Herdade das Carvalhas na estrada da Glória (Estremoz).
A
identidade cultural alentejana
O Alentejo tem marcas
identitárias que o distinguem de qualquer outra região do país. São elas: a paisagem, o
carácter do povo alentejano, a casa tradicional, o traje popular, os produtos
regionais (ervas medicinais, azeites, vinhos, queijos, enchidos), a
gastronomia, a arte popular, a tradição oral (adagiário, lendas, adivinhas,
lengalengas, gíria popular, alcunhas, cancioneiro), o folclore (cante e saias),
os jogos populares, os usos e costumes, etc.
Estas marcas
identitárias conferem uma imagem de marca ao Alentejo, da qual muito justamente
se orgulham e com a qual se identificam os alentejanos, tanto naturais como
adoptivos. É o somatório desses timbres e da oferta turística, que é gerador de
fluxos visitadores que muito contribuem para a economia
regional. Daí ser preciso, imperioso e urgente que cada um de nós tenha
consciência dessa identidade cultural e lute pela sua preservação, valorização
e aprofundamento. Essa a razão da presente crónica.
A subversão das marcas identitárias
Quem transita pela
estrada da Glória, ao chegar à Herdade das Carvalhas, fica atónito com a
mudança de visual. A começar pela nova designação, que depois de travestida
passou a ser a da marca “Quinta do Carmo”. Depois, ressalta à vista, a
plantação de palmeiras de estaca, junto ao muro que bordeja a estrada. E por
fim, blocos de mármore, pintados com cores variegadas e empilhados uns sobre os
outros, formando conjuntos de altura variável. Que farão ali naquele cais? Será
que aguardam a chegada de camiões de carga que os transportem ao Carnaval de
Cascais? Não creio.
Não sou arquitecto
paisagista, mas como regionalista convicto e esclarecido, julgo ser legítimo
concluir que estamos perante um exemplo manifesto de lamentável “berardização”
da paisagem rural. Aos que possam desconhecer a semântica de tal conceito,
direi em bom e puro alentejano que consiste em “albardar o burro à vontade do
dono”, manifestando um desprezo olímpico pelos usos e costumes locais, consignados
pela tradição.
Dir-me-ão alguns que por
ali não há burros e não me custa admitir que assim seja. Já quanto a camelos
não estou tão certo, uma vez que é uma associação inescapável a que sou
conduzido pela presença intrusa das palmeiras.
A prima Hifigénia,
mulher de virtudes e com dotes de pitonisa era capaz de agourar:
- Para a imagem de califado ser ainda mais forte, só ali faltam tendas
com beduínos a fumar narguilé, já que camelos não devem faltar.
Todavia e com grande
mágoa minha, a prima já não pertence ao reino dos vivos. Contudo, o registo
memorial das suas sábias alocuções, permanece perene nos nossos espíritos.
Hernâni Matos
(Texto publicado no jornal E nº 192, de 25-01-2018)
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