terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

E depois da classificação?


Francisca de Matos (Professora)

O passado dos “Bonecos de Estremoz” conta uma história multissecular que conseguiu, apesar das dificuldades, resistir à voracidade do tempo. A sua classificação como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, permitiu aos “bonecos”, e aos artesãos que restam, ganhar o presente. Isso é certo.
Mas a atribuição desse selo, por si só, não garante o futuro da arte. Esse terá que ser assegurado através de um labor consistente – e persistente - de formação, de incentivo e de mobilização por parte dos responsáveis municipais. É que os artesãos que restam – e já não são muitos – não vão para novos. Há, pois, que avançar rapidamente com medidas concretas de apoio financeiro e logístico para que eles possam transmitir o seu saber aos mais novos, pois serão estes que um dia poderão assegurar a continuidade do figurado em barro de Estremoz. Se a classificação como Património Imaterial também garantir isto, então sim, o trabalho que verdadeiramente interessa estará feito, e bem feito.
Como de costume, no calor dos momentos que antecederam a classificação pela UNESCO foram feitas muitas promessas e ao mais alto nível da hierarquia municipal: “Questionado relativamente ao que mudaria no município de Estremoz, se o Figurado em Barro entrasse para a Lista Representativa, Luís Mourinha aponta a “visão” do município, em termos de “patrocínios de várias atividades”; “Seria igualmente priorizada, como “obrigação do município” a construção de um centro “dedicado aos bonecos e ao barro”,  (Luís Mourinha, 21/11/2017, in www.radiocampanario.com). Promessas reiteradas depois dessa mesma classificação: “criação de “um equipamento” lúdico, de estudo e formação, com “permanência de pessoas que possa praticar a arte”, sendo igualmente necessário cativar os jovens para a arte.” (Luís Mourinha, 07/12/2017, in www.radiocampanario.com).
Com tantas e tão ambiciosas garantias, não restam dúvidas: as expectativas são altas, até porque os “bonecos” e os artesãos que os criaram, e criam, assim o merecem. Que o futuro nesta terra, por uma vez, não seja só “para o boneco”…

Francisca de Matos
Professora
(Texto publicado no jornal E nº 194, de 22-02-2018)


Hernâni Matos

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Estremoz - A selva urbana


ESTREMOZ - Pombos na frontaria da Igreja Conventual de São Francisco de Assis.

Foge que é pombo
Os pombos vadios hospedados na Mercearia Luís Campos foram no início de Setembro passado, desalojados do seu hotel de 5 estrelas, mesmo no centro da cidade. A isso foram obrigados pelo camartelo a soldo da edilidade estremocense. Razão pela qual se viram obrigados a migrar para outros locais, onde continuam a ser indesejáveis, mas onde impõem a sua presença, graças à passividade camarária que permite que eles continuem a ser uma praga.
Um número considerável deles alojou-se na frontaria da Igreja Conventual de São Francisco de Assis. Quem não gosta da sua presença ali, são os fiéis que movidos pela sua legítima fé, frequentam a vetusta paroquial. Alguns mais avisados e com facilidade de locomoção, entram e saem rapidamente não vá o Diabo tecê-las e faça com que sejam atingidos pelos projécteis fecais dos columbídeos. O espaço cívico de convívio que sempre foi o adro da Igreja transformou-se assim numa zona de bombardeio que inclui também o Cruzeiro de São Francisco. É grande o desagrado com a presença daquelas aves que por ali assentaram arraiais, já que todos temos consciência que não são “Pombas do Espírito Santo”, mas pombos vadios que constituem um problema real a que urge fazer frente em nome da sanidade, da higiene e do bem-estar dos cidadãos.  
Árvores, para que vos quero?
A arborização de uma urbanização exige a escolha de espécies arbóreas com características botânicas adequadas, as quais devem ser tidas em linha de conta por projectistas, urbanizadores e agentes de fiscalização. Qualquer deles deve ter presente que as árvores constituem um importante elemento natural na composição do meio urbano, contribuindo para a qualidade de vida da população residente. É que no espaço urbano, as árvores desempenham múltiplas funções: social, cultural, ambiental, ecológica, arquitectónica e patrimonial.
A escolha do tipo de árvores a plantar numa urbanização é uma questão delicada, que exige estudo prévio, já que são múltiplos os requisitos a que as árvores devem obedecerem. Um deles é o sistema radicular ser profundo, evitando-se o uso de árvores com sistema radicular superficial, que pode danificar ruas, acostamentos, calçadas, muros, pátios, fundações dos prédios, cablagem subterrânea, esgotos, canalização de água e de gás.
A situação anterior é a que está a ocorrer na Rua Padre do Carmo Martins e exige uma intervenção rápida e eficaz por parte da edilidade estremocense. Trata-se de uma medida que passa necessariamente pelo abate das árvores ali existentes e respectiva substituição por outras com as características adequadas.
Um caso que não é único
O que se passa na Rua Padre do Carmo Martins não é, infelizmente, um caso isolado. Ali perto, na Rua Frei Nuno de Santa Maria, as árvores plantadas já não são as primitivas, as quais tiveram de ser abatidas, porque além dos problemas suscitados pela arborização da Rua Padre do Carmo Martins, também largavam bagas que manchavam os muros e os automóveis dos moradores.
Cama, mesa e…roupa suja
Mais recentemente ocorreu outro abate de árvores, agora na Praceta dos Casais de Santa Maria. Quem por ali transita, vê a sua atenção despertada por um círculo de cepos, sinalizados por fita bicolor, vermelha e branca. Faz lembrar um parque de merendas com ornamentação festiva, como que a convidar excursionistas para ali comerem uma bucha.
As árvores sacrificadas pela moto serra municipal, tinham uma copa abundante e produziam bagas que levaram à instalação no local de uma basta colónia de pássaros, que ali encontrou cama e mesa. Só roupa lavada é que não, uma vez que nos estendais limítrofes, a roupa aparecia suja. No local, bagas e excrementos eram omnipresentes, causando incómodos a vários níveis.
Na sequência da intervenção municipal, supõe-se que as aves desalojadas migraram para os campos de onde tinham vindo, atraídas pelo isco mirífico das bagas.
Centro Histórico a sofrer
Estremoz já foi cidade branca no dizer inspirado do poeta Silva Tavares, nosso prestigiado conterrâneo. Acontece que hoje já não é assim, entre outras razões como consequência de toda a cablagem negra que a EDP e os fornecedores de sinal telefónico ou de televisão estenderam pela fachada dos edifícios, desfeando-os e fazendo com que uma parafernália de cabos, atravessem as ruas de um lado para o outro, lembrando lianas numa floresta tropical. Trata-se de um abjecto crime de poluição visual e não só. O mesmo começou há muito e teve continuidade assegurada, graças à inércia municipal. A edilidade revelou-se incapaz de implementar uma alternativa não agressiva, que passasse pelo enterramento de toda a cablagem em condutas, das quais irradiasse até à entrada dos edifícios. Tal não foi feito.
O auge do desfeiamento das fachadas da cidade foi agora consumado no Largo de D. Dinis, núcleo nobre do Centro Histórico de Estremoz. É caso para perguntar se é assim que o Município quer candidatar o Centro Histórico de Estremoz a Património Mundial da Humanidade? É com a actual estratégia inspirada na máxima francesa do “Laissez faire, laissez passer”? É que esta não é mais que um emblemático chavão do liberalismo económico, na versão pura e dura de capitalismo que defende que o mercado deve funcionar livremente. E vêm-nos depois com o estafado slogan: - “Estremoz tem mais encanto!”. Da minha parte, só uma resposta é possível: - “Qual encanto, qual carapuça?”.


(Texto publicado no jornal E nº 193, de 08-02-2018)

ESTREMOZ - Danos causados por árvores com sistema radicular superficial na
Rua Padre do Carmo Martins.

ESTREMOZ - Cepos de árvores abatidas na Praceta dos Casais de Santa Maria.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

CARNAVAL DE ESTREMOZ: Oh tempo, volta para trás!


1 - Corso carnavalesco de 1919 na Praça Luís de Camões, onde ainda não existia o
passeio junto ao qual estacionam os táxis na actualidade. Na parte central ao fundo,
é visível a torre sineira da Igreja da Antiga Misericórdia, situada no local onde está
hoje sedeada a Sociedade Recreativa Popular Estremocense (Porta Nova).

Origem do Carnaval
O período de três dias que precedem a Quaresma é conhecido por Carnaval e nele decorrem alegres brincadeiras e festas populares, que assumem múltiplas formas.
Apontado por muitos como tendo uma remota origem pré-cristã, o Carnaval assumiu importância no séc. IV d.C., quando a Igreja Católica estabeleceu a Semana Santa antecedida dos quarenta dias da Quaresma. Um período de tão longa penitência e privações, incentivaria a realização de festas populares nos três dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. Os três dias de Carnaval são conhecidos por dias gordos, especialmente a Terça-feira Gorda.
Carnavais com personalidade própria
O Carnaval é uma festa de âmbito planetário. Por esse mundo fora ocorrem Carnavais afamados como os de Veneza, Nice, Santa Cruz de Tenerife, Nova Orleães e Rio de Janeiro. Cada um deles tem a sua identidade cultural intrínseca, forjada por vezes há mais de 100 anos e consolidada pelo tempo. São Carnavais com personalidade própria, que não têm necessidade de copiar outros Carnavais. Sem sombra de dúvida que o mais famoso de todos é o Carnaval do Rio de Janeiro, considerado a maior festa do mundo, que decorre durante 5 dias e se manifesta de múltiplas formas, das quais a mais mediática é o desfile das escolas de samba no Sambódromo da Marquês de Sapucaí.
Em Portugal são inúmeros os locais onde de modos variados é comemorado o Carnaval. Deles destaco os Carnavais de Lindoso, Podence, Lazarim, Cabanas de Viriato, Guimarães, Barcelos, Torres Vedras e Loures, por terem individualidade própria e não serem decalcados de outros.
A 1ª Batalha de Flores em Estremoz
Em Estremoz, a primeira notícia conhecida e referente à realização de um corso carnavalesco, remonta a Fevereiro de 1919, na sequência do final da I Grande Guerra Mundial, travada entre 28 de Julho de 1914 e 11 de Novembro de 1918. A seguir ao horror e à destruição daquele conflito europeu e entre muitas outras coisas, alteraram-se os padrões de vida. Daí não ser de estranhar a criação de um corso carnavalesco em Estremoz. Estava-se na ante porta dos loucos anos 20 e o corso assumiu a forma de uma “Batalha de flores”. Os carros, pertencentes a lavradores e a elementos da melhor sociedade de então, iam enfeitados com flores que deles eram também lançadas sobre a assistência que se encontrava ao longo do percurso, o qual é seguido ainda hoje. Tratou-se de uma batalha amigável em que os projécteis eram flores de cores variegadas e que perfumavam o ar.
O Orfeão e a revitalização do Carnaval de Estremoz
Após a criação em 1930 do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide", este chamou a si a iniciativa de promover corsos carnavalescos designados também por “Batalhas de flores”, integradas por carros alegóricos, grupos de cavaleiros, grupos de ciclistas, grupos de foliões e ranchos folclóricos do concelho. Os corsos eram abrilhantados pelas bandas locais, Sociedade Filarmónica Luzitana e Sociedade Filarmónica Artística Estremocense, as quais tocavam música portuguesa, assegurando a animação do evento. “Cabeçudos” e “gigantones” completavam o ramalhete de animação que percorria as ruas da parte baixa da cidade, previamente engalanadas.
O primeiro corso carnavalesco organizado pelo Orfeão teve lugar em 1935 e saldou-se por um assinalável êxito, não só pela participação da população, como pelo impacto junto de forasteiros que visitaram a cidade. O sucesso reeditou-se nos anos subsequentes até 1939, ano em que em 1 de Setembro teve início a II Guerra Mundial. Após o interregno causado pelo conflito bélico, o Orfeão retomou a organização dos corsos carnavalescos em Estremoz em 1951. O auge do Carnaval de Estremoz terá acontecido nos anos 50-60 do século passado. As flores já eram de papel e os projécteis eram papelinhos, serpentinas e saquinhos com serradura. Também apareciam saquinhos com areia e dalguns carros lançavam-se tremoços ou grão-de-bico e ocorriam também as inevitáveis farinhadas e bisnagadas. A música era bem portuguesa e havia foliões que em grupo ou individualmente fizeram História: Joaquim António Chouriço, José Gancho, João Mourinha, Padre-Santo, José Manuel Figo, Francisco Chouriço, José Albano França, Joaquim Viana, António José Martins (Costeleta), Ezequiel Chouriço e António Pegado (Pendão). Não deixavam o seu crédito por mãos alheias, quer encarnassem o papel de um personagem respeitável ou pelo contrário fossem caricaturalmente exagerados. Eram a elite vanguardista e bem disposta de um Carnaval bem português: o Carnaval de Estremoz. Isto no “Tempo da Outra Senhora”. 
Abrasileiramento do Carnaval de Estremoz
Com o eclodir da Guerra Colonial em 1961, os corsos carnavalescos viriam a ser interrompidos e só seriam retomados pontualmente em 1972 e 1973, graças à iniciativa particular de um grupo de foliões estremocenses. Fruto de múltiplas condicionantes, a organização dos corsos carnavalescos só seria retomada pelo Orfeão em 1993, ano em que para além daquilo que era tradicional no Carnaval de Estremoz, alguém teve a triste ideia de acrescentar “escolas de samba”. Foi o abrasileiramento do Carnaval de Estremoz, que fez com que este se abastardasse e que por isso constituiu um atentado histórico e social à sua identidade cultural local.
Actualmente, o Carnaval de Estremoz tem o samba como música de fundo, ao som da qual os blocos de marchantes “sacodem as pulgas”, enquanto no seu imaginário é projectado um filme em que se sentem bailarinos duma escola de samba. Foram obliterados pela colonização brasileira e sentem-se como passistas no Sambódromo da Marquês de Sapucaí no Rio de Janeiro, quando afinal estão no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. Querer transformar as ruas de Estremoz em sambódromo é como em Lisboa, querer meter o Rossio na Rua da Betesga.
O samba, expressão privilegiada da cultura popular brasileira, música e dança alegre para quem as sente no corpo e na alma porque é brasileiro, faz tanto sentido no Carnaval de Estremoz como um elefante numa loja de cristais. Quem desfila por aqui ao som da aparelhagem sonora, não consegue transmitir a alegria nem tem o poder de comunicação dos marchantes cariocas. É uma tristeza. É como se Domingo e Terça-feira Gorda se tivessem transformado em Quarta-feira de Cinzas. O Carnaval de Estremoz é um arremedo do Carnaval carioca. Daí que seja legítimo questionar:
- Quem te manda a ti sapateiro, tocar rabecão?
No corso carnavalesco de Estremoz constata-se a ausência de qualquer tipo de crítica social ou política. Para além disso e pese embora o Carnaval ser um período propício a consumos proscritos durante a Quaresma, não é pedagógica e eticamente aceitável que marchantes consumam álcool durante o desfile, já que esse consumo pode transmitir a ideia errada que para haver alegria é preciso haver consumo de álcool.     
É Carnaval, ninguém leva a mal
Curiosamente, no desfile deste ano, o locutor de serviço proclamava de vez em quando:
- O Carnaval de Estremoz tem o apoio incondicional da Câmara Municipal de Estremoz!
Da minha parte só uma resposta é possível:
- É Carnaval. Ninguém leva a mal.

Hernâni Matos
Cronista do Jornal E, folião e tudo
Publicado inicialmente em 11 de Fevereiro de 2018
(Texto publicado no jornal E nº 194, de 22-02-2018)

CRÉDITOS DAS FOTOGRAFIAS
1 - Fotografia de Mendes Lopes – Jaime dos Santos. Arquivo de Hernâni Matos.
2,3,6,7 – Fotografias de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”.
4 - Fotografia de Manuel Gato (1908-1994). Arquivo de Hernâni Matos.
5 - Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo de Hernâni Matos.


  2 Corso carnavalesco de 1935. Carro alegórico da papelaria “A Tabaqueira”.

 3 - Corso carnavalesco de 1935. Carro alegórico de temática equestre frente ao
Quiosque Maniés.


4 - Anos 30 do séc. XX. Mascarados fazendo-se transportar numa Dona-elvira
descapotável e florida, com uma matrícula digna de figurar num vetusto
relicário. Ao fundo, o edifício do RC3 com uma cerca de tabuinhas,
no mesmo local onde hoje existe uma sebe de buxo.

 
 5 - Corso carnavalesco de 1951, frente ao edifício do extinto Círculo Estremocense,
sociedade recreativa frequentada pela alta sociedade da época e cuja criação
em 1850 foi autorizada por alvará régio de D. Pedro V.

6 -Corso carnavalesco de 1954. Grupo de “cabeçudos” e “gigantones”
junto ao Jardim Municipal. 

7 - Corso carnavalesco de 1957. Carro Alegórico do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

No mesmo mar navegamos…



No tempo da outra senhora
No tempo da outra senhora, a teia de interesses urdida pela aranha salazarista, obrigava quem se candidatasse a integrar a função pública, a ser forçado a subscrever um documento com assinatura reconhecida, no qual se expressava: “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”. Estava-se no regime de partido único que através da castração política, exigia fidelidade canina e obediência cega ao então suposto bem amado chefe e dono disto tudo.
“Brados do Alentejo” e “E”
Entre nós, nesta terra transtagana, existem dois jornais locais: o “Brados do Alentejo” e o “E”, cada um deles à sua maneira, ao serviço de Estremoz e do seu termo. São jornais plurais, não só pelo que está consignado nos respectivos estatutos editoriais, mas também pela prática salutar de a um jornalismo factual e noticioso, acrescerem um jornalismo de análise e de opinião, subscrito com o nome dos seus autores, o qual chancela indelevelmente aquilo que pensam, acreditam, defendem e propõem.
A matriz pluralista de cada um dos jornais está na origem da sua bateria de colaboradores se espraiar por um espectro largo de visões do mundo e da vida, que vão do CDS ao BE, passando pelo PSD, PS e PCP, englobando também aqueles que não se revêem em nenhuma destas opções do catálogo ideológico.
Um desses jornais, o “E”, inclui uma página onde em cada número e sob a epígrafe “Parlamento”, os representantes das várias áreas ideológicas respondem a uma questão de índole local ou nacional, formulada por um deles, situação na qual se vão sucessivamente revezando. Neste “Parlamento” é notória a ausência de quem quer que seja que dê a cara pela associação local MIETZ. Não porque ali e o mesmo acontece no outro jornal, se ostracize esta Associação, mas simplesmente por que esta decidiu não participar no “campeonato”, não se sabe se por não ter argumentos sólidos ou se por excesso de auto-estima, não se querer confrontar com os outros, ao atribuir-se a si próprio o estatuto de pertencer a um escalão superior, no qual é como que um partido único.
Quem não é por nós, é contra nós
E vá daí, o Presidente da associação local MIETZ proclama que os “Brados do Alentejo” e o “E” são boletins do Partido Socialista. Trata-se de uma forma redutora de catalogar um jornalismo livre e independente que recusa algemas, mordaças e vendas, que se as aceitasse, o reduziriam à condição dócil de ser “a voz do dono”. Honra e glória, pois, aos dois jornais locais que, cada um deles à sua maneira, se comportam como os irredutíveis Astérix e Óbélix, na Gália ocupada pelo usurpador romano.
Navegar é preciso
Os “Brados do Alentejo” e o “E” são jornais pluralistas nesta terra transtagana, na qual alguém sonhou, sem todavia o conseguir, impor a “lei da rolha” e o “delito de opinião”.
Se os “Brados do Alentejo” e o “E” são boletins do Partido Socialista, todos os seus colaboradores, repórteres e cronistas, do BE ao CDS, estão na mesma nau. Somos todos “socialistas”, não necessariamente à António Costa ou à Catarina Martins, mas também à Jerónimo de Sousa, à Rui Rio ou à Assunção Cristas. No mesmo mar navegamos, à procura de bom porto.
Cronista do “Jornal E” e dos “Brados do Alentejo”

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

I Jogos Florais do Jornal E de Estremoz


Primavera. Oficinas de Estremoz do séc. XIX.
Colecção Júlio dos Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz.

I JOGOS FLORAIS DO JORNAL E DE ESTREMOZ
BONECOS DE ESTREMOZ
Património Cultural Imaterial da Humanidade

Os I JOGOS FLORAIS DO JORNAL E DE ESTREMOZ visam assinalar a decisão recente da UNESCO de inscrever os “Bonecos de Barro de Estremoz” na “Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade”.
Aos Jogos Florais são admitidos trabalhos inéditos, redigidos em Português e nas seguintes modalidades: - QUADRA POPULAR - Tema: "BONECOS DE ESTREMOZ". Em redondilha maior, de rima ABAB, uma quadra em cada folha. - POESIA OBRIGADA A MOTE – O mote da autoria do Professor António Simões é o seguinte: Bonecos de Estremoz são, / Em variada forma e cor, / Filhos d’arte de artesão / Que os modela com amor. - POESIA LIVRE - Subordinada ao tema: "BONECOS DE ESTREMOZ".
De cada trabalho serão enviados três exemplares, dactilografados à máquina ou em computador em papel formato A4, de um só lado. Os trabalhos não poderão ser adornados com moldura ou qualquer outro ornamento. Todos os trabalhos deverão trazer na primeira página a modalidade a que concorrem, terão que ser subscritos por um pseudónimo, devendo os respectivos autores, enviar anexo a cada trabalho, um envelope fechado com o pseudónimo dactilografado no rosto, e dentro, o nome, morada e número de telefone do Autor.
Cada concorrente poderá apresentar dois trabalhos por modalidade, com excepção da QUADRA onde poderão ser apresentados três trabalhos a concurso, pelo que cada um será subscrito com pseudónimo diferente. Serão desclassificados os trabalhos que não sejam inéditos, isto é, que já tenham sido apresentados noutros concursos.
O prazo de remessa dos originais (data de carimbo dos correios) termina em: 31 DE MARÇO DE 2018 e deverão ser enviados, para: Jornal E de Estremoz / Apartado 135 / 7101-909 ESTREMOZ.
O não cumprimento do estipulado no presente regulamento, anula a apreciação dos trabalhos pelo júri, de cujas decisões não cabe recurso.
As classificações serão tornadas públicas em 3 de Maio de 2018, sendo os concorrentes avisados por escrito.
Haverá três prémios por modalidade, bem como as menções honrosas que o júri entender por bem conceder. Poderá, no entanto, deliberar a não atribuição de qualquer prémio, numa ou mais modalidades, se considerar que a qualidade dos trabalhos apresentados não é consentânea com a projecção que se pretende para esta iniciativa.
A entrega de prémios aos galardoados ocorrerá em cerimónia pública a ter lugar no Auditório da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel, no dia 12 de Maio de 2018, a partir das 11 h.
(Texto publicado no jornal E nº 193, de 08-02-2018)

Os meus Bonecos


Manuel Xarepe (Antropólogo)

Pede-me o amigo Hernâni para dizer também algo sobre os Bonecos de Estremoz. Que poderei dizer para além do que ele enfaticamente tem dito? Como disse o Armando Alves e outros ainda…
Dizer que fiquei muito contente com o objetivo alcançado? Quem não terá ficado? Posso dizer milhentas palavras de louvor: isso será, como dizem os brasileiros, chover no molhado. Praticamente já tudo ou quase tudo foi dito. E não só de agora. De há muito que Marques Crespo, Sá Lemos, Azinhal Abelho, Joaquim Vermelho e Hernâni Matos se esforçaram para pôr em evidência a massa bruta (passe a expressão), a massa barrenta que mãos hábeis com amor e devoção transformam em contextos antropológicos sociais e religiosos (parafraseando o Hernâni), na doçura encantadora de estética colorida que é o nosso encanto.
Tal como o Matos e o Armando Alves, também fui atraído muito cedo pelos bonecos. Conheci o Professor Sá Lemos mas não a Ti Ana das Peles, muito embora o seu neto Florimundo Estrela (pintor) me tenha falado bastas vezes dela e dos seus bonecos. Conheci muito bem o Mestre Mariano Alfacinha: estou a vê-lo na sua mesa de trabalho na Escola Industrial com uma agilidade impressionante a fazer bonecos sobre bonecos. Depois a pintá-los, mas, com tintas feitas por ele. Eram terras de várias cores e aditivos que eu não entendia. Que maravilha aquelas cores não brilhantes. O tempo passava e eu ali perdido, ganhando o espetáculo que me ficou na retina e na saudade.
Fui para longe e Mestre Mariano para mais longe ainda após estúpido desastre. Vim encontrar a sua esposa, a Liberdade, e sua irmã (dele) Sabina, trabalhando os bonecos e pouco depois a filha do Mestre Mariano e minha colega e amiga de escola, a Maria Luísa, de quem guardo orgulhosamente, entre outos, um Cristo Alentejano.
Tudo na vida evolui. O que foi ontem será diferente amanhã. Até há quem afirme que a tradição não existe! Quando o Armando Alves evoca o mestre José Moreira dizendo que ele tinha no quintal uns tanques onde transformava a terra em barro, remoí de novo um desgosto que tenho há muito. Se outrora tínhamos as bilhas (outro desgosto), as célebres bilhas, os barros de Estremoz… que em todo o lado eram falados: - O barro de Estremoz, faz a água fresca…
Infelizmente foram-se as bilhas. Salvaram-se os bonecos. Mas com barro importado. Que pena!  
Manuel Xarepe
Antropólogo
(Texto publicado no jornal E nº 193, de 08-02-2018)


domingo, 4 de fevereiro de 2018

Pela boca morre o peixe


O glutão (1804). George Emmanuel Opiz (1755-1841).
Gouache sobre papel. Colecção particular.
  
O meu médico assistente contou-me que há tempos atrás assistira num auditório a um impropério saído da boca de uma figura pública, digno senão de um burgesso, pelo menos de um bigodudo cabo de esquadra. O clínico tê-lo-á prevenido:
- “Meu caro Senhor, tem que ter cuidado com aquilo que mete na barriguinha!”
Escudando-se no segredo profissional, mas sem me convencer, o meu físico asseverou-me:
- “Não é ninguém das sua relações!”.
Perguntei-lhe então:
- “Senhor doutor, porque é que fez aquela advertência à criatura?”
A resposta foi rápida:
- “É que a incontinência verbal é muitas vezes fruto de uma digestão mal feita, como consequência de um "empanzinamento" da barriga.
E eu concordei:
- “Tem razão senhor doutor. Lá diz o rifão: “Pela boca morre o peixe”.”
E como colector do adagiário popular, acrescentei de seguida:
- Mas há mais, senhor doutor: “Comer toda a vianda, tramar toda a maleita”, “Boa mesa, mau testamento”, “Por comidas e ceias estão as sepulturas cheias”, “Mais mata a gula que a espada”, “A mesa tem morto mais gente que a guerra” e “Mais matou a ceia, que sarou avincena”.
O meu “João Semana” concluiu então:
- “Tem razão Hernâni, ambos percebemos da “poda”!”.
Todavia, ainda teve uma resposta da minha parte:
- “Do sábio, o conselho; do médico, o remédio.".

  Hernâni Matos