FIg. 1 - Lote de bonecos de Estremoz adquiridos por Jorge da Conceição no OLX.
Prólogo
Pode parecer um pouco estranho, intitular um texto de barrística de Estremoz, com uma bem conhecida frase idiomática, que aplicada a alguma coisa lhe confere conotação pejorativa por a depreciar. Todavia, a leitura do presente texto, revela que pode não ser assim.
Bonecos comprados no OLX
O barrista Jorge da Conceição colecciona Bonecos de Estremoz, confeccionados pelo avô Mariano da Conceição, pela avó Liberdade da Conceição e pela mãe Maria Luísa da Conceição. Recentemente adquiriu um lote de 3 Bonecos no OLX (Fig. 1), minutos antes de eu dar por eles. Tratava-se das bem conhecidas figuras “Mulher a lavar a roupa” e “Mulher a dobar” da autoria de seu avô e ostentando na base, a bem conhecida marca ESTREMOZ/PORTUGAL, inclinada [i] (Fig. 2). A eles há a acrescentar um terceiro Boneco (Fig. 4), o qual me foi dispensado por aquele barrista, visto não ser do seu interesse. Dele falarei mais adiante.
Produção de Bonecos de Estremoz na Escola Industrial António Augusto Gonçalves
Os bonecos e as peças de olaria produzidos na Escola Industrial de António Augusto Gonçalves eram vendidos pela Escola, funcionando assim como receita da mesma. Os alunos da Escola recebiam por isso salário, de acordo com notícia do jornal Brados do Alentejo [ii],
em 1935. Quando a Escola, designada Escola Industrial e Comercial de Estremoz
desde 1948, transitou para o Castelo onde actualmente funciona a Pousada da
Rainha Santa Isabel, os alunos continuaram a poder participar na manufactura de
Bonecos de Estremoz para vender aos turistas. É o que nos diz o artigo
“Primeiro passo: a estante” inserido no “Diário”19 da Escola Industrial e
Comercial de Estremoz, Ano I, nº 57, 28 de Março de 1954 [iii] (2): “Dentro de horas, será inaugurada, ao cimo da escadaria principal da Escola, uma estante. E logo dentro dela surgirão Bonecos de Estremoz, moringues e pucarinhos para vender aos visitantes da torre, que todos os dias são numerosos.
Assim se inicia a grande campanha de angariação de fundos para a compra do que à Escola faz falta, para ser completa a acção cultural e pedagógica.
Dentro de dias, serão convidados alunos de maior mérito artístico a dar a sua colaboração, fornecendo a Escola os materiais e pagando ainda, embora com pouco dinheiro, a mão de obra.
Conseguiremos assim, antes das férias grandes, um enorme sortido de lembranças que, enquanto estivermos a descansar, irão creando dinheiro para, quando voltarmos, então poder-mos dar início às nossas compras.
Mas podem haver outras ideias. Elas que venham, pois muitas cabeças a pensar será concerteza melhor do que uma só.”
A marcação dos Bonecos da Escola
Os Bonecos comercializados pela Escola, ostentavam a marca do carimbo “ESTREMOZ / PORTUGAL” (2 cm x 0,8 cm) (Fig. 3). Trata-se do carimbo mais usado por Mariano da Conceição. O carimbo, foi de resto utilizado por sua mulher Liberdade da Conceição, sua filha Maria Luísa da Conceição e seu neto, Jorge da Conceição. Como estes quatro membros do clã alfacinha usaram todos esta marca, só a tipologia de modelação e/ou de decoração, permite identificar o autor de um determinado boneco com a referida marca.
Mariano não terá usado em exclusivo o carimbo de que venho falando, já que no Museu Municipal de Estremoz existem exemplares da aquisição feita à Escola Industrial António Augusto Gonçalves em 1941, que ostentam a marca do citado carimbo e não apresentam as características da modelação de Mariano. Trata-se de figuras afeiçoadas por alunos e que eram também comercializadas pela Escola.
Um boneco singular
O terceiro Boneco (Fig. 4) é um exemplar que não pertence aos chamados “Bonecos da Tradição”, conjunto de cerca de 100 figuras que através dos tempos, têm sido produzidas pela maioria dos barristas.
Trata-se de um pastor de chapéu aguadeiro na cabeça, com a perna esquerda ajoelhada e a perda direita dobrada e assente no solo. Usa safões que lhe protegem as pernas e samarra que lhe protege o peito, as costas e o traseiro. À sua direita tem o cajado assente no solo. À frente tem um tarro com comida. A mão direita empunha uma colher e a mão esquerda apoia-se na perna direita.
Trata-se de uma figura extraída da parte de um todo que é lhe anterior, figura essa conhecida por “Maioral e ajuda a comer” [iv] (Fig. 6). Na base figura a marca manuscrita “Estremos / Portugal”.
Uma vez que esta figura integrava o lote adquirido pelo barrista Jorge da Conceição, na qual existiam dua figuras do seu avô, Mestre Mariano da Conceição, sou levado a admitir que possam ter sido adquiridas na Escola e esta última tenha sido produzida por um aluno. Não há dúvida que se trata de uma figura singular, já que o autor produziu um Boneco que não se integra no chamado conjunto dos Bonecos da Tradição, além de que pompeia manuscrita, a marca “Estremoz / Portugal”, o que é invulgar. Daí lhe termos atribuído o epíteto “Uma carta fora do baralho”, recorrendo a uma bem conhecida frase idiomática, que integra a gíria popular portuguesa.
Epílogo
O presente texto ficaria incompleto, se não se atribuísse um nome à figura que está na sua origem. Ora, uma vez que ela é uma parte da bem conhecida figura composta “Maioral e ajuda a comer”, julgo não ser despropositado chamar-lhe “Maioral a comer”.
O presente texto ficaria incompleto, se não se atribuísse um nome à figura que está na sua origem. Ora, uma vez que ela é uma parte da bem conhecida figura composta “Maioral e ajuda a comer”, julgo não ser despropositado chamar-lhe “Maioral a comer”.
[i] A inclinação da marca deve-se ao facto de ela ser obtida pela percussão de um carimbo, constituído por duas filas de caracteres tipográficos verticais, ligados por um fio que ao dar de si, permitiu que as letras da marca ficassem inclinadas.
[ii] Escola Industrial António Augusto Gonçalves in Brados do Alentejo nº 239, 25/08/1935. Estremoz, 1935 (pág. 1).
[iii] O “Diário” era dactilografado a preto e com títulos a vermelho, Os cabeçalhos eram desenhados pelos alunos com mais jeito para desenho. Em todos os cabeçalhos figurava do lado esquerdo, um carimbo batido a preto, que funcionava como logótipo da Escola. Nele figuram um moringue e um púcaro, simbolizando o Curso de Olaria. Aparecem ainda um picão, uma maceta e um escopro, simbolizando o Curso de Cantaria. O conjunto é completado por um ramo de uma planta não identificada, sendo encimado pela legenda “ESCOLA IND. E COMERC. DE ESTREMOZ”, ao longo de um círculo. As datas de publicação do Diário foram as seguintes: Ano I - nº 1 - 9/2/1954, até nº 103 -23/6/1954; Ano II - nº 1 -1/10/1954, até nº 194 - 18/6/1955.
[iv] Na “Tabela de Preços dos Bonecos de Estremoz” da extinta olaria Alfacinha, existe uma figura composta, designada por “Pastores a merendar”. A meu ver, trata-se de uma designação inadequada, já que a representação de dois pastores a comer, não permite concluir se eles estão ou não a merendar. Para além disso, aquela designação não traduz a existência de uma hierarquia entre eles. Daí, que a meu ver, a designação mais adequada para a composição seja “Maioral e ajuda a comer”.
Fig. 2 - Marca de carimbo" ESTREMOZ / PORTUGAL", com as letras inclinadas.
Fig. 3 - Marca de carimbo" ESTREMOZ / PORTUGAL", com as letras na posição normal.
Fig. 5 - Marca manuscrita "Estremos / Portugal".
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