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terça-feira, 27 de julho de 2021

Hernâni Matos: do lado esquerdo, o centro

 

Pedro Martins. Jurista. filósofo. Escritor.


Se a memória me não atraiçoa, vai para uns sete anos que pela mão de Maria Antónia Vitorino, e por mor da memória de seu marido, António Telmo, professor e filósofo vinculado às terras de Estremoz, conheci o Professor Hernâni Matos. Graças a ele, foi possível realizar uma sessão de homenagem ao autor da História Secreta de Portugal (livro em boa parte escrito no Café Águias d’Ouro) na Escola Secundária de Estremoz, onde Telmo, em meados dos anos 60, chegou a leccionar, como docente de Português e Francês da então Escola Industrial e Comercial, imediatamente antes de partir para o Brasil, para se juntar a Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva na Universidade de Brasília.
Foi uma sessão fabulosa, memorável como poucas, num auditório repleto de jovens estudantes, em que além do autor destas linhas intervieram Elísio Gala, que apresentou as Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo, livro então recém-lançado com a chancela eborense da Licorne e em que o Alentejo, de Estremoz ao Redondo, revela a sua notável presença; o próprio Hernâni Matos, evocando o quotidiano estremocense do filósofo como quem lhe traçasse um perfil de bilharista exímio; o Professor José Salema, Director da Escola e antigo aluno de Telmo; e a Professora Cláudia Marçal, Directora da Biblioteca Escolar, em cujas paredes, a partir desse dia 14 de Novembro de 2014, passou a estar patente em permanência um retrato do filósofo.
Uma homenagem assim, singelamente grandiosa e muito bem-sucedida, só foi possível graças ao denodo infatigável do Hernâni Matos, que a concebeu, preparou e organizou até ao mais ínfimo pormenor. Membro do Projecto António Telmo. Vida e Obra, foi também ele quem, alguns meses depois, convocando os bons ofícios da Associação Filatélica Alentejana, promoveu em Estremoz o lançamento a nível nacional do Volume III das Obras Completas de António Telmo, Luís de Camões e o Segredo d’Os Lusíadas seguido de Páginas Autobiográficas, com o selo proverbial da editora Zéfiro. Foi isto em 20 de Junho de 2015, no dia em que exactamente se completavam 35 anos sobre a célebre conferência “O Segredo d'Os Lusíadas”, proferida por António Telmo na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, em Lisboa, no âmbito das comemorações nacionais do quarto centenário da morte do poeta.
Generosa e fecunda, tão profícua como brilhante, a inesgotável capacidade de trabalho de Hernâni Matos, que venho de ilustrar com aquilo que de um modo mais directo, e sobretudo pessoal, lhe pude testemunhar, melhor se afere por padrões próximos da lenda. Décadas a fio, Hernâni Matos vem erguendo uma obra monumental como escritor, jornalista e blogger. Diria antes, para tudo dizer, como um emérito, notável investigador, pesquisador infatigável, insaciável coleccionador. Perquiridor de raízes e arcanos, o professor autodidacta e interdisciplinar percorre transversalmente, com ecuménica compreensão, sólida erudição e a sempre necessária argúcia, os domínios ecléticos da história local e regional, sem nunca olvidar os mais vastos horizontes da portugalidade, essa outra nuvem só nossa feita de todos os céus consentidos à vista desarmada – isto é, pacífica – da terra e do mar.
Apenas os insignes regionalistas da estirpe austera e entusiasta de um Hernâni Matos podem realmente entender o verdadeiro nacionalismo, que é sempre e só cultural, como sem escândalo sucede há muito ocorrer em música com um Lopes-Graça, e por vezes também cultual, posto que às baias dos dogmas sempre o nosso povo, herdeiro da heresia de Prisciliano, tenha sabido quebrar as grilhetas de todas as Romas, como nesse culto popular do Espírito Santo, que se talvez ande creditado em demasia à tão de Estremoz Rainha Santa Isabel, não deixa, também por esta, de nos evocar a Santa Liberdade sem a qual só o medo voraz ou o mesquinho interesse nos restam.
Homem por certo da margem esquerda, que é o lado do coração, Hernâni Matos devém um construtor de pontes: ele bem sabe que um rio mais pode unir do que separar logo que lhe sintamos a força da corrente, pressentindo a grandeza do que fica além da sua foz. E não é afinal o coração, no mar dos símbolos, como ensinava Telmo na senda de Dante e Guénon, o centro do mundo?
Não que com tudo isto se exima Hernâni ao exercício diuturno, e por vezes contundente, de uma crítica que na sua consciência é ainda memória, mas também o raiar daquela fímbria de esperança sem a qual nada vale realmente a pena. Franco-Atirador é o título certeiro dado como um espelho à recolha antológica que em 2017 deu a lume este Jano dado aos nossos dias. A potência dos seus escritos mais sugere a força de um exército. São, porém, homens solitários (não obstante, os mais solidários) como um Hernâni Matos – ou um António Reis Marques numa Sesimbra que não é já “minha” por se ter tornado terra de ninguém – que simulando, ou semelhando, as multidões iludem por ora os vazios onde sempre os demónios se procuram instalar. Haverá motivo maior para a nossa gratidão?

Pedro Martins
Almoinha, Sesimbra, 27 de Julho de 2021

terça-feira, 22 de junho de 2021

Homenageando o Professor Hernâni Matos

 

Fernando Máximo. Funcionário Público.

HOMENAGEANDO O PROFESSOR HERNÂNI MATOS


Professor Hernâni Matos
Junta a teoria aos factos
Com muita desenvoltura;
P’lo muito que tem feito
Merece o nosso respeito
Por ser homem da cultura!

Dos vultos mais competentes
Em áreas tão diferentes
Numa muito longa lista:
É um insigne escritor
Etnógrafo, professor,
E Mestre filatelista

É expositor e jurado,
“Expert” do figurado
Essa arte, (que tão nobre,)
Património Imaterial
Deste nosso Portugal
Que tanto orgulho nos cobre!

É firme nas convicções
E em certas reflexões
Que por vezes o consomem...
É excelente escritor
Um “Franco-atirador”
Mas mais que tudo é um HOMEM!

Quem o conhece de perto
Reconhece-lhe por certo
Virtudes que são verdades...
Admirá-lo é um direito
Prestando assim o seu preito
A quem só tem qualidades...

Professor, meu grande amigo,
Em boa hora lhe digo:
Pelo crer que a si se pôs,
Ganha, pois, o meu louvor
Por ser um grande SENHOR
Desta cidade Estremoz

Fernando Máximo
Avis, 02 de Abril de 2021

domingo, 20 de junho de 2021

Pode alguém ser quem não é? / A propósito de Hernâni Matos


Álvaro Borralho. Sociólogo. Professor Universitário. 

Os nossos caminhos cruzaram-se quando eu era estudante da Escola Secundária de Estremoz – é assim que gosto de recordar a minha velha Escola –, aí por volta do 8.º ano, e num anfiteatro de físico-química. Não por ter sido seu aluno, que nunca fui – embora tivesse gostado de ser, pois gostava muito de física –, mas por breve tempo ter aderido a um clube de filatelia que o Prof. Hernâni estava a criar na Escola. Éramos poucos, mas ele animava estas sessões com especial entusiasmo, de tal modo, que me mantive. Todavia, o final do ano lectivo levou algum do entusiasmo e não logrei ser o filatelista que verdadeiramente nunca quis ser. Ela já o era, há muito, reconhecidamente, e foi sempre com grande deleite que assisti a algumas das suas exposições. Recordo uma, em especial, de Maximafilia no Salão Nobre dos Paços do Concelho, assim como as realizadas no espaço exíguo da Associação num espaço existente no início da Rua Narciso Ribeiro. Ir a uma das suas exposições tinha, além do mais, o atractivo de o poder ouvir nas suas detalhadas explicações e compreender um pouco melhor o mundo fascinante dos selos. Embora tenha perdido o breve encantamento da filatelia, lia sempre a sua coluna no Brados do Alentejo.
E foi no jornal que nos voltámos a encontrar mais assiduamente, que cimentámos a nossa amizade a que não é estranho termos sido colaboradores pela mesma altura. O Brados foi, e é, um local de encontro, juntando várias gerações, permitindo o convívio, a entreajuda e o interconhecimento. Dali sempre se saiu mais rico.
Mais tarde, havia de o procurar para me ajudar a desvelar alguns aspectos do processo político estremocense, de 1974 a 1976, quando realizei uma dissertação académica sobre o assunto. E foi com inegável prazer que o entrevistei umas boas horas sobre as suas memórias, a sua participação, sobre factos e acontecimentos. Passadas mais de duas décadas sobre esse encontro, ainda recordo algumas das leituras que me proporcionou. Só não lhe perdoar que tenha deitado ao lixo algum tempo antes, segundo me confessou, uma colecção de comunicados de todos os partidos políticos distribuídos em Estremoz. Conhecendo o seu pendor detalhista e a sua capacidade de perseguir, e de reunir o perseguido, imagino que seria uma excelente base documental. Guardo a leve esperança que alguém tenha guardado aquelas pastas, mas sem grande alento. Perdoei-lhe, mas tive um grande desgosto em não ter deitado mão àqueles preciosos documentos.
Se conto este episódio é para reforçar o quão importante é encontrar e conhecer alguém como o Hernâni Matos. A nossa memória colectiva vive destes sequazes guardadores de memórias, que, com espírito abnegado, guardam o espólio sobre o qual se há-de construir, e reconstruir, esta nossa memória. Preservando-a, dão um contributo inestimável ao seu estudo, e, assim, a tentar interpretar e a entender os vários sentidos que cada um – pessoas, partidos, grupos, etc. – concederam aos acontecimentos. Quer dizer, ajudam a fazer a história, no meu caso, a sociologia, de tempos vividos, mas não presenciados com a mesma intensidade ou proximidade.
O seu recente livro sobre os bonecos de Estremoz aí está a comprovar o que antes afirmei: o desejo de recolher, reunir, coleccionar, dispor organizadamente o material e, por fim, dá-lo a conhecer a quem tenha essa curiosidade. Nunca é um esforço vão, é sempre um contributo para a procura de mais e melhores significados.
Termino com a mesma interrogação com que se iniciou este breve depoimento: pode alguém ser quem não é? Como se sabe, é o título de uma magnífica canção do Sérgio Godinho que serve perfeitamente para dar o tom a este escrito. E que o Hernâni continue a ser quem é e nos dê a satisfação de o encontrar e de o ler por onde decidir andar.

Álvaro Borralho
Ponta Delgada, 19 de Abril de 2021

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Naquela esquina um amigo

 

Maria Helena Figueiredo. Jurista.

Não conheço o Hernâni Matos há tantos anos assim. Melhor, conheço o Hernâni Matos da escrita, do Blog, das trocas de emails, dos telefonemas há vários anos, mas pessoalmente – ao vivo e a cores como se costuma dizer – conheci-o há menos tempo.
Foi em Estremoz há 5 anos, na rua, mais precisamente no pátio do Castelo, quando ambos estávamos envolvidos na defesa da casa do Alcaide-Mor, que a Camara estava a tentar vender a privados em condições muito questionáveis.
Poucas vezes alguém me deixou uma imagem tão impressiva como o Hernâni Matos.
Aquele homem grande, o que é invulgar para a sua geração, de pé à minha espera na esquina, numa postura muito firme e com o ar amistoso dos velhos conhecidos, ficou-me gravada na memória porque ela reflecte, no fundo, aquilo que o Hernâni é.
Um homem de grande estatura ética, firme nas convicções, um homem que nem no tempo da ditadura nem depois se vergou aos interesses de ocasião e que sempre, com firmeza e coragem, defendeu a liberdade. Um homem desassombrado, que não cala a injustiça e que sempre se levanta pelo que considera justo, pela sua terra e pelas suas gentes.
Um homem de cultura, que faz da transmissão do conhecimento uma missão de todos os dias e que encontramos na primeira linha na defesa do património e da nossa história colectiva. Uma história que não é apenas a dos reis e das rainhas, mas também a história dos de baixo, do Povo e das suas lutas.
E depois, depois fica-lhe aquele “brilhozinho nos olhos” quando fala no figurado de Estremoz, quando esgrime a valorização deste património e se envolve na sua defesa, com a sabedoria que todos lhe reconhecemos, mas sem ficar preso ao passado. Com inteligência e capacidade de olhar, reconhece os e as jovens barristas, dando-lhes com as suas palavras e o seu apoio o tão necessário ânimo para continuar.
Hernâni Matos é uma figura ímpar, um Homem especial. Podemos chamar-lhe guardador de memórias, podemos chamar-lhe mestre, podemos chamar-lhe muita coisa. A mim honra-me poder chamar-lhe amigo.

Maria Helena Figueiredo
Évora, 19 de Abril de 2021

terça-feira, 15 de junho de 2021

Professor Hernâni: das Ciências à preservação da Cultura

 

Filipe Glória Silva. Pediatra.
 

A recordação mais antiga que tenho do professor Hernâni Matos é das aulas de Química, do 10.º ao 12.º ano. Homem de altura imponente e voz forte, um pouco austero na primeira impressão, conseguia manter desde o início a ordem na sala de aula e ganhava também o respeito dos alunos pela sua segurança no conhecimento e no ensino das matérias. A convivência permitia também conhecer o seu sentido de humor muito próprio. O programa de Química estava todo explicado nos acetatos que projetava durante as aulas e que entregava para fotocopiar e distribuir entre os alunos. Incentivava a prática de muitos exercícios, o que era fundamental para a consolidação da aprendizagem.
Sempre foi evidente o seu zelo pela organização e sistematização, fundamental para viabilizar a disponibilidade de tempo para os seus muitos interesses para além da ciência. Penso que a sua maior paixão na altura era a filatelia, mas muitos interesses se foram juntando com um espírito persistente, minucioso, curioso, irrequieto, ativista, resiliente, colecionador e empreendedor.
Quando penso no professor Hernâni, não consigo deixar de pensar também na companheira da sua vida, a professora Fátima, com o seu ar discreto e sereno. Diz-se que ao lado de um grande homem, há sempre uma grande mulher. Será também aqui o caso pelo seu cuidado com a família, persistência, resiliência, mostrando bonita admiração pelos projetos do seu marido.
De facto, o professor Hernâni tem feito um trabalho notável de recolha, reflexão, promoção e preservação do património cultural português e, particularmente, da cidade de Estremoz e da sua barrística. Fê-lo por diversos meios e iniciativas, não ficando também de fora da revolução da internet com o seu blogue “Do tempo da outra senhora” e página do Facebook. Enquanto filhos desta terra alentejana e cidadãos portugueses, ficamos-lhe gratos por todo este trabalho e empenho. Bem-haja, professor Hernâni.
 
Filipe Glória Silva

Lisboa, 14 de março de 2021

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Dois em um

 

Bento Grossinho Dias. Engenheiro Mecânico. Gestor.


Há uns 15 anos que conheço o Hernâni Matos, Ser orgulhoso das suas origens, do seu Alentejo e da sua Estremoz, dos seus bonecos e tradições, que tão bem divulga na sua oralidade e escrita.
Mas sou amigo do Carmelo de Matos há 43 anos (tive que fazer um esforço mental para recuar tanto no tempo). E claro a lembrança para mim, jovem na altura com 16 anos, era o seu estranho nome, herdado do avô materno, que ouvido me soava a guloseima, sem que me atrevesse a esclarecer tal bizarria. Mas o meu não era muito melhor…
Aproximou-nos o coleccionismo, os postais, os inteiros postais, os postais máximos, dos quais o Carmelo de Matos foi e é expoente máximo… pela sua cultura, pelo gosto pelas ciências e pela história, que afortunadamente puderam ser ainda mais divulgados com a disseminação das redes sociais.
Mas o vozeirão (de que tão bem me lembro!) que caracterizava o contacto humano com o Carmelo de Matos, passou agora a ouvir-se na forma digital dos maravilhosos escritos do Hernâni Matos. Sempre mordaz, consciente das suas convicções e crente na sua mensagem, Hernâni Carmelo de Matos (agora na forma inteira) é uma daqueles poucos amigos que não esquecemos, pela força da sua presença.
Obrigado Carmelo de Matos, obrigado Hernâni Matos.

Bento Grossinho Dias
Lisboa, 30 de Março de 2021

Hernâni Matos

terça-feira, 13 de abril de 2021

Professor para sempre...


Laurinda Paulino. Professora.

Conheci o Hernâni no dia 11 de novembro de 1980, na sala 14 (anfiteatro do primeiro piso) da Escola Secundária de Estremoz quando se apresentou como professor de Física da turma C do 12.º ano, à qual eu pertencia. Ensinou-me conteúdos de Física que se integravam nos ramos da Mecânica, da Cinemática, da Dinâmica e da Estática, mas também me ensinou Matemática, nomeadamente Álgebra e Análise Vetorial e foi com ele que eu aprendi “a derivar”.
Eu vivi a escola (e a universidade) nos anos em que foram implementadas profundas transformações no sistema educativo (1974-1986) e fui uma das “cobaias” a experimentar o curso geral unificado, o curso complementar, o 12.º ano de escolaridade em substituição do ano propedêutico, novos programas e novos modelos de avaliação. Portugal estava a equiparar o seu sistema de ensino com os outros países europeus, estabelecendo 12 anos de escolaridade obrigatória antes do ensino superior. Por isso, eu como aluna, e o Hernâni como professor, experimentámos pela primeira vez aquele programa de Física. Não havia manual, os apontamentos/fichas com exercícios do professor eram indecifráveis pois apresentavam uma caligrafia que me faziam doer os olhos de tantas horas que levava a olhar para aqueles gatafunhos. Às vezes conseguia-os descodificar, outras vezes adivinhava-os após algumas investidas e noutras desistia mesmo e ia para a biblioteca escolar estudar através dos livros que o professor aconselhara.
O Hernâni era um bom professor, dominava completamente os assuntos que abordava, preparava as aulas e lecionava-as de forma muito profissional e por vezes, adicionava uma “pitada” de humor nas suas exposições. Mas quando se zangava… era de fugir. “A malta” respeitava-o e gostava dele.
No segundo período o professor Hernâni rumou a outras paragens e deixou-nos com “a filha nos braços”. Foi substituído por uma jovem professora do Norte. A turma sentiu a sua falta.
No final do 12.º ano fiz uma limpeza à papelada que havia em casa e joguei fora todos os cadernos da escola de todas as disciplinas, exceto o de Física do 12.º ano. Vá-se lá saber porquê!... Conteria informação preciosa? Mais de 40 anos depois, voltei a abri-lo para pesquisar o esclarecimento que hoje necessito. No primeiro ano da universidade, enrascada com a Mecânica, recorri aos apontamentos do Hernâni Matos, que me deram jeito e me safaram no exame de Física Geral I.
Em 1986, regressei à Escola Secundária de Estremoz como professora do grupo 4.ºA (Física e Química). O Hernâni era o delegado de grupo e voltou a dar-me uma lição no que respeita à dedicação e envolvimento nesta sua função na escola. Desde a preparação das reuniões, planificações, participação nas discussões até à realização de exposições e outras atividades, rotulagem e catalogação de materiais e equipamentos, o Hernâni despendia todo o seu potencial e deixou na escola, algumas referências que os colegas ainda hoje utilizam. Considero-o “um homem sem medo”, decidido, desenrascado, sincero, frontal, lutador e como ele próprio dizia “capaz de apanhar o touro pelos cornos”. Com o aparecimento e desenvolvimento das novas tecnologias, o Hernâni depressa criou uma simbiose com os computadores, e também me considero sua discípula neste território devido a algumas aprendizagens que fiz com ele.
Compartilhámos ações de formação, reuniões, materiais, momentos de trabalho e momentos de convívio. A relação profissional evoluiu para uma afinidade que se estabeleceu entre nós, gerando uma amizade, e tenho pelo Hernâni um sentimento de afeto, carinho, confiança e admiração por tudo aquilo que faz.
Para além de professor de Física e Química, o Hernâni deu outras grandes lições. Quando comparecemos em exposições de filatelia enriquecemos os nossos conhecimentos históricos sobre temas associados a acontecimentos, lugares, países, objetos… e ele organizou muitas. Quando assistimos às suas palestras aprendemos sempre algo na exposição divulgada e ele deu algumas sempre motivantes, enriquecedoras e bem-humoradas.
Em 1998 fiz parte da Direção da Escola e o Hernâni deu-nos todo o seu apoio, fazendo parte da Assembleia de Escola e foi convidado a dinamizar o Centro de Recursos, fazendo como é seu apanágio, um excelente trabalho.
Aposentou-se como professor da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel de Estremoz tendo-me oferecido algum do seu património na área da Física e da Química. Reformou-se mas não parou de doutrinar, divulgar e mostrar toda a sua dedicação à Cultura Portuguesa com ênfase nos Bonecos e Olaria de Estremoz.
Não sei se diga que o Hernâni entregou a sua vida a dar lições ou se deu uma grande lição de vida onde florescem ideias que se casam uma nas outras, se multiplicam e acrescentam pontos para completar um conto que vai com certeza fazer parte da História de Estremoz.

Laurinda Paulino. Professora.
Estremoz, 1 de Abril de 2021

domingo, 11 de abril de 2021

Quando levantar o cerco


 António Morais Arnaud. Engenheiro Mecânico. Doutor em Informática.
Professor Universitário.

Todas as Terras deviam ter um Hernâni que conhecesse a sua História, as suas gentes, que apreciasse a sua beleza e as defendesse com a palavra amplificada pelas tecnologias, da informação pós-Gutenberg e da comunicação digital. Muitas tiveram a sorte de terem sido berço de escritores que perpetuaram em livro a memória da época em que viveram e algumas foram estudadas por apaixonados que reuniram memórias etnográficas, arquitetónicas, com respeito pelos concidadãos que as cuidaram.
Só conheci o Hernâni neste século, apesar de ter ido para a Valeja, a 14 km de Estremoz, com uma semana de idade e de aí ter passado até aos 20 anos, Natais, Páscoa e parte das férias grandes, com idas a Estremoz, semanais e nos dias de festa. Só passei a conhecer Estremoz e a lembrar aspectos do meu crescimento com o blogue que o Hernâni tem mantido vivo, com a sua paixão multifacetada, acompanhando e defendendo a integridade do património cultural com independência, isenção e conhecimento meticuloso. 
São inúmeros os agradecimentos que deveria fazer ao Hernâni, da gastronomia que partilhámos, às conversas na Feira de Velharias, onde ele salvava objectos abandonados, passando pelos muitos amigos comuns e vivências relembradas. 
Só aguardo o levantar deste cerco às nossas vidas para voltar ao Sábado à Terra de que mais gosto neste país que tenho percorrido e almoçar com o Hernâni no Tira-Picos.
 
António Morais Arnaud
Lisboa, 20 de Março de 2021

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Hernâni, o professor, o colega, o pai de Catarina e o amigo


Helena Fidalgo Marques. Professora.
 
Nos finais dos anos 80, do século passado, o Hernâni foi meu professor de Física e Química, no 10º e 11º ano. Ainda me recordo das suas aulas, no anfiteatro, que a Escola Secundária de Estremoz tinha na ala direita, onde atualmente estão os gabinetes e a biblioteca. Sempre, muito empenhado, em explicar aquelas matérias difíceis, mas interessantes, pelo menos para mim. Foi um bom professor e, dos tempos de aluna, ficaram memórias de luz.
Os professores contagiam e eu voltei à escola para, também, ser professora. E tive o privilégio de rever alguns dos meus professores e, entre eles, estava o colega Hernâni. Éramos os dois professores de Física. Só que ele da Física e Química e eu da Educação Física. Inércia, atrito, leis de Newton, velocidade, força e resistência, entre outros assuntos, são aspetos comuns às duas. Foram matérias que, também aprendi, no 9º ano, com a Fátima.
Em Abril de 2001, organizámos conjuntamente uma estafeta entre Évora e Estremoz, assegurada por cerca de 50 alunos da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. A estafeta constituiu uma das actividades de animação das Exposições Filatélicas “ESTREMOZ 2001” e “FILAMOZ 2001”, integradas no programa da FIAPE e visava transportar a mala postal entre a Estação dos Correios do Largo das Portas de Moura, em Évora e o Teatro Bernardim Ribeiro, em Estremoz, local do acto inaugural daquelas exposições. A mala transportada sucessivamente pelos alunos, continha correspondência marcada à partida com a marca de dia de serviço na Estação, assim como o carimbo de trânsito de “Correio por Estafetas”, sendo marcada à chegada com o “Carimbo Comemorativo do Centenário de Tomaz Alcaide”.
Quando a Catarina, filha da Fátima e do Hernâni, chegou ao ensino secundário, foi a minha vez de ser a sua professora.
Somos exemplo, de como a escola nos ligou. E, quando passados, cerca de 35 anos, recebo o seu convite para escrever, chamo-lhe amizade.
Obrigado Hernâni pelos seus ensinamentos e pelo gosto insaciável de partilhar conhecimento.
 
Helena Fidalgo Marques
Estremoz, 14 de março de 2021


Os alunos participantes na estafeta Évora-Estremoz realizada em Abril de 2001
posando para a posteridade.

domingo, 4 de abril de 2021

Hernâni, Homem de Cultura!


Renato Valadeiro. Funcionário autárquico.
 

Décimas dedicadas a Hernâni Matos
pelo poeta popular Renato Valadeiro


HERNÂNI, HOMEM DE CULTURA!

 
Faz anos que o conheci
Amigo que no tempo perdura
Por isso é que eu digo aqui
Hernâni, homem de cultura!
 
Soube que foi professor
A mim não me leccionou
De estudar não se cansou
O que faz é por amor.
Deixo-lhe assim o louvor
Porque eu nunca fingi
Enquanto assim eu cresci
Descobrindo coisas boas
Foi uma dessas pessoas
Faz anos que o conheci.
 
Sempre ele me convidava
Para os encontros de poetas
Queria atingir suas metas
Em tudo o que organizava.
Ninguém sequer o calava
Tinha até certa “bravura”
Quando alguma criatura
As voltas, lhe queria trocar
Vou então sempre afirmar
Amigo que no tempo perdura.
         
Também ele se dedica
À arte da Filatelia
E cada evento que cria
De coração cheio se fica.
Há mesmo quem o critica
Mas eu jamais percebi
Porque se o Sujeito segui
Sei que sabe muito de História
Não me sairá da memória
Por isso é que eu digo aqui.
 
E no blogue onde escreve
Pode-se provar ser verdade
Falar sobre esta cidade
Só como ele sabe e se atreve.
Que um dia destes se eleve
Para lembrança futura
Justa homenagem em escultura
Deste Ser mui sabedor
Dando-lhe o devido valor
Hernâni, Homem de Cultura!

Renato Valadeiro
Estremoz, 14 de Março de 2021

sexta-feira, 2 de abril de 2021

O jogo ainda não acabou!


José Gonçalez. Fadista. Radialista. Fotografia de Márcia Filipa Moura.

Falar do Prof. Hernâni Matos foi o desafio colocado. Talvez eu possa dizer que não é muito difícil falar do Prof. Hernâni, como possa dizer que não é muito fácil falar do Prof. Hernâni. Não porque a vida do Prof. se me afigure uma antítese ou algo que é alguma coisa e o seu contrário. Não. Vou tentar explicar. Não é fácil falar do Prof. Hernâni porque nunca foi meu professor, nunca tive com ele um relacionamento, estreito ou muito próximo e nunca desenvolvi com ele nenhuma actividade cultural ou social.

A nossa relação foi sempre a de duas pessoas que se conhecem, sabem quem são e se respeitam. Por isso, não me será difícil falar sobre o Prof. Mas, ao mesmo tempo, não me é fácil falar do Prof. Hernâni porque nem sei de quando o conheço. Conheço-o de sempre. Conheci muito bem o seu Pai, amigo do meu Pai e visita habitual da antiga Sociedade Columbófila de Estremoz. E lembro-me de o ver nos jogos do Hóquei também! Do Prof. sempre ouvi também falar do acidente que teve, de como Estremoz viveu esse acontecimento e como o Prof. recuperou.
Não será difícil conhecer o Prof. Hernâni porque o seu trabalho é publico e notório. Não falo da sua profissão e da sua dedicação à causa, seguramente. Não. Falo das questões políticas e culturais. Na política cruzei-me com o Prof. várias vezes, tive o enorme gosto e honra de o entrevistar na “minha Rádio Despertar” em várias ocasiões e de ter percebido a sua dimensão humana e intelectual. Creio que a nossa primeira conversa foi com o Dr. Dias Sena, quando este foi candidato à Câmara Municipal de Estremoz. Lembro-me de várias conversas, lanches até, recordo mesmo uma tarde com o Eng.º Vítor Silva, entre outros, no quiosque do Rossio Marquês de Pombal, dias depois de o Dr. José Dias Sena ter sido eleito Presidente e se preparar mais uma edição da FIAPE… Mas, como sempre vi o Prof. Hernâni, para lá do seu grave vocal, foi a de um homem sonhador, dedicado, estudioso, trabalhador, historiador. Envolvido e envolvente.
Leio atentamente o seu blogue “Do Tempo da Outra Senhora” e alegra-me muito que alguém se preocupe com o nosso passado colectivo, neste caso muito focado em Estremoz, nas suas gentes, nos seus hábitos, tradições e costumes. Está a fazer História, está a deixar História e está sobretudo a deixar ferramentas às gerações vindouras. Um trabalho importantíssimo e de grande mérito.
Lembro-me do Prof. igualmente pela sua paixão à Filatelia. Por culpa sua, ao ver uma exposição, comecei uma colecção de selos. Não tenho muitos, tenho alguns, mas o coleccionador ficou, há muito, pelo caminho. Mas mantive os selos.
Por fim, acompanhei e acompanho, o seu excelente trabalho desenvolvido à volta da barrística de Estremoz, aos “Bonecos”, do seu apoio, entrega e paixão a esta arte tão enraizada na Cidade de Estremoz, que lhe vale hoje a sua elevação a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Por tudo isto e por tanto mais com certeza, não se pode afigurar difícil falar sobre o Prof. Hernâni, a exposição pública das suas actividades, a sua acção pública e empenhada pela valorização e perpetuação, mesmo a um nível antropológico da História de Estremoz e das suas gentes, bem como a sua intervenção política. Tudo isto fez e faz, com que o Prof. Hernâni não seja mais um na bancada a assistir aos jogos. Sempre o vi em campo. Em vários campos e é assim que espero continuar a vê-lo por muitos mais anos. Assumindo as suas lutas, trabalhando e partilhando as suas obras.
Prof., o “jogo” ainda não acabou, meu caro. Não será um homem consensual, nem poderia ser. As pessoas que abraçam causas e dão a cara por crenças, nunca o serão. O meu abraço e da minha parte muito obrigado pelos seus excelentes trabalhos e dedicação!

José Gonçalez

Estoril, 10 de Março de 2021

quarta-feira, 31 de março de 2021

MANIFESTO PRÓ-HERNÂNI à maneira de Almada, com PIM e tudo!

 
Francisca de Matos. Professora. Foto de Luís Mariano Guimarães.

MANIFESTO PRÓ-HERNÂNI
à maneira de Almada, com PIM e tudo!
 
O Hernâni tem alma de azinheira que nos montes enfrenta a ventania de igual para igual!
O Hernâni é homem de paixões arrebatadas: pelo Alentejo, por Estremoz, pela cultura popular que coleciona com a voracidade de quem sabe que daquilo já não há quem faça mais!
O Hernâni é guardião de tesouros e preciosidades de antanho, das memórias de um tempo que já não existe, mas que é preciso não esquecer, tanto pelas boas como pelas más razões.
 
 Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni é incansável! Como Sísifo, move pedregulhos, escava este mundo e o outro com afinco, uma e outra vez, à procura das certezas que o seu instinto lhe diz que existem e que acaba por, mais cedo ou mais tarde, encontrar!
O Hernâni fez da escrita uma arma de pontaria certeira para lembrar que o passado define quem somos e que não o podemos descartar sob pena de perdermos a nossa identidade cultural e coletiva!
O Hernâni é uma instituição, a memória viva de Estremoz, das suas gentes e das suas tradições!
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni faz pontaria aos dantas deste mundo de cabeça erguida e sem pedir licença por ser como é!
O Hernâni diz o que pensa e o que sente, sem subterfúgios, doa a quem doer, e ganhou o direito de o fazer porque tem feito muito pela sua terra. Só é pena que, como diz o rifão, “santos da casa não façam milagres”!...
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni levou longe a sua paixão pela filatelia! Foi nesta fase que o conheci e testemunhei o seu empenho e iniciativa na realização de eventos que projetaram Estremoz a nível nacional e internacional!
O Hernâni dinamizou, durante anos, um espaço aberto a colecionadores e artistas, um espaço de diálogo, de encontro e de partilha que muito animou a cidade e que a cidade não deveria esquecer!
Na verdade, uma cidade que tem a força motriz de um Hernâni que não consegue estar quieto nem um segundo e que a todo a hora faz propostas e lança ideias cuja primeira intenção é valorizar e melhorar a terra em que nasceu deve, no mínimo, estar reconhecida pela sua existência!
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
Mas o Hernâni tem um amor maior, um amor da idade madura, daqueles que nascem da certeza e do saber e, por isso, são à prova de bala. Amor alimentado pela experiência, pelo conhecimento e, sobretudo, pelas suas próprias raízes culturais: os bonecos de Estremoz!
Por este amor tem feito das tripas coração, tem até engolido sapos, o que só confirma a fortaleza e a grandeza dos seus sentimentos!
Por este amor, o Hernâni tem construído um sólido enquadramento teórico que ficará para a posteridade e que lhe permite, como a qualquer apaixonado, tomar a liberdade de ousar!
O Hernâni tem sido candeia que vai à frente: questiona ideias feitas, desafia convenções, desafia artesãos! E estes respondem-lhe à letra para gáudio e satisfação do seu coração - que nessas alturas é de menino! - que mais não poderia desejar! E respondem aos seus desafios por saberem que ele respeita e valoriza a sua arte como poucos!
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni e eu fomos colegas de profissão e, nas voltas do tempo, aprendemos a conhecer-nos. Aprendi que o Hernâni, por detrás daquela força da natureza que o ajuda a levantar-se sempre que a vida lhe prega uma partida é um homem empenhado, ativo e de grande sensibilidade. Quase sem dar por isso, tornámo-nos amigos e assim nos temos mantido até hoje (o diabo seja cego, surdo e mudo!)! A amizade que nos une é genuína e merece sempre retribuição! Sim, porque amigos não há muitos e como o Hernâni, então, são muito raros!
 
Por isso
Viv’ó Hernâni, Viva!

PIM!

Francisca de Matos
Estremoz, 7 de Março de 2021

 Francisca de Matos no decurso da sua palestra Até amanhã, Manuel Tiago" ou o
 neo-realismo como projecto de resistência, proferida na Sala de Exposições do
Centro Cultural de Estremoz, em 13 de Maio de 2013.
Foto de Luís Mariano Guimarães.


Hernâni Matos

segunda-feira, 29 de março de 2021

Preservar memórias


Sónia Ferro. Jurista. Vereadora da Câmara Municipal de Estremoz.
 
O Professor Hernâni, por muitos motivos e mais alguns, é-me pessoalmente querido e por ele nutro a maior consideração.
Não posso deixar de me recordar de quando, ainda bem miúda, tive o privilégio de que me mostrasse a sua coleção de selos, ou provavelmente parte dela, pois já à data era bastante extensa e impressionante. Eu e o meu irmão Pedro, um pouco mais novo que eu, ficámos absolutamente fascinados! A tal ponto que iniciámos logo várias coleções, algumas das quais ainda hoje preservamos.
Também na Escola Secundária, apesar de nunca ter sido sua aluna, até porque ingressei pelo mundo das letras, fui marcada pela sua figura carismática. Foram muitos os meus amigos e colegas que, pela sua influência e pela forma cativante como lecionava, enveredaram pelas “físicas” e pelas “químicas”.
Hoje tenho-o como um homem de saber, perseverante e resiliente. Alguém cuja determinação e empenho tem contribuído, de forma singular, para a preservação e valorização do património cultural de Estremoz. O rigor com que leva a cabo os seus projetos e estudos, entre outros como investigador da Barrística Popular Estremocense, asseguram-nos a autenticidade, a preservação e o respeito pelas “nossas” memórias e tradições populares.
A sua capacidade de partilhar o saber e o seu conhecimento aprofundado e especializado é também de louvar. Por meio do seu Blogue, de publicações na imprensa e dos livros de que é autor ou organizando exposições temáticas e iconográficas, o Professor Hernâni abre-nos o livro da história da nossa comunidade.
Como filha da terra resta-me demonstrar-lhe a minha gratidão.
 
Sónia Ferro
Estremoz, 4 de março de 2021
 
 Hernâni Matos

domingo, 28 de março de 2021

O meu posto é aqui!

 

 


É forte o meu amor pelos Bonecos de Estremoz. É como se a Terra-Mãe de barro se tivesse fundido comigo num acto de paixão perene que me aquece e alegra a alma. Por outras palavras: tenho os Bonecos de Estremoz na massa do sangue. Eles são o meu amor de todas as horas e acompanham-me para onde quer que eu vá. Longe de ser um fardo, é uma missão que assumi de corpo inteiro. De tal modo que por vezes me vejo obrigado a puxar das divisas e a proclamar:
- O meu posto é aqui!
Esse o significado da presente fotografia de quem não nasceu para posar para fotografias, mas antes para rasgar horizontes, já que é para serem rasgados que os horizontes existem. Todavia, os horizontes fogem de mim e sempre que avanço na minha caminhada, os horizontes passam a ser outros, até eu passo a ser outro, porque, entretanto, cresci durante a caminhada.
Recolectar, observar, analisar, ver para além do óbvio, estudar, investigar, pulverizar os dogmas e as verdades de conveniência onde alguns gostam de se acoitar e acabam por se atolar, são alguns dos passos dessa caminhada.
Boniqueiro das palavras ou picareta escrevente tanto faz. O que interessa é o que escrevo e como escrevo, já que se escrevo e porque escrevo é espontaneamente da máxima importância, por ser tão vital como o respirar, o comer, o dormir e o procriar.  E a voz que é minha com a força e a legitimidade de provir igualmente da Terra-Mãe, tal como eu nunca se rende e mesmo em momentos difíceis proclama comigo e a uma só voz:
- O meu posto é aqui!

sexta-feira, 26 de março de 2021

Hernâni Matos: uma referência na vida estremocense

 
 Pedro Ramalho. Funcionário autárquico. Radialista.

 Traçar o perfil biográfico de quem quer que seja, não é tarefa fácil, muito menos do Professor Hernâni Matos. Limitar-me-ei a alguns tópicos resultantes da minha interação com ele.

Durante o seu percurso como docente na Escola Secundária Rainha Santa Isabel, não cheguei a ser seu aluno. Certamente, cruzávamo-nos nos corredores e o nosso relacionamento não passaria dum circunstancial “bom dia” ou “boa tarde”.
No ano de 1994, conheci pessoalmente o Professor Hernâni Matos como autarca na Assembleia Municipal de Estremoz, à qual eu prestava assistência como funcionário do Município. Aos sábados de manhã era vulgar encontrarmo-nos no Café Alentejano, onde em torno de uma bica, o tema de conversa eram os assuntos pertinentes da ocasião, abordando-se também a sua prestação no órgão autárquico e os projetos que desenvolvia na altura (Filatelia, Animação Cultural e Imprensa local). Muitas vezes coloquei à sua disposição os meus conhecimentos no arranjo e produção gráfica de trabalhos das diversas áreas em que tem intervindo.
A meu ver, o seu papel como autarca traduz-se até aos dias de hoje, numa das melhores prestações que o órgão conheceu. Foi ele que implementou a utilização de actas electrónicas na Assembleia Municipal. Era um homem que só precisava da coragem e da força de vontade para lutar por aquilo em que acreditava.
O Professor Hernâni, com o seu espírito persistente, gosta de aprender e ensinar. Desta forma, sabe como ninguém, pensar com serenidade e ponderação.
Há cerca de 50 anos que vem desenvolvendo intensa e diversificada atividade cultural a nível local. Como filatelista alcançou projeção internacional, tendo recebido inúmeros prémios e distinções. Há 12 anos que mantém um blogue dedicado à Cultura Portuguesa, muito em especial à Cultura Popular, com especial incidência no âmbito local e regional. Colaborador ativo da Imprensa local, publicou 4 livros com os conteúdos centralizados em Estremoz.
Pela sua postura cívica representa um exemplo a seguir por qualquer um que tenha a consciência do dever para com a sociedade a que pertence.
Bem-haja, Professor.

 Pedro Ramalho
Estremoz, 4 de Março de 2021

Hernâni Matos

terça-feira, 23 de março de 2021

Amizade em tempos de Covid ou sobre os seres que são catedrais

 

Joana Santos. Boniqueira.

Dou comigo a pensar que o corpo com que nascemos nos molda. Como se as características físicas fossem os atributos extensíveis da nossa personalidade. Ou talvez seja ao contrário. Que o corpo se vai moldando de forma a albergar a dimensão dos nossos interesses, dos nossos valores, do nosso conhecimento, de como somos com os outros à medida que crescemos.

Em 2019, quando embarquei no Curso de Técnicas de Figurado de Estremoz, estava longe de imaginar que a minha vida ia dar uma volta de 360 graus. Mas uma grande volta deu a minha vida, de tal forma que, inspirada e apaixonada pelo que tinha aprendido, deixei um emprego certo e decidi dedicar-me à incerteza de ser artesã e fazer bonecos. Uns mais inspirados nos de Estremoz do que outros, mas sempre com os de Estremoz, e o que aprendi no curso, no horizonte e como ponto de partida.

Neste meu salto em queda livre, foram muitos os que me foram abrindo para-quedas, de tal forma que acabei por perceber que afinal não era uma queda, mas sim um voo. E ninguém como o Hernâni Matos, que agora tenho o privilégio de ter como Amigo,  e que me tem acompanhado neste voo e tem sido uma  ponte sólida entre o meu trabalho como artesã e o mundo dos Bonecos de Estremoz.

Não me esqueço o sábado de sol, de um princípio de verão, no dia em que nos conhecemos. Um dia da era estranha dos tempos Covid, que não são ainda dias do passado, mas que espero, possam sê-lo em breve. Ambos de máscara posta, adereço uniformizador da nossa vulnerabilidade humana, escudo que nos protege a vida, mas que nos afasta da riqueza codificada das expressões faciais. O que era para ser uma entrega de uma peça à laia de um café, tornou-se numa conversa que teria durado todo o dia, não fosse a sardinhada em família que o Hernâni tinha agendado para esse sábado.

A mente do Hernâni é como as cartolas dos mágicos, e exerce o mesmo fascínio para quem tem a sorte de privar com ele.  Nem bem acabado que está de sair o primeiro coelho, já uma pomba, um lenço, uma rosa se põem em fila para sair também, num desfile inesgotável e surpreendente, cada um como consequência inevitável do outro. Dos cumprimentos formais "do como está, é um prazer conhecê-lo finalmente", o Hernâni deslindou o primeiro "coelho da sua cartola" com a lenda de São Roque e do seu confinamento visionário, em tempos de outras pandemias, e sobre o cão que lhe trazia pão e que lhe permitiu sobreviver. Do São Roque passou-se aos apitos. Os mais tradicionais, os mais contemporâneos. Fiquei a saber que o Hernâni prefere os mais singelos. Depois a conversa discorreu para a origem carnavalesca das figuras do Amor é Cego, da sua possível inspiração nas obras barrocas com cupidos e outros anjos. Daí passámos à Primavera, às peças de inovação, o percurso histórico dos Bonecos. Outro truque da cartola, e o Hernâni falou do seu percurso profissional como aprendiz de alfaiate, e depois como professor de Física no Liceu. Mencionou um aluno brilhante que teve, o seu perfeccionismo já evidente, e que se transformou num dos grandes do Figurado Português, com o qual tive o privilégio de aprender o que sei de figurado -  o Mestre Jorge Palmela. Logo a conversa se virou para os novos artesãos, os mais velhos, os que já não estão.  E daquela cartola não parariam de sair "coelhos e pombas", na analogia possível aos temas de grande interesse que ali partilhávamos, não tivesse chegado a hora do almoço.

O mercado de sábado, que me parecia acontecer apenas com o propósito de servir de cenário à nossa conversa, era  já um baile de gente a arrumar bancadas e outras de sacos nas mãos a transbordar com ramas verdes, comprando um último ingrediente, ou  fazendo uma última negociação de algum achado em segunda mão, antes do regresso a casa.

E assim, sob o olhar atento da fonte do Sátiro, do escultor Sá Lemos, nos despedimos. Sem abraços, ou outras manifestações de proximidade, porque os tempos não estão para isso.

No regresso a casa vim a pensar no quanto aquele homem de 74 anos, ao qual praticamente só vi os olhos, leva dentro. Tanto conhecimento, tanta força, tanta generosidade, tanto amor por tantas coisas e um incomensurável pelos Bonecos, que o seu corpo mais não poderia ser se não um corpo alto, basilar, com a elegância da idade e das coisas interessantes às quais dedica o seu tempo.

Desde então são inúmeras as vezes que trocamos ideias. Não se cingem aos bonecos, nem ao eterno dilema, tão velho como a própria arte em si, da tradição versus a inovação, que pano para longas mangas tem dado aos Bonecos da Cidade Branca. Outros temas afloram, alguns de cariz mais atual, outros mais poéticos e oníricos. Em todos eles sempre a mesma generosidade, cuidado, mente crítica,  conhecimento profundo, sensibilidade e, a qualidade mais preciosa entre todas - humanidade. 

Seres como Hernâni são seres raros, bons, necessários cuja contribuição para o bem maior é indelével. E por isso têm corpos como catedrais, fortes, amplos, erguidos, para que neles possa existir o universo vasto que contêm. 

Que acabem rápido estes dias covidescos, e que a nossa amizade possa fazer-se de mais dias de verão, numa esplanada de Estremoz, irradiada pelo sol e pela partilha de saber, de interesses comuns e pelos nossos sorrisos.

 

Joana Santos

Foros do Queimado, 1 de Março de 2021



Joana Santos no seu atelier.

domingo, 21 de março de 2021

O professor Hernâni

 

Sónia Caldeira. Professora. Deputada à Assembleia Municipal em Estremoz.


As minhas lembranças do professor Hernâni remontam a meados dos anos 90 em que eu era aluna na Escola Secundária de Estremoz e ele, professor. Fui aluna de Técnicas de Laboratoriais de Química, uma vez que sempre fui mais da Química das reações, das ligações e fusões, do que da Física dos movimentos, forças e leis. O professor Hernâni era mais da Física tendo acabado por nunca ter sido meu professor. De qualquer forma não passou despercebido, não só por ser marido da minha querida professora Fátima, mas também porque pessoas como ele, não passam indiferentes a ninguém.
Recordo-me do seu ar imponente e da sua voz altiva que punha qualquer turma em sentido naquele corredor dos laboratórios de Física e de Química. Todos os respeitavam, todos lhe reconheciam qualidades de um excelente professor de Física e de um grande dinamizador de atividades…
Anos mais tarde, em 2005, reencontrei o professor Hernâni na Assembleia Municipal. Ele da bancada da CDU e eu da bancada do PS, num tempo em que eu iniciava as minhas lides na política e ele já quase tinha um mestrado nesta área. Estive ali para aprender, as minhas poucas intervenções passariam despercebidas a qualquer um, ao contrário das intervenções do professor Hernâni, cujas palavras ecoavam ora em tom de convicção, ora em tom de manifestação, no imponente salão Nobre dos Paços do Concelho.
Ao longo dos tempos os nossos caminhos continuaram a cruzar-se e em 2014 fomos ambos convidados para ser colunistas do Jornal E. Foi nessa altura que redescobri o seu grande interesse pela filatelia, pelos usos e costumes do Alentejo e dos alentejanos e a sua grande paixão pelos “nossos” Bonecos de Estremoz. Percebi também que tudo o que escreve é baseado em informação recolhida e criteriosamente selecionada.
Respondendo ao seu convite estive presente na apresentação do seu penúltimo livro “O Franco-Atirador”. Os seus textos/reflexões são centrados em problemas sociais e visam a tomada de consciência e o despertar para mudanças essenciais que contribuam para um mundo mais justo e igualitário.
Nos últimos tempos vou acompanhando alguns dos seus textos no blog “Do Tempo da Outra Senhora”. Aguardo com expetativa o lançamento do próximo livro.
Obrigado professor Hernâni, estou certa que será sempre uma referência para Estremoz e que o seu legado nunca se perderá.
 
Sónia Caldeira
Estremoz, 23 de Fevereiro de 2021

sexta-feira, 19 de março de 2021

Hernâni Matos, pois claro!


Maria de Fátima Crujo. Professora.


Texto redigido com predominância
das iniciais do nome do visado:
Hernâni António Carmelo de Matos

 

Mal o ano chegou, mais concretamente, no começo do mês em curso, mandou missiva. Ai, conseguirei cumprir?

Catarina, ajuda-me. Confirma aí, o antecessor que te apresentou ao mundo… antes de Carmelo, chama-se…?

– …

Ah, maravilha! Haja alfabeto!

Anteontem, madrugada adentro, ambiente criado, concentrei-me e consegui caracterização.

Homem da cultura, ativista, melómano, apreciador de artistas e de aguarelistas, complementa o curso de ciências, amando conjuntamente as artes e ainda os herdeiros das cantigas de amigo e de amor, ansiando constantemente homenagear com afinco Antero, os Antónios, e Almada, o Almeida, Cesário e Camões, os modernistas e os mais que couberem.

Mestre maior a avivar memórias, habitual mentor, é hábil conhecedor de adágios e aforismos, anexins dos antepassados, o antigo mister campesino. Curioso por aprender mais e mais ainda, é um colecionador compulsivo de arte campestre, ajudante máximo da arte dos artesãos da cidade e do Alentejo, não se cansando de mostrar os de agora, que maravilhosamente manuseiam a massa à moda antiga.

É colaborador assíduo dos meios de comunicação cá da cidade com crónicas e comentários carregados de maravilhosas metáforas e habitualmente muito atento às causas maiores, à contribuição cívica como cidadão deste aglomerado e dos arredores, do cantinho, do mundo.

Em 1995, em maio, aproximou amigos, de modo multidisciplinar, e assegurou apresentações, ajustadas à área, de múltiplas comunicações acerca da água. Da mesma maneira, constantemente agrupa colegas, atribui um mote, e matuta na melhor maneira de criar concursos.

Há anos, convidou-me a apresentar a minha coleção de corujas, conseguindo que se carregassem milhares, de muitos materiais, o que cativou adeptos do colecionismo, colhendo agradáveis apreciações.

Acabo aqui, caro colega, almejando cabeça e musculada massa cinzenta que aguente acompanhar-te em mais coisas mil, manifestando além do mais, e atenta no meu humilde conselho, que conserves a mesma atividade abundante e absoluta firmeza.

Concluo, assim, este é o habilidoso, acelerado, célebre e metódico Hernâni António Carmelo de Matos, pois com certeza!


Maria de Fátima Crujo
Estremoz, 21 de Fevereiro de 2021



 Fátima Crujo declamando um poema em 31 de Outubro de 2010, no acto
inaugural  da Exposição “PINTURA DE RUI ALVES”,  promovida pela
 Associação Filatélica Alentejana na Sala de Exposições do Centro
 Cultural de Estremoz.