Oficinas de Estremoz (Finais do séc. XIX-Princípios do séc. XX). Colecção Armando Alves.
Dedicatória
O presente texto é dedicado a todos os barristas
que frequentaram o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de
Estremoz, que em 2019 teve lugar nesta cidade, no Palácio dos Marqueses de
Praia e Monforte. Tem por finalidade dar-lhes uma visão polifacetada duma figura
que modelaram durante o Curso.
A sua publicação foi antecedida duma consulta ao barrista
Jorge Conceição, Professor do Curso, visando a emissão de um parecer sobre o
mesmo, não se desse o caso de inadvertidamente estar a defender pontos de vista
contrários ao que foram ensinados no Curso.
O Professor Jorge Conceição emitiu um parecer, no
qual após várias considerações, termina dizendo: Em resumo, acho o seu texto muito completo e uma mais-valia para todos
os barristas terem como referência, quer os novos quer os antigos e não vai em
nada contra o que ensinámos no curso. Acho igualmente que mesmo que alguma das
características que refere não tenha sido aplicada em peças antigas, tudo o que
descreve é parte dessa época e poderá perfeitamente ser usado na recriação de
peças que se façam agora.
Uma figura da tradição
Existe na barrística popular de Estremoz, uma
figura singular conhecida por “Senhora de pezinhos” que tem como atributos,
prescindir de base (ser assente nos pezinhos e no vestido/saia) e ter ambas as mãos
assentes frontalmente nas pernas e abaixo da anca. Tais factos condicionam
fortemente a modelação da figura, mas não impediram que desde há mais de 100
anos, os nossos barristas interpretassem esta figura das maneiras mais
diversas. Vejamos como.
O vestuário tanto pode ser um vestido como uma
saia-casaco. Em qualquer dos casos, os pormenores do vestuário foram sendo
tratados de diferentes maneiras, cada vez mais elaboradas. A abertura do peito
do vestido e a respectiva abotoadura, os punhos, as abotoaduras das mangas e a
orla inferior, começaram por ser pintados numa cor marcadamente contrastante
com a cor do vestido. Porém, os barristas começaram em dado momento a conferir
volumetria a esses componentes do vestido, que passam de pintados a modelados,
ainda que tal não se tenha verificado simultaneamente com todos os componentes,
nem todos os barristas o tenham feito ao mesmo tempo.
É possível recuperar a figura da Senhora de pezinhos,
reinterpretando-a através dos seus componentes, o que é possível concretizar de
inúmeras maneiras.
Forma do vestido
A forma tronco-cónica da parte inferior do vestido,
poderá ter maior ou menor inclinação em relação à horizontal. Em alternativa, poderá
ser armada em forma de balão.
Fecho do vestido
O vestido poderá ser fechado à frente e abrir
atrás, apresentando aqui uma abotoadura vertical.
Poderá igualmente abrir à frente e apresentar aqui
a abotoadura vertical.
O vestido pode ser fechado até acima e poderá ter
ou não gola ou coloarinho, os quais apresentarão abotoadura.
Poderá alternativamente apresentar decote de
tamanho variável e de forma variável (circular ou quadrada).
Os ombros poderão ou não estar a descoberto.
Manga
O vestido poderá ter manga comprida com punhos, com
ou sem abotoadura. Poderá ter manga curta, a qual poderá ser em balão. Poderá
não ter manga por ter alças ou ser um cai cai.
Superfície do vestido
A superfície do vestido poderá ser lisa, plissada,
apresentar folhos ou pode ser decorada com aquilo que configure renda ou
aplicações em feltro.
Cor do vestido
Depois há a questão da cor do vestido, que pode ser
liso ou configurar tecido estampado com padrões diversos. Também há diferentes
opções de escolha de cor para os componentes do vestido.
As cores são sempre muito importantes. O simbolismo
das cores e dos elementos usados no padrão da roupa, são de ter em conta. As
cores devem ligar umas com as outras e ser contrastantes para diferenciar os
diferentes componentes da figura. A partir delas pode-se caracterizar a figura
e dar-lhe alma. Só vida é que não.
Cintura
A cintura do vestido pode ser na posição normal ou
situar-se logo abaixo do busto (Período Império: 1804-1813). Com a cintura na
posição normal é possível cingir a cintura com uma fita atada atrás em forma de
laço. A cintura pode igualmente ser cingida por um cinto com uma vistosa abotoadura
ou fivela à frente ou atrás.
Cabeça da figura
A cabeça da Senhora pode surgir com o cabelo a
descoberto, ornamentado ou não por uma canoa ou por uma ou mais flores. Mas a
cabeça também pode figurar coberta com um chapéu de configuração e cor
variáveis, ornamentado por flores, folhas secas, plumas ou laços, em número,
cor e disposição variável.
Mãos
Apesar das mãos da figura estarem sempre na mesma
posição, é possível associar-lhe adereços tais como: luvas, leque, malinha de mão,
lenço, bouquet de flores e sombrinha.
As luvas compridas ficam bem se o vestido tiver
manga curta ou for um vestido cai cai. Penso que no caso da modelação incluir
uma sombrinha, esta deverá ter o cabo apoiado num dos pulsos e a sombrinha
parcialmente embutida no vestido e apoiada no sapato ou no ar, mas nunca
tocando no chão. Só assim não se violará o "dogma" do assentamento da
Senhora se verificar apenas nos pezinhos e na parte de trás da saia.
Jóias
Se o vestido for decotado, fica bem uma jóia ao
pescoço. Se o vestido não tiver mangas, fica bem uma pulseira no pulso.
A terminar
O presente texto corresponde a uma reflexão
profunda da minha parte e simultaneamente procura rasgar horizontes aos novos
barristas, dando-lhes conta que todos os que os antecederam procuraram sempre inovar
e o fizeram. Lá diz o rifão “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Por isso é
legítimo que os novos barristas também o façam. Se assim não fosse, se cada barrista
não introduzisse marcas identitárias muito próprias, a barrística de Estremoz
estaria morta. Tal não acontecerá se os barristas no seu todo continuarem a recusar-se
integrar como que uma linha de montagem que se limita a reproduzir figuras que lhes
são pré-existentes. É necessário que as reinterpretem a seu modo e simultaneamente
modelem novas figuras. Alguns dirão que “Não é ao modo de Estremoz”. Não se
preocupem, a barrística de Estremoz sempre teve os seus “velhos do Restelo” e
decerto continuará a ter. Se Vasco da Gama se tivesse deixado atemorizar pelas
profecias do velho do Restelo, nunca teria descoberto o Caminho Marítimo para a
Índia. Em caso de dúvidas, consultem quem vos ensinou. Esse é o melhor caminho.
Termino, formulando sinceros votos de que o
presente texto seja da máxima utilidade aos novos barristas. Se assim for, isso
será para mim bastante gratificante.
Oficinas de Estremoz (Finais do séc. XIX-Princípios do séc. XX). Colecção Armando Alves.
Oficinas de Estremoz (Finais do séc. XIX-Princípios do séc. XX). Colecção Armando Alves.
Ana das Peles (1869-1945). Colecção do autor.
Mariano da Conceição (1903-1959). Museu Rural de Estremoz.
Liberdade da Conceição (1913-1990). Colecção Jorge da Conceição.
Sabina da Conceição (1921-2005). Colecção do autor.
José Moreira (1926-1991). Colecção do autor.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015). Colecção Jorge da Conceição.
Irmãs Flores (1957, 1958 - ). Cortesia das autoras.
Irmãs Flores (1957, 1958 - ). Cortesia das autoras.
Irmãs Flores (1957, 1958 - ). Colecção do autor.
Ana Grilo (1974, - ). Colecção do autor.
Luísa Batalha (1959, - ). Colecção do autor.
Madalena Bilro (1959, - ). Colecção do autor.
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