sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Cerâmica de Redondo – Prato Brasonado


Fig. 1 - Prato brasonado, de barro vermelho, vidrado, de Redondo.
Olaria desconhecida. 3º quartel do séc. XX.

Faça-se luz e a luz fez-se
Adquiri recentemente um pequeno prato brasonado, de barro vermelho, vidrado, de Redondo (Fig. 1). Na origem da aquisição esteve o facto de ser mais um exemplar brasonado a juntar à minha pequena colecção. Ao contrário daqueles que o precederam, adquiri-o sem saber o que representava. Todavia e como é meu timbre, assumi desde logo a missão de suprir esta lacuna, consultando a bibliografia disponível e que cito no final do presente estudo.
A primeira ideia que me surgiu no espírito foi a de o brasão poder corresponder a algum titular de Redondo. Admiti que o tipo de titular pudesse vir a ser identificado pela espécie de coroa que encima o escudo de armas. Foi tiro e queda, uma vez que vim a descobrir que o título era o de Conde e que a lista de condados de Portugal dava conta da existência do título de Conde de Redondo. Faltava conhecer a imagem de tal brasão, o que veio a acontecer. Revelo de seguida todo o percurso do meu estudo.

Uma incursão ao universo heráldico
Os títulos nobiliárquicos eram distinções concedidas pelo Rei aos aristocratas, que permitiam diferenciar o posicionamento hierárquico dos diferentes membros da aristocracia e que tinha em conta as funções desempenhadas pelos respectivos titulares e a sua posição hierárquica em relação ao Rei. Os títulos nobiliárquicos eram vitalícios e hereditários. Os títulos de nobreza, em número de cinco, por ordem hierárquica decrescente eram: Duque, Marquês, Conde, Visconde e Barão.
A cada título corresponde um brasão de armas, encimado por um coronel [1], o qual varia com o tipo de título:

Fig. 2 – Coroneis de títulos nobiliárquicos.

Foquemo-nos apenas nos títulos de Conde. A outorga de títulos condais em terras portuguesas é anterior à Fundação da Nacionalidade e remonta ao tempo dos reis godos. Na Idade Média, um Conde era um senhor feudal, dono de um ou mais castelos e de terras denominadas Condado: Todavia, a partir do século XIV, o título nobiliárquico foi utilizado apenas como grau de nobreza. A atribuição do título pressupunha o reconhecimento da fidelidade ao monarca e o desempenho da função de conselheiro do Rei. No decurso da Monarquia Portuguesa (1143-1910) foram atribuídos 418 títulos condais, que tal como os restantes títulos nobiliárquicos foram extintos com a proclamação da República em 1910.
O título de Conde de Redondo, que foi o título não real que teve mais titulares, foi criado pelo rei D. Manuel I, por carta datada de 2 de Junho de 1500, a favor de D. Vasco Coutinho (c.1450-1522) [2]. No entanto, de acordo com a compilação Resenha das famílias titulares do reino [6], este título foi criado por D. João II de Portugal, em 16 de Março de 1486 e atribuído igualmente a. D. Vasco Coutinho. Na página 378 do referido livro, assim como na página 483 do livro Memorias Historicas e Genealogicas dos Grandes de Portugal [1] (Fig. 3), vem reproduzido o brasão do Conde de Redondo.

Fig. 3 – Armas dos Condes de Redondo.

Até á Implantação da República em 1910 houve 17 portadores do título Conde de Redondo, sendo o 17º, D. Fernando José Luís Burnay de Sousa Coutinho (1883-1945). Após a Implantação da República, foi abolido o sistema nobiliárquico, tendo ficado pretendentes ao título ao título: D. António Luís Carvalho de Sousa Coutinho (1925-2007) e D. Fernando Patrício de Portugal de Sousa Coutinho.

Descrição do Brasão de Armas dos Condes de Redondo
O brasão de armas dos Condes de Redondo (Fig. 3) apresenta uma composição muito simples. O escudo está dividido em quarteis: No 1º e 4º quarteis estão representadas cinco quinas (escudos). No 2º e 3º quarteis está representado um leão.
As 5 quinas simbolizam os 5 reis mouros derrotados por D. Afonso Henriques na batalha de Ourique. Cada quina contém 5 bolinhas brancas que representam as chagas de Jesus Cristo na cruz, o qual teria aparecido a D. Afonso Henriques antes do início daquela Batalha.
O leão, considerado o rei dos animais goza da reputação de força, de bravura e de nobreza. O simbolismo heráldico do leão traduz poder, orgulho, domínio, segurança, sabedoria e justiça. O leão está representado com as garras e a língua expostas, pelo que é habitual dizer que a figura se encontra armada (garras) e lampassada (língua). A posição do leão leva a dizer que ele está numa atitude rampante ou de combate. Na verdade, ele está representado em pé, erecto de perfil, com as patas dianteiras levantadas, assente numa pata traseira e com a outra levantada, pronta para o ataque.
O escudo está encimado por um coronel cujo desenho configura um coronel de Conde.

Descrição do prato
Prato em barro vermelho, vidrado, de Redondo. Covo, brasonado, de pequenas dimensões (18x12x3,5 cm), com superfície interna de cor creme, de aba larga ligeiramente côncava e bordo plano. Decoração esponjada a verde na aba. Decoração esgrafitada e pintada no fundo com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho. O motivo decorativo configura o Brasão de Armas de Conde em representação naif. O escudo, esgrafitado a ocre castanho, encontra-se dividido em quarteis. No 1º e 4º quarteis está representado um leão esgrafitado a ocre castanho em fundo amarelo. No 2º e 3º quarteis estão representadas cinco quinas (escudos), esgrafitadas a ocre castanho e com fundo verde, tudo em fundo creme. O escudo encontra-se rematado por um coronel, esgrafitado a ocre castanho em fundo amarelo e cujo traçado corresponde a um coronel de Conde.
O brasão condal encontra-se ladeado por dois ramos, aparentemente de alecrim, esgrafitados a castanho em fundo verde. De realçar que a flor do alecrim está associada à coragem, à fidelidade e à espiritualidade.

Nota final
Comparando o brasão do prato (Fig. 1) com o brasão dos Condes de Redondo (Fig. 3), concluo que no prato e relativamente ao brasão dos Condes de Redondo, os cavalos trocaram a posição com as quinas e vice-versa. Presumo que o oleiro tenha pretendido perpetuar no barro, o brasão dos Condes de Redondo, mas tenha trocado a posição das figuras heráldicas nos quarteis.

BIBLIOGRAFIA
[1] - CAETANO DE SOUSA, D. António. Memorias Historicas e Genealogicas dos grandes de Portugal. Regia oficina SYLVIANA e, da Academia Real. Lisboa, 1775. [Em linha]. Disponível em: https://books.google.pt/books/about/Memorias_historicas_e_genealogicas_dos_g.html?id=LncOAAAAQAAJ&printsec=frontcover&source=kp_read_button&hl=pt-PT&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
[2] - GENEALL. Condes de Redondo. [Em linha]. Disponível em: https://geneall.net/pt/titulo/1057/condes-de-redondo/ . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
3[3] – REI DE ARMAS. Brasão. [Em linha]. Disponível em: https://reidarmas.com/brasao . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
[4] – SIGNIFICADOS. Alecrim. [Em linha]. Disponível em: https://www.significados.com.br/alecrim/ . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
[5] – SIGNIFICADOS. Títulos de Nobreza. [Em linha]. Disponível em: https://www.significados.com.br/titulos-de-nobreza/ . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
[6] - TORRES, João Carlos Feo Cardoso de Castelo Branco e; MESQUITA, Manuel de Castro Pereira de. Resenha das Familias Titulares do Reino de Portugal. Imprensa Nacional. Lisboa, 1838. [Em linha]. Disponível em: https://ia802701.us.archive.org/4/items/resenhadasfamili02silvuoft/resenhadasfamili02silvuoft.pdf . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
[7] - WIKIPÉDIA. Conde de Redondo. [Em linha]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Memorias_Historicas_e_Genealogicas_dos_Grandes_de_Portugal_-_Conde_de_Redondo.png . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
[8] - WIKIPÉDIA. Conde de Redondo. [Em linha]. Disponível em: https://www.wikiwand.com/pt/Conde_de_Redondo . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].
[9] - WIKIPÉDIA. Lista de condados em Portugal. [Em linha]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_condados_em_Portugal . [Consultado em 11 de Outubro de 2022].

Hernâni Matos



[1] Um coronel é uma pequena coroa com ornamentos fixados num anel de metal. É utilizado por nobres nos seus brasões de armas para mostrar a hierarquia nobiliárquica do detentor.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Centro Histórico de Estremoz: Do autismo à militância ecológica

 


Fotografias de Rui Dias
Muralhas semi-limpas
“Vamos limpar as muralhas da zona histórica!” - assim se designava a acção promovida no passado dia 5 de Outubro pela União de Freguesias de Estremoz - Santa Maria e Santo André, a qual visava sensibilizar para as questões ambientais e contribuir para a limpeza do terreno junto às muralhas.
Face ao convite-apelo-desafio lançado, compareceram 15 valoroso(a)s guerreiro(a)s, os quais como refere o Hino da Intersindical, foram ali lutar com as armas que tinham nas suas próprias mãos e que eram, nem mais nem menos, as luvas protectoras fornecidas pela organização. Entre as dez horas e o meio-dia e meia, conseguiram limpar a zona junto às Portas de Évora, o que deu para encher por duas vezes um atrelado do Município e uma vez a carrinha de caixa aberta da União de Freguesias.
A jornada de trabalho permitiu apenas limpar metade das muralhas junto ao Centro Histórico, pelo que a organização vai oportunamente marcar uma nova data para a recolha do restante lixo.

Às armas! Às armas! Contra o lixo marchar, marchar!
Bem podiam ter sido estas as palavras de incitamento ao combate ecológico do passado de 5 de Outubro, já que os intervenientes na contenda revelaram extremoso pundonor, fruto decerto da sua elevada consciência ecológica, social e política. Entre eles figuravam os membros da Junta da União de Freguesias e o Vereador do Pelouro do Ambiente. Irmanados num mesmo propósito, entre eles existia um elo comum: pertenciam todos às esquerdas locais. Por outras palavras: a direita remeteu-se comodamente a penates. A rapaziada das laranjadas e os furta-cores, entrincheirados nas redes sociais, preferem a partir daí, mandar os seus bitaites doutorais sobre o assunto, pois sempre é mais cómodo perorar que dar o corpo ao manifesto.

Santiago!
Era o grito de guerra lançados pelos cristãos nas batalhas pela reconquista cristã da Península Ibérica. Santiago foi no passado dia 5 de Outubro, o bairro alvo da acção promovida pela União de Freguesias de Estremoz - Santa Maria e Santo André. Para tal, a acção foi antecedida de trabalho da mediadora cultural, houve distribuição de folhetos e o Presidente da União de Freguesias falou com moradores. Todavia, o bairro de Santiago fechou-se em copas, como se aquilo não tivesse nada a ver com eles.

Associações, associações, lixo à parte
As associações culturais e desportivas locais, que habitualmente solicitam apoios de índole diversa, também foram convidadas a associar-se à acção promovida pela União de Freguesias, mas o resultado foi moita-carrasco. Reciprocidade? O que é isso?
Por ali não se viram também escuteiros, ainda que o ideário escutista pressuponha a prática diária de uma boa acção e encare os escuteiros como os principais guardiões da natureza e do meio ambiente.
E as escolas não têm clubes vocacionados para a defesa do ambiente e para o exercício da cidadania? Pois têm.

E os papa-lanches?
Há fregueses que não faltam a uma iniciativa da Junta. Pudera, é que no fim há sempre um lanchezinho para dar ao dente e molhar o bico. Desta vez não foram. Pudera, desta vez a iniciativa era a seco.

Limpar o que está semi-sujo
Fico a guardar com expectativa os resultados e a natureza dos participantes na 2.ª etapa da acção “Vamos limpar as muralhas da zona histórica”. Depois “É preciso dar tempo ao tempo”, já que como nos diz a canção de Fausto, é sabido “que atrás dos tempos vêm tempos / e outros tempos hão-de vir”.

E depois?
O futuro o dirá. Das duas uma: ou a sensibilização do bairro de Santiago para as questões ambientais resulta e deixa de haver prevaricação ou, pelo contrário, há moradores que num total desrespeito pela vida em sociedade, continuam a prevaricar. Neste último caso, o Município de Estremoz terá inescapavelmente de agir. Para tal, dispõe de uma Divisão de Ambiente e Serviços Urbanos com missões perfeitamente definidas, legislação portuguesa actualizada sobre o assunto e fiscais para andar no terreno. Só se torna necessário olear a máquina, no caso de esta se encontrar perra. E depois é aplicar coimas, o que é da mais elementar justiça, de acordo com o princípio do poluidor pagador, conceito através do qual se imputa ao poluidor a responsabilidade de arcar com os custos resultantes da poluição. É uma atitude que terá de ser tomada de olhos vendados e sem pensar em votos.

Publicado no nº 297 do jornal E, em 13-10-2022







quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Estremoz e o 5 de Outubro

 

Proclamação da República Portuguesa. Litografia de autor desconhecido. 1910.

 

A  proclamação da República em Lisboa
O derrube da Monarquia a 5 de Outubro de 1910 foi fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
As instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda e as fórmulas de franquia postais.

A proclamação da República em Estremoz
Desde 1891-92, que existia o Centro Republicano de Estremoz, fundado por Júlio Augusto Martins (1866-1936) no 1º andar do edifício da antiga Misericórdia, situado no chamado Largo da Porta Nova. No rés-do chão funcionava a Sociedade Recreativa Popular Estremocense (Porta Nova), também fundada nessa época. A semelhança dos congéneres espalhados pelo país, o Centro Republicano de Estremoz desenvolvia actividades que incluíam não só a militância política e a formação ideológica, mas também a acção cultural e pedagógica.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente, durante a presidência de Júlio António Martins (1910-1911). Após a proclamação decorreu um cortejo pelas ruas da cidade, no decurso do qual foi entoada “A Portuguesa” e gritados “Viva a República!”

Antes do 25 de Abril
“Antes do 25 de Abril, comemorava-se o 5 de Outubro com uma romagem ao cemitério de Estremoz, que reunia velhos republicanos como o Cândido ferrador, o Saturnino Martins, o Abílio Maleitas e o Francisco Joaquim Baptista, mais conhecido por Chico das Metralhadoras. Iam com uma bandeira nacional à frente, já que não podiam levar outra e a bandeira nacional era e é, a bandeira da República. Nesse dia, o Chico das Metralhadoras tinha a bandeira da República hasteada numa janela da sua casa, sita na rua das freiras. Era a sua maneira de ilustrar a “Trova do vento que passa” de Manuel Alegre:

“Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.”

Houve muitos homens que contribuíram para a formação da minha personalidade e para além do meu pai, um dos mais importantes foi, sem dúvida, o Chico das Metralhadoras, permanentemente envolvido em angariação de fundos para a rotativa do jornal República e para os bombeiros locais e que, por mesquinhez de alguns e por memória curta de outros, foi injustamente esquecido.
No 5 de Outubro íamos almoçar uma bacalhauzada à do Xico das Metralhadoras. Eu, o meu pai e outros amigos para ali convidados: O Pelágio do notariado, o Francisco Ramos do Mendes Meira e Niza, o Fernando Gomes mecânico, o Vicente Rosado da Sagres, o Sargento Luís do Tabaquinho e Gonçalves e o Zé Luna da Câmara e do Estremoz.” (1)

O Centenário da República
Em 5 de Outubro de 2010, a Câmara Municipal de Estremoz, em parceria com entidades militares e civis, assinalou o Centenário da República, visando comemorar o evento e recuperar a memória e homenagear aqueles que de entre nós, participaram na sua Proclamação.
As comemorações tiveram início de manhã, com lançamento de foguetes, a que se seguiu o desfile das bandas filarmónicas do concelho. Seguidamente, teve lugar a Cerimónia Oficial em frente aos Paços do Concelho. Esta iniciou-se com o içar da Bandeira Nacional, seguindo-se a execução sucessiva dos Hino Nacional, da Cidade de Estremoz e Maria da Fonte pelas bandas filarmónicas do concelho. Terminada esta, tiveram lugar intervenções do Vice-Presidente da Câmara e do Presidente da Assembleia Municipal.
Seguiu-se o descerramento de uma placa na parede do edifício dos Paços do Concelho, em homenagem a João Francisco Carreço Simões, que ali proclamou a República em 6 de Outubro de 1910. As comemorações terminaram na parte da manhã com a inauguração sucessiva de duas exposições: "República - Letras e Cores, Ideias e Autores" no claustro do edifício dos Paços do Concelho e "A República para além de Lisboa 1908-1912" no antigo Centro Republicano. Da parte da tarde, teve lugar uma romagem ao cemitério de Estremoz, visando homenagear João Francisco Carreço Simões, cuja figura foi exaltada através da intervenção de um familiar.

5 de Outubro de 2022
“Vamos limpar as muralhas da zona histórica!” – Assim se designa a acção a promover no próximo dia 5 de Outubro pela União de Freguesias de Estremoz – Santa Maria e Santo André, com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz. De acordo com a Junta de Freguesia, a iniciativa tem um duplo objectivo: sensibilizar para as questões ambientais e contribuir para a limpeza do terreno junto às muralhas. De acordo com a entidade organizadora trata-se de uma oportunidade única para mudar comportamentos de cidadãos, que dispondo de contentores em número suficiente no local, deliberadamente despejam lixos doméstico naquela zona, o que dá uma má imagem da cidade.
Não é a primeira vez que uma actividade deste tipo é promovida no local, saldando-se por uma reincidência de incivilidade comportamental dos moradores da zona. Daí que não seja de admirar a existência de algumas atitudes de pessimismo face à eficácia da acção a promover pela Junta. Por outras palavras, há quem pense que a zona vai ficar limpa, mas depois vai voltar tudo ao mesmo. Há ainda quem teça outros comentários, que pelo seu teor e índole discriminatória, me recuso a veicular aqui.
Pela minha parte, aplaudo a iniciativa da Junta e faço votos para que seja bem-sucedida, o que não é um dado adquirido e que só o futuro confirmará. Além disso, permito-me produzir uma reflexão sobre o assunto.

Educar é preciso!
A zona onde a Junta de Freguesia vai desenvolver a iniciativa a que se propôs, corresponde ao Bairro de Santiago, o qual é desde sempre a zona mais pobre, desfavorecida e degradada da cidade, eufemisticamente conhecida por “ilha brava” nos anos 60 do séc. XX. A condição social do Bairro reflectiu-se sempre numa baixa escolaridade que o tornou parcialmente impermeável a conceitos de cidadania transmitidos através da instrução e educação escolar. É uma situação que ainda perdura e que urge ultrapassar, usando mediadores sociais que sejam aceites pela comunidade e que lhes façam sentir como eles são importantes na resolução de um problema que acaba por os afectar a eles próprios.
Sobre o descarte de lixos torna-se necessário fazer compreender que ele deve ser feito nos contentores ou ilhas ecológicas, para permitir a respectiva gestão através da reciclagem, compostagem, aterro sanitário ou incineração. É preciso também fazer compreender que o descarte inadequado dos lixos fora dos contentores ou ilhas ecológicas, tem impactos ambientais que se traduzem na contaminação do solo, da água e do ar, que podem estar na origem de doenças diversas e conduzir à degradação ambiental e ter reflexos no turismo, o que se traduz em custos sociais e económicos.
Seguidamente é preciso fazer compreender que na compra de artigos de consumo, se não pudermos comprar certos produtos a granel, há que optar por embalagens recicláveis, visando diminuir o consumo de recursos não renováveis, como petróleo e minerais, bem como o consumo de energia que a maioria das vezes não provém de energias renováveis.
Creio que tudo isto é necessário, porque a educação e a cultura são vectores de transformação da mente humana, que tornam as pessoas mais livres de preconceitos e condicionantes, tornando-as mais responsáveis e sociáveis.

(1) - MATOS, Hernâni. FRANCO-ATIRADOR, TEXTOS DE CIDADANIA DE UM ALENTEJANO DE ESTREMOZ. Edições Colibri. Lisboa, 2017.

Publicado no jornal E nº 296 de 29 de Setembro de 2022 

Romagem de republicanos ao cemitério de Estremoz no dia 5 de Outubro de 1962.
aqui estão parados na Avenida de Santo António. Presentes entre outros, António
Vão (estafeta), Xarepe (Máquinas Oliva), Saturnino Martins (Casa Verde), António
Parelho (Brados do Alentejo), António Cândido (ferrador), Furtado da Loja, Francisco
Gonçalves (Farmácia Godinho), Artur Assunção (Farmácia Costa), Abel Violante
Augusto (moldurador) com a bandeira, Francisco Baptista (ferroviário), Machadinho
(enfermeiro),  Eduardo Movilha (carpinteiro) e Carmem Movilha (neta) – Cortesia de
Carmem Movilha.

Placa descerrada em 5 de Outubro de 2010 na parede do edifício dos
Paços do Concelho de Estremoz.

Cartaz anunciador da iniciativa da União das Freguesias de Estremoz
no dia 5 de Outubro de 2022.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Esta é a estória de ser coleccionador



Ando sempre à "coca" de coisas que povoam o meu imaginário. Nessas andanças descubro também, coisas que nunca me passou pela cabeça que pudessem existir e outras que jamais pensei que pudessem vir até mim. Sim, porque por vezes, as coisas vêm até mim, sem as procurar. É como se eu as atraísse e há coisas a que de modo algum consigo resistir..
Tenho o coleccionismo na massa do sangue. Sou geneticamente um coleccionador e cumulativamente um contador de estórias, não só de estórias reais, mas também das estórias que as coisas me contam sobre os segredos que a sua existência encerra. Bom e há ainda também as estórias que eu invento, que me nascem, florescem e frutificam na cabeça. São estórias e mais estórias...

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Hoje há perdiz


Prato covo, de grandes dimensões (40 x 28 x 10 cm), de aba larga, ligeiramente
côncava.  Decoração esgrafitada a ocre castanho e pintada com base em tricromia
verde-amarelo-- ocre castanho, sobre fundo amarelo palha. Olaria e decorador
desconhecidos. 1ª metade do séc. XX.
 
Ao meu amigo António Carmelo Aires,
afamado caçador, reputado gastrónomo
e ilustre investigador da cerâmica de Redondo.

Entradas
A afirmação que escolhi como título do presente escrito tem um triplo alcance.
Por um lado, o prato que foi objecto da minha atenção e estudo, ostenta no fundo uma perdiz como elemento decorativo principal.
Em segundo lugar, porque da visualização do mesmo ressalta a existência de marcas de uso que a lavagem não conseguiu remover. São elas as falhas de vidrado e a patine conferida pela gordura nela entranhada. Já no tardoz, a patine assume a forma de uma camada negra entranhada no fundo do prato, configurando partículas de carvão, fixadas por gordura e que indiciam que o prato, de considerável covo, tenha sido usado na confecção de assados em forno de lenha. E, dada a decoração do prato, não me repugna nada admitir que possa ter sido usado para fazer assados de perdiz e tenha sido sempre esse o seu uso. Quem sabe até, se em casa de algum caçador.
Em terceiro lugar, porque entendi fazer uma abordagem etnográfica do tema “perdiz”, centrada na sua gastronomia e em múltiplos aspectos da sua tradição oral.

O prato
Prato covo, de grandes dimensões (40 x 28 x 10 cm), de aba larga, ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada a ocre castanho e pintada com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho, sobre fundo amarelo palha. Olaria e decorador desconhecidos. 1ª metade do séc. XX.
A aba encontra-se enfeitada com sucessivos pedúnculos num total de onze, com geometria sinusoidal achatada, ladeados de folhas verdes e que culminam em botões a ocre castanho (decoração olho-de-boi), orientados no sentido anti-horário.
O fundo está decorado com uma perdiz a olhar para a esquerda, pousada num ramo do qual saem dois pedúnculos com folhas e flores, que a ladeiam.

Gastronomia
A carne de perdiz tem muito baixo teor de gordura.
 É uma carne muito muito saborosa, macia e dietética que pode ser cozinhada fervida, estufada, frita, assada e recheada. A composição da carne de perdiz e as suas propriedades tornam-na uma carne de uso aconselhado em culinária. O conteúdo calórico é mínimo, pelo que a tornam indicada para pessoas que sofrem de obesidade. A composição inclui enzimas que aceleram o metabolismo e removem o colesterol. Regula o nível de hemoglobina no sangue, relaxa e fortalece o sistema nervoso, melhora a memória e aumenta a concentração e ajuda a tratar doenças respiratórias. É afrodisíaca. Normaliza o trato digestivo em caso de envenenamento, obstipação e diarreia. Regula os níveis de biotina, a qual regula o metabolismo do açúcar e trava a progressão da diabetes.
Existe um número considerável de pratos em cuja confecção entra a perdiz. Destaco alguns dos mais conhecidos e afamados: açorda de perdiz, arroz de perdiz à Fialho de Almeida, canja de perdiz, cataplana de perdiz e cogumelos silvestres, confit de perdiz, perdiz à algarvia, perdiz à castelhana (receita de Bulhão Pato), perdiz à Convento da Cartuxa, perdiz à Convento de Alcântara, perdiz à Montemor, perdiz assada, perdiz com couve, perdiz com repolho, perdiz de escabeche, perdiz estufada, perdiz fria à moda de Coimbra, perdiz frita à caçador, perdiz na cerveja, raviolli de perdiz, sopa de castanhas e perdiz, tigelada de perdiz.

Adagiário
O adagiário da perdiz incide sobre a gastronomia da ave e sobre o desenvolvimento e caça da mesma, incidindo então sobre quase todos os meses do ano:
- A perdiz e o frade, de manhã ou à tarde.
- A perdiz é perdida, se quente não é comida.
- A perdiz, com a mão no nariz.
- Antes pardal na mão que perdiz a voar.
- Caça à perdiz com o vento pelo nariz e às narcejas pelas costas o vejas.
- Das aves, boa é a perdiz, mas melhor a codorniz.
- Do peixe a pescada, da ave a perdiz, da carne a vitela.
- Do peixe a pescada, da carne a perdiz.

- Em Abril, cheio está o covil.[1]
- Em Agosto espingardas ao rosto [2]
- Em Fevereiro, recocaneiro. [3]
- Em Janeiro acasala com o seu parceiro. [4]
- Em Janeiro, nem galgo lebreiro, nem açor perdigueiro.
- Em Maio chocai-o. [5]
- Em Março, três ou quatro. [6]
- Enquanto não é tempo de muda, caçai comigo aos perdigotos.
- Fevereiro couveiro faz a perdiz ao poleiro.
- Maio, Maio, pio pio pelo mato.
- Não há carne perdida, senão lebre assada e perdiz cozida.
- O coelho e a perdiz, uma mão na boca e outra no nariz.
- Perdigão Gordo, pássara magra.
- Perdigão perdeu a pena, não há mal que lhe não venha.
- Perdiz açorada, meia assada.
- Perdiz derreada, perdigotos guarda.
- Quando a perdiz canta, bom prado tem.
- Quem a truta come assada e cozida a perdiz, não sabe o que faz nem sabe o que diz.
- Quem aos trinta anos come lebre assada e cozida a perdiz, não sabe o que faz nem sabe o que diz.
- São João, leva-os ao pão.
[7]
- São Tiago(ua) leva-os à água. [8]
Actualmente a caça à perdiz só está autorizada no início de Outubro, mas antigamente começava a 15 de Agosto. Os caçadores tinham então memorizada uma sequência de adágios sobre perdizes, relativos a cada mês do ano e através dela sabiam reconhecer a fase da evolução das perdizes desde o acasalamento até à abertura da caça. Uma tal sequência, à laia de lengalenga podia ser esta: “Em Janeiro acasala com o seu parceiro; Em Fevereiro, recocaneiro; Em Março, três ou quatro; Em Abril, cheio está o covil; Em Maio chocai-o; São João, leva-os ao pão; São Tiago(ua) leva-os à água; “Em Agosto espingardas ao rosto”. Todavia a sequência podia ter composição diferente.

Cancioneiro
É diminuto o cancioneiro popular da perdiz. Todavia entendi dele seleccionar a quadra “Debaixo da trovisqueira / Saiu a perdiz cantando; / Deixemos falar quem fala, / É mundo, vamos andando.” (5), seguida desta outra “A perdiz anda no monte, / Come da erva que quer; / É como o moço solteiro / Enquanto não tem mulher.” (9) e ainda de outra “A perdiz canta no bosque, / Na charneca o lavrador. / Eu só canto quando vejo / Os olhos do meu amor.” (10)

Lengalengas
Localizei apenas 3 lengalengas onde intervém a perdiz e delas destaquei a seguinte: “Serapico, pico, pico / Quem te fez tamanho bico? / Foi a velha do capuz / Que anda lá com uma luz / À procura da perdiz / Para a filha do juíz / Que está presa pelo nariz!”

Adivinhas
A consulta de diversos livros de adivinhas, apenas me permitiu identificar uma em cuja formulação entra a perdiz como personagem: “Um atirador disparou sobre três perdizes e matou uma. Quantas ficaram?” A resposta, para alguns algo imprevista e da qual está ausente o cálculo mental é “Não ficou nenhuma, que as outras fugiram”.

Alcunhas alentejanas
É reduzido o número de alcunhas alentejanas em que intervém a perdiz: PERDIZ (alcunha outorgada a indivíduo que caça muitas perdizes (Avis e Estremoz), PERDIZ CHUMBADA (denominação atribuída a indivíduo que em criança apanhou uma perdiz à mão, mas ela já estava chumbada (Alter do Chão)), PERDIZEIRO (o visado consegue caçar muitas perdizes).

Toponímia
Também é escasso o número de presenças da perdiz na toponímia portuguesa. Apenas localizei os seguintes topónimos: BECO DAS PERDIZES (arruamento de Albufeira), CAMINHO DAS PERDIZES (arruamento em Arruda dos Vinhos), FONTE DAS PERDIZES (fonte de água potável no concelho de Ourém), FONTE DAS PERDIZES (lugar do concelho de Grândola), MONTE DAS PERDIZES (lugar da zona norte do Parque Florestal de Monsanto), MONTE DAS PERDIZES (quinta agrícola do sítio do Quatrim - Quelfes, Olhão, com alojamento turístico), PARQUE DAS PERDIZES (parque de Paço de Arcos), QUINTA DO VALE DA PERDIZ (lugar nas proximidades de Torre de Moncorvo), RUA DA PERDIZ (arruamento de Ponte de Lima), VILAR DE PERDIZES (freguesia do concelho de Montalegre, celebre pela realização dos Congressos de Medicina Popular, impulsionados pelo padre Fontes desde 1983 e que ali atraem bruxos, cartomantes, curandeiros e videntes).

Gíria popular
É parca a gíria popular sobre a perdiz. Todavia foi-me possível identificar alguns termos: OLHO DE PERDIZ (calosidade redonda e pequena entre os dedos dos pés), OLHO DE PERDIZ (padrão de tecido de lã), OLHO DE PERDIZ (qualidade de madeira utilizada em mobiliário), OLHO DE PERDIZ (variedade de batata de polpa e pele amarelas, com manchas vermelhas), OLHO DE PERDIZ (variedade de figo arredondado e adocicado, de tamanho médio e coloração arroxeada), PÉ DE PERDIZ (arbusto medicinal cuja raiz tem acção anti-inflamatória, cicatrizante, anticancerígena, antimicótica, antibacteriana e antiviral, sendo utilizada no combate de inúmeras doenças), PÉ DE PERDIZ (casta de videira de uva branca), PÉ DE PERDIZ (variedade de pera), PERDIZ (peça teatral que deu prejuízo), PERDIZ (receita que não cobre a despesa), PERDIZ DE ALQUEIVE (sapo), PERDIZADA (bando de perdizes), SALTO DE PERDIZ (salto de sapato alto, vermelho, muito usado pelas elegantes no séc. XVIII).

Desenlace
Coleccionar não é só juntar exemplares daquilo que se decidiu coleccionar. Pelo contrário, exige uma observação minuciosa e atenta, bem como um estudo profundo desses exemplares, independentemente da sua origem, natureza, composição, tipologia e função. Foi o que se passou com o prato de Redondo que foi objecto do presente escrito. Encontrei-o disponível no mercado de antiguidades e entre nós estabeleceram-se, de imediato, fortes laços de empatia, já que o prato começou a falar comigo. Na sequência da sua aquisição e porque sou um contador de estórias, tinha que falar do prato, relatando as estórias que ele tinha para me contar. Foi o que procurei fazer com espírito de missão, missão que não terminou aqui e que será prosseguida inescapavelmente com o surgimento do próximo objecto olárico, igualmente capaz de estabelecer comigo um relacionamento empático.

BIBLIOGRAFIA
(1) - AMIGOS DE CAPELINS. A perdiz [Em linha]. Disponível em: https://amigosdecapelins.blogspot.com/2020/11/662-fauna-das-terras-de-capelins-perdiz.html [Consultado em 22 de Setembro de 2022].
(2) - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho-Editor. Lisboa, 1901.
(3) - COMIDA SAUDÁVEL PERTO DE MIM. Perdiz [Em linha]. Disponível em: https://pt.healthy-food-near-me.com/partridge-description-of-meat-benefits-and-harm-to-human-health/ [Consultado em 18 de Setembro de 2022].
(4) - MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.
(5) - COUTINHO, Artur. Cancioneiro da Serra de Arga. Edição do autor. Viana do castelo, 1980.
(6) – DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
(7) - MOUTINHO, José Viale. Adivinhas Populares Portuguesas. 6ª edição. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1988.
(8) - RAMOS, Francisco Martins; SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
(9) - BRAGA, Theophilo. Cancioneiro Popular Português. 2ª ed. A. Rodrigues & CV. Editores. Lisboa, 191.
(10) - THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. II. Typographia Progesso. Elvas, 1905.
(11) - VÁRIOS. Grande Enciclopédia Luso-Brasileira, vol. 21. Lisboa, Rio de Janeiro, s/d.

 


[1] Significa que durante o mês de Abril a perdiz continuava a pôr ovos, que podiam atingir a dezena e meia e enchiam o ninho.
[2] Expressa que em Agosto, os perdigotos já estavam bem-criados, pelo que podiam ser caçados.
[3] Revela que em Fevereiro, o casal perdiz-perdigão recocava, isto é, manifestava um cantar manso e terno.
[4] Indica que é em Janeiro que uma perdiz acasalava com um perdigão, ficando juntos até à criação dos perdigotos.
[5] Diz-nos que no mês de Maio, as perdizes chocavam os ovos e nasciam os perdigotos.
[6] Significa que em Março, a perdiz começara a pôr ovos e o ninho já devia ter 3 ou 4.
[7] São João comemora-se a 24 de Junho, mês das colheitas por os cereais estarem maduros, alimentando as perdizes e os perdigotos. Este o sentido do adágio.
[8] São Tiago comemora-se a 25 de Julho, mês em que os perdigotos já estavam crescidos e voavam por cima de cursos de água, onde iam beber. Tal o sentido do adágio.


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Marcas de fabrico da Olaria Alfacinha


Olaria Alfacinha - Estremoz (anos 40 do séc. XX),  fotógrafia
de Artur Pastor (1922-1999), natural de Alter do Chão.

PRÓLOGO

Sou coleccionador de longa data de louça de barro vermelho de Estremoz, sobre a qual tenho publicado textos, nos quais destaco as marcas de fabrico ostentadas pelas peças oláricas, em particular as produzidas pela Olaria Alfacinha. Entretanto, descobri a existência de outras marcas de fabrico, algumas através de imagens publicadas em sites de venda na internet. Daí surgiu a ideia de sistematizar todas as marcas de fabrico por mim conhecidas. Tal é o objectivo do presente texto.
A Olaria Alfacinha, foi fundada por Caetano Augusto da Conceição em 1881, na Rua do Arco, transferindo-se sucessivamente para a Casa das Fardas e para a Rua de Santo Antonico, todas em Estremoz. A olaria esteve na posse da família até 1987, tendo produzido louça não vidrada e louça vidrada.
Em 1987, a olaria foi vendida a Rui Pires de Zêzere Barradas, professor, que conjuntamente com sua mulher Cristina, dela foi co-proprietário até 1995, ano em que a Olaria cessou a sua actividade. Neste último período, a olaria produziu apenas louça vidrada.
No estudo das marcas de fabrico da Olaria Alfacinha considerei dois períodos: 1º Período (1881-1987) e 2º Período (1987-1995). Dentro de cada um deles, ordenei as marcas de fabrico, por uma sequência cronológica, de acordo com os dados de que disponho. Vejamos então, as marcas por mim identificadas dentro de cada um desses períodos.

1.º PERÍODO (1881-1987)

Fig. 1 - MARCA TIPO 1 - Marca “OLARIA ALFACINHA / EXTREMOZ“, aposta por carimbo, inscrita numa coroa circular, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. As inscrições “OLARIA ALFACINHA” e “ESTREMOZ” encontram-se separadas por dois elementos indefinidos, que poderão, eventualmente, ser, cruzes trevoladas, semelhantes às que integram as marcas de Tipo 2 e do Tipo 3. A marca aqui reproduzida, figura na página 365 da CERAMICA PORTUGUEZA, de José Queiroz (1907), a qual não refere os diâmetros exterior e interior da coroa circular.

Fig. 1 - MARCA TIPO 1 - 

Fig. 2 - MARCA TIPO 2 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ“, aposta por carimbo, inscrita numa coroa circular de 2,3 cm e 1,4 cm de diâmetro, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. As inscrições “OLARIA ALFACINHA” e “ESTREMOZ” encontram-se separadas por duas cruzes trevoladas.

Fig. 2 - MARCA TIPO 2

Fig. 3 - MARCA TIPO 3 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ“, aposta por carimbo, inscrita numa coroa circular de 2,5 cm e 1,7 cm de diâmetro, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. As inscrições “OLARIA ALFACINHA” e “ESTREMOZ” encontram-se separadas por duas cruzes trevoladas.

Fig. 3 - MARCA TIPO 3

Fig. 4 - MARCA TIPO 4 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL“, aposta por carimbo, distribuída por três linhas e ocupando uma superfície de 1, 2 cm x 3 cm.

Fig. 4 - MARCA TIPO 4

Fig. 5 - MARCA TIPO 5 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL”, aposta por carimbo, distribuída por três linhas e ocupando uma superfície de 2,5 cm x 4,5 cm.

Fig. 5 - MARCA TIPO 5

Fig. 6 - MARCA TIPO 6 - Marca linear “Olaria + Alfacinha + Estremoz”, aposta por carimbo, com as palavras separadas por uma cruz trevolada.

Fig. 6 - MARCA TIPO 6

De salientar que as marcas tipo 2, 3 e 4, além de serem utilizadas como marcas de fabrico da Olaria Alfacinha, foram usadas também como marca de fabrico de Bonecos de Estremoz, pela barrista Sabina da Conceição Santos, membro da Família Alfacinha.

2.º PERÍODO (1987-1995)

Fig. 7 - MARCA TIPO 7 - Marca "Olaria / Alfacinha / Estremoz / Portugal / Joana”, manuscrita, distribuída por quatro linhas.

Fig. 7 - MARCA TIPO 7

Fig. 8 - MARCA TIPO 8 - Marca “OLARIA / ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL”, manuscrita, distribuída por quatro linhas.

Fig. 8 - MARCA TIPO 8

Fig. 9 - MARCA TIPO 9 - Marca “O.A / ESTREMOZ / Portugal”, manuscrita, distribuída por 3 linhas.  


Fig. 9 - MARCA TIPO 9

Fig. 10 - MARCA TIPO 10 - Marca “olaria / Alfacinha / ESTREMOZ / Portugal”, manuscrita, distribuída por quatro linhas.

Fig. 10 - MARCA TIPO 10

Fig. 11 - MARCA TIPO 11 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL”, aposta por carimbo, distribuída por três linhas e ocupando uma superfície de 2,5 cm x 4,5 cm. Esta marca é exactamente a mesma da MARCA TIPO 5 do 1.º período.

Fig. 11 - MARCA TIPO 11

ESPÉCIMES OLÁRICOS QUE PATENTEIAM AS MARCAS DE FABRICO DESCRITAS

Fig. 12 – Medalha de barro vermelho, oblonga, com o brasão de armas da cidade, encimado pela coroa real e tendo por baixo a legenda em alto-relevo “ESTREMOZ”. Dimensões: 6,7 cm x 5 cm; Peso: 26 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 2.

Fig. 12

Fig. 13 – Medalha de barro vermelho, oblonga, com o brasão de armas da cidade, encimado pela data de 1933 e tendo por baixo a legenda em alto-relevo “FESTAS EM ESTREMOZ”. Dimensões: 6,3 cm x 4,2 cm; Peso: 15 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 3.

Fig. 13

Fig. 14 – Medalha de barro vermelho, oblonga, na qual figura ao centro e em alto relevo, a imagem do andor do Senhor Jesus dos Passos de Estremoz. Esta, está ladeada à esquerda pela legenda também em alto-relevo “FESTAS DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ / EM ESTREMOZ / 1963”, distribuída por três níveis. À direita da imagem do andor, um ramo de uma flor não identificada, também em alto relevo. Dimensões: 6,3 cm x 4,2 cm, Peso: 21 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 4.

Fig. 14

Fig. 15 – Terrina com as seguintes dimensões (cm): altura total – 28,5; altura sem tampa – 17; altura da tampa – 15; diâmetro do fundo – 17,8; diâmetro do bojo – 22,5; diâmetro exterior da abertura – 14; diâmetro interior da abertura – 12,5; diâmetro exterior da tampa – 15; - PRATO: diâmetro exterior da aba – 27; diâmetro do fundo – 18. No que respeita a peso (g), as características são: - TERRINA – 1277g; - TAMPA: 756 g; - PRATO: 1206 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 5.

Fig. 15

Fig. 16 – Decantador com tampa. Bojo com decoração de natureza fitomórfica e geométrica, obtida por polimento. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No bojo, junto ao fundo, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 6.


Fig. 17 – Prato raso, vidrado. Na parte superior da aba, a inscrição pintada “FESTAS EXALTAÇÃO Stª CRUZ”. Na parte inferior da aba, a inscrição “1990”, ladeada por dois ornatos de natureza fitomórfica, tudo pintado. No fundo do prato e ao centro, em alto relevo, a imagem do Senhor Jesus dos Passos de Estremoz, obtida a partir do molde em gesso, utilizado pela Olaria Alfacinha nos anos 60 do séc. XX, na produção de medalhas em barro, comemorativas daquelas Festas. Diâmetro superior do prato: 17, 5 cm. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 7.

Fig. 18 – Prato raso, vidrado, com decoração de temática rural (Pastor e cão num montado), pintada na aba e no fundo. Diâmetro superior do prato: 14, 5 cm. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 8.

Fig. 18

Fig. 19 – Prato raso, vidrado, com decoração fitomórfica e geométrica, pintada na aba e no fundo. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 9.

Fig. 19

Fig. 20 – Prato raso, vidrado, com decoração fitomórfica e geométrica, pintada na aba e no fundo. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 10.

Fig. 20

Fig. 21 – Prato raso, vidrado, com decoração fitomórfica e zoomórfica, pintada na aba e no fundo. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 5.

Fig. 21 

EPÍLOGO

Ainda que tenha por base o estudo de mais de 200 peças oláricas da minha colecção, a presente sistematização das marcas de fabrico da Olaria Alfacinha, é necessariamente incompleta. Estou certo que com o decorrer do tempo, outras marcas surgirão, pelo que em devido tempo, delas terá conhecimento o leitor. 

BIBLIOGRAFIA

MATOS, Hernâni. Estremoz - Surpresas do Mercado das Velharias – 01 [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2019/05/estremoz-surpresas-do-mercado-das.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

MATOS, Hernâni. Louça vidrada de barro vermelho, da Olaria Alfacinha [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2022/02/louca-vidrada-de-barro-vermelho-da.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

MATOS, Hernâni. Medalhas de barro de Estremoz [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2012/11/medalhas-de-barro-de-estremoz.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

MATOS, Hernâni. Terrina de Estremoz [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2013/12/terrina-de-estremoz.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

QUEIROZ, José. Ceramica portugueza. Typographia do Annuario Commercial. Lisboa, 1907.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Homenagem a Joaquim Vermelho




Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 19 de Setembro de 2022

No próximo dia 21 de setembro completam-se 20 anos sobre a morte de Joaquim Vermelho. Para assinalar a data, o Município de Estremoz irá abrir ao público um conjunto de exposições denominadas “Homenagem a Joaquim Vermelho na passagem do 20º aniversário da sua morte”. Estas exposições dividem-se por 3 espaços que muita memória têm do trabalho exercido neles por Joaquim Vermelho, enquanto funcionário e voluntário no Município de Estremoz.
A Biblioteca Municipal irá recordar na sua exposição Joaquim Vermelho como escritor, jornalista, poeta. No Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz o visitante terá oportunidade de conhecer parte da coleção de Figurado de Estremoz que Joaquim Vermelho deixou em legado ao Museu Municipal de Estremoz. Para terminar este conjunto de exposições, no Teatro Bernardim Ribeiro poderá ser visitada a reposição da exposição biográfica que relembra todo o seu trabalho em prol da história e do desenvolvimento cultural da cidade.
Joaquim Vermelho nasceu em Estremoz em 1927, exerceu funções no Município de Estremoz como responsável da Biblioteca Municipal e diretor do Museu Municipal. O seu trabalho junto das Associações locais e dos vários equipamentos culturais do Município, tornou-o num dos estremocenses que mais marcou a cidade de Estremoz no campo cultural no séc. XX.
Foi um homem apaixonado pela escrita, pela fotografia e pela arte popular, tendo dedicado parte da sua vida à divulgação, valorização e salvaguarda do artesanato muito em particular do Figurado de Estremoz.
Estas exposições de “Homenagem a Joaquim Vermelho na passagem do 20º aniversário da sua morte” poderão ser visitadas até dia 18 de novembro de 2022.