quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Porta Nova era, Porta Nova ficou

 

ESTREMOZ – Largo do General Graça, cerca de 1900. Bilhete-postal ilustrado, edição de
Faustino António Martins, Lisboa. Chapa fotográfica nº 1206. O local foi designado por
Largo da Porta Nova até 1891, ano a partir do qual passou a ser identificado como Largo
General Graça, topónimo que se manteve até 1911, ano em que foi renomeado como
Largo da República.

Mudam os nomes, mas o local continua
Em Estremoz, o actual Largo da República já se chamou Largo General Graça e antes disso Largo da Porta Nova. Quando e porquê ocorreram tais mudanças de nomes? É uma pergunta a que procurarei dar resposta na presente crónica.

Primórdios da Porta Nova
1492 – No fundo da Santa Casa da Misericórdia de Estremoz, depositado no Arquivo Municipal da cidade, existe entre outros, o Livro de Tombo nº 9, contendo as cópias dos termos originais do livro pequeno de pergaminho com o nº 8 e dele transcrito em 30 de Outubro de 1687. Na folha 9, desse livro pequeno de pergaminho, com data de 12 de Novembro de 1492, constava a carta de aforamento que a Confraria da Misericórdia fez a João Bailhão, carpinteiro, de uns lagares que estavam nos arrabaldes das covas (local que viria a ser designado por Terreiro das Covas), à Porta Nova.
Aquela que parece ser a ocorrência mais antiga do topónimo Porta Nova, corresponde ao ano de 1492, no decurso do reinado de D. João II (1481-1495), que tomou a iniciativa de criar novas muralhas que protegessem as localidades fronteiriças das incursões dos espanhóis. O mesmo se havia já passado no reinado de D. Fernando I (1367-1383). Presume-se que a designação Porta Nova, tenha tido origem numa porta aberta nas muralhas então construídas num daqueles reinados, a qual seria a porta mais recente no conjunto de todas as muralhas existentes naquela época. A expansão da vila terá exigido o derrube dessas muralhas mais recentes, mantendo-se, todavia, o topónimo Porta Nova.
1610 – A Irmandade da Misericórdia, instalada na Igreja de São Miguel (ou do Anjo da Guarda) desde 1534, de acordo com alvará de Filipe II, datado de 6 de Fevereiro de 1610, transfere-se para um edifício existente no Terreiro da Porta Nova, actualmente ocupado pela Sociedade Recreativa Popular Estremocense e pela Sociedade Filarmónica Artística Estremocense.
1648 - Devido á falta de pão que havia na vila, foi eleito Manuel Martins Prioste morador da mesma, para ir à cidade de Lisboa comprar 600 mil reis de trigo, que se obrigava a trazer á Porta Nova para ser vendido á ordem do juiz de fora e dos vereadores (Acta da Sessão da Câmara - 23 de Março de 1648).
1689 - Referência à existência de açougues na Porta Nova (Acta da Sessão da Câmara - 29 de Janeiro de 1689).
1766 - É mandada arrematar a venda da pólvora a Francisco Ferreira, tendeiro, morador á Porta Nova (Acta da Sessão da Câmara – 26 de Fevereiro de 1766).
1885 – A Porta Nova está referenciada na planta da vila, executada em 1855 por Frederico Perry Vidal.
1859 - A Rua da Porta Nova consta da Relação dos bairros, ruas, calçadas, terreiros, travessas e largos da vila de Estremoz que compõem a freguesia de Santo André.

Porta Nova com dragonas de General
1891 - É aprovada por unanimidade a proposta do vereador Domingos Joaquim da Silva para que ao Largo da Porta Nova se dê o nome de Largo General Graça, como forma de reconhecimento e homenagem pelos serviços prestados ao concelho pelo General Manuel Vicente Graça, enquanto Director das Obras Públicas do Distrito de Évora (Acta da Sessão da Câmara – 4 de Março de 1891).

E viva a República!
1911 - Foi deliberado que o Largo General Graça passe a ser denominado Largo da República e que o Largo de D. José I, passe a denominar-se Largo de General Graça (Acta da Sessão da Câmara – 13 de Setembro de 1911).
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, tornava-se necessária a afirmação do novo regime. Daí que a nível local tenham ocorrido alterações toponímicas. Entre elas, a aqui referida e que só ocorre após a aprovação da nova Constituição pela Assembleia Constituinte, em 21 de Agosto desse ano.

O peso da tradição oral
A Sociedade Recreativa Popular Estremocense, situada no Largo da República e fundada em 1887, anteriormente à aprovação da designação Largo General Graça (1891), continua a ser popularmente designada como Sociedade da Porta Nova ou simplesmente Porta Nova, o que é revelador do peso da tradição oral. O povo continua a reconhecer-se no topónimo primitivo e inicial, de índole topográfica. Nem um general monárquico nem a República, o fazem esquecer. De resto, a mesma tradição oral regista os provérbios: "O povo é quem mais ordena" e "A voz do povo, é a voz de Deus".

Agradecimentos
Esta crónica não teria sido possível sem o apoio documental do Arquivo Municipal de Estremoz, a quem compete a salvaguarda, valorização e divulgação do espólio documental concelhio, o qual retrata a vida e a história da comunidade e está ao seu serviço.
O Arquivo Municipal de Estremoz conta com uma valiosa equipa de “formiguinhas” que dedicadamente trabalham na sombra, afastadas das luzes da ribalta, assegurando que ele possa cumprir a missão que lhe está atribuída. BEM HAJAM, FORMIGUINHAS!

Publicado no nº 300 do jornal E, de 24 de Novembro de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Irmãs Flores recebem louvor da Câmara Municipal de Estremoz

 

Fotografia de Bruno Oliveira e Maria Manuela Restivo, recolhida com a devida vénia
no blogue ARTE POPULAR PORTUGUESA  (http://www.artepopularportuguesa.org/ )

Em reunião ordinária da Câmara Municipal de Estremoz, realizada a 16 de novembro de 2022, foi aprovada por unanimidade, após a sua apresentação pela Vice-presidente do Município de Estremoz, Sónia Caldeira, a seguinte:

Proposta de atribuição de Louvor ás Irmãs Flores
"As barristas denominadas por "Irmãs Flores”, Maria Inácia Fonseca, nascida em São Bento do Ameixial no ano de 1957 e Perpetua Fonseca, nascida na mesma freguesia um ano depois, celebraram 50 anos de carreira no passado dia 15 de novembro.
Maria Inácia Fonseca teve o primeiro contacto com os Bonecos de Estremoz a 15 de novembro de 1972, através da artesã Sabina Santos, em cuja oficina, sita na
Brito Capelo, entrou também como colaboradora a sua irmã Perpétua, três anos depois, com o objetivo de pintar peças realizadas pela Mestra.
Na oficina de Sabina Santos ganharam o gosto pela arte bonequeira e aprenderam os fundamentos basilares de modelação, cozedura e pintura, os quais ainda hoje seguem com particular gosto.
Montaram oficina própria em 1987/88, tendo-se mudado da sua antiga oficina sita na Rua das Meiras em 1999, para o Largo da República, dispondo aí de um espaço comercial e oficina.
Desde muito cedo decidiram enveredar pelo caminho da salvaguarda da tradição na modelação e estética do figurado. As portas da sua oficina estão sempre abertas a pedidos de entrevistas, programas de televisão, grupos de estudantes, turistas e a todos aqueles que querem conhecer esta arte que está hoje inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
As Irmãs Flores têm o seu trabalho exposto em diversos museus nacionais e internacionais, figurando ainda nas principais coleções nacionais, deixando descendência no seu sobrinho Ricardo Fonseca.
O Município de Estremoz, pelo trabalho desenvolvido pelas Irmãs Flores em prol desta arte identitária local, que é hoje pertença de toda a Humanidade, quer com esta proposta de atribuição de Louvor, expressar-lhes reconhecimento e gratidão pelos seus 50 anos de dedicação efetiva ao Boneco de Estremoz, pelo apuro técnico e estético do seu trabalho e pela disponibilidade que sempre demonstraram na salvaguarda e valorização desta arte multisecular.”

Como coleccionador e investigador dos Bonecos de Estremoz, considero que se tratou de um oportuno louvor de reconhecimento do mérito da actividade das Irmãs Flores, o qual aplaudo e subscrevo, porque justo e merecido.

Irmãs Flores completam 50 anos de carreira



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 15 de Novembro de 2022


O Município de Estremoz felicita no dia de hoje as Barristas Irmãs Flores pelos seus 50 anos de carreira.
As duas irmãs, Maria Inácia Fonseca e Perpétua Fonseca nasceram em São Bento do Ameixial em 1957 e 1958, respetivamente. No dia 15 de novembro de 1972 começaram a trabalhar na oficina da Mestre Sabina Santos como tarefeiras para pintar as peças modeladas por esta. Aqui tomaram gosto pela arte bonequeira e aprenderam as técnicas básicas de modelação, cozedura e pintura, as quais ainda hoje seguem.
Montaram oficina própria entre 1987/88 e desde então têm participado em inúmeras exposições e feiras de artesanato de norte a sul do país, levando mais longe o nome do Boneco de Estremoz. Têm tido, desta forma, um papel muito importante na divulgação e valorização desta arte.
É de realçar a sua participação e disponibilidade para a colaboração em projetos, sejam eles de caráter educativo, de investigação ou de promoção do Boneco.
Entendendo a importância da candidatura da Produção do Figurado em Barro de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade, disponibilizaram-se desde o início a apoiar e colaborar na iniciativa. Também conscientes do grande problema que é a salvaguarda desta arte têm-se preocupado com a sua transmissão, tendo já passado o seu saber-fazer e formado Ricardo Fonseca como seu seguidor assegurando desta forma que a sua oficina deixa sementes para o futuro. Tal como a Mestra Sabina Santos um dia fez com elas.
O Município de Estremoz apresenta o seu reconhecimento e gratidão para com estas barristas que dedicaram os últimos 50 anos da sua vida a produzir esta arte secular, com apuro técnico e respeito pela técnica e estética tradicionais do Figurado de Estremoz

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Largo do Outeiro revela segredos ocultos


Extrapolação da decoração apotropaica residual da fachada da casa com os
números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz.

Decoração apotropaica residual da fachada da casa com os números 24 e 25
do Largo do Outeiro, em Estremoz.

Fachada da casa com os números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz, 
patenteando decoração apotropaica residual.

Fotografia e design gráfico
de Miguel Belfo

Da pintura à arqueologia
No princípio do mês de Outubro, o meu amigo Nuno Ramalho mandou pintar a fachada da casa dos seus pais, localizada nos números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz. Os pintores começaram por limpar a parede com jacto de água. Qual não foi o espanto, quanto aquele jacto revela a existência daquilo que configurava ser uma pintura anterior à existência da janela do 1º andar esquerdo e que terá sido sacrificada para rasgar aquela janela. Significa isto que primitivamente a casa só teria a janela do 1º andar direito, a qual seria mais pequena que actualmente, uma vez que as ombreiras foram acrescentadas na parte superior, para a janela ficar com a mesma altura da janela que então foi aberta no lado esquerdo da fachada.
Qualquer das janelas ostenta sobre as ombreiras, padieiras em alvenaria, características do séc. XVIII, ornamentadas com florões em estuque.
Comparando a tipologia da fachada com a das casas limítrofes, constata-se que falta ali uma chaminé, a qual terá sido sacrificada em benefício da abertura de uma janela, tendo a chaminé sido edificada noutra zona da casa. Trata-se de uma conclusão importante na medida em que a decoração da fachada posta agora a descoberto, era uma decoração da chaminé abatida.

O esmiuçar da “pintura”
A análise minuciosa da decoração conseguida com fotografias de pormenor de elevada resolução, revelou que a técnica usada na decoração da fachada foi uma técnica mista, a qual combinou o esgrafito com a pintura do mesmo com almagre, o qual também foi utilizado na pintura de zonas delimitadas por esgrafito. A maioria das zonas pintadas perdeu a coloração conferida pelo almagre e ostenta apenas a coloração devida à cor da argamassa usada no revestimento da chaminé. Apenas dois símbolos conhecidos por “9 pontos rodeados” que se encontram na parte inferior da decoração, exibem a cor do almagre.
O facto de a decoração ter sido efectuada numa chaminé, permite concluir estar-se em presença de uma decoração apotropaica, efectuada com símbolos apotropaicos, isto é, símbolos em relação aos quais existia a crença de possuírem poder para afastar espíritos perversos ou danosos, tais como as bruxas ou o mau olhado. É que existia a crença de que embora as portas e as janelas estivessem bem fechadas, os espíritos malignos poderiam entrar pela chaminé.
O facto de a parte inferior da decoração ser simétrica em relação ao eixo central e vertical, leva a admitir que a composição da decoração seria toda ela simétrica em relação a esse mesmo eixo. A grande incógnita parece ser a parte central da decoração. Todavia são visíveis 2 sectores semicirculares a castanho avermelhado e um outro incompleto, situado num plano superior aos outros dois. Este conjunto parece procurar representar um amontado de pedras, o qual poderá corresponder a uma representação do Calvário, ou seja, da colina onde Jesus foi crucificado. A parte desaparecida da representação incluiria assim na sua parte central, uma cruz latina disposta segundo a vertical. A cruz latina é o símbolo principal do cristianismo. Para os cristãos representa não só a crucificação, como evoca a ressurreição e a esperança de vida eterna.
Incluindo a parte desaparecida da decoração apotropaica, o conjunto incluiria 4 símbolos conhecidos por “nove pontos rodeados”, um no centro duma roda e oito distribuídos à volta da mesma. Cada símbolo “9 pontos rodeados” está inscrito noutra roda, a qual reforça o poder do símbolo. A roda é um símbolo de libertação do lugar e do estado espiritual que lhe está associado.
Vejamos qual o simbolismo dos “9 pontos rodeados”. Desses 9 pontos, 1 está no centro da roda central e os outros 8 distribuem-se regularmente ao longo dessa roda. Numa perspectiva cristã, o ponto central corresponde a 1 e representa Deus, o Único, o Princípio de tudo. Os outros 8 pontos correspondem ao oitavo dia, que sucede aos 6 da criação e ao sabat (dia sagrado e de descanso no judaísmo) e é o símbolo da ressurreição, da transfiguração, anúncio da vida eterna. Sintetizando: os “9 pontos rodeados” simbolizam a criação do mundo por Deus, tal como é referida no Genesis e como tal a crença no poder de Deus sobre todas as coisas. A existência de 4 conjuntos de “9 pontos rodeados”, dispostos na decoração apotropaica em quadrangulação em simetria, resulta de o número quatro se comportar na Bíblia Sagrada como aquele que apresenta a criação de Deus e a totalidade das coisas.
A decoração apotropaica incluiria ainda, aquilo que me parecem ser dois vasos com flores, dispostos de cada um dos lados da cruz latina. Como o simbolismo da decoração apotropaica agora descoberta é de natureza cristã, sou levado a admitir que o vaso com flores possa ser um vaso com açucenas brancas. O vaso é símbolo do princípio feminino e as açucenas simbolizam a pureza, a castidade, a feminilidade e a virgindade da Virgem Maria. Resumindo: o vaso com açucenas é uma representação simbólica da Virgem Maria e um atributo presente em representações da anunciação. A existência de dois vasos com açucenas, um de cada lado da cruz latina, é justificado porque a Virgem Maria como Mãe de Jesus, tem associado a ela o princípio feminino, ao qual era na antiguidade atribuído o número dois. Por outro lado, os dois corações em cada vaso simbolizam a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Sagrado Coração de Maria, inseparáveis um do outro. A primeira destas devoções é dedicada a Jesus humano, misericordioso e sempre pronto a perdoar. A segunda destas devoções, atende ao sofrimento da Virgem Maria aos pés da cruz de Jesus e ao facto de ela guardar todas as palavras de Jesus no seu Coração.
Na decoração apotropaica objecto do presente estudo, aparecem representados simbolicamente: DEUS (“9 pontos rodeados”), JESUS (Calvário com cruz latina) e a VIRGEM MARIA (Vaso com açucenas). Significa isto que no seu conjunto, a decoração apotropaica visava invocar a protecção do Poder Divino de Deus para afastar espíritos perversos ou danosos e proteger aquela casa de todos os males. De salientar que para os cristãos, Jesus e Deus é um só, além que que é ilimitado o poder de intercessão da Virgem Maria junto de Jesus.
A decoração apotropaica está datada com um número que me parece ser 1668, número inscrito numa figura delimitada por quatro chavetas dispostas entre 4 pontos, como se formassem um losango. A figura aqui referida está ainda delimitada por dois óvulos a cheio, dispostos segundo a vertical, aos quais se juntam dois círculos a cheio, inscritos em duas circunferências dispostas segundo a horizontal. Tudo aponta para que esta seja a mais antiga decoração apotropaica do Alentejo.

Extrapolação da decoração apotropaica residual
A decoração apotropaica agora posta a descoberto é uma jóia preciosa do nosso património cultural imaterial local do séc. XVII. Na verdade, ela testemunha a existência naquela época de uma crença popular no poder protector dos símbolos apotropaicos, que no seu conjunto atestam a fé no Poder Divino de Deus.
A importância da descoberta e a interpretação da mesma por mim efectuada, exigiam que a mesma fosse divulgada junto do público em geral. Para tal, havia que criar uma imagem gráfica que desse conta de como seria a decoração apotropaica inicial, antes de ter sido mutilada. Tal foi feito com recurso a uma extrapolação da decoração apotropaica residual, tendo em conta a minha interpretação. Essa extrapolação foi executada magistralmente pelo designer gráfico Miguel Belfo, meu companheiro de estrada nesta loucura mansa de “dar à luz” o jornal E, de 15 em 15 dias. Nessa extrapolação tiveram-se em conta os seguintes procedimentos:
1 - A parte residual da representação apotropaica primitiva está representada a castanho e a parte extrapolada está representada a azul;
2 - A partir das porções existentes da moldura rectangular na qual se insere a decoração, foram extrapoladas as partes em falta;
3 - A parte superior do Calvário foi extrapolada a partir da parte inferior, tendo em conta as representações habituais do mesmo;
4 - A cruz latina foi extrapolada a partir da visualização do símbolo do Calvário;
5 - Teve-se em conta que o Calvário com cruz latina definia um eixo de simetria na composição decorativa;
6 - Os “9 pontos rodeados” do canto superior esquerdo foram extrapolados a partir dos correspondentes do canto superior direito e do canto inferior esquerdo;
7 - O contorno lateral direito do vaso do lado esquerdo foi extrapolado a partir do contorno lateral esquerdo;
8 - A decoração (coração) do lado direito do vaso do lado direito, foi extrapolada a partir da decoração do lado esquerdo do mesmo vaso;
9 - No vaso do lado direito, a parte omissa das flores no lado esquerdo do vaso foi extrapolada a partir das flores no lado direito do mesmo vaso;
10 - O vaso de flores à esquerda da cruz latina foi extrapolado a partir do vaso situado à direita da mesma cruz;
11 - A data de 1668 foi extrapolada a partir da observação da data 16?8 patente na decoração, a partir de fotografia de elevada resolução obtida por Miguel Belfo;
12 - Foram eliminadas da imagem final extrapolada, todos os pormenores existentes e visíveis na decoração primitiva residual, tais como defeitos no reboco do fundo que se soltaram, bem como porções mais brancas do fundo, devidas a intervenções posteriores que por ali ocorreram. Ali chegaram a estar cravados um suporte em ferro de fios condutores da EDP, bem como um candeeiro de iluminação pública cravado na parede. Estes, após remoção, deram origem a rebocos que acabaram por ficar pintados numa coloração branca superficial mais nítida.
13 - Onde houve mais dificuldade na extrapolação foi nas flores do vaso direito, já que para além do traçado visível, há reboco em falta distribuído desorganizadamente. Optou-se então por fazer uma extrapolação conjunta do traçado e do reboco em falta.

Agradecimentos
A interpretação e divulgação do significado profundo da decoração apotropaica da casa do Largo do Outeiro, só foi possível graças a uma sequência de boas vontades:
1º) A descoberta da decoração pelos pintores que a comunicaram ao senhor Nuno Ramalho;
2º) A decisão deste último no sentido da pintura da fachada não cobrir a decoração então descoberta, seguida da decisão de me contactar, visando interpretar tudo aquilo;
3º) A disponibilidade mostrada pelo designer gráfico Miguel Belfo que tirou no local, fotografias de elevada qualidade e resolução e que posteriormente, seguindo indicações minhas, extrapolou a parte residual da decoração apotropaica primitiva, de modo a reconstitui-la com o aspecto que ela teria primitivamente;
4º) A benevolência revelada pela directora do jornal E, Ivone Carapeto, face a texto meus, por vezes mais compridos que a légua da Póvoa.

Tem a palavra o Município de Estremoz
A decoração apotropaica agora descoberta, é seguramente a mais antiga do Alentejo, pelo que pode constituir um pólo de atracção turística, desde que devidamente divulgada. É um papel que cabe ao Turismo Municipal.
Ficamos à espera.

 Texto publicado no jornal E nº 299, de 10 de Novembro de 2022

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Um púcaro de Estremoz de se lhe tirar o chapéu

 

Púcaro de Estremoz. Datação desconhecida. Colecção Victor Tavares Santos.


Tu és a minha companha,
eu tenho-te á cabeceira
ó pucarinho de barro,
enfeite da cantareira.
ANTÓNIO SARDINHA (1887-1925)

Chapelada inicial
Victor Tavares Santos é um grande coleccionador de olaria e figurado português, os quais como actor de Teatro foi recolhendo no decurso das suas itinerâncias desde os anos 70 do século passado. Recentemente, divulgou no Facebook a imagem dum púcaro de barro vermelho de Estremoz. A visualização do mesmo despertou em mim, de imediato, um amor à primeira vista, corolário natural da beleza da sua morfologia arcaica e da simplicidade da sua decoração simbólica. O fascínio deste objecto olárico conduziu inescapavelmente à sua dissecação, patente no presente escrito.

Morfologia e decoração
Púcaro em barro vermelho, de base cilindriforme, pé cilindriforme de contornos côncavos, corpo esférico, colo tronco-cónico alto e bordo plano. Abaixo do bordo o púcaro exibe uma cercadura relevada, da qual partem duas asas verticais, de secção rectangular, arqueadas e simétricas, as quais terminam na parte média do corpo. Exemplar olárico de grande beleza morfológica. Superfície integralmente polida na qual foi efectuada decoração riscada (ramos de palmeira no corpo) e picada (marca de punção com extremidade em forma de circunferência circunscrita a uma estrela de 5 pontas, gravada em baixo relevo) no colo.

A estrela de cinco pontas
O simbolismo da estrela de 5 pontas está associado ao simbolismo do número 5. Este, é a soma do primeiro número par (2) e do primeiro número ímpar (3). Por outro lado, o número 5 está no meio dos nove primeiros números. Segundo os pitagóricos é o número do centro, da harmonia e do equilíbrio [2]. É, assim, um símbolo da ordem e da perfeição e como tal, símbolo da vontade divina, a qual não pode desejar senão a ordem e a perfeição [1]. A estrela de 5 pontas, pode assim ser encarada como um símbolo apotropaico, que neste caso protege o utilizador do púcaro, de espíritos malignos ou nocivos, tais como as bruxas ou o mau olhado.

A palma
Remonta à antiguidade clássica o hábito de receber heróis com palmas (ramos de palmeira). Daí que Jesus tenha sido recebido triunfalmente em Jerusalém com palmas e estas sejam encaradas como um símbolo cristão da vitória. Por outro lado, como as palmeiras se mantêm sempre verdes, a palma tem associado a ela o simbolismo da eternidade. A palma, é de resto, utilizada como atributo na representação de mártires, isto é, é utilizada como símbolo de martírio.
Admito que as palmas tenham sido utilizadas na decoração do púcaro, como modo de expressar ao seu utilizador, votos de vitória e de vida eterna.

Chapelada final
A grande beleza morfológica do arcaico púcaro, aliada ao forte simbolismo da sua decoração, poderão ter estado na base da dificuldade sentida pele proprietário em o adquirir ao antiquário Venceslau Lobo (1928-1986), do Museu dos Cristos, em Borba. A datação do exemplar olárico permanece uma incógnita, cuja decifração não esteve ao meu alcance.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Adagiário do Dia de Todos-os-Santos


OS PRECURSORES DE CRISTO COM SANTOS E MÁRTIRES (c.1423-24). Fra Angélico
(c. 1395 - 1455). Têmpera sobre madeira (31,9 x 63,5 cm). National Gallery, London.

A 1 de Novembro, a Igreja Católica celebra o Dia de Todos-os-Santos, como uma festa em honra de todos os Santos e Mártires, conhecidos e desconhecidos. Relativamente a esta efeméride, a literatura de tradição oral regista a presença dos seguintes adágios:
- De Santos a Santo André, um mês é; de Santo André ao Natal, três semanas.
- De Santos ao Natal, ou bom chover ou bem nevar.
- De Todos os Santos ao Advento, nem muita chuva nem muito vento.
- De Todos os Santos ao Natal, bom é chover e melhor nevar.
- De Todos os Santos ao Natal, perde a padeira o capital.
- De Todos os Santos ao Natal, perde a padeira o natural.
- De Todos os Santos até ao Natal, perde a padeira o cabedal.
- Depois dos Santos, neve nos campos.
- Dos Santos ao Advento, nem muita chuva nem muito vento.
- Dos Santos ao Natal, bico de pardal.
- Dos Santos ao Natal é bom chover e melhor nevar.
- Dos Santos ao Natal é Inverno natural.
- Dos Santos ao Natal perde a padeira o cabedal.
- Dos Santos ao Natal vai um salto de pardal.
- Dos Santos ao Natal, Inverno geral.
- Dos Santos ao Natal, perde o marinheiro o cabedal.
- O Verão de São Martinho, a vareja de São Simão e a cheia de Santos são três coisas que nunca faltaram nem faltarão.
- Pelos Santos, favas por todos os cantos.
- Pelos Santos, neve nos campos.
- Por Santos semeia trigo e colhe cardos.
- Por Todos os Santos, neve nos campos; por dia de São Nicolau, neve no chão.
- Por Todos os Santos, semeia trigo e colhe cardos.
- Por Todos os Santos, semeia trigo, colhe castanhas.

Publicado inicialmente a 1 de Novembro de 2022