quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Adagiário do pastor


"ALEMTEJO". Alfredo de Moraes (1872-1971). Aguarela sobre papel (26,5 x 12 cm).

A vivência e o universo de vida do pastor encontram-se parcialmente condensados no adagiário português:
- A cobertura e a merenda não pesam ao pastor.
- A galinha gorda, o pastor diz: choca vai ela.
- A vinte e dois de Março ouga o pão com o mato, a noite com o dia, a erva com o sargaço, a fome - com a barriga e a merenda do pastor nunca chega ao meio-dia.
- Abala pastor com as espaldas ao sol.
- Cajado e farnel, nunca pesaram ao pastor.
- Cerco de Lua, pastor enxuga, se aos três dias não enxurra.
- Cerco no sol molha o pastor.
- Março leva a ovelha e farrapo e o pastor se ele é fraco; o cão escapará ou não
- Não há pastor sem rebanho.
- O agasalho e a balsa não pesam ao pastor.
- O bom pastor deve tosquiar o rebanho, não esfolá-lo.
- Pastor descuidado, ao sol-posto busca o gado.
- Perdido é o gado que não tem pastor ou cão.
- Quando chove e faz sol, alegre está o pastor.
- Quem traz surrão, medrará ou não.
- Sol e boa terra fazem bom gado, que não pastor afamado.
- Um só rebanho, um só pastor.
- Vive o pastor com sua rudeza e morre o Físico que a Física reza.

BIBLIOGRAFIA
- BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. I a X. Officina de Pascoal da Sylva. Coimbra, 1712-1728.
- CHAVES, Pedro. Rifoneiro Português. Imprensa Moderna, Lda. Porto, 1928.
- MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.
- DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
- ROLAND, Francisco. ADAGIOS, PROVERBIOS, RIFÃOS E ANEXINS DA LINGUA PORTUGUEZA. Tirados dos melhores Autores Nacionais, e recopilados por ordem Alfabética por F.R.I.L.E.L. Typographia Rollandiana. Lisboa, 1780.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Ana das Peles, presente!


Ana das Peles (1859-1945). Fotografia (1940) de Albert t’Serstevens (1886-1974).
Arquivo fotográfico do autor.

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Evocação
Há figuras que pela sua acção desempenharam um papel de relevo na construção da Memória de Estremoz, pelo que não podem ser olvidadas nas páginas da História local. É o que se passa com Ana das Peles (1859-1945), velha barrista que foi o instrumento primordial da recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, empreendida pelo escultor José Maria de Sá Lemos nos anos 30 do séc. XX.
A 19 de Fevereiro de 2020 completam-se 75 anos sobre a morte da barrista que foi uma figura chave na recuperação duma tradição extinta e que hoje é motivo de orgulho para todos os estremocenses.
Ana das Peles partiu, mas os seus Bonecos muito apreciados e procurados, povoam vitrinas de coleccionadores e de museus para deleite de espírito. Com eles a imagem de marca da nossa identidade cultural local e transtagana, testemunho e herança de uma época.
Para além dos Bonecos nascidos das suas mãos, Ana das Peles encontra-se perpetuada nas palavras escritas daqueles que com olhos de ver, souberam transmitir aos vindouros o que ela era, o que ela fazia e o que ela representava: o memorialisno de Sá Lemos, as estrofes de Celestino David, o jornalismo de Albert t’Serstevens, a evocação regionalista de Azinhal Abelho.
Hoje como ontem, os barristas de Estremoz continuam a criar figuras que viajam por esse mundo fora, para tornar as pessoas felizes. Daí que na 1.ª Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz, o Poeta António Simões tenha proclamado: “Barro incerto do presente / Vai moldar-te a mão do Povo / Vai dar-te forma diferente / Para que sejas barro novo!”
75 anos volvidos sobre a morte de Ana das Peles, os seus gestos de modeladora de sonhos, continuam a ser repetidos, ainda que recriados pelos barristas de hoje. Por isso Ana das Peles é imortal e os Bonecos de Estremoz serão eternos.
Ana das Peles partiu mas estará para todo o sempre presente na nossa memória e nos nossos corações. É caso para dizer
- ANA DAS PELES, PRESENTE!
Nota final
Esta evocação de Ana das Peles é a homenagem singela e possível de vozes insubmissas que se recusam a ser cúmplices do silêncio olímpico e majestático do Município, que passou ao lado da efeméride.  

Estremoz, 18 de Fevereiro de 2020
(Jornal E nº 240, de 19-02-2020)

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Veiros: quem protege os moradores da Eira da Pedra Alçada?


Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

Veiros:
quem protege os moradores da Eira da Pedra Alçada?

Maria Helena Figueiredo
Membro da Mesa Nacional e da Comissão Coordenadora
Distrital de Évora do Bloco de Esquerda
Texto transcrito com a devida vénia,
do jornal Brados do Alentejo, de Estremoz,
do dia 13 de Fevereiro de 2020

Fotografias enviadas
     por um morador do local 


A construção da barragem de Veiros, em meados de 2015 e a que correspondeu um investimento público de cerca de 25 de milhões de Euros, veio responder a uma aspiração antiga e com ela a água tornou-se acessível à agricultura.

Ao contrário do que seria uma vantagem para Veiros com a água vêm os projectos de agricultura intensiva e super intensiva, os impactos negativos para o ambiente e um pesadelo para muitos dos que lá vivem.

Junto ao Bairro da Eira da Pedra Alçada, está a ser preparado o terreno para instalação de um olival intensivo ou super intensivo, numa propriedade que chega mesmo junto às casas ali existentes, o que está a preocupar, com razão, quem lá vive.

Escassos 10 ou 15 metros separam os muros das habitações que ali existem dos terrenos que estão já a ser preparados para o futuro olival intensivo.

A plantação de olival intensivo vai chegar perto das casas e há um conjunto de questões de saúde pública que se levantam e que, com razão, preocupam a população ali residente e relativamente às quais as entidades responsáveis parecem não dar qualquer importância.

Como todos sabemos estas culturas desenvolvem-se de forma rentável pelo recurso a um elevadíssimo consumo de água, da ordem dos 4.000 a 7.000 m3 por ha, e à aplicação de adubos e de fitofármacos que produzem fortíssimos impactos no ar que se respira, no solo e nas águas de superfície e subterrâneas.

Mesmo nos casos em que a produção é desenvolvida em modo integrado, ou seja, seguindo regras menos danosas para o ambiente, a instalação de um olival intensivo (e mais ainda super intensivo) implica sempre a aplicação adubos, de fungicidas e pesticidas e pulverizações regulares, que sujeitarão a população a respirar o ar contaminado com estes produtos.

Muitos destes produtos são glifosatos, muito perigosos para a saúde humana e vão ser aplicados junto às habitações.

Também a utilização de fertilizantes e pesticidas vai poluir as águas superficiais e subterrâneas, águas de poços que muita desta população utiliza.

De acordo com a legislação em vigor, a aplicação destes produtos em zonas urbanas é sujeita a um conjunto de regras, mas neste caso, como será numa exploração agrícola, nenhuma dessas precauções será aplicável, apesar de as casas estarem a escassos 10 ou 15 metros.

Legitimamente os moradores estão muito preocupados e receosos. Quais as consequências para a sua saúde e a dos seus filhos e netos por estarem a respirar regularmente ar contaminado pelas pulverizações de químicos? Como vão garantir que a qualidade da água dos poços e furos não é afectada pela drenagem dos fitofármacos e adubos e como vão continuar a comer a produção dos seus quintais? Quem quererá viver com um olival intensivo à porta de casa e quem quererá comprar as suas casas se quiserem ou tiverem que as vender?

O que está em causa já não é apenas o impacto ambiental destas culturas super intensivas, o consumo excessivo de água ou a salinização e sodificação dos solos. O que está em causa em Veiros é, no imediato, a saúde pública destes moradores e nenhum argumento tornará admissível que se instalem culturas intensivas a 10 ou 20 metros das habitações, seja em Veiros seja noutro qualquer local.

As entidades públicas questionadas pelos moradores não tem dado respostas ou quando as dão  pouco adiantam,  como foi o caso da Junta de Freguesia, que questionou os promotores do projecto, os quais, naturalmente, terão defendido que o mesmo não constituía qualquer perigo para a população, tendo a Junta concluído que se tudo for como os promotores dizem não haverá prejuízo, incómodo ou perigo para os moradores.

E se não for assim?

Hoje sabemos, pela experiência de muitas populações, em particular no Baixo Alentejo, que a sua qualidade de vida e a sua saúde estão fortemente ameaçadas com a instalação de olivais e amendoais intensivos e super intensivos perto das habitações.

E porque sabemos, não é admissível que os poderes públicos fechem os olhos a situações destas, omitindo a sua obrigação primeira que é a protecção das populações.

Exige-se, por isso que, quer a Câmara Municipal de Estremoz, quer a Junta de Freguesia de Veiros, quer os Ministérios da Agricultura e da Saúde, desenvolvam todas as acções ao seu alcance para proteger os moradores de Veiros, em especial da Eira da Pedra Alçada.

E que o façam agora, enquanto é tempo.


Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Bonecos de Estremoz: João Fortio


João Fortio (1951- )

João Manuel Pires Fortio nasceu a 12 de Dezembro de 1951 na freguesia de Santo André do concelho de Estremoz. Filho legítimo de Arménio João Marvão Fortio, de 29 anos, bancário, natural de Veiros no concelho de Estremoz e de Aida Leonisa da Graça Pires, de 23 anos, doméstica, natural da freguesia de São Saturnino do concelho de Fronteira, ambos moradores na Rua Brito Capelo, nº 17, em, Estremoz (297). No IADE tirou o Curso de Design de Interiores e na tropa frequentou o Curso de Fotografia e Cinema dos Serviços Cartográficos do Exército. Foi Professor de Educação Visual e de Educação Visual e Tecnológica na Escola Preparatória Sebastião da Gama, funções que desempenhou a partir de 1978 até à sua aposentação, em 2008. Desenhador, Pintor e Ceramista, nele as várias formas de expressão artística surgiram espontaneamente em distintos instantes: Desenho (1961), Pintura (1968), Cerâmica (1982) e hoje completam-se umas às outras. Em qualquer das formas de expressão artística que cultiva, o Artista tem palmilhado diversas fases que se completam e o completam. Na Cerâmica começou por recriar os Bonecos de Estremoz, pois além de executar os “Bonecos da Tradição”, criou muitos outros modelos, o que aconteceu entre 1982 e 1996. Partiu depois para a Azulejaria. O seu ateliê começou por ser na sua residência, na Avenida Dr. Marques Crespo, 31. Dali transitou par o Largo Dom Dinis, 8 e acabou por se fixar na Horta do Forinho em São Bento do Ameixial, onde, depois de um longo interregno na arte bonequeira, resolveu agora retomar a actividade. De salientar a sua participação em múltiplas edições das Feiras de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz, na dupla condição de bonequeiro e de azulejista. Ensinou Cerâmica na Escola Profissional da Região Alentejo, tendo ainda elaborado o programa de Cerâmica para o 2º ciclo do Ensino Básico, visando criar a disciplina de Cerâmica como oferta de Escola. Na condição de Ceramista é membro fundador da Associação de Artesãos do Concelho de Estremoz. Na sua actividade artística, a Pintura é dominante e impõe-se ao Desenho e à Cerâmica, de tal modo que se fosse forçado a expressar-se plasticamente de uma forma única, escolheria a Pintura, que para ele é um modo de dar vida (cor, forma, luz, movimento) e algum sentido ao imaginário que o povoa no quotidiano Para a definição da sua identidade artística muito contribuíram Picasso, Almada Negreiros e E. C. Escher. E Professores como Espiga Pinto e Lima de Freitas. Tem participado em múltiplas exposições colectivas e individuais, com Desenhos, Pinturas e Cerâmica diversa, sendo de salientar os Salões da Primavera do Estoril na década de 70, o Festival de São Lucas de Évora nos anos 80 e a Exposição Retrospectiva de 40 anos de Actividade Artística em 2008 no Centro Cultural Dr. Marques Crespo em Estremoz, numa organização da Associação Filatélica Alentejana. Está representado em muitas colecções particulares e espaços públicos da Europa, Estados Unidos, Argentina, Brasil e Tailândia, entre outros. Além de artista plástico, é escritor. Publicou até hoje: Orvalho do Sol (2008), Demasiado / too much (2008), Promontório da Utopia (2011), Livro dos Prefácios 1 (2011) e Cento e tal Sonetos (2012). Tem diversos livros no prelo. Anteriormente acontecera uma incursão pelo jornalismo nos Brados do Alentejo e no Eco de Estremoz, onde foi repórter desportivo e cobriu acontecimentos mundanos
  
Pastor (1996). João Fortio (1951- ). Colecção e fotografia de Adelino Caravela.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Ana da Peles - acesso a textos


Ana das Peles (1859-1945). Fotografia (1940) de Albert t’Serstevens (1886-1974).
Arquivo fotográfico do autor.





Poesia Portuguesa - 096


Fernanda de Castro

O SACO DE RETALHOS
FERNANDA DE CASTRO (1900-1994)

O Saco de Retalhos

Velho saco, onde estavas? No baú
das coisas mortas,
esquecidas como tu?
Guardado na gaveta
como as sedas, as cassas,
os ramos de violeta,
a poeira e as traças?

Velho saco, onde estavas? Pendurado
numa daquelas portas
que um dia se fecharam
sobre a infância, o passado,
e nunca mais se abriram?

Ou no sótão,
na trouxa dos farrapos,
misturado com os trapos?

Velho saco dos tempos esquecidos,
nos teus retalhos desbotados
reconheço os meus bibes,
as chitas e os percais dos meus vestidos.

Estes velhos riscados
foram saias, corpetes, aventais
de criadas que então eram meninas.
E estas cambraias, estas sedas finas,
usou-as minha mãe.

Ó velho saco, feito de retalhos,
rever-te fez-me bem.
Este linho desfeito, remendado,
foi lençol de noivado,
e quantas vezes te vi pôr na cama,
ó minha ama,
esta chita vermelha de ramagens.
Meu velho saco, meu livro de imagens,
rever-te fez-me bem.

Não sei, porém,
que travo amargo esta alegria tem,
que tristeza me fez, que nostalgia,
ver surgir na distância
a minha infância,
descosida, em farrapos,
e reencontrar a minha mocidade
remendada e puída
numa saca de trapos.

Ó saco, ó velho saco de farrapos,
já não sei, afinal,
se ver-te me fez bem ou me fez mal.

FERNANDA DE CASTRO (1900-1994)


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Bonecos de Estremoz: Carlos Alves


Carlos Alves (1958- ). Fotografia de Filomena Meira.

Entre 2010 e 2014, Carlos Alberto Alves (1958- ), com o Curso de Artes Gráficas da Escola Artística António Arroio e designer gráfico, manufacturou Bonecos de Estremoz, que vendia por encomenda “on line” e foram também comercializados no Museu Municipal de Estremoz.
Actualmente desenvolve actividade comercial na área das Lavandarias e continua a modelar, ainda que sem comercializar.

Mulher a lavar a roupa (2020). 

Mulher a passar a ferro (2020). 

Senhora a servir o chá (2020). 

Senhora à janela (2020).

Mulher das castanhas (2020).  

Sá Lemos trocando impressões com Ana das Peles numa sala de aulas da Escola
Industrial António Augusto Gonçalves, em Estremoz (2020).

Senhora ao toucador (2020). 

Senhora de pézinhos (2020). 

Peralta (2020). 

Hernâni Matos