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domingo, 16 de janeiro de 2011

Refeição de provérbios


Almoço dos ganhões – Aguiar. Fotografia recolhida no blogue Mundo Português.

O alentejano é comummente reconhecido como dado aos prazeres da mesa, uma vez que o clima desaconselha pressas desgastantes e “ barriga vazia não conhece alegria”. Daí que a riqueza da gastronomia alentejana, possa ser responsável por padecimentos que não são de hoje, como são o caso da tensão, do colesterol e do ácido úrico elevados, associados a obesidade e a excesso de peso. A essas pessoas em risco, recomendo profilacticamente a ingestão da seguinte refeição de provérbios:
BARRIGA
A barriga faz a perna andar.
Barriga cheia, pé na estrada.
Não tenhas mais olhos do que barriga.
REFEIÇÕES
Quem bem almoça, melhor janta.
Faz bem jejuar, depois de jantar.
Quem ceia vinho, almoça água.
COMER
Quem come até se fartar, cedo vem a jejuar.
Quem come fiado anda magro.
Quem come pouco, aproveita muito.
FOME
A fome é boa cozinheira.
A fome é o melhor tempero.
Fome e esperar fazem rabiar.
FARTURA
Comer à tripa forra.
De fartas ceias, estão as sepulturas cheias.
Quem arrota, bem almoça.
CALDO
Caldo sem pão, só no Inferno o dão.
Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
Comida sem caldo, papo seco.
SOPA
Antes da sopa, molha-se a boca; sopa em meio, copo cheio; sopa acabada, goela lavada.
Do prato à boca, perde-se a sopa.
Sopa de ganhão, cada três um pão.
PEIXE
A sardinha de S. João unta o pão.
Peixe fresco, come-o cedo.
Quanto maior é o peixe, melhor é o sabor.
CARNE
Carne de vaca, bem cozida e mal assada.
Leitão de um mês, pato de três.
Quando não há lombo, linguiça como.
PÃO
Comida sem pão é comida de lambão.
Mais vale pão duro que nenhum.
Não há mau pão com boa fome.
QUEIJO
Leite de cabras, queijo de ovelhas e manteiga de vaca.
Pão com olhos, queijo sem olhos e vinho que salte aos olhos.
Pão e queijo, mesa posta é.
SOBREMESA
Da noz o figo é bom amigo.
O melão e a melancia só se conhecem depois de abertos.
O que é doce nunca amargou.
BEBER
Come e bebe bem, quem bem trabalha.
Quem bebe muito vinho, perde o tino.
Quem muito bebe, tarde ou nunca paga o que deve.
ÁGUA
Água corrente não mata gente.
Nunca digas: desta água não beberei.
Quem come salgado, bebe dobrado.
VINHO
Alegrai-vos, tripas, que ai vem o vinho.
Bom vinho não precisa de rolha.
Quando o vinho desce, as palavras sobem.
CAFÉ
Café de cima, vinho do meio e chá do fundo.
Café do primeiro e chá do derradeiro.
Café sem bucha, meu bem, não puxa.
MEDICINA CASEIRA
Comer devagar faz a vida durar.
Não comas quente: não perderás o dente.
Depois de jantar e depois de cear, passear.
Refeições destas se não atenuarem o mal de que padeceis, terão pelo menos o mérito de reforçar a vossa identidade cultural, facto que é igualmente assaz importante. Por isso, sirvam-se à vontade, que esta refeição foi confeccionada artesanalmente com a finalidade de vos limpar a alma, na procura de raízes da nossa memória colectiva.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 16 de Janeiro de 2011

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Lançamento da 2ª edição do livro "Bonecos da Gastronomia"


Hernâni Matos no acto de lançamento do livro "Bonecos da Gastronomia". Vísível ao fundo,
parte da colecção de trinta e seis bonecos que deram origem ao livro (Fotografia de José Cartaxo). 

2ª EDIÇÃO DO LIVRO "BONECOS DA GASTRONOMIA"

Desde a passada quarta-feira e até ao próximo domingo que está a decorrer, em Estremoz, a XVIII Cozinha dos Ganhões, a Sé Catedral da Gastronomia do Sul, onde se honram ancestralidades de sabores, odores e cores. Mas, para além do corpo, a alma também manja. Daí que tenha aproveitado este festival gastronómico para proceder ao lançamento da 2ª edição do livro “Bonecos da Gastronomia”, o que aconteceu a meio da tarde de quarta-feira, dia 1 de Dezembro, no Pavilhão B do Parque de Feiras.
O livro, surgiu na sequência de um registo e de uma reflexão pessoal sobre os bonecos de Estremoz, esses ex-líbris do nosso património cultural local.
O livro aborda a gastronomia alentejana e a barrística popular estremocense, muito em particular, aquela que deu o título ao livro. Para este, as Irmãs Flores, afamadas barristas de Estremoz criaram com a magia das suas mãos e o fascínio das suas cores, 36 figuras que são reproduzidas noutras tantas fotografias de José Cartaxo, fotógrafo com créditos bem firmados. Sobre essas figuras, o poeta António Simões, como é seu timbre, poetizou duma forma magistral sob a forma de quadras, o retrato contextual de cada uma das figuras saídas das mãos das barristas Irmãs Flores.
O livro, brochado, de 66 páginas formato A4, em papel Xerox Colotech, de 90 gramas, inclui 38 fotografias a cores e 6 fotografias a preto e branco.
A edição é da Associação Filatélica Alentejana e a tiragem é de 200 exemplares.
Os bonecos que foram objecto da presente edição estão expostos no átrio da entrada principal da Cozinha dos Ganhões.

A MINHA PAIXÃO PELOS BONECOS

Desde os dez anos de idade que transporto na massa do sangue o espírito de coleccionador, facto tão real como o odor da flor de esteva ou o castanho da terra de barro.
Uma das coisas que colecciono é os bonecos de Estremoz, os quais descobri há cerca de trinta anos, fruto de uma emoção com um misto de estético e de sociológico. Bonecos que duplamente têm a ver com a nossa identidade cultural estremocense e alentejana, bonecos que antes de tudo são arte popular, naquilo que de mais nobre, profundo e ancestral, encerra este exigente conceito.
Bonecos moldados pelas mãos do povo, a partir daquilo que a terra dá - o barro com que porventura Deus terá modelado o primeiro homem e as cores minerais já utilizadas pelos artistas rupestres de Lascaux e Altamira no Paleolítico, mas aqui garridas e alegres, como convém às claridades do Sul.
Na minha condição de etnólogo amador e autodidacta, o registo etnográfico das imagens profanas e em particular dos personagens da faina agro-pastoril, será porventura, o mais forte atractivo dos bonecos de Estremoz, que me leva à oficina-loja das irmãs Flores, duas barristas minhas vizinhas, a quem visito amiúde no Largo da República, em Estremoz, fascinado pela magia emergente das suas mãos de barristas populares.
Como fruto de uma dessas incursões realizada há cerca de dois anos, resultou o livro “Bonecos da Gastronomia”, dado à estampa em 2009, numa edição da Câmara Municipal de Estremoz, por ocasião da XVII Cozinha dos Ganhões.
Nessa edição, está reunido um conjunto de 16 bonecos que de uma forma ou de outra têm a ver com a gastronomia alentejana. Alguns já pertenciam à galeria tradicional dos bonecos de Estremoz. Porém, cinco novos bonecos foram criados pelas Irmãs Flores: Coqueira, Queijeira, Mulher a cozinhar, Padeiro e Vendedora de queijos.
A materialização do livro foi possível graças ao companheirismo do poeta António Simões, das barristas Irmãs Flores, do fotógrafo José Cartaxo e do designer Carlos Alves. A concretização duma ideia inicial minha, encheu-nos a todos de imenso júbilo e desde logo foi equacionado como virtual, o desenvolvimento mais aprofundado dessa ideia.

A CAMINHADA CONTINUA

Decorrido um ano sobre a primeira edição do livro “Bonecos da Gastronomia”, reconheço que este começou por ser um trabalho de base. Daí que numa primeira fase tivesse concluído que o conjunto dos dezasseis bonecos que figuraram na primeira edição do livro, pudesse ser estruturado, agrupando-os em cinco subconjuntos perfeitamente hierarquizados: Recolha de matérias-primas, Preparação de matérias-primas, Confecção de alimentos, Venda e distribuição de alimentos e finalmente: Consumo de alimentos.
Numa segunda fase, efectuei o levantamento do que podia ser acrescentado a cada subconjunto, visando torná-lo mais completo. Depois de alguma reflexão, os “Bonecos da Gastronomia”, passaram a ser em número de trinta e seis, tendo sido introduzidos vinte e um novos bonecos e abandonado outro. Desses vinte e um bonecos, sete já pertenciam à galeria tradicional dos bonecos de Estremoz. Os restantes catorze foram criação das Irmãs Flores. São eles: Azeitoneira, Caçador, Pescador, Roupeiro, Amassadeira, Forneira, Pisador, Manteeiro, Aguadeira da ceifa, Vendedora de criação no mercado, Taberneiro, Mondadeira a comer, Mulher ao poial dos cântaros e Homens a petiscar.
Nessa criação, efectuada com um severo respeito pela tradicional técnica de manufactura dos bonecos de Estremoz, foi por vezes utilizada documentação do meu arquivo fotográfico, o que permitiu conferiu rigor à contextualização de cada peça.
Com a criação de novos modelos, a galeria de bonecos de Estremoz ficou mais rica. O tempo e a procura dos coleccionadores, encarregar-se-ão de os consagrar. Pela nossa parte, prometemos prosseguir.

O Arquitecto José Augusto Trindade, Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal
de Estremoz, no uso da palavra (Fotografia de José Cartaxo).

Hernâni Matos e o poeta António Simões, autografando o livro. À direita a Arquitecta Sílvia
Dias, Vereadora do Pelouro de Feiras e Mercados da Câmara Municipal de Estremoz
(Fotografia de José Cartaxo).

Capa do livro.

Ceifeira.

Azeitoneira.

Vindimadora.

Caçador.

Pescador.

Matança do porco

Mulher  dos enchidos.

Preta a vender chouriços.

Roupeiro.

Amassadora.

Forneira.

Pisadores.

Pastor das migas (sentado num banco).

Pastor das migas (sentado no chão).

Coqueira.

Cozinheira.

Castanheira.

Moleiro.

Manteeiro.

Aguadeira da ceifa.

Aguadeiro da cidade.

Leiteiro.

Padeiro.

Queijeira.

Mulher a vender chouriços.

Hortelão.

Mulher dos borregos.

Mulher dos perus.

Mulher a vender criação no mercado.

Taberneiro.

Pastor a comer as migas.

Pastor e ajuda a comer.

Cozinha dos ganhões.

Mondadeira a comer.

Mulher ao poial dos cântaros.

Homens a petiscar.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O prazer da gastronomia alentejana


COZINHA DOS GANHÕES - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

COZINHA DOS GANHÕES
Há muito que foi sobejamente demonstrado que o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria. Assim o atesta a sua paisagem singular, o carácter do seu povo, o trajo popular, a arte popular, o cancioneiro popular, o cante, a casa tradicional e é claro a gastronomia, que anualmente está em grande destaque em Estremoz, na Cozinha dos Ganhões, que em Novembro de 2010 vai ter a sua XVIII edição.
Na Cozinha dos Ganhões é possível partilhar com os outros, o prazer da gastronomia alentejana.
GASTRONOMIA ALENTEJANA
É sabido que o Alentejo é a região do borrego e do porco e estes são recursos com elevada cotação na bolsa de valores gastronómicos. Daí que na Cozinha dos Ganhões, o borrego e o porco imperem como reis e senhores. Ensopado de borrego, cozido de borrego com grão, borrego assado no forno, segredos de porco, lombo de porco assado, migas com carne de porco e carne de porco à alentejana são pratos definidores da nossa identidade cultural, como o são a açorda, o gaspacho, a sopa de cação, a sopa de beldroegas ou a nossa doçaria conventual.
A gastronomia alentejana é património culinário legado pelos nossos ancestrais: pré-históricos, fenícios, celtas, romanos, visigodos, mouros e ganhões. É património para mastigar, para saborear e para lamber os beiços, a comer e a chorar por mais, pois barriga vazia não conhece alegrias... Por isso, apetece gritar bem alto: - Viva o património mastigável! - Viva!
A gastronomia alentejana envolve as matérias-primas usadas na preparação dos pratos de culinária alentejana, a culinária alentejana propriamente dita e os vinhos alentejanos.
No que respeita às matérias-primas usadas na preparação dos pratos de culinária alentejana, podem-se classificar em cinco tipos:
1 – Vegetais [1]: batatas, túberas, cogumelos, alabaças (labaças ou catacuzes), arrabaças, cardinhos (tengarrinhas) acelgas (celgas), saramagos, cunetas, pimpalhos, beldroegas, espinafres, nabiças, espargos, couve, repolho, tomate, abóbora, mogango, pepino, pimento, feijão, feijão-frade, grão, favas, ervilhas e azeitonas.
2 – Carne e ovos - carne, bofe, fígado, gordura, coração e pés de porco, chispe, entrecosto, chouriço, farinheira, morcela, toucinho, mioleira, carne de borrego, caça e ovos.
3 – Pescado - bacalhau, cação e pexelim.
4 – Temperos [2] - sal, massa de pimento, alho, cebola, azeite, vinagre, poejo, coentros, salsa, hortelã, salva, manjerona, orégãos, murta, tomilho, hortelã da ribeira, louro, colorau, cominhos, cravinho e pimenta.
5 - Pão – O alentejano é pãozeiro, gosta de comer tudo com pão. Come-se pão quando se tira uma bucha com queijo ou chouriço, para enganar a fome a meio da manhã ou a meio da tarde. O pão é de resto acompanhamento obrigatório de qualquer refeição e matéria-prima essencial à confecção de alguns pratos da nossa gastronomia (migas com carne de porco, açorda, sopa de cação, sopa da panela, etc.). E o melhor pão alentejano é naturalmente o do tipo conhecido por pão caseiro, como aquele que antigamente era cozido nos fornos dos montes, alimentados por labaredas de esteva.
No que concerne à culinária alentejana, o fogo permite criar sabores, por detrás dos quais estão sábias operações de alquimia doméstica como o cozer, o grelhar, o assar, o alourar, o refogar, o fritar e o gratinar. Através delas se busca atingir o sabor criado pelo fogo e nelas, mais que magia iniciática de pedra filosofal demandada, o sabor encontrado constitui um prazer simultaneamente onírico e telúrico.
No que se refere aos vinhos alentejanos, estes fazem parte integrante da gastronomia, para acompanhar aquilo que se come. A paisagem e o solo alentejano e em particular, os de Estremoz, são dádivas que a natureza se encarregou de conceder em termos de condições perfeitas para a plantação e exploração da vinha. Os solos são argilosos, argilo-calcários ou de origem xistosa.
Os vinhos tintos, em maioria, nascem de castas nacionais como Aragonês, Trincadeira Preta, Castelão, Tinta Caiada, Touriga Nacional e Alicante, mas são ainda utilizadas castas internacionais como Syrah, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Petit Verdot e Merlot.
Os vinhos brancos, em minoria, nascem de castas como: Antão Vaz, Arinto, Roupeiro e Rabo de Ovelha.
A vindima é manual, com rigorosa selecção de cachos, de modo a originar vinhos de excepção. A pisa é feita a pé, em lagares. A fermentação realiza-se em cubas inox, seguida de transfega para pipas de carvalho francês, onde os melhores lotes vão estagiar.
As adegas alentejanas utilizam tecnologia moderna baseada em métodos tradicionais antigos. São várias gerações de sabedoria, ao serviço da arte da vinicultura, produzindo vinhos de alta qualidade.
A variedade de vinhos alentejanos torna o seu consumo adequado a quase todos os tipos de pratos da nossa gastronomia, fazendo ponte com eles, constituindo como que uma espécie de binómio prato-vinho. 
[1] - “…os alentejanos, motivados pelas fomes periódicas, foram obrigados a aprender a comer a ervas que os campos lhes oferecem. Poejos, alabaças, espargos, beldroegas, arrabaças, acelgas, saramagos, cardinhos, orégãos, etc” – ALVES, Aníbal Falcato – Os Comeres dos Ganhões. Porto: Campo das Letras, 1994.
[2] - Para “…compensar a magreza do caldo com ouropéis mágicos de ervas, cheiros e misturas que dão sabores disfarceiros das pobrezas.” – Helder Pacheco in prefácio a ALVES, Aníbal Falcato – Os Comeres dos Ganhões. Porto: Campo das Letras, 1994.

Publicado inicialmente em 7 de Setembro de 2010

PASTOR DAS MIGAS - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

COQUEIRA - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

MULHER A COZINHAR - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O vinho na tradição bíblica

BODAS DE CANÁ - Fresco de Giotto di Bondone (1267-1337), executado em 1302-05 na Cappela Scrovegni, em Pádua.

O SIMBOLISMO DO VINHO

Na Bíblia são múltiplas as referências ao vinho, o qual surge nos diversos livros sagrados com simbolismos diferentes.
Por um lado, o vinho é sinal e símbolo de alegria:
- e o vinho que alegra o coração do homem, o óleo que lhe faz brilhar o rosto e o pão que lhe sustenta as forças. (Salmos 104:15)
- Ora, pois, come alegremente teu pão e bebe contente teu vinho, porque Deus já apreciou teus trabalhos. (Eclesiates 9:7)
É também símbolo de todas as dádivas que Deus fez aos homens:
- Deus te dê o orvalho do céu e a gordura da terra, uma abundância de trigo e de vinho! (Génesis 27:28)
Nas religiões vizinhas de Israel, o vinho é bebida dos deuses:
- Dirá: onde estão os seus deuses, o rochedo em que confiavam, (Deuterenómio 32:37) que comiam a gordura dos seus sacrifícios e bebiam, o vinho das suas libações?
- Levantem-se para vos socorrer; sejam eles vosso abrigo! (Deuterenómio 32:38)
Daí que Israel lhe tenha reconhecido um valor sagrado, onde tem o seu lugar nos sacrifícios de culto:
- Com o primeiro cordeiro oferecerás a décima parte de um efá de flor de farinha amassada com um quarto de hin de óleo de olivas esmagadas, e como libação um quarto de hin de vinho. (Êxodo 29:40)
Paralelamente, atenda-se ao sacrifício sangrento da aliança:
- Enviou jovens dentre os israelitas, os quais ofereceram holocaustos e sacrifícios ao Senhor e imolaram touros em sacrifícios pacíficos. (Êxodo 24:5).
- Moisés tomou a metade do sangue para metê-lo em bacias, e derramou a outra metade sobre o altar. (Êxodo 24:6)
- Tomou o livro da aliança e o leu ao povo, que respondeu: "Faremos tudo o que o Senhor disse e seremos obedientes." (Êxodo 24:7)
- Moisés tomou o sangue para aspergir com ele o povo: "Eis, disse ele, o sangue da aliança que o Senhor fez convosco, conforme tudo o que foi dito." (Êxodo 24:8)
E atenda-se também que o vinho é declarado como o sangue das uvas:
- Amarra à videira o jumentinho, à cepa o filho da jumenta. Lava com o vinho suas vestes, com o sangue das uvas o seu manto. (Génesis 49:11)
- A manteiga das vacas, o leite das ovelhas, a carne gorda dos cordeiros, dos carneiros de Basã e dos cabritos, com a fina flor do trigo. E bebeste como vinho puro o sangue das uvas (Deuteronómio 32:14)
Desde o êxodo, o sangue terá sido substituído pelo vinho nos sacrifícios. O vinho simboliza assim o sangue e o sacrifício.

AS BODAS DE CANÁ

No vinho podemos ver um símbolo eucarístico, quando Jesus transforma a água em vinho nas bodas de Caná (João, 2):
- Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galiléia, e achava-se ali a mãe de Jesus. (João 2:1)
- Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. (João 2:2)
- Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. (João 2:3)
- Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. (João 2:4)
- Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser. (João 2:5)
- Ora, achavam-se ali seis talhas de pedra para as purificações dos judeus, que continham cada qual duas ou três medidas. (João 2:6)
- Jesus ordena-lhes: Enchei as talhas de água. Eles encheram-nas até em cima. (João 2:7)
- Tirai agora , disse-lhes Jesus, e levai ao chefe dos serventes. E levaram. (João 2:8)
- Logo que o chefe dos serventes provou da água tornada vinho, não sabendo de onde era {se bem que o soubessem os serventes, pois tinham tirado a água}, chamou o noivo (João 2:9)
- e disse-lhe: É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora. (João 2:10)
- Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galiléia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. (João 2:11)
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A ÚLTIMA CEIA

Convém recordar a última ceia, recorrendo a Marcos:
- Durante a refeição, Jesus tomou o pão e, depois de o benzer, partiu-o e deu-lho, dizendo: Tomai, isto é o meu corpo. (Marcos 14:22)
- Em seguida, tomou o cálice, deu graças e apresentou-lho, e todos dele beberam. (Marcos 14:23)
- E disse-lhes: Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos. (Marcos 14:24)
- Em verdade vos digo: já não beberei do fruto da videira, até aquele dia em que o beberei de novo no Reino de Deus. (Marcos 14:25)
Observe-se outro simbolismo do vinho expresso na afirmação. “E disse-lhes: Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos”. (Marcos 14:24).
Para os cristãos, a Última Ceia foi a primeira Eucaristia ou Comunhão.

A CONDENAÇÃO DA BEBEDEIRA

O consumo exagerado de vinho conduz à bebedeira, que a Bíblia condena conforme nos diz o apóstolo Paulo:
- Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem, (Gálatas 5:19).
- idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, (Gálatas 5:20).
- invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes. Dessas coisas vos previno, como já vos preveni: os que as praticarem não herdarão o Reino de Deus! (Gálatas 5:21).
É o mesmo apóstolo Paulo que proclama:
- Ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, (Gálatas 5:22).
- brandura, temperança. Contra estas coisas não há lei. (Gálatas 5:23).
São abundantes, de resto, as referências bíblicas à bebedeira e aos bêbados:
- Tendo bebido vinho, embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. (Génesis 9:21)
- e lhes dirão: este nosso filho é indócil e rebelde; não nos ouve, e vive na embriaguez e na dissolução. (Deuteronómio 21:20)
- Quando Abigail chegou à casa de Nabal, havia em sua casa um grande banquete, um verdadeiro festim de rei. Nabal tinha o coração alegre e estava completamente ébrio. Por isso nada lhe disse, nem pouco nem muito, até ao amanhecer. (1 Samuel 25:36)
- andam às apalpadelas nas trevas, sem luz; tropeçam como um embriagado. (Jó 12:25)
- Falam de mim os que se assentam às portas da cidade, escarnecem-me os que bebem vinho. (Salmos 69:12)
- Titubeavam e cambaleavam como ébrios, e toda a sua perícia se esvaiu. (Salmos 107:27)
- pois o ébrio e o glutão se empobrecem e a sonolência veste-se com andrajos. (Provérbios 23:21)
- Um espinho que cai na mão de um embriagado: tal é uma sentença na boca dos insensatos. (Provérbios 26:9)
- Um arqueiro que fere a todos: tal é aquele que emprega um tolo ou um embriagado. (Provérbios 26:10)
- O Senhor difundiu entre eles um espírito de vertigem, e eles vagueiam por todo o Egito sem desígnio certo, como um bêbado que cambaleia em seu vômito. (Isaías 19:14)
- cambaleia como um homem embriagado e balança como uma rede. Seus crimes pesam sobre ela, e ela cairá para não mais se levantar. (Isaías 24:20)
- Ai da coroa pretensiosa dos embriagados de Efraim e da flor murcha que faz ostentação de seu ornato, dominando o vale fértil de homens vencidos pelo vinho. (Isaías 28:1)
- Será pisada aos pés a coroa pretensiosa dos embriagados de Efraim,. (Isaías 28:3)
- Pasmai-vos e maravilhai-vos, obstinai-vos, feridos de cegueira, embriagai-vos, mas não de vinho, cambaleai, mas não por causa da bebida. (Isaías 29:9)
- Aos profetas. Parte-se dentro de mim o coração, e se me abalaram todos os ossos. Assemelho-me a um ébrio, qual homem prostrado pelo vinho, por causa do Senhor e de sua palavra santa. (Jeremias 23:9)
- ouvia-se o barulho de uma multidão satisfeita; a essa massa de homens se juntavam os bêbados do deserto, que metiam braceletes nas mãos {das duas irmãs} e coroas esplêndidas em suas cabeças. (Ezequiel 23:42)
- Despertai, ó ébrios, e chorai; bebedores de vinho, lamentai-vos, porque o suco da vinha foi tirado da vossa boca! (Joel 1:5)
- Porque, entrelaçados como espinheiros, ébrios do seu vinho, serão consumidos como a palha seca. (Naum 1:10)
- Meu senhor tarda a vir, e se põe a bater em seus companheiros e a comer e a beber com os ébrios, (Mateus 24:49)
- nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus. (1 Coríntios 6:10)

GULA E TEMPERANÇA
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O consumo imoderado de vinho é fruto da gula, desejo insaciável de comida ou bebida, para além do necessário.
Para o cristianismo a gula constitui um dos Sete Pecados Capitais (Vaidade, Inveja, Ira, Preguiça, Avareza, Gula, Luxúria), directamente opostos às Sete Virtudes (Humildade, Caridade, Paciência, Diligência, Generosidade, Temperança, Castidade), que pregam o oposto aos Sete Pecados Capitais e são apontadas como salvação aos pecadores.
Segundo a Doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana todas as virtudes humanas são polarizadas por quatro Virtudes Cardeais (Prudência, Justiça, Fortaleza, Temperança).
A Temperança é a Virtude Cardeal oposta à Gula. É a Temperança que modera a atracção dos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos e proporciona o equilíbrio no uso dos bens temporais. É pela Temperança que usamos com moderação os bens temporais na hora certa, no tempo certo e na quantidade adequada, quer eles sejam comida, bebida, sono, diversão, sexo, etc.
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BIBLIOGRAFIA
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- Bíblia Sagrada
- Catecismo da Igreja Católica
- CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário dos Símbolos.
- CIRLOT, Juan Eduardo. Dicionário de Símbolos.
- ELÍADE, Mirceia. Tratado de História das Religiões.


A ÚLTIMA CEIA – Pintura de técnica mista com predominância da têmpera e óleo sobre duas camadas de preparação de gesso aplicadas sobre reboco. Executada em 1495 - 1497, por Leonardo da Vinci (1452–1519) no Refeitório de Santa Maria delle Grazie, em Milão.

OS SETE PECADOS MORTAIS (Pormenor: GULA) - Pintura do flamengo Hieronymus Bosch (1450 – 1516), executada em 1480, existente no Museu do Prado, em Madrid. Uma mesa repleta de comida e junto a ela um homem sentado que come com avidez e um rapaz que bebe com sofreguidão. Uma mulher prepara-se para servir mais comida, enquanto mais está ser confeccionada. Uma criança que defeca na própria roupa, implora ao pai que lhe dê mais.

A TEMPERANÇA – Fresco de Luca Giordano (1634 -1705), executado em 1684-1686 na Galeria do Palácio Medici-Riccardi em Florença.