O autor durante a sua infância, fotografado por seu
pai no Jardim, olhando em direcção ao Palácio
Tocha. Fotografia tirada para
memória futura, que está agora a cumprir o seu papel.
O Palácio Tocha, situado no Largo D. José I, em Estremoz, foi palco de estórias de infância e de juventude, que povoam a minha memória.
Primeira estória
A primeira estória é uma quase-estória, o que quer
dizer que quase não tinha estória para contar. Todavia, passo a contá-la:
Na minha infância, traquinava no jardim, frente ao Palácio
e aí o meu pai tirou fotografias para memória futura.
Aquele edifício, mais alto que todos os outros e
com um aspecto imponente, despertava a minha atenção. Porém, naquela altura, eu
não lhe ligava importância alguma. Eu estava ali, era para a brincadeira.
Segunda
estória
Está relatada na crónica “Dia das mentiras” que
integra o meu livro “MEMÓRIAS DO TEMPO DA OUTRA SENHORA/ESTREMOZ-ALENTEJO”,
dada à estampa pela Colibri, em 2012.
Como é sabido, o dia 1 de Abril é conhecido por
“Dia das mentiras” e é um dia em que por tradição se pregam partidas aos
outros. Por ingenuidade, na minha infância fui vítima de brincadeiras do 1º de
Abril. Uma delas aconteceu quando com 10 anos de idade, frequentava o 1º ano do
Liceu no Colégio de São Joaquim, que funcionava no Palácio Reynolds, mesmo em
frente ao Palácio Tocha. No primeiro piso do nº 100A, funcionava a Difarsul,
distribuidora de produtos farmacêuticos e químicos. Vejamos o que relato no
livro:
No início dum intervalo, um aluno do 5º ano,
disse-me assim:
- Enquanto eu
aproveito o intervalo para fumar um cigarro, preciso que vás ali à Difarsul e
me compres cinco tostões de electricidade em pó, pois como sabes sou interno no
Colégio e tenho uma avaria na electricidade lá do quarto. Toma lá o dinheiro e
não te demores pá, para chegares antes do toque da sineta para a entrada, senão
ainda tens falta.
Eu, porque me dava bem com ele, dispus-me sem
hesitações a ser prestável e a ir fazer o avio, até porque a Difarsul, vendedora
de produtos químicos, ficava a 100 metros dali. Chegado lá, disse ao que ia,
enquanto punha a moeda para pagamento em cima do balcão.
Resposta do funcionário:
- Oh rapaz,
guarda o dinheiro e diz a quem te mandou cá que tenha juízo! Fica a saber que
electricidade, só por fios. Sabes uma coisa? Caíste numa brincadeira do 1º de
Abril.
Cabisbaixo, voltei a correr para o Colégio para não
chegar atrasado às aulas. Chegado ao pátio, disse ao colega mais velho:
- É pá, tu
enganaste-me! Pregaste-me uma partida, mas toma lá a moeda que é tua.
Ele deu-me uma palmada no ombro e respondeu-me:
- Pois
preguei, que é para ver se espertas!
Ficámos amigos à mesma e eu tomei aquela partida
como advertência. A partir daí tornou-se difícil pregar-me partidas no 1º de
Abril.
Mais tarde, nos anos setenta do século passado e já
professor na Escola Industrial e Comercial de Estremoz, ia à Difarsul na
qualidade de Director do Laboratório de Química da Escola, tratar da aquisição
de reagentes que estavam em
falta. Foi nesta época que comecei a admirar os azulejos que
ornamentam o Palácio Tocha e são uma das pedras de toque do edifício.
Terceira
estória
Tem a ver com as minhas idas ao dentista no decurso
da juventude. Onde hoje é o número 100 do Largo de D. José I, situava-se o
consultório de dentista do Dr. Vieira da Luz, um homem que apesar de afável, me
punha os cabelos em pé, sempre que tinha de lá ir. Apesar de reconhecer a
importância da sua missão, o desconforto da minha ida ali, ainda perdura na
minha memória.
Em primeiro lugar, o cheiro a desinfectante, que logo
à entrada me invadia as narinas. Depois, o ter de me sentar na cadeira que iria
ser de tortura. Ao fazê-lo, o meu coração disparava como um cavalo louco. Seguidamente,
era a injecção nas gengivas, o brocar ou a separação da gengiva do dente, a que se seguia a utilização de um
fórcep para arrancar o dente e, eventualmente, a utilização de uma alavanca. No
fim, o bochechar da boca com um desinfectante, cujo sabor me leva a exclui-lo
da minha lista de líquidos recomendáveis. E quando as coisas davam para o
torto, lá vinham as pontas de fogo para cauterizar as gengivas. Para além da
dor que me causavam, ainda me lembro do cheiro a carne queimada, algo de
semelhante a cheiro de pombos musgados, para eliminar o resto da penugem.
Eram um suplício, as minhas
idas ao dentista no número 100 do Palácio Tocha. Daí que mentalmente tenham
sobrevivido como registo forte da minha passagem por ali.
Quarta
estória
Quando em 1972, comecei a leccionar na Escola
Industrial e Comercial de Estremoz, o meio de transporte utilizado para me
deslocar de casa para o trabalho, era a bicicleta a pedais.
Nos finais da década de setenta, achei conveniente
passar a andar de automóvel e lá comprei um dois cavalos, pago aos bochechos.
Depois de conduzir um ano sem carta, lá me dispus a
ir tirar a carta de condução, para o que me dirigi à Escola de Condução
Estremocense, então propriedade do senhor Ramalhinho e instalada no primeiro
piso do número 100A do Palácio Tocha. A Escola era um luxo com as paredes
decoradas a azulejos, que eram um regalo para a vista.
Por artes mágicas, lá consegui convencer o
instrutor a levar-ma a exame de condução com um número mínimo de aulas de
código, de que eu não gostava mesmo nada. O que é pior é que eu não estudava
patavina em casa, convencido que por as provas serem de resposta múltipla,
seria capaz de deslindar a resposta certa. Pois estava redondamente enganado e
foi assim que para gáudio dos meus alunos, chumbei duas vezes no exame de
código. Foi uma risada geral nas aulas a seguir aos meus chumbos. Alguns alunos
disseram-me coisas do tipo:
- O professor
diz que a gente não estuda nada e faz exactamente o mesmo. Por isso chumbou.
Respondi então:
- É o que vos
vai acontecer a vocês, se continuarem sem estudar.
E as coisas ficaram por ali. O pior ainda estava
para vir. O instrutor de condução, senhor Ramalhinho, foi peremptório:
- Professor:
fique sabendo que só o levo novamente a exame, depois de assistir a todas as
aulas de código.
E que remédio tive eu, senão fazer o que ele me
dizia. Com estoicismo lá assisti a todas as aulas de código e ele lá me levou a
exame. Desta vez, passei no exame de código e os meus alunos tiveram de guardar
o riso, convencidos que teriam oportunidade de fazer uso dele, quando fosse o
exame de condução. Mas enganaram-se nas previsões, pois passei logo à primeira.
Pudera, eu tinha prática de conduzir há um ano sem carta, o que sendo proibido
era uma vantagem. Poupei bastante com as aulas de condução. Já o mesmo não
posso dizer das aulas de código.
Sala de aulas da extinta
Escola de Condução Estremocense.
Imagem recolhida no Sistema
de Referência e Indexação do Azulejo.
Obrigada pela partilha das suas saborosíssimas memórias ! Ainda bem que as temos, na nossa idade, pois muitos já nada conseguem lembrar!
ResponderEliminarTenho consigo a paixão imensa pelos azulejos e muito me apraz ver a dedicação com que deles fala e como os mostra a todos nós!
Obrigada por isso!
Um abraço
mf/.
Fernanda:
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Um abraço para si, também.
Já tinha lido há alguns dias. Voltei a ler. Este é um dos muitos condenados. Acho que temos todos o mesmo fim. Só que aos humanos não é possível valer Aos MONUMENTOS, são os homens, que não acodem.
ResponderEliminarÉ verdade, Albertina.
EliminarObrigado pelo seu comentário.