domingo, 9 de janeiro de 2022

Aníbal Falcato Alves, ceramista



Fig. 1 - Alegoria à produção de vinho. Colecção do autor.

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É sabido que sou um recolector nato de tudo aquilo que me aquece a alma, o que me faz deambular entre o real e o virtual. Numa dessas caminhadas, tive o privilégio de interactuar com a jornalista Alexandra Tavares-Teles, que sem o saber, usufruía da felicidade de ter na sua posse dois pratos de louça de Redondo (Fig. 1 a Fig. 4), de grandes dimensões, os quais haviam chegado às suas mãos por oferecimento de mãos amigas. E digo privilégio, visto que aquela interacção me permitiu conhecer um aspecto, até então desconhecido do autor dos mesmos, um amigo cuja Memória me é muito grata: o Aníbal Falcato Alves (1921-1994), que me deu a prerrogativa de ser seu amigo, era eu um adolescente e ele já quarentão.
O Aníbal foi caixeiro, livreiro, jornalista, escritor, professor, arqueólogo, etnólogo, fotógrafo, artista plástico e não sei quantas coisas mais, a que há a acrescentar, o seu grande amor ao Povo e ao Alentejo que o viu nascer.
Dele tenho desenhos, linoleogravuras, xilogravuras, colagens, que ele entendeu por bem oferecer-me, já que das suas mãos mágicas não saía arte para vender, mas apenas para partilhar com os amigos.
Da interacção ocorrida com aquela jornalista, resultou que um dos pratos (Fig. 1 e Fig. 2) me foi oferecido por ter partilhado com a sua possuidora, a Memória até então para ela desconhecida, de quem era o Aníbal Falcato Alves.
Mas as coisas não ficaram por aqui. Passado algum tempo encontrei à venda no Mercado das Velharias em Estremoz, outro prato do Aníbal (Fig. 5 e Fig. 6), que integrava um recheio de casa adquirido por um comerciante de velharias. Naquele dia cheguei ao Mercado já o sol ia alto. Azar meu. É que o meu prato tinha um companheiro (Fig. 7 e Fig. 8), que fora adquirido por Cristina Carvalho, pouco depois do romper da aurora.
As conclusões óbvias disto tudo são que o Aníbal também foi ceramista e que graças ao mundo ser pequeno e às voltas que o mundo dá, eu tenho o grato prazer de ter na minha colecção, dois pratos do Aníbal, coisa que jamais me passou pela cabeça. Também não é descabido concluir que me devia passar a levantar mais cedo, para não ver fugir as coisas que me aquecem a alma.




Fig. 2 - Pormenor do prato da Fig. 1.


Fig. 3 - Cavador a fumar. Colecção Alexandra Tavares-Teles.


Fig. 4 - Pormenor do prato da Fig. 3.


Fig. 5 - Burro a perseguir pomba com ramo no bico (Possível alegoria). Colecção do autor.


Fig. 6 - Pormenor do prato da Fig. 5.


Fig. 7 - Ninho de Pombos. Colecção Cristina Carvalho.


Fig. 8 - Pormenor do prato da Fig. 7.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Uma carta fora do baralho


FIg. 1 - Lote de bonecos de Estremoz adquiridos por Jorge da Conceição no OLX.


Prólogo
Pode parecer um pouco estranho, intitular um texto de barrística de Estremoz, com uma bem conhecida frase idiomática, que aplicada a alguma coisa lhe confere conotação pejorativa por a depreciar. Todavia, a leitura do presente texto, revela que pode não ser assim.

Bonecos comprados no OLX
O barrista Jorge da Conceição colecciona Bonecos de Estremoz, confeccionados pelo avô Mariano da Conceição, pela avó Liberdade da Conceição e pela mãe Maria Luísa da Conceição. Recentemente adquiriu um lote de 3 Bonecos no OLX (Fig. 1), minutos antes de eu dar por eles. Tratava-se das bem conhecidas figuras “Mulher a lavar a roupa” e “Mulher a dobar” da autoria de seu avô e ostentando na base, a bem conhecida marca ESTREMOZ/PORTUGAL, inclinada [i] (Fig. 2). A eles há a acrescentar um terceiro Boneco (Fig. 4), o qual me foi dispensado por aquele barrista, visto não ser do seu interesse. Dele falarei mais adiante.

Produção de Bonecos de Estremoz na Escola Industrial António Augusto Gonçalves
Os bonecos e as peças de olaria produzidos na Escola Industrial de António Augusto Gonçalves eram vendidos pela Escola, funcionando assim como receita da mesma. Os alunos da Escola recebiam por isso salário, de acordo com notícia do jornal Brados do Alentejo [ii], em 1935. Quando a Escola, designada Escola Industrial e Comercial de Estremoz desde 1948, transitou para o Castelo onde actualmente funciona a Pousada da Rainha Santa Isabel, os alunos continuaram a poder participar na manufactura de Bonecos de Estremoz para vender aos turistas. É o que nos diz o artigo “Primeiro passo: a estante” inserido no “Diário”19 da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, Ano I, nº 57, 28 de Março de 1954 [iii] (2): “Dentro de horas, será inaugurada, ao cimo da escadaria principal da Escola, uma estante. E logo dentro dela surgirão Bonecos de Estremoz, moringues e pucarinhos para vender aos visitantes da torre, que todos os dias são numerosos.
Assim se inicia a grande campanha de angariação de fundos para a compra do que à Escola faz falta, para ser completa a acção cultural e pedagógica.
Dentro de dias, serão convidados alunos de maior mérito artístico a dar a sua colaboração, fornecendo a Escola os materiais e pagando ainda, embora com pouco dinheiro, a mão de obra.
Conseguiremos assim, antes das férias grandes, um enorme sortido de lembranças que, enquanto estivermos a descansar, irão creando dinheiro para, quando voltarmos, então poder-mos dar início às nossas compras.
Mas podem haver outras ideias. Elas que venham, pois muitas cabeças a pensar será concerteza melhor do que uma só.”

A marcação dos Bonecos da Escola
Os Bonecos comercializados pela Escola, ostentavam a marca do carimbo “ESTREMOZ / PORTUGAL” (2 cm x 0,8 cm) (Fig. 3). Trata-se do carimbo mais usado por Mariano da Conceição. O carimbo, foi de resto utilizado por sua mulher Liberdade da Conceição, sua filha Maria Luísa da Conceição e seu neto, Jorge da Conceição. Como estes quatro membros do clã alfacinha usaram todos esta marca, só a tipologia de modelação e/ou de decoração, permite identificar o autor de um determinado boneco com a referida marca.
Mariano não terá usado em exclusivo o carimbo de que venho falando, já que no Museu Municipal de Estremoz existem exemplares da aquisição feita à Escola Industrial António Augusto Gonçalves em 1941, que ostentam a marca do citado carimbo e não apresentam as características da modelação de Mariano. Trata-se de figuras afeiçoadas por alunos e que eram também comercializadas pela Escola.

Um boneco singular
O terceiro Boneco (Fig. 4) é um exemplar que não pertence aos chamados “Bonecos da Tradição”, conjunto de cerca de 100 figuras que através dos tempos, têm sido produzidas pela maioria dos barristas.
Trata-se de um pastor de chapéu aguadeiro na cabeça, com a perna esquerda ajoelhada e a perda direita dobrada e assente no solo. Usa safões que lhe protegem as pernas e samarra que lhe protege o peito, as costas e o traseiro. À sua direita tem o cajado assente no solo. À frente tem um tarro com comida. A mão direita empunha uma colher e a mão esquerda apoia-se na perna direita.
Trata-se de uma figura extraída da parte de um todo que é lhe anterior, figura essa conhecida por “Maioral e ajuda a comer” [iv] (Fig. 6). Na base figura a marca manuscrita “Estremos / Portugal”.
Uma vez que esta figura integrava o lote adquirido pelo barrista Jorge da Conceição, na qual existiam dua figuras do seu avô, Mestre Mariano da Conceição, sou levado a admitir que possam ter sido adquiridas na Escola e esta última tenha sido produzida por um aluno. Não há dúvida que se trata de uma figura singular, já que o autor produziu um Boneco que não se integra no chamado conjunto dos Bonecos da Tradição, além de que pompeia manuscrita, a marca “Estremoz / Portugal”, o que é invulgar. Daí lhe termos atribuído o epíteto “Uma carta fora do baralho”, recorrendo a uma bem conhecida frase idiomática, que integra a gíria popular portuguesa.

Epílogo
O presente texto ficaria incompleto, se não se atribuísse um nome à figura que está na sua origem. Ora, uma vez que ela é uma parte da bem conhecida figura composta “Maioral e ajuda a comer”, julgo não ser despropositado chamar-lhe “Maioral a comer”.





[i] A inclinação da marca deve-se ao facto de ela ser obtida pela percussão de um carimbo, constituído por duas filas de caracteres tipográficos verticais, ligados por um fio que ao dar de si, permitiu que as letras da marca ficassem inclinadas.
[ii] Escola Industrial António Augusto Gonçalves in Brados do Alentejo nº 239, 25/08/1935. Estremoz, 1935 (pág. 1).
[iii] O “Diário” era dactilografado a preto e com títulos a vermelho, Os cabeçalhos eram desenhados pelos alunos com mais jeito para desenho. Em todos os cabeçalhos figurava do lado esquerdo, um carimbo batido a preto, que funcionava como logótipo da Escola. Nele figuram um moringue e um púcaro, simbolizando o Curso de Olaria. Aparecem ainda um picão, uma maceta e um escopro, simbolizando o Curso de Cantaria. O conjunto é completado por um ramo de uma planta não identificada, sendo encimado pela legenda “ESCOLA IND. E COMERC. DE ESTREMOZ”, ao longo de um círculo. As datas de publicação do Diário foram as seguintes: Ano I - nº 1 - 9/2/1954, até nº 103 -23/6/1954; Ano II - nº 1 -1/10/1954, até nº 194 - 18/6/1955.
[iv] Na “Tabela de Preços dos Bonecos de Estremoz” da extinta olaria Alfacinha, existe uma figura composta, designada por “Pastores a merendar”. A meu ver, trata-se de uma designação inadequada, já que a representação de dois pastores a comer, não permite concluir se eles estão ou não a merendar. Para além disso, aquela designação não traduz a existência de uma hierarquia entre eles. Daí, que a meu ver, a designação mais adequada para a composição seja “Maioral e ajuda a comer”.

Fig. 2 - Marca de carimbo" ESTREMOZ / PORTUGAL", com as letras inclinadas.

Fig. 3 - Marca de carimbo" ESTREMOZ / PORTUGAL", com as letras na posição normal.


Fig. 4 - Maioral a comer.

Fig. 5 - Marca manuscrita "Estremos / Portugal".  


Fig. 6 - Maioral e ajuda a comer. Mariano da Conceição. Museu Rural de Estremoz.

domingo, 26 de dezembro de 2021

Cruz templária em alguidar de Redondo

 

Alguidar em barro vermelho vidrado, de Redondo.


Ao meu caro amigo Dr. Carmelo Aires,

que reúne em si duas qualidades ímpares:
a de ser o maior coleccionador de cerâmica de Redondo
e simultaneamente ser o maior especialista do tema:


Prólogo
Como é sabido, o alguidar é um recipiente de barro, madeira, metal ou plástico, cuja boca tem muito maior diâmetro que o fundo. Tem múltiplas funcionalidades: conter líquidos ou sólidos e servir para lavar, amassar, etc. Têm particular interesse para mim, os alguidares em barro vidrado de Redondo, que estiveram na origem do presente texto.
A sabedoria popular
Devido às suas múltiplas funcionalidades, a sabedoria popular reconhece a importância do alguidar, o que está consignado no provérbio recolhido pelo padre António Delicado (3): "A arma e o alguidar não se hão-de emprestar". Dele é conhecida a variante "A mulher e o alguidar não se hão-de emprestar" e esta outra, que sintetiza as duas formulações anteriores: "A arma, a mulher e o alguidar, não são coisas de emprestar".
O alguidar figura ainda em provérbios populares portugueses, tais como: “Por um dedal de vento não se perca um alguidar de tripas” e “Perda de marido, perda de alguidar; um quebrado, outro no seu lugar”.
Uma decoração singular
O alguidar que é objecto do presente escrito, tem uma decoração predominantemente constituída por escorridos cremes, mas apresenta também algumas pinceladas a verde.
Nos escorridos cremes é possível considerar duas partes distintas:
1 - A primeira é constituída pelos quatro braços de uma cruz que imaginariamente se intersectam no centro do fundo do alguidar. A cruz tem as pontas convexas mais amplas no seu perímetro do que no centro, configurando "patas", daí ser uma cruz pátea, mais precisamente uma cruz pátea arredondada;
2 - A segunda é constituída por arcos duplos, dispostos entre os braços da cruz.
A cruz pátea aqui referida, quando em vermelho, é a cruz da Ordem dos Templários em Portugal, cujo simbolismo traduz os votos de pobreza, castidade, devoção e obediência, a que estavam obrigados os membros da Ordem.
As pinceladas a verde povoam as pontas convexas da cruz, formando como que tufos.
Epílogo
No meu dia a dia, na interacção com o mundo circundante, falo com os outros, falo comigo próprio, escuto o que os outros me dizem e o que digo a mim próprio. Todavia, ouço também as estórias que as coisas têm para me contar. Esta é a estória que me foi contada por um alguidar que tem muito que contar, dada a sua idade, as múltiplas funcionalidades, o simbolismo da sua decoração e as coisas que ouviu da boca do povo.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CHEVALIER; Jean; Alain Gheerbrant, Alain. Dicionário dos Símbolos. Editorial Teorema. Lisboa, 1994.
(2) - CIRLOT, Juan Eduard. Dicionário de Símbolos. Publicações Don Quixote. Lisboa, 2000.
(3) - DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
(4) - MACHADO, José Pedro. O Grande Livro dos Provérbios. Editorial Notícias. Lisboa, 1996.
(5) - MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.


sábado, 25 de dezembro de 2021

Pomba de Paz

 

Pomba de Paz. Prato de Redondo. Autor desconhecido.

Ao inventariar a minha colecção de cerâmica de Redondo, encontrei um prato de pequenas dimensões, com aba enfeitada por arcos cheios numa tonalidade de azul e que emolduram tufos amarelos. No fundo, uma pomba em azul e com asas e bico em amarelo, transporta nas patas um ramo verde de folhas de oliveira.
A cor azul está associada à tranquilidade, serenidade, harmonia e paz, pelo que partilha alguma simbologia própria da cor branca, a qual também reflecte calma e paz. A pomba representada no prato constitui assim uma alegoria evidente à Paz, pelo que poderá ser considerada uma “Pomba de Paz”, tal como as da série de desenhos criados por Pablo Picasso para simbolizar a Paz no pós-Segunda Guerra Mundial.
Nas religiões judaica e cristã, uma pomba branca é uma alegoria da Paz. Trata-se de uma interpretação com origem no Antigo Testamento: Depois do Dilúvio, Noé terá solto uma pomba para que encontrasse terra. A pomba terá voltado, carregando um ramo de oliveira no bico, levando Noé a concluir que o nível das águas tinha baixado e novamente havia terra para o Homem. (Génesis 8:11).

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Um Presépio da boniqueira Joana



Presépio da boniqueira Joana Santos

boniqueira Joana Santos criou recentemente um Presépio que nos aquece a alma e quando o divulgou ainda em cru, prendou-nos com uma estória a que chamou “QUEM CONTA UM CONTO…”. Deliciei-me então com a leitura da estória e logo ali resolvi alinhavar palavras sobre aquilo que tinha visto e lido, o que aqui transcrevo:

A Joana é uma dupla contadora de estórias, já que indistintamente as escreve com barro e as modela com palavras. Todavia, não é uma contadora de estórias qualquer, nem as suas estórias são do género "Maria vai com as outras".
A Joana é uma extraordinária contadora de estórias que nos concede o privilégio de lhes acrescentar os pontos que muito bem entende por ditame da sua alma.
A Joana é uma criadora de primeiras águas e nós, os seus admiradores, estamos-lhe gratos por isso e ficamos felizes por toda a beleza que partilha connosco.
Obrigado Joana, por ser feita da massa que é.
Obrigado.
Obrigado, Joana.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

É melhor comer filhoses



Cerâmica de Redondo. Homem vegetal. Experiência de decoração de Hernâni Matos, 1973.


Em 1973 (há 48 anos) tinha eu 27 anos e numa ida ao Redondo, deu-me para fazer a experiência de decorar 2 pratos. Um, era a ilustração dum poema meu e um dia deu-lhe para se fazer em fanicos e foi à vida. O outro nunca fanicou e hoje é quase um cinquentão. Chamei-lhe na época "Homem vegetal" e a designação é óbvia, tal como é obvio que a minha experiência, apesar de modernista, não me elevou. Na verdade, tenho mais vocação para outras coisas que o meu pai alfaiate não me talhou, mas me talhei a mim próprio, o que dá para perceber que decorar um prato não é o mesmo que comer filhoses.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Associações querem suspensão das obras na antiga Casa do Alcaide-Mor em Estremoz


Fachada da Casa do Alcaide-Mor, antes da demolição.

Texto transcrito com a devida vénia do jornal LINHASDEELVAS.PT, diário digital do jornal “Linhas de Elvas” de 23-11-2021. Fotografias transcritas com a devida vénia do jornal “Publico" da mesma data.

 

Quatro associações ligadas à defesa do património solicitaram a suspensão dos trabalhos na antiga Casa do Alcaide-Mor, em Estremoz, monumento nacional, para permitir o “apuramento das falhas no processo de licenciamento e a reformulação do projeto”.
Em comunicado enviado hoje à agência Lusa, o Fórum do Património revelou que a Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, a Associação Portuguesa das Casas Antigas, o Movimento Cidade – Cidadãos pela Defesa do Património de Estremoz e a delegação portuguesa da International Network for Traditional Building, Architecture & Urbanism (INTBAU), que subscrevem o documento, solicitaram à Direção Regional da Cultura do Alentejo e à Direção-Geral do Património Cultural que seja “ordenada a suspensão dos trabalhos”.
“Caso tal diligência não surta efeito em tempo útil, estas organizações de cidadãos estão dispostas a recorrer à tutela jurisdicional do património para exigir a suspensão dos trabalhos e a reversão dos que foram executados em incumprimento, bem como o apuramento de responsabilidades”, segundo o comunicado.
Para aquelas associações, “a situação de abandono a que, durante décadas, se encontrou votada a Casa do Alcaide-Mor, na cidadela de Estremoz, foi repetidamente denunciada por cidadãos interessados pelo património cultural da cidade e da região, isoladamente ou em grupo”, nomeadamente o Cidade, de Estremoz.
“O edifício, que é monumento nacional desde 1924, foi vendido, em 2018, a um promotor que o integrou num empreendimento turístico-imobiliário de grande impacto, envolvendo uma parcela de dimensões apreciáveis da cidadela, o núcleo mais antigo do sistema fortificado de Estremoz, ele próprio também classificado como monumento nacional”, adiantou o comunicado.
Segundo o projeto do “arquiteto de renome contratado pelo promotor”, a Casa do Alcaide-Mor “vai, ao que parece”, transformar-se num “hotel de charme”, integrado num conjunto de “villas”.
“Escudada num parecer ´proforma` pedido pelo promotor a um docente da Universidade do Minho, a Direção Regional da Cultura do Alentejo deu parecer favorável à demolição da fachada, salvaguardando apenas o rés-do-chão com os arcos e abóbadas que constituem os respetivos tetos, e aproveitando algumas cantarias de guarnecimento de vãos”, de acordo com o comunicado.
“Daí para cima, reza o dito parecer, a fachada seria reconstruída, usando técnicas tradicionais e materiais compatíveis”.
Estas associações de defesa do património consideram que “o edifício se encontrava arruinado, fruto da incúria da Câmara Municipal de Estremoz”, mas tal “não justificava a demolição da maior parte da fachada e das paredes do edifício que tinham resistido, opção que se baseou numa avaliação meramente qualitativa”.
“Uma parede construída e sucessivamente acrescentada, reparada, ao longo de séculos, utilizando pedras e tijolos de várias origens, dimensões e formas, tudo agregado por argamassas de variada composição, é tudo menos um ´lego” cujas peças se possam separar e voltar a juntar exatamente como estavam”, lê-se no comunicado.
Os subscritores do documento acrescentam que “a obra está a ser executada em flagrante incumprimento das indicações da Universidade do Minho e dos condicionamentos definidos pela Direção Regional da Cultura do Alentejo”.
Apesar das demolições feitas entretanto, as associações consideram que “é ainda possível que, em vez de uma contrafação, Estremoz fique com um edifício reconstruído utilizando técnicas e materiais idênticos aos originais, compatíveis com os das partes que foram poupadas, mantendo, deste modo, um mínimo do caráter e da autenticidade que um monumento nacional requer”.
Segundo as associações, “mesmo que, como se espera, venham a ser revertidos, os trabalhos que estão presentemente em execução terão envolvido a destruição de componentes relevantes do monumento nacional que é a Casa do Alcaide-Mor”.
Consideram os subscritores do comunicado que é “fundamental compreender como foi possível, no fim de um longo processo de licenciamento, fazer tábua rasa das condicionantes definidas pela Direção Regional da Cultura do Alentejo que visavam a manutenção da maior parte da construção, incluindo a fachada”.
Contactado pela Lusa, o presidente da Câmara de Estremoz, José Daniel Sádio, disse que “recentemente foram feitas diligências” pelos serviços do município e pela Direção Regional da Cultura do Alentejo relacionadas com esta obra, “e o que está a ser feito está dentro da lei e o processo dentro das conformidades”.
O hotel de charme que vai “nascer” na antiga Casa do Alcaide-Mor tem projeto de arquitetura de uma equipa que integra os arquitetos Álvaro Siza e Carlos Castanheira.

Um aspecto da intervenção na casa do Alcaide-Mor de Estremoz.


Hernâni Matos