quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Mariano da Conceição (1903-1959)


Mariano Augusto da Conceição - o Alfacinha (1903-1959)

O que de essencial escrevi sobre Mariano da Conceição, pode ser lido aqui:
Mariano da Conceição partiu há 60 anos
  
De 12 de Outubro a 30 de Novembro de 1019,
estará patente ao público no
Museu Municipal de Estremoz,
a exposição
 BONECOS DE ESTREMOZ DE MESTRE MARIANO DA CONCEIÇÃO

Estremoz, 10 de Outubro de 2019

Poesia Portuguesa - 094




VÍRGULA
ANTÓNIO MARIA LISBOA (1928-1953)


Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.

A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.

Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida.
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como o frágil véu que nos separa vedados e proibidos.

ANTÓNIO MARIA LISBOA (1928-1953)

Hernâni Matos


Homenagem a António Maria Lisboa (1997). Carlos Calvet (1928-2014). Serigrafia
a 30 cores sobre papel fabriano [58x38 cm (Dimensão da Mancha), 70x50 (Dimen-
são do Suporte): 70x50 cm – Tiragem: 200 exemplares].

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Mariano da Conceição partiu há 60 anos


Mariano da Conceição (1903-1959) na sua oficina. Fotografia de Rogério de Carvalho
(1915-1988). Arquivo fotográfico do autor.



Foi há 60 anos que no fatídico dia 29 de Setembro de 1959, faleceu prematuramente o barrista Mariano Augusto da Conceição (1903-1959), o “Alfacinha”. Foi vítima de atropelamento por um cavalo no final de um Raid Hípico com meta no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz.
Mariano era filho primogénito do oleiro Narciso Augusto da Conceição e neto de Caetano Augusto da Conceição, fundador da Olaria Alfacinha. À data da sua morte era Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves. Aqui o director, escultor José Maria Sá Lemos (1892-1971), natural de Vila Nova de Gaia, atribuíra a si próprio a missão de recuperação da manufactura dos Bonecos de Estremoz, extinta desde 1921. A velha bonequeira Ana das Peles (1859-1945) foi o instrumento primordial dessa recuperação conseguida em 1935 e devido à sua avançada idade, impunha-se que houvesse continuadores. Dai que Sá Lemos tenha lançado um repto a Mariano da Conceição, o qual viria a ser o instrumento de continuidade dessa recuperação. De facto, Mariano aceitou de bom grado o desafio e teve êxito, passando a ter uma tripla actividade: Oleiro na Olaria Alfacinha, Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves e bonequeiro.
Mariano partiu mas legou-nos os seus Bonecos e graças à acção de continuadores não se extinguiu a tradição da manufactura de Bonecos de Estremoz, cuja origem remonta pelo menos ao séc. XVII.
Da plêiade de continuadores de Mariano, sobressai o chamado clã dos alfacinhas: a irmã Sabina da Conceição (1921-2005), a mulher Liberdade da Conceição (1913-1990), a filha Maria Luísa da Conceição (1934-2015) e o neto Jorge da Conceição (1963- ).
A transmissão de saberes ao longo de gerações em meio familiar e em contexto oficinal, bem como a singularidade do modo de produção, fez com que em 2017, a manufactura de Bonecos de Estremoz fosse inscrita pela UNESCO na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Estremoz, 19 de Setembro de 2019
(Jornal E nº 231, de 17-10-2019)


Sá Lemos (1892-1971) trocando impressões com ti Ana das Peles (1859-1945) numa
sala de aulas da Escola  Industrial António Augusto Gonçalves. Fotografia de Rogério
de Carvalho (1915-1988), publicada no semanário estremocense “Brados do  Alentejo”
nº 250, de 10 de Novembro de 1935. Arquivo fotográfico do autor.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

A visão multifacetada das coisas


Fig. 1 – Varredor de rua. Fotografia de Guy Le Querrec. Estremoz, 1967.

Prólogo
Alguns são historiadores. Uns são encartados e outros não. Eu sou simplesmente estoriador ou seja um contador de estórias ao jeito que já conhecem. São estórias de vida daqueles que me cercam. São também estórias de vida daqueles que já partiram, mas permanecem vivos no registo quântico da minha memória. São ainda estórias de vida que chegam até mim, através de imagens que observadores atentos captaram e fixaram para a posteridade. Cabe-me a mim, proceder à leitura dessas imagens. Em primeiro lugar daquilo que é óbvio e salta à vista de todos. Tanto pode ser uma como várias estórias. Depois vem a leitura daquilo que não é evidente e apenas é visível para observadores mais atentos e minuciosos. Segue-se a leitura do lado oculto das imagens, o que já exige outros dons. Só no fim vem a lição, a mensagem ou o aviso que essas imagens transmitem.
Pausa no trabalho                                                    
A imagem que me chegou às mãos e que é objecto da presente crónica, é da autoria do fotógrafo francês Guy Le Querrec e foi obtida em 1967, em Estremoz, à saída do Largo da República para a Rua Brito Capelo. Terá sido fruto da conjugação de um raro sentido de oportunidade e de um elevado grau de consciência antropológica do seu autor.
O personagem central da fotografia é um varredor de rua, encostado à parede e que no decurso de uma pausa no trabalho se prepara para enrolar um cigarro. Fumava tabaco de onça, que seria o único permitido pelo seu magro salário. Creio que no fim não terá lançado a beata para o chão, por cuja limpeza era responsável. À sua frente, os instrumentos de trabalho de que se serve, o vasculho e um carro de mão com dois baldes com tampa, dum dos quais espreita o cabo de uma pá de apanhar o lixo.
Loja de Artesanato
A personagem secundária da fotografia, mas com importância para a presente crónica, é a montra da Loja de Artesanato Regional da Olaria Alfacinha, situada no n.º 30 do Largo da República. No recheio da montra figuram Bonecos de Estremoz e destaca-se uma peça de Olaria enfeitada, conhecida por “Candelabro enfeitado”. O chão e o passeio estão limpos, o rodapé da parede, em pó de sapato, é elevado. À esquerda a parede está descascada, indiciando salitre. De resto a alvura da parede está comprometida pelos cabos eléctricos ali estendidos pela EDP.
A Loja de Artesanato da Olaria Alfacinha foi encerrada em 1987, quando do trespasse da Olaria pelo casal Rui e Cristina Barradas, que foram proprietários da Olaria até ao seu encerramento definitivo em 1995.
Mas isso são tempos que já lá vão. Foi Luís de Camões que disse: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/ Muda-se o ser, muda-se a confiança; / Todo o Mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.”
Talho
A loja mudou de ramo. Ali já não se vendem recordações que têm a ver com a matriz identitária local e regional. Ali já não se vendem Primaveras, Peraltas, Senhoras de Pezinhios, Frades a cavalo e Matanças de porco. É que a Loja de Artesanato deu origem a um talho. Agora vende-se ali dobrada, segredos, morcelas, farinheiras, costeletas, bifes da vazia e hamburguers feitos na hora. E não é só isto, mas muito mais, já que à matança do porco se acrescentou a do borrego, da vitela, dos frangos e dos perus. Há carne de todos os feitios e paladares, à vontade do freguês.
A imagem do exterior do talho (Fig. 2) é da autoria do barrista Ricardo Fonseca e foi obtida na actualidade. A montra da Loja de Artesanato deu origem a uma janela com persianas e cuja função é iluminar o talho com luz natural. O rodapé, agora mais vivo, baixou de altura. A alvura da parede é agora maior, como maior é o número de cabos da EDP a profanar a parede. À esquerda da montra, uma caixa também da EDP e à direita um gradeamento que evita o estacionamento no local e impede que os peões sejam atropelados pelos automóveis que por ali transitam.                        
Recuperar a Olaria
A Olaria Alfacinha foi extinta em 1995 e a última Olaria existente, a Olaria Regional, acabou com a morte de Mestre Mário Lagartinho em 2016. Há 3 anos que se encontra extinta a Olaria em Estremoz. É um interregno que começa a doer, como doeu o interregno de 14 anos na manufactura de Bonecos, entre 1921 e 1935, até á revitalização promovida nos anos 30 do século passado, por Sá Lemos, Director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves. Como não tenho espírito sebastianista, não estou à espera de um novo Sá Lemos, que venha reactivar a extinta Olaria de Estremoz. Creio torna-se necessário gizar um plano para a sua recuperação e salvaguarda. Não basta a Olaria estar musealizada, é preciso que esteja viva.
A Olaria, filha bastarda da Barrística
A Barrística Popular Estremocense tem duas componentes: a manufactura de Bonecos e a Olaria. A primeira desde 2017 que integra a Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da humanidade.
Quanto à Olaria é uma arte popular tradicional mais antiga que os Bonecos e que na cidade se firmou desde tempos remotos e que por isso mesmo tem também a ver com a identidade cultural local e regional. Todavia, a Câmara há muito que virou a cara para o lado e assobia distraidamente, como se não fosse nada com ela. É caso para lhes perguntar:
- “Porque é que só se interessam pelos Bonecos?”
É claro que não vão responder, mas a resposta que ocorrerá, decerto, a muito boa gente é que:
- “Os Bonecos é que estão a dar!”
É caso para lhes perguntar:
- “E a Olaria não é gente?”
A meu ver, a recuperação da extinta Olaria tradicional de Estremoz é necessária,
inadiável e urgente, o que me incita a dar algumas recomendações à Câmara:
- “Metam o assobio no bolso. Arrepiem caminho. Abram os olhos, que ainda não chegou o tempo de os fechar.”
E acrescento:
“Já vos foi sugerido um caminho com viabilidade assegurada, visando aquela recuperação. Todavia, alguém que já não está aí, não quis. Decerto que há outros caminhos alternativos àquele que vos foi sugerido. Têm é de escolher um e percorrê-lo até ao fim. Não podem é enterrar a cabeça na areia como o avestruz.” 
Literatura de Tradição Oral
A literatura de tradição oral faz uma abordagem antropológica da figura do varredor. Assim, na GÍRIA POPULAR, o varredor é conhecido por “Almeida” e por “Escrivão de pena grande”. A nível de PROVÉRBIOS são conhecidos alguns: “Lixo é o que não presta”, “A vassoura nova é que varre bem” e “Se caiu no chão é para quem varrer a rua”. Quanto a SUPERSTIÇÕES são conhecidas estas: “Varrer os pés de uma pessoa faz com ela nunca se case” e “Varrer a casa ao meio-dia e deitar cisco fora é muito mau, porque se deita fora a fortuna”. No âmbito das LENGALENGAS é bem conhecida esta: “Varre, varre vassourinha / Varre, varre vassourinha / Varre bem esta casinha / Se varreres bem dou-te um vintém / Se varreres mal dou-te um real.” No domínio das ALCUNHAS ALENTEJANAS, “Varredor” é uma alcunha de origem profissional (Redondo), “Vassourinha” a designação aplicada a uma mulher que em criança era muito irrequieta (Arraiolos) e “Vassoura dos penicos” o cognome atribuído a uma mulher muito vaidosa (Redondo). No que respeita a TOPONÍMIA e apesar da importância social de que sempre se revestiu a actividade diária dos varredores, estes estão ausentes da toponímia nacional. Por outro lado, também não conheço qualquer referência ao varredor no CANCIONEIRO POPULAR. Todavia no álbum “Madrugada dos trapeiros” editado em 1977, o cantor Fausto termina a canção “O varredor”, dizendo: “Neste trabalho braçal / de tudo varre o varredor: / gato morto e um aborto semanal / o que nos falta em rigor, sim senhor, é varrer o capital.”
Epílogo
A realidade é multifacetada, pelo que variando a profundidade da observação há que sucessivamente perscrutar o óbvio, sondar o menos visível e penetrar no oculto. A realidade é também multidimensional no espaço e no tempo. Por isso, a análise de uma imagem tem que se lhe diga. Requer mais instrumentos que os ingredientes comportados pelo cozido à portuguesa. Pensem bem nisto e não se deixem arrastar pelo óbvio.
(Estremoz, 15 de Setembro de 2019)

Fig. 2 – Janela de talho. Fotografia de Ricardo Fonseca. Estremoz, 2019.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Bonecos de Estremoz: Ricardo Fonseca (1.ª parte)


Fig. 1 - Ricardo Fonseca (1986- ). Fotografia de 2018 da autoria de Luís Mendeiros.
Arquivo fotográfico do autor.

A extensão do texto e o considerável
número de ilustrações, aconselhou que
fosse dividido em duas partes,
 que serão publicadas sucessivamente.
Esta é a 1.ª parte.

LER AINDA

Ricardo Jorge Moreira Fonseca nasceu a 20 de Setembro de 1986 no Monte da Estrada, situado no lugar de Mártires, freguesia de Santa Maria do concelho de Estremoz. Filho legítimo de João Francisco Fonseca, de 26 anos, motorista, e de Maria José Ramalho Moreira Fonseca, de 30 anos, doméstica (1).
De 1998 a 2004, foi aluno da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. Aqui frequentou o 12º ano de escolaridade, cursando Artes e adquirindo saberes no âmbito da Pintura, da Escultura e da História de Arte (2).
Sobrinho de peixe sabe nadar. O seu tio Ilídio foi oleiro na Olaria Alfacinha, onde ainda trabalhava em 1983. As irmãs Flores, suas tias, são bonequeiras. A Maria Inácia desde 1972 e a Perpétua desde 1976. Não admira pois que se tenha sentido fascinado pela plasticidade do barro e pelas transmutações que ele permite já que, como diz o poeta António Simões: “Barro incerto do presente, / Vai moldar-te a mão do povo / Vai dar-te forma diferente, / Para que sejas barro novo.” Daí que Ricardo tenha começado a manusear o barro aí pelos catorze anos, fazendo a aprendizagem com as sua tias. Aos quinze anos já fazia pequenos presépios e algumas imagens que vendia aos turistas, assegurando assim a mesada para os seus gastos juvenis.
Ao sair da Escola, em 2005, começou a trabalhar (Fig. 1) com as tias na oficina-loja do Largo da República (Fig. 2). Foi então que a manufactura de Bonecos deixou de ser uma brincadeira e passou a ser o seu mester. A execução das figuras continuou, todavia, a ser feita com imenso prazer e igual paixão, pois como diz o adagiário “O trabalho é o mestre do ofício” e “O prazer no trabalho aperfeiçoa a obra”.
Trabalha muitas vezes por encomenda, o que é caso para dizer “A boa obra, se vai pedida, já vai comprada e bem vendida”. Confecciona espécimes dentro e fora do conjunto dos “Bonecos da Tradição”. Entre os modelos que registam maior procura figuram: “O Amor é Cego”, “Primavera”, “Rainha Santa Isabel” e “Presépios”. São de sua criação, figuras como “O professor”, “Fernando Pessoa”, “Cavaleiro Tauromáquico”, “Forcado”, “Rainha Santa Isabel alimentando um pobre”, “Santiago”, “Senhor dos Passos com Nossa Senhora” e “Paliteiros zoomórficos”.
A procura de coleccionadores leva-o a criar variantes de muitos exemplares, o que acontece sobretudo com “Presépios”, mas também com imagens como “Santo António”, “Nossa Senhora da Conceição” e “Rainha Santa Isabel”, o que se torna estimulante, sob um ponto de vista criativo. De resto e por auto-desafio vai criando peças cada vez mais complexas, sem abandonar porém os preceitos inerentes à manufactura dos Bonecos de Estremoz. É caso para dizer que: “Aprende por arte e irás por diante”.
De parceria com as tias tem executado exemplares como “Coreto Municipal”, “Presépio de Galinheiro” e “Jogador de bilhar”.
É sabido que cada barrista tem o seu próprio modo de observar o mundo que o cerca e de o interpretar, legando traços de identidade pessoal nas peças que manufactura e que são marcas indeléveis que permitem identificar o seu autor. Lá diz o adagiário: “As obras mostram quem cada um é” e “Pela obra se conhece o artesão”. No caso de Ricardo, o perfeccionismo está-lhe na massa do sangue, o que o leva a dedicar-se aos pormenores, não só na pintura, como na própria manufactura do rosto, das mãos, dos pés e dos enfeites que adornam as figuras.
Quanto às suas marcas de autor são múltiplas: - “RicardoFonseca” com ou sem data ou com data e “Estremoz”, manuscritas e com iniciais maiúsculas; - RF com ou sem data, pintado em cor variável, etc.
Ricardo tem participado em exposições colectivas, não só em Estremoz, como em Espanha e Itália, assim como em Feiras de Artesanato (FIAPE e a FATACIL), no stand das tias.
Ganhou o 1º Prémio no Concurso de Barrística “Rainha Santa Isabel”, promovido pelo Município de Estremoz no decurso da FIAPE 2011.
Se tivesse que se dedicar à manufactura de um único tipo de figuras, escolheria os Presépios, já que estes possibilitam um número ilimitado de cenários, o que é estimulante, sob um ponto de vista criativo.
Restaura também Bonecos de Estremoz e outras peças de cerâmica. Como gosta de artes plásticas em geral, ocasionalmente também desenha e pinta em casa.
Apesar de por opção própria trabalhar na oficina-loja das tias, Ricardo não é um aprendiz, é um barrista de corpo inteiro, que por ser deles o benjamim, tem nas suas mãos a pesada herança de assegurar o futuro dos Bonecos de Estremoz. Força, Ricardo! “Parar é morrer” e “Para a frente é que é caminho”.

BIBLIOGRAFIA
1 - Ricardo Jorge Moreira Fonseca - Assento de Nascimento Informatizado nº 256 de 2008, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
2 - Ricardo Jorge Moreira Fonseca – Processo Individual de aluno nº 11921, no Arquivo da Escola Industrial António Augusto Gonçalves e sucessoras.

Hernâni Matos


Fig. 2 - Irmãs Flores. Perpétua (1958- ) à esquerda e Maria Inácia (1957) à direita.
Fotografia de 2018 da autoria de Luís Mendeiros. Arquivo fotográfico do autor.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Bonecos de Estremoz: Mariano da Conceição (1.ª parte)


Fig. 1 - Mariano da Conceição na sua oficina em pose para o fotógrafo Rogério de
Carvalho (1915-1988).  À sua direita, o Presépio de trono ou altar projectado por
Sá  Lemos e por ele executado. Este vistoso presépio não esteve presente na
Exposição do Mundo Português em 1940, pelo que terá sido criado posteriormente,
mas em data anterior a Dezembro de 1947, já que nesta data, a fotografia aqui
apresentada aparece a ilustrar a capa da revista “Mensário das Casas do Povo”,
nº 18. Arquivo fotográfico do autor.


LER AINDA


Filho ilegítimo de Narciso Augusto da Conceição
No dia 24 de Setembro de 1912, na repartição do Registo Civil do concelho de Estremoz, sita no Rossio Marquês de Pombal da vila de Estremoz, perante António Luís da Cruz, ajudante de oficial do Registo Civil, no impedimento deste por motivo de saúde, compareceu Narciso Augusto da Conceição, solteiro, industrial, de 41 anos, natural da freguesia de Santo Antão de Évora e residente na freguesia de Santa Maria de Estremoz. Declarou que, no dia 26 de Janeiro de 1903, às 20 horas, nasceu na (nome da rua ilegível no Assento de Nascimento nº 305 de 1912 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz), freguesia de Santa Maria de Estremoz, um indivíduo de sexo masculino, que as testemunhas disseram ser filho ilegítimo do declarante, que agora o reconhece como seu filho para todos os efeitos legais. Pelas testemunhas foi dito que o rejeitando se iria chamar Mariano Augusto da Conceição. Foram testemunhas José Joaquim Correia, seleiro, solteiro, maior e Joaquim Hilário Cardoso Amante, casado, sapateiro, ambos residentes na vila de Estremoz (8).
Mariano era filho de oleiro pelo que viria a ser oleiro. Todavia, como iremos ver, não ficaria por aqui. Iria muito mais longe.
Casamento
A 8 de Novembro de 1931, Mariano Augusto da Conceição, de 28 anos, oleiro (Fig. 1, Fig. 5 e Fig. 6), natural da freguesia de Santa Maria de Estremoz e residente na Calçada da Frandina, nº 15 da mesma localidade, casou na Repartição do Registo Civil de Estremoz com Liberdade da Conceição Banha, de 18 anos, doméstica, filha legítima de José Ricardo Banha, corticeiro natural da mesma freguesia e de Agripina da Conceição Banha, doméstica, natural da freguesia de São Bartolomeu, em Vila Viçosa (11).
Mestre da Oficina de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves
A 3 de Dezembro de 1930, na secretaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves de Estremoz, perante o Director Luís Fernandes de Carvalho e Reis, tomou posse como Mestre provisório da oficina de olaria, Mariano Augusto da Conceição, nomeado por alvará desse dia, que afirmou por sua honra que cumpriria fielmente as funções do seu cargo, entrando logo no exercício das suas funções (5).
De 25 a 27 de Março de 1931 faz concurso de provas (Fig. 2 a Fig. 7) para Mestre da oficina de olaria e é classificado com 15,6 valores, conforme consta do seu registo biográfico. A 29 de Abril de 1931 passa à condição de contratado (10). A 23 de Março de 1936, na secretaria da Escola, perante o Director José Maria de Sá Lemos, tomou posse como Mestre efectivo da oficina de olaria, nomeado por portaria de 22 de Fevereiro, publicada no Diário do Governo, n°65 - 2ª série, de 19 de Março de 1936. 0 empossado afirmou por sua honra que cumpriria fielmente as funções do seu cargo, entrando logo no exercício das suas funções (5).
A morte do pai de Mariano da Conceição
O pai de Mariano, Narciso Augusto da Conceição, suicidou-se por enforcamento na Olaria Alfacinha, a 10 de Junho de 1933, com a idade de 61 anos (14).
Com a morte do pai, Mariano da Conceição, o primogénito (eram 5 irmãos: Mariano, Jerónimo, Diocleciano, Caetano e Sabina) passou a dirigir a olaria que entretanto se tinha transformado em sociedade na qual participavam todos os irmãos. Mariano trabalhava como oleiro na oficina e simultaneamente dava aulas na Escola (13).
Depois da morte da matriarca Leonor das Neves Conceição em 1946 e de seu filho Jerónimo Augusto da Conceição, alguns anos depois, a mulher de Jerónimo e Mariano Augusto da Conceição, vendem a sua quota na Olaria Alfacinha aos irmãos. Mariano deixa então de trabalhar na Olaria, a qual passa a ser dirigida por seu irmão Caetano.
Mais tarde, em 11 de Abril de 1958, os irmãos Caetano Augusto da Conceição, Diocleciano Augusto da Conceição e Sabina Augusta da Conceição Santos, constituem a firma Leonor das Neves da Conceição Herdeiros. A família detém e trabalha na olaria até 1987, ano em que é vendida a Rui Barradas e sua mulher, Cristina. Em 1995 a Olaria Alfacinha encerra definitivamente.
De filho ilegítimo a filho legítimo
Por auto público de 14 de Junho de 1933, nos autos de inventário orfanológico, por óbito de Narciso Augusto da Conceição, que correu seus termos na Comarca de Estremoz, com sentença de 23 do mesmo ano, que transitou em julgado, Mariano Augusto da Conceição foi declarado filho legítimo de Narciso Augusto da Conceição e de sua mulher Leonor das Neves da Conceição, exposta. Ficaram arquivados uma certidão e um documento autêntico de consentimento do perfilhado.
Este averbamento, datado de 10 de Janeiro de 1957 e subscrito pelo Conservador, cuja assinatura é ilegível, integra o Assento de Nascimento nº 305 de 1912 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz, relativo a Mariano Augusto da Conceição (8).
Mariano da Conceição oleiro e bonequeiro
O escultor José Maria Sá Lemos, director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves conseguiu, entre 1933 e 1935, a recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, com a colaboração de ti’ Ana das Peles, uma barrista de idade já avançada. Impunha-se que houvesse continuadores. Daí que tenha lançado um repto a Mariano da Conceição, que o aceitou de bom grado e teve êxito, passando a ter uma tripla actividade: Oleiro na Olaria Alfacinha, Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves e bonequeiro.
A Exposição do Mundo Português
António Ferro (1895-1956), Secretário-Geral da Comissão Executiva da Exposição do Mundo Português era próximo de José Maria de Sá Lemos e esteve em Estremoz, onde convidou Mestre Mariano da Conceição a participar na Exposição. Este não o pôde fazer, devido às actividades lectivas na Escola Industrial António Augusto Gonçalves. Quem ali esteve presente durante todo o período da mesma, foi a sua mulher, Liberdade Banha da Conceição (1913-1990) (Fig. 8), que ali pintava os Bonecos por ele confeccionados em Estremoz e que depois eram transportados para Lisboa.
O êxito de vendas na Exposição do Mundo Português fez com que Mariano da Conceição a partir de 1942-43 se dedicasse à confecção [1] de Bonecos de Estremoz em oficina própria, actividade que acumulava com o seu magistério de Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves. A sua oficina funcionou sucessivamente na Rua das Meiras nº1, na Rua da Frandina e na Rua Pedro Afonso nº 6 (13).
Mariano que não tinha forno próprio, cozia os seus Bonecos no forno de lenha da Olaria Alfacinha, a qual tinha dirigido. De resto, o barro utilizado por Mariano era preparado na Olaria e transportado numa carrinha pelo seu irmão Caetano, que levava os Bonecos para cozer arrumados em gaiolas de barro e os entregava a Mariano, depois de cozidos (13).
Em Estremoz, os Bonecos eram comercializados nos seguintes locais: Loja de Artigos Regionais da Olaria Alfacinha (Largo da República, 30), Papelaria Ruivo (Largo da República, 24), Lojas de Artesanato de Rafael dos Santos Grades (Rua Victor Cordon, 27 e 30) e Papelaria A Tabaqueira de Alves & Simões, Lda. (Rossio Marquês Pombal 11 e 12 [2] (13).
Mariano da Conceição visto pelos outros
A 23 de Junho de 1951 reuniu o Conselho Escolar da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, sob a presidência do Director, Irondino de Aguillar, o qual, antes de se entrar na ordem do dia, quis dirigir algumas palavras a todos os presentes. “Lembrou-lhes que longe vai o tempo em que o professor entendia que a vida de professor se cumpre toda dentro das quatro paredes e dos cinquenta e cinco minutos de uma aula. 0 professor de hoje tem de não esquecer-se nunca de que é professor, de que é seu dever contribuir para o prestígio da sua classe e da sua escola e de que é seu dever maior que todos meditar na responsabilidade que tomou ao escolher tal profissão. Convidou os presentes a fazerem exame de consciência, que ele, Director, limitar-se-ia a fazer pública justiça ao Mestre de Olaria, Senhor Mariano Augusto da Conceição, que pelo seu zelo, pela sua honestidade no cumprimento do dever, confirmou largamente o que dele era de esperar pelo seu comportamento nos anos anteriores”(1).
O pintor Armando Alves (1935- ) foi aluno de Mariano da Conceição nos anos lectivos de 1949-1950 e 1950-1951. Na sua condição de ex-aluno, prestou-me, em 2012, o seguinte depoimento escrito (3): “Foi na década de quarenta do século passado que conheci o Mestre Mariano Alfacinha. Era eu por essa altura aluno na Escola Industrial e Comercial de Estremoz e o Mestre Mariano, professor de Olaria nessa escola.
Frequentar as suas aulas não era para a maioria de nós, alunos, apenas uma obrigação, antes pelo contrário, era um prazer. Para mim era mesmo uma espécie de necessidade, pois não só frequentava as aulas, como muitíssimas vezes aparecia para ajudar o Mestre Mariano nas tarefas mais fáceis – fazer bases, fazer pernas, fazer (nas pequenas formas de barro cozido), as cabeças dos bonecos. Com ele aprendi muitos dos segredos do barro e aprendi também a fazer os Bonecos de Estremoz.
O Mestre Mariano fazia invariavelmente os seus bonecos em grupos de seis, isto é: seis pastores, seis amazonas, seis cavaleiros, etc., E isto não era por acaso pois os bonecos são feitos por partes – as bases, as pernas, os troncos, os braços e as cabeças. À medida que se iam fazendo cada uma destas partes, (começando sempre pelas bases), o barro ia ganhando a dureza necessária para receber a colagem das pernas e dos troncos até à conclusão do boneco. A colagem das partes era feita com a lambugem, (lama do barro) e uns pequenos risquinhos que se faziam nas partes a colar, tendo sempre o cuidado de não deixar bolhas de ar, o que poderia causar dissabores na cozedura... O calor das mãos e um certo vento que de vez enquanto soprava e rachava o barro, eram também elementos a ter em conta.
Para tudo isto me chamava a atenção o Mestre Mariano com aquela presença muito forte e ao mesmo tempo muito doce que o caracterizavam.
Tive a sorte de ter privado com este Homem a quem agradeço o muito que me ensinou e a quem Estremoz continua a dever tudo o que ele fez pela nossa terra.”
Por sua vez, Leonor da Conceição Santos (1943-2014), filha de Sabina Santos, sobrinha de Mariano e Professora de Educação Especial aposentada, prestou-me, igualmente em 2012, o seguinte depoimento escrito (6): “Tenho uma ideia vaga do meu tio Mariano que era o mais velho e lembro-me de um homem muito alto, claro que eu também era muito pequena… Sabia que ele era professor na Escola Industrial e que a minha mãe tinha sido lá aluna. Lembro-me também, talvez com os meus 10 anos, e vivendo já na rua do Reguengo, de ter ido frequentar a Escola Comercial e Industrial, onde hoje é a Pousada. Via por lá o tio Mariano, que era professor de Olaria, e quando o via ia dar-lhe um beijo, e ele perguntava com aquele vozeirão:” Então como vai a Escola?” Eu fugia à resposta porque, na realidade, a escola ia muito mal. Gostava da disciplina de desenho e…pouco mais. Fui aluna da D. Joana, que era uma artista naquilo para que eu nunca tive jeito: bordados, tapetes e afins. Só frequentei o ano preparatório e depois, com grande sacrifício os meus pais mandaram-me para o Colégio do Mota, (a que chamavam o colégio dos ricos – não era uma verdade absoluta, mas isso são outras histórias…) onde realmente me senti ambientada. Era uma miúda pequena e um tanto frágil e aquela Escola Industrial fazia-me medo. Passei a ver o tio Mariano quando ia à Olaria e ele estava a fazer peças enormes, à roda, pois só uma pessoa alta, pujante e habilidosa como ele, conseguia “puxar” o barro na roda de oleiro para fazer essas peças (ânforas e outras). Também o visitava, em casa dele e tenho ideia, mas a minha prima Maria Luísa poderá confirmar, que ele tinha uma sala cheia de pássaros das mais diversas raças. Sempre achei interessante. Ele era caçador, e dos bons, matava perdizes, faisões e outra passarada e ao mesmo tempo gostava de aves canoras e sustentava-as. Será que a memória me está a atraiçoar? Penso que não.
Também estive muitas vezes, ao lado dele a vê-lo fazer os Bonecos de Estremoz. A tia Liberdade, sua mulher, que gostava muito de mim, arranjava-me um lanche e eu ficava sentada, numa daquelas cadeiras baixinhas, a ver o meu tio a trabalhar. Naquela altura fazia-me impressão como é que ele que tinha umas mãos enormes e uns dedos cheios também conseguia trabalhar minuciosamente cada figurinha e fazer as cabecinhas dos bonecos. Era isso que eu admirava nele: ora fazia coisas minúsculas, ora puxava, na roda ânforas gigantescas. Extraordinário!...”
A morte prematura de Mariano da Conceição
O Boletim da Escola Industrial e Comercial de Estremoz de 29 de Setembro de 1959 (17), sob a epígrafe “Um estúpido acidente atirou para a morte o Sr. Mestre Mariano”, relata o que se passou: “O caso deu-se no passado domingo, em pleno Rossio, quando da chegada dos cavaleiros que disputavam o raid hípico de Estremoz.
A anteceder os dois primeiros cavaleiros, que surgiram a par, a galope desenfreado, vinham um jeep e uma moto, mas tão devagar que, num instante, os cavalos estavam sobre eles. 0s cavaleiros gritavam, os veículos não tomavam velocidade e não houve outra solução senão guinar cada cavaleiro para seu lado.
Foi nesta altura que à frente de um dos cavalos surgiu o Sr. Mestre Mariano da Conceição, muito para lá da meta. O choque foi inevitável e o Sr. Mariano rolou pelo chão.
Imediatamente levado ao hospital, cheio de sangue, ali foi observado, recolhendo depois a um dos quartos particulares em estado de coma, com suposta fractura craniana e uma clavícula e várias costelas partidas. Quem diria que naquele luminoso domingo um estúpido acidente atiraria para o hospital o nosso Mestre Mariano?
Na madrugada de terça-feira 45, o Sr. Mestre Mariano expirou (9), por não ter podido resistir à gravidade dos ferimentos, tendo a Escola perdido assim, estupidamente, um dos seus agentes de ensino mais dedicados e a quem ela muito ficou a dever.
No funeral incorporaram-se muitos antigos e actuais alunos e todo o pessoal da Escola em exercício.” (7), (12), (17).
Reacções à morte de Mariano da Conceição
No dia 30 de Setembro de 1959, pelas 15 horas reuniu no gabinete do Director da EICE, o Conselho Escolar presidido pelo Director Rogério Peres Claro com a presença de todos os membros efectivos, Mestres Joana Simões e Eduardo Silva. No último ponto da ordem de trabalhos, por falecimento de Mestre Mariano da Conceição, deliberou o Conselho convidar o Mestre provisório José Alexandre Rosa para sua substituição. Antes de encerrar a sessão, o Director propôs com o fim de ser exarado em acta, um voto de pesar pelo falecimento do Mestre efectivo da Escola, Mariano Augusto da Conceição (2).
Sobre Mestre Mariano da Conceição recolhi um depoimento (15) daquele que era director à data da sua morte, Rogério Peres Claro (1921-2015), redigido a 11 de Novembro de 2012, aos 91 anos de idade: “Conheci o Sr. Mariano da Conceição como Mestre de Trabalhos Manuais na Escola Comercial de Estremoz, entre 1951 e 1961, período da minha presença lá como Director. Era conhecido como especialmente hábil na confecção de bonecos de barro com características locais, como aliás os outros membros da sua família. Trabalhava em oficina montada no pátio de entrada do castelo, onde trabalhava também o Sr. Joaquim Prudêncio Oliveira, hábil Mestre no trabalhar do mármore da região, para o qual formou muitos artistas. A maioria dos brasões que sustém a fonte luminosa que embeleza Setúbal frente ao mercado da Avenida Luísa Todi, foram trabalho seu e dos seus alunos.
Mestre Mariano ficou lembrado não apenas pelos seus bonecos, mas infelizmente também por ter falecido ao coice de um dos cavalos que em corrida festiva atravessavam o Rossio e que presenciei. Ficou o dito de que “só ao coice o Mestre Mariano poderia ser abatido”, tão forte que ele era “
No já referido depoimento escrito (6) de Leonor da Conceição Santos sobre o tio Mariano, datado de 2012, referindo-se à sua morte diz: “O Tio Mariano foi um artista e um grande Mestre de olaria. A sua arte poderia ter-se prolongado para enriquecimento da cultura e do artesanato estremocense … mas infelizmente um acontecimento inesperado ceifou-lhe a vida aos cinquenta e poucos anos. Podemos dizer que ele estava no sítio errado, à hora errada… Um cavalo que fazia parte do raid hípico que terminava no Rossio Marquês de Pombal, espantou-se e, ou por pouca sorte, ou por ineficácia do cavaleiro, atingiu o meu tio que assistia ao evento entre muitas pessoas, ferindo-o de morte. Ainda foi para o antigo hospital, mas viria a falecer pouco tempo depois.
Foi pena Tio Mariano. Ainda guardo essa memória, como se fosse hoje. Eu tinha 16 anos. Estremoz perdeu tragicamente um Alfacinha.
Recordo-o e recordá-lo-ei sempre. Foi com ele que a arte bonequeira renasceu. Todos lhe devemos isso.”
Mariano da Conceição morreu, mas os Bonecos não
O Mestre partiu mas legou-nos os seus Bonecos. A recuperação da manufactura dos Bonecos de Estremoz não podia ficar por aqui. Surgiram continuadores e a primeira foi a sua irmã, Sabina da Conceição Santos.

BIBLIOGRAFIA
(1) - Acta da sessão de 23 de Junho de 1951 in Livro de Actas do Conselho Escolar da Escola industrial e Comercial de Estremoz (1948-1951) (acta nº 12).
(2) - Acta da sessão de 30 de Setembro de 1959 in Livro de Actas nº 2 do Conselho Escolar da Escola industrial e Comercial de Estremoz (1959-1981) (acta nº 1).
(3) - ALVES, Armando José Ruivo. Depoimento sobre Mariano Augusto da Conceição. Porto, 2012. sp.
(4) - Auto de posse conferido a Mariano Augusto da Conceição no cargo de mestre provisório da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves. Estremoz, 3 de Dezembro de 1930 in Livro de Posses 1930-59 (folha 1v).
(5) - Auto de posse conferido a Mariano Augusto da Conceição no cargo de mestre efectivo da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves. Estremoz, 23 de Março de 1936 in Livro de Posses 1930-59 (folha 7v).
(6) - CONCEIÇÃO SANTOS, Maria Leonor da. Depoimento sobre Mariano Augusto da Conceição. Ribamar, 2012. sp.
(7) - Falecimento (Mariano da Conceição) in Brados do Alentejo nº 1475, 04/10/1959. Estremoz, 1959 (pág. 2).
(8) – Mariano Augusto da Conceição - Assento de Nascimento nº 305 de 1912 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(9) – Mariano Augusto da Conceição - Assento de Óbito nº 193 de 1959 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(10) - Mariano Augusto da Conceição – Processo Individual de professor nº 707, no Arquivo da Escola Industrial António Augusto Gonçalves e sucessoras.
(11) - Mariano Augusto da Conceição - Registo de Casamento nº 68 de 1931 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(12) - Mariano Augusto da Conceição in O Eco de Estremoz nº 2951, 04/10/1959. Estremoz, 1959 (pág. 3).
(13) – MATOS, Hernâni. Entrevista a Maria Luísa da Conceição. Estremoz, 7 de Fevereiro de 2013. Arquivo de Hernâni Matos.
(14) – Narciso Augusto da Conceição – Registo de Óbito nº 71 e 1933 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(15) - PERES CLARO, Rogério. Depoimento sobre Mariano Augusto da Conceição. Setúbal, 2012. sp.
(16) - Terminou o I RAID HIPICO ALENTEJANO in Brados do Alentejo nº 1475, 04/10/1959. Estremoz, 1959. (pág. 3).
(17) - Um estúpido acidente atirou para a morte o sr. mestre Mariano in Boletim da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, 29/09/1959. Estremoz, 1959 (pág. 1).

Publicado pela 1ª vez em 13 de Setembro de 2019
Editado no meu livro BONECOS DE ESTREMOZ

Fig. 2 - Desenho duma forma cerâmica. Prova de Concurso de Mariano Augusto da
Conceição para Mestre da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto
Gonçalves, realizada a 25 de Março de 1931. Fotografia de autor desconhecido.
Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 3 - Cópia dum motivo floral. Prova de Concurso de Mariano Augusto da
Conceição para Mestre da oficina de olaria da Escola Industrial de António
Augusto Gonçalves, realizada a 26 de Março de 1931. Fotografia de autor
desconhecido. Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 4 - Decoração. Prova de Concurso de Mariano Augusto da Conceição para
Mestre da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves,
realizada a 27 de Março de 1931. Fotografia de autor desconhecido.
Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 5 - Mariano Augusto da Conceição a modelar a peça projectada na oficina de
olaria da Escola Industrial de António Augusto  Gonçalves. Arquivo fotográfico do autor.

 Fig. 6 - Mariano Augusto da Conceição a desenfornar uma das peças projectadas
 na oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves.
Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 7 - As peças projectadas e executadas por Mariano Augusto da Conceição
já cozidas. Arquivo fotográfico do autor.

  Fig. 8 - Liberdade da Conceição, mulher de Mariano da Conceição a pintar
Bonecos de Estremoz na Exposição do Mundo Português. Fotografia do
documentário “A Grande Exposição do Mundo Português” (1940),
de António Lopes Ribeiro.


Fig. 9 - Carimbos usados sucessivamente por Mariano da Conceição para marcar os
seus bonecos: MADE IN PORTUGAL (3,4 cm x 0,3 cm), ESTREMOZ / PORTUGAL
(2 cm x 0,8 cm), ESTREMOZ (2 cm x 0,8 cm). Arquivo fotográfico do autor.



[1] Mariano modelava os bonecos que eram pintados por sua mulher, Liberdade da Conceição. Mariano só pintava em último caso, sempre que havia uma encomenda grande de Bonecos. Todavia, era ele que aplicava sempre o verniz, visto a sua mulher ser uma pessoa bastante doente (13).
[2] De salientar que só a partir do momento em que se estabeleceu como bonequeiro por conta própria é que Mariano passou a auferir proventos dessa actividade. Anteriormente só fazia Bonecos na Escola, os quais conjuntamente com os Bonecos manufacturados pelos alunos, eram comercializados e as receitas resultantes da sua venda destinavam-se a custear as despesas de funcionamento da própria Escola (13).