1 - Corso carnavalesco de 1919
na Praça Luís de Camões, onde ainda não existia o
passeio junto ao
qual estacionam os táxis na actualidade. Na parte central ao fundo,
é visível a torre sineira da Igreja da Antiga Misericórdia, situada no local onde está
hoje sedeada a
Sociedade Recreativa Popular Estremocense (Porta Nova).
Origem do Carnaval
O período de três dias que precedem a Quaresma é
conhecido por Carnaval e nele decorrem alegres brincadeiras e festas
populares, que assumem múltiplas formas.
Apontado por muitos como tendo uma remota origem
pré-cristã, o Carnaval assumiu importância no séc. IV d.C., quando a Igreja
Católica estabeleceu a Semana Santa antecedida dos quarenta dias da Quaresma.
Um período de tão longa penitência e privações, incentivaria a realização de
festas populares nos três dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o
primeiro dia da Quaresma. Os três dias de Carnaval são conhecidos por dias
gordos, especialmente a Terça-feira Gorda.
Carnavais com personalidade própria
O Carnaval é uma festa de âmbito planetário. Por
esse mundo fora ocorrem Carnavais afamados como os de Veneza, Nice, Santa Cruz
de Tenerife, Nova Orleães e Rio de Janeiro. Cada um deles tem a sua identidade
cultural intrínseca, forjada por vezes há mais de 100 anos e consolidada pelo
tempo. São Carnavais com personalidade própria, que não têm necessidade de
copiar outros Carnavais. Sem sombra de dúvida que o mais famoso de todos é o
Carnaval do Rio de Janeiro, considerado a maior festa do mundo, que decorre
durante 5 dias e se manifesta de múltiplas formas, das quais a mais mediática é
o desfile das escolas de samba no Sambódromo da Marquês de Sapucaí.
Em Portugal são inúmeros os locais onde de modos
variados é comemorado o Carnaval. Deles destaco os Carnavais de Lindoso,
Podence, Lazarim, Cabanas de Viriato, Guimarães, Barcelos, Torres Vedras e
Loures, por terem individualidade própria e não serem decalcados de outros.
A 1ª Batalha de Flores em Estremoz
Em Estremoz, a primeira notícia conhecida e
referente à realização de um corso carnavalesco, remonta a Fevereiro de 1919,
na sequência do final da I Grande Guerra Mundial, travada entre 28 de Julho de
1914 e 11 de Novembro de 1918.
A seguir ao horror e à destruição daquele conflito
europeu e entre muitas outras coisas, alteraram-se os padrões de vida. Daí não
ser de estranhar a criação de um corso carnavalesco em Estremoz. Estava-se na
ante porta dos loucos anos 20 e o corso assumiu a forma de uma “Batalha de
flores”. Os carros, pertencentes a lavradores e a elementos da melhor sociedade
de então, iam enfeitados com flores que deles eram também lançadas sobre a
assistência que se encontrava ao longo do percurso, o qual é seguido ainda
hoje. Tratou-se de uma batalha amigável em que os projécteis eram flores de
cores variegadas e que perfumavam o ar.
O Orfeão e a revitalização do Carnaval de Estremoz
Após a criação em 1930 do Orfeão de Estremoz
"Tomaz Alcaide", este chamou a si a iniciativa de promover corsos
carnavalescos designados também por “Batalhas de flores”, integradas por carros
alegóricos, grupos de cavaleiros, grupos de ciclistas, grupos de foliões e
ranchos folclóricos do concelho. Os corsos eram abrilhantados pelas bandas
locais, Sociedade Filarmónica Luzitana e Sociedade Filarmónica Artística
Estremocense, as quais tocavam música portuguesa, assegurando a animação do
evento. “Cabeçudos” e “gigantones” completavam o ramalhete de animação que
percorria as ruas da parte baixa da cidade, previamente engalanadas.
O primeiro corso carnavalesco organizado pelo
Orfeão teve lugar em 1935 e saldou-se por um assinalável êxito, não só pela
participação da população, como pelo impacto junto de forasteiros que visitaram
a cidade. O sucesso reeditou-se nos anos subsequentes até 1939, ano em que em 1
de Setembro teve início a II Guerra Mundial. Após o interregno causado pelo
conflito bélico, o Orfeão retomou a organização dos corsos carnavalescos em
Estremoz em 1951. O auge do Carnaval de Estremoz terá acontecido nos anos 50-60
do século passado. As flores já eram de papel e os projécteis eram papelinhos,
serpentinas e saquinhos com serradura. Também apareciam saquinhos com areia e
dalguns carros lançavam-se tremoços ou grão-de-bico e ocorriam também as
inevitáveis farinhadas e bisnagadas. A música era bem portuguesa e havia
foliões que em grupo ou individualmente fizeram História: Joaquim António
Chouriço, José Gancho, João Mourinha, Padre-Santo, José Manuel Figo, Francisco
Chouriço, José Albano França, Joaquim Viana, António José Martins (Costeleta),
Ezequiel Chouriço e António Pegado (Pendão). Não deixavam o seu crédito por
mãos alheias, quer encarnassem o papel de um personagem respeitável ou pelo
contrário fossem caricaturalmente exagerados. Eram a elite vanguardista e bem
disposta de um Carnaval bem português: o Carnaval de Estremoz. Isto no “Tempo
da Outra Senhora”.
Abrasileiramento do Carnaval de Estremoz
Com o eclodir da Guerra Colonial em 1961, os corsos
carnavalescos viriam a ser interrompidos e só seriam retomados pontualmente em
1972 e 1973, graças à iniciativa particular de um grupo de foliões
estremocenses. Fruto de múltiplas condicionantes, a organização dos corsos
carnavalescos só seria retomada pelo Orfeão em 1993, ano em que para além daquilo
que era tradicional no Carnaval de Estremoz, alguém teve a triste ideia de
acrescentar “escolas de samba”. Foi o abrasileiramento do Carnaval de Estremoz,
que fez com que este se abastardasse e que por isso constituiu um atentado
histórico e social à sua identidade cultural local.
Actualmente, o Carnaval de Estremoz tem o samba
como música de fundo, ao som da qual os blocos de marchantes “sacodem as
pulgas”, enquanto no seu imaginário é projectado um filme em que se sentem
bailarinos duma escola de samba. Foram obliterados pela colonização brasileira
e sentem-se como passistas no Sambódromo da Marquês de Sapucaí no Rio de
Janeiro, quando afinal estão no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. Querer
transformar as ruas de Estremoz em sambódromo é como em Lisboa, querer meter o
Rossio na Rua da Betesga.
O samba, expressão privilegiada da cultura popular
brasileira, música e dança alegre para quem as sente no corpo e na alma porque
é brasileiro, faz tanto sentido no Carnaval de Estremoz como um elefante numa
loja de cristais. Quem desfila por aqui ao som da aparelhagem sonora, não
consegue transmitir a alegria nem tem o poder de comunicação dos marchantes
cariocas. É uma tristeza. É como se Domingo e Terça-feira Gorda se tivessem
transformado em Quarta-feira de Cinzas. O Carnaval de Estremoz é um arremedo do
Carnaval carioca. Daí que seja legítimo questionar:
- Quem te
manda a ti sapateiro, tocar rabecão?
No corso carnavalesco de Estremoz constata-se a
ausência de qualquer tipo de crítica social ou política. Para além disso e pese
embora o Carnaval ser um período propício a consumos proscritos durante a Quaresma,
não é pedagógica e eticamente aceitável que marchantes consumam álcool durante
o desfile, já que esse consumo pode transmitir a ideia errada que para haver
alegria é preciso haver consumo de álcool.
É Carnaval, ninguém leva a mal
Curiosamente, no desfile deste ano, o locutor de
serviço proclamava de vez em quando:
- O Carnaval
de Estremoz tem o apoio incondicional da Câmara Municipal de Estremoz!
Da minha parte só uma resposta é possível:
- É Carnaval.
Ninguém leva a mal.
Hernâni Matos
Cronista do Jornal E, folião e tudo
Publicado inicialmente em 11 de Fevereiro de 2018
(Texto publicado no jornal E nº 194, de 22-02-2018)
1 - Fotografia de Mendes Lopes – Jaime dos Santos.
Arquivo de Hernâni Matos.
2,3,6,7 – Fotografias de Rogério de Carvalho
(1915-1988). Arquivo do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”.
4 - Fotografia de Manuel Gato (1908-1994). Arquivo
de Hernâni Matos.
5
- Fotografia
de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo de Hernâni Matos.
2 - Corso carnavalesco de 1935. Carro alegórico da papelaria “A Tabaqueira”.
3 - Corso carnavalesco de 1935.
Carro alegórico de temática equestre frente ao
Quiosque Maniés.
4 - Anos 30 do séc. XX.
Mascarados fazendo-se transportar numa Dona-elvira
descapotável e florida, com
uma matrícula digna de figurar num vetusto
relicário. Ao fundo, o
edifício do RC3 com uma cerca de tabuinhas,
no mesmo local onde hoje
existe uma sebe de buxo.
5 - Corso carnavalesco de 1951,
frente ao edifício do extinto Círculo Estremocense,
sociedade recreativa
frequentada pela alta sociedade da época e cuja criação
em 1850 foi autorizada por alvará
régio de D. Pedro V.
6 -Corso carnavalesco de 1954.
Grupo de “cabeçudos” e “gigantones”
junto ao Jardim Municipal.
7 - Corso
carnavalesco de 1957. Carro
Alegórico do Orfeão de Estremoz “Tomaz
Alcaide”.