muito difícil de trabalhar. Se as quatro cores são utilizadas em iguais proporções, a harmonia parecerá desequilibrada, pelo que deverá sempre ser escolhida uma cor como dominante em relação às restantes.
São possíveis as combinações:
- Vermelho, laranja, verde, azul.
- Vermelho alaranjado, laranja amarelado, verde azulado, azul violeta.
- Laranja, amarelo, azul, violeta.
- Laranja amarelado, amarelo esverdeado, azul violeta, vermelho violeta.
- Amarelo, verde, violeta, vermelho.
- Amarelo esverdeado, verde azulado, vermelho violeta, vermelho alaranjado.

Combinação de cores em rectângulo.
BIBLIOGRAFIA

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Cores nos Bonecos de Estremoz


Nossa Senhora ajoelhada. Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX. Colecção do autor.

As cores usadas na pintura dos Bonecos de Estremoz são cores reais, isto é, são análogas às daquilo que representam. Podem ser fixas ou variáveis. As primeiras são comuns a todos os barristas. As segundas podem variar de barrista para barrista. A gama de cores usada por cada barrista é vasta e delas podem fazer misturas. Todavia, há cores dominantes: branco, preto, vermelho, zarcão, laranja, amarelo, verde, azul e roxo. Vejamos alguns exemplos de utilização de cores fixas: - BRANCO: Paredes do Presépio de trono ou altar, pernas das Primaveras e dos Reis Magos, colarinho das camisas dos Pastores; - PRETO: Olhos, chapéus aguadeiros, botas e sapatos, vestido da Amazona; - VERMELHO: Lábios, coração do O Amor é Cego e vestido das Primaveras; - ZARCÃO: O Amor é cego, Cantarinhas, Pucarinhos e roupas diversas; - DOURADO: Esplendor dos Santos; - PRATEADO: cântaros do Aguadeiro e do Leiteiro e medidas do Leiteiro; - AMARELO: Brincos, abotoaduras de colarinho, chapéus de palha das Ceifeiras, plumas das Primaveras, coroas dos Reis Magos; - VERDE BANDEIRA: Degraus do Presépio de trono ou altar; - AZUL DO ULTRAMAR: Orlas do Presépio de trono ou altar, fardas da Banda Filarmónica e roupas variadas; - AZUL-ESCURO: fardamento dos Militares; - AZUL CLARO: Casaco dos Pastores, túnica de São José ajoelhado, vestido de Nossa Senhora ajoelhada; - ROXO: Manto do Senhor Jesus dos Passos, opas dos Irmãos da Confraria; - CASTANHO: Pelicos dos pastores, botas e quadrúpedes; - CASTANHO-ESCURO: Cabelo, hábito de Santo António e do Frade a cavalo; Existem ainda cores convencionais, usadas pelos diferentes barristas na pintura de determinada parte de uma figura. A título de exemplo: verde bandeira nas bases e zarcão na orla das mesmas.
A gama de cores usadas pelos barristas de Estremoz esteve sempre dependente das cores dos pigmentos disponíveis nas drogarias locais. A situação manteve-se com a utilização das tintas de água por alguns, a partir dos anos 60 do século XX. Presentemente aquela gama é maior, pelo que alguns barristas não se sentem constrangidos e usam uma gama de cores maior que anteriormente.

sábado, 25 de julho de 2020

Museu Berardo Estremoz


Museu Berardo Estremoz. Fotografia da Câmara Municipal de Estremoz. 


A inauguração do Museu Berardo Estremoz na presente data, culmina um longo processo que envolve Berardo e Companhia, do qual fui dando conta na imprensa local e neste blogue. Continuo a pensar que o sujeito deu um chouriço a quem lhe deu um porco. Para que conste aqui fica compilado tudo o que disse sobre aquela dupla:

- COLECÇÕES BERARDO: Cama, mesa e roupa lavada (15-05-2019)
Berardo e Companhia (13-07-2017)
O Palácio Tocha na Belle Époque (07-07-2014)

À margem da dupla e porque eu andei por ali:

 Eu e o Palácio Tocha (13-07-2014)

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Bonecos de Estremoz: Tintas de pintura e pigmentos


 Mulher das castanhas – Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX. Colecção do autor.
Tintas de pintura
Após a cozedura, e depois de terem arrefecido, os Bonecos estão em condições de serem coloridos. A cor de cada um dos seus componentes pode ser conseguida através da aplicação de tintas de pintura, constituídas basicamente por um pigmento mineral, um aglutinante (veículo de cor neutra ou sem cor que suspende o pigmento e confere à tinta a sua aderência) e um diluente. Têm sido utilizadas no decurso do tempo, vários tipos de tintas de pintura: - TINTAS DE ÓLEO – Os pigmentos minerais são adicionados a ligantes que são óleos secativos como o óleo de linhaça, o qual por oxidação do ar origina uma película elástica que adere ao suporte e fixa as partículas do pigmento. O diluente usado é a aguarrás. - TINTAS DE COLA OU GOMA – Os pigmentos são juntados a ligantes como a cola ou goma e como diluente utiliza-se a gema de ovo. Eram as tintas usadas por Gertrudes Rosa Marques (1840-1921), de acordo com Luís Chaves (*) - TINTAS DE GRUDE – Ti Ana das Peles e Mariano da Conceição terão sido os primeiros a usá-las. Nelas o ligante era a grude, hoje caído em desuso, e que era uma cola de origem animal usada em carpintaria para ligar peças de madeira. Apresentava-se comercialmente no estado sólido, sob a forma de barras, que visando a sua utilização tinham de ser fracturadas e imersas em água fria durante cerca de seis horas para amolecer. A grude era depois aquecida em banho-maria até derreter completamente e poder ser utilizada. Para além da sua utilização como cola, a grude foi ainda utilizada como ligante de pigmentos minerais. Sabina da Conceição, Liberdade da Conceição e José Moreira foram os últimos barristas a utilizar a grude como ligante, de acordo com os cânones tradicionais seguidos por Ana das Peles e Mariano da Conceição. Fizeram-no até à década de 70 do séc. XX e deixaram de a usar, já que a sua utilização não era prática. Esta exigia que uma pequena porção de cada pigmento fosse vertida numa tigelinha de barro, à qual era igualmente adicionada grude derretida, sendo depois a mistura homogeneizada, mexendo-a com uma pequena bola de barro cozido que tinha cravado como cabo, um pedaço de arame. Com o arrefecimento, a grude solidificava, pelo que havia necessidade de com frequência aquecer as tigelinhas num fogareiro a carvão e homogeneizar a mistura, a fim de poder ser utilizada na pintura do barro. Para além disso, a grude apresentava outro inconveniente que era apodrecer e começar a cheirar mal. - TINTAS DE ÁGUA DE COLA - Com o abandono da grude, houve barristas que começaram a utilizar água de cola branca de madeira como ligante dos pigmentos, por permitir uma utilização mais cómoda. - TINTAS DE ÁGUA – Alguns barristas usam actualmente tintas de água, caracterizadas pela presença de um ligante solúvel na água. Inicialmente estas tintas usavam como aglutinantes, substâncias como amido, caseinatos, dextrinas, gelatina, gomas, etc. Tratavam-se de tintas inferiores sob um ponto de vista de protecção do suporte. Actualmente, este tipo de tintas utiliza como ligante uma dispersão de resinas, que as torna mais resistentes aos agentes atmosféricos.
Pigmentos:
Os pigmentos são corantes, que no caso dos Bonecos são, em geral, pigmentos inorgânicos obtidos a partir da trituração e pulverização de minerais, seguida de purificação ou tratamento industrial. Os pigmentos absorvem selectivamente a luz que neles incide, pelo que a luz reflectida é que determina a cor do objecto. Os pigmentos têm que reunir determinadas características: - Insolubilidade na água; - Facilidade de mistura com os líquidos que lhes servem de veículo; - Opacidade, ou seja capacidade de revestir as superfícies com a menor quantidade possível de pigmento; - Inalterabilidade à acção da luz, do ar, do calor e da humidade; - Secagem rápida. Como exemplos de pigmentos de utilização mais corrente, destaco: - CASTANHO: Terra de Siena crua (mistura de óxido de ferro hidratado, sílica, alumina e dióxido de manganês), terra de Siena queimada (resultante da calcinação da Terra de Siena crua); - VERMELHO: Almagre (ocre vermelho - argila corada pelo sesquióxido de ferro anidro), vermelhão (sulfureto de mercúrio II), zarcão (tetróxido de chumbo); - AMARELO: Litargírio (óxido de zinco), ocre amarelo (argila corada pelo sesquióxido de ferro hidratado), amarelo de crómio (cromato de chumbo), cromato de zinco; - VERDE: Verde de crómio (sesquióxido de crómio), verde de cobre (hidróxicarbonato de cobre), verde de zinco, verde inglês (mistura de cromato de chumbo e ferrocianeto ferroso), verde de cobalto (mistura de óxido de zinco e de óxido de cobalto); - AZUL: Azul do Ultramar (obtido da rocha lápis-lázuli), azul da Prússia (ferrocianeto férrico), azul de cobalto (aluminato de cobalto II); - BRANCO: Alvaiade (Óxido de zinco), dióxido de titânio, carbonato de chumbo, sulfato de bário, sulfato de chumbo; - PRETO: Preto de Marte (óxido de ferro II), preto de manganês (dióxido de manganês), pó de sapato (pigmento resultante da combustão de resinas queimadas). Os locais onde se podiam comprar pigmentos minerais em Estremoz, nos anos 80 do séc. XX, eram os seguintes: Mendes, Meira & Niza, Lda (Largo dos Combatentes da Grande Guerra, 13 e 14), Drogaria Loução (Largo General Graça, 49) e Drogaria Lélé (Largo da República, 38). Esta era, sem dúvida, a casa que tinha maior variedade de pigmentos, opinião partilhada pelo pintor Armando Alves. Actualmente, a aquisição de tais pigmentos pode ainda ser feita na firma Merino e Sadio (Rua 1º de Dezembro, 27).

(*) - CHAVES, Luis. Arte popular do Alentejo - Etnografia Artística - Os barristas de Estremoz, a oficina e a técnica in Portucale – Revista Ilustrada de Cultura Literária, Scientífica e Artística, VI. Porto, 1933 (pág. 186 a 189). 

BIBLIOGRAFIA
MATOS, Hernâni. Bonecos de Estremoz. Edições Afrontamento. Estremoz / Póvoa de Varzim, Outubro de 2018 (pág. 51 a 53).

terça-feira, 21 de julho de 2020

Acerca de Senhoras de pezinhos


Oficinas de Estremoz (Finais do séc. XIX-Princípios do séc. XX). Colecção Armando Alves.

Dedicatória
O presente texto é dedicado a todos os barristas que frequentaram o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que em 2019 teve lugar nesta cidade, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. Tem por finalidade dar-lhes uma visão polifacetada duma figura que modelaram durante o Curso.
A sua publicação foi antecedida duma consulta ao barrista Jorge Conceição, Professor do Curso, visando a emissão de um parecer sobre o mesmo, não se desse o caso de inadvertidamente estar a defender pontos de vista contrários ao que foram ensinados no Curso.
O Professor Jorge Conceição emitiu um parecer, no qual após várias considerações, termina dizendo: Em resumo, acho o seu texto muito completo e uma mais-valia para todos os barristas terem como referência, quer os novos quer os antigos e não vai em nada contra o que ensinámos no curso. Acho igualmente que mesmo que alguma das características que refere não tenha sido aplicada em peças antigas, tudo o que descreve é parte dessa época e poderá perfeitamente ser usado na recriação de peças que se façam agora. 
Uma figura da tradição
Existe na barrística popular de Estremoz, uma figura singular conhecida por “Senhora de pezinhos” que tem como atributos, prescindir de base (ser assente nos pezinhos e no vestido/saia) e ter ambas as mãos assentes frontalmente nas pernas e abaixo da anca. Tais factos condicionam fortemente a modelação da figura, mas não impediram que desde há mais de 100 anos, os nossos barristas interpretassem esta figura das maneiras mais diversas. Vejamos como.
O vestuário tanto pode ser um vestido como uma saia-casaco. Em qualquer dos casos, os pormenores do vestuário foram sendo tratados de diferentes maneiras, cada vez mais elaboradas. A abertura do peito do vestido e a respectiva abotoadura, os punhos, as abotoaduras das mangas e a orla inferior, começaram por ser pintados numa cor marcadamente contrastante com a cor do vestido. Porém, os barristas começaram em dado momento a conferir volumetria a esses componentes do vestido, que passam de pintados a modelados, ainda que tal não se tenha verificado simultaneamente com todos os componentes, nem todos os barristas o tenham feito ao mesmo tempo.
É possível recuperar a figura da Senhora de pezinhos, reinterpretando-a através dos seus componentes, o que é possível concretizar de inúmeras maneiras.
Forma do vestido
A forma tronco-cónica da parte inferior do vestido, poderá ter maior ou menor inclinação em relação à horizontal. Em alternativa, poderá ser armada em forma de balão.
Fecho do vestido
O vestido poderá ser fechado à frente e abrir atrás, apresentando aqui uma abotoadura vertical.
Poderá igualmente abrir à frente e apresentar aqui a abotoadura vertical.
O vestido pode ser fechado até acima e poderá ter ou não gola ou coloarinho, os quais apresentarão abotoadura.
Poderá alternativamente apresentar decote de tamanho variável e de forma variável (circular ou quadrada).
Os ombros poderão ou não estar a descoberto.
Manga
O vestido poderá ter manga comprida com punhos, com ou sem abotoadura. Poderá ter manga curta, a qual poderá ser em balão. Poderá não ter manga por ter alças ou ser um cai cai.
Superfície do vestido
A superfície do vestido poderá ser lisa, plissada, apresentar folhos ou pode ser decorada com aquilo que configure renda ou aplicações em feltro.
Cor do vestido
Depois há a questão da cor do vestido, que pode ser liso ou configurar tecido estampado com padrões diversos. Também há diferentes opções de escolha de cor para os componentes do vestido.
As cores são sempre muito importantes. O simbolismo das cores e dos elementos usados no padrão da roupa, são de ter em conta. As cores devem ligar umas com as outras e ser contrastantes para diferenciar os diferentes componentes da figura. A partir delas pode-se caracterizar a figura e dar-lhe alma. Só vida é que não.
Cintura
A cintura do vestido pode ser na posição normal ou situar-se logo abaixo do busto (Período Império: 1804-1813). Com a cintura na posição normal é possível cingir a cintura com uma fita atada atrás em forma de laço. A cintura pode igualmente ser cingida por um cinto com uma vistosa abotoadura ou fivela à frente ou atrás.
Cabeça da figura
A cabeça da Senhora pode surgir com o cabelo a descoberto, ornamentado ou não por uma canoa ou por uma ou mais flores. Mas a cabeça também pode figurar coberta com um chapéu de configuração e cor variáveis, ornamentado por flores, folhas secas, plumas ou laços, em número, cor e disposição variável.
Mãos
Apesar das mãos da figura estarem sempre na mesma posição, é possível associar-lhe adereços tais como: luvas, leque, malinha de mão, lenço, bouquet de flores e sombrinha.
As luvas compridas ficam bem se o vestido tiver manga curta ou for um vestido cai cai. Penso que no caso da modelação incluir uma sombrinha, esta deverá ter o cabo apoiado num dos pulsos e a sombrinha parcialmente embutida no vestido e apoiada no sapato ou no ar, mas nunca tocando no chão. Só assim não se violará o "dogma" do assentamento da Senhora se verificar apenas nos pezinhos e na parte de trás da saia.
Jóias
Se o vestido for decotado, fica bem uma jóia ao pescoço. Se o vestido não tiver mangas, fica bem uma pulseira no pulso.
A terminar
O presente texto corresponde a uma reflexão profunda da minha parte e simultaneamente procura rasgar horizontes aos novos barristas, dando-lhes conta que todos os que os antecederam procuraram sempre inovar e o fizeram. Lá diz o rifão “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Por isso é legítimo que os novos barristas também o façam. Se assim não fosse, se cada barrista não introduzisse marcas identitárias muito próprias, a barrística de Estremoz estaria morta. Tal não acontecerá se os barristas no seu todo continuarem a recusar-se integrar como que uma linha de montagem que se limita a reproduzir figuras que lhes são pré-existentes. É necessário que as reinterpretem a seu modo e simultaneamente modelem novas figuras. Alguns dirão que “Não é ao modo de Estremoz”. Não se preocupem, a barrística de Estremoz sempre teve os seus “velhos do Restelo” e decerto continuará a ter. Se Vasco da Gama se tivesse deixado atemorizar pelas profecias do velho do Restelo, nunca teria descoberto o Caminho Marítimo para a Índia. Em caso de dúvidas, consultem quem vos ensinou. Esse é o melhor caminho.  
Termino, formulando sinceros votos de que o presente texto seja da máxima utilidade aos novos barristas. Se assim for, isso será para mim bastante gratificante.

Oficinas de Estremoz (Finais do séc. XIX-Princípios do séc. XX). Colecção Armando Alves. 

Oficinas de Estremoz (Finais do séc. XIX-Princípios do séc. XX). Colecção Armando Alves. 

Ana das Peles (1869-1945). Colecção do autor. 

 Mariano da Conceição (1903-1959). Museu Rural de Estremoz.

Liberdade da Conceição (1913-1990). Colecção Jorge da Conceição. 

 Sabina da Conceição (1921-2005). Colecção do autor. 

José Moreira (1926-1991). Colecção do autor. 

Maria Luísa da Conceição (1934-2015). Colecção Jorge da Conceição.


Irmãs Flores (1957, 1958 -  ). Cortesia das autoras.

Irmãs Flores (1957, 1958 -  ). Cortesia das autoras.

Irmãs Flores (1957, 1958 -  ). Colecção do autor.

Ana Grilo (1974, -  ). Colecção do autor.

Luísa Batalha (1959, -  ). Colecção do autor.

Madalena Bilro (1959, -  ). Colecção do autor.

sábado, 18 de julho de 2020

Inocência Lopes e o dois em um


Santo António: dois em um (2020). Inocência Lopes (1973-   ). Colecção Miguel Infante.

Eu e os Bonecos
Os Bonecos de Estremoz estão-me na massa do sangue, fazem parte de mim próprio e ocupam uma parte importante da minha vida. Nela procuro aprofundar o conhecimento da sua História e simultaneamente conhecer as novas criações dos barristas.
Peanha para quê?
A recente visita à página do Facebook da barrista Inocência Lopes, revelou-me a criação recente de uma imagem de Santo António que viria a ser objecto do presente escrito.
Trata-se de uma peça muito bem modelada e decorada. Nela o Santo é figurado com o habitual hábito franciscano, com o Menino Jesus ao colo e revelando os restantes atributos. Porém e ao contrário do que é habitual, a figura não assenta numa peanha de duvidoso gosto barroco, que alguns barristas teimam em usar. Trata-se a meu ver de um “apêndice” que carece de sentido, a menos que se esteja a fazer a réplica de um exemplar mais ou menos barroco. É que a Arte não parou no Barroco, mas evoluiu.
Santo António na qualidade de Santo mais popular de todo o mundo, não merece que o amarrem a uma peanha como se fosse um castigo. Merece, isso sim, ser objecto de representações que nos digam mais da sua Vida e da sua Obra. Foi o que fez Inocência Lopes ao prescindir da faustosa e estéril peanha. Em seu lugar usou uma alegoria ao Sermão de Santo António aos peixes.
Mudança de paradigma
A nova figuração de Santo António efectuada por Inocência Lopes, introduziu uma mudança de paradigma na barrística popular de Estremoz. Atrevo-me a dar-lhe um nome: “Santo António, dois em um”. Aproveito simultaneamente para felicitar a barrista pela originalidade da sua criação. Depois de nos prendar com “Infortúnio de Santo António” e “Amor é cego, negro” lega-nos agora mais esta bela criação. Se por um lado reforça o seu prestígio como barrista, por outro lado confirma a sua capacidade de inovar, que aqui se regista e aplaude.