sexta-feira, 20 de abril de 2018

Porta de Évora: Até quando?


1 - Porta de Évora vista do exterior (Finais do séc. XIX). Nesta época já tinha sido
suprimida a ponte levadiça que lhe dava acesso. Fotografia de autor desconhecido,
posterior a C. J. Walowski (1891).


Sob a epígrafe “PORTAS DE ÉVORA EM RECUPERAÇÃO”, uma newsletter do Município de Estremoz, datada de 11 de Agosto de 2017, informava que o sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça tinham sofrido actos de vandalismo, que levaram o Município a proceder imediatamente à sua retirada para recuperação, a qual prometia ser breve. Decorridos que são oito meses, ainda não foi reposto o equipamento vandalizado, o que causa estranheza.
História da Porta
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância no contexto militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas. Foi assim que a Praça de Estremoz foi ampliada e fortemente protegida por um sistema defensivo abaluartado, que abraça o centro histórico num perímetro com mais de cinco quilómetros, cuja maior parte ainda hoje subsiste. As obras decorreram entre 1642 e 1671 e as portas monumentais só foram concluídas entre 1676 e 1680. 
A Porta de Évora, virada a Sul, recebeu a sua designação por através da estrada de São Lázaro conduzir à estrada que por Évora Monte segue em direcção a Évora. Em mármore da região e inacabada foi dedicada a Santiago e no seu nicho deveria figurar a escultura do patrono, o que nunca veio a acontecer. É a entrada exterior para o ancestral Bairro de Santiago e a ela se acedia através de uma ponte levadiça, cujo sistema elevatório e correntes de ferro suspensoras, já foram reconstituídos posteriormente. A Porta terá sido também munida de portas em madeira, que foram abatidas à existência quando deixaram de ter serventia. 
Memórias da Porta
A Porta constitui a moldura em pedra duma paisagem rural diversificada que se estende até aos confins da Serra de Ossa. Tem também um espectro largo de memórias que vão desde a Guerra da Restauração até aos dias de hoje. São memórias cuja sequência temporal constitui um autêntico documentário de estórias de vidas que aqui são contadas, para além daquelas que ainda ficam por contar. São também a memória do traço identitário do engenheiro militar que as gizou, bem como a memória sonora das pancadas malhadas pela maceta no escopro dos pedreiros de seiscentos para assim aparelharem os calhaus da região.
Pela Porta transitaram cavaleiros, infantes e artilheiros que guarneceram a praça-forte no decurso da Guerra da Restauração e que daqui partiram para travar batalhas como a Batalha das Linhas de Elvas (1659), a Batalha do Ameixial (1663) e a de Montes Claros (1665).
Por ali passaram carradas de pão destinadas ao exército da província do Alentejo fabricado na Padaria Militar que funcionou no edifício que desde 1740 serviu como Assento Real e Armazém de Guerra. Em tempo de guerra chegaram a ser ali produzidos, diariamente, 40.000 pães.
Por ali saíram desde sempre, homens e mulheres do Povo que iam vender a sua força de trabalho nos campos vizinhos, bem como aqueles que por necessidade de subsistência, dali partiam para a recolha de espargos, cardinhos, alabaças e iam ao rabisco no tempo da azeitona.
Por lá caminharam oleiros como Mestre Cassiano, em demanda do barro com que torneavam o vasilhame que vendido no mercado, constituía o seu ganha-pão diário.
Por ali passava o João Caixão, homem simples, vagamente parecido com o Cantiflas, que recolhia desperdícios de comida para alimentar os porcos que com ele viviam nas ruínas da Ermida de São Lázaro.
À saída da Porta
À saída da Porta de Évora pode-se virar à esquerda ou à direita. O caminho do lado esquerdo conduz à chamada Aldeia das Ferrarias, que em 1758 tinha 20 fogos, tendo o topónimo origem no facto de ali estarem sediados os ferreiros que tinham a seu cargo a fundição da artilharia utilizada pelos militares. Indo pelo lado direito entra-se na chamada estrada de São Lázaro, que à esquerda revela as ruínas da Ermida de São Lázaro, associada a uma leprosaria atestada documentalmente desde os finais do século XIV.
A modificação da paisagem rural
A estrada de São Lázaro era bordejada por olivais e trigais, que na época das colheitas davam para arregalar a vista. Actualmente, os olivais e os trigais são memórias de outros tempos. Agora aquilo é vinhedo de João Portugal Ramos Vinhos S.A., eufemisticamente designados por “Vila Santa”. Hoje já não dá para na Quinta-feira da Ascensão ir ali colher a espiga, a não ser para recolher uma ou outra papoila tresmalhada.
Onde é que está o encanto?
Pela estrada de São Lázaro transitam turistas de posses, em direcção à Pousada gerida pelo Grupo Pestana, onde são atendidos principescamente. Logo à entrada da Porta são confrontados com a supressão do sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça, que muito valorizavam aquela Porta. Deparam ainda com o aspecto desagradável das paredes interiores da Porta, repletas de caruncho.
Mais tarde acabam por tomar conhecimento da realidade social que é o Bairro de Santiago, a heróica “Ilha brava”, que há muito devia ter sido objecto de reabilitação urbana por parte do Município.
Decerto que a memória fotográfica que consigo irão transportar, não será um cartaz promocional que faça outros acreditar que “Estremoz tem mais encanto!”, como proclama o slogan do marketing municipal.

Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 198, de 19-04-2018)


2 - Porta de Évora vista do exterior (Anos 40 do séc. XX). Ainda não tinha sido
reconstituída  a ponte levadiça, provida de sistema elevatório e correntes de ferro
suspensoras, o que terá ocorrido no período 1967-1970 em que decorreram as
obras de adaptação do Castelo de Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel.
Fotografia de Rogério Carvalho (1915-1988).

 3 - Porta de Évora vista do exterior (2016). É visível a ponte levadiça suspensa por
correntes. Fotografia de Pedro Perdigão.

4 - Porta de Évora vista do seu interior (2015). Visível a existência das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. As paredes caiadas de branco não
apresentam vestígios de caruncho. Fotografia de Pedro Perdigão.

 5 - Porta de Évora vista do seu interior (2018). Visível a supressão das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. Observável ainda nas paredes o caruncho
que as reveste, fruto de infiltrações aquosas que a incúria dos responsáveis não
combateu. Até quando? Fotografia de Hugo Silva.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Hoje é dia de adivinha


Ilustração da capa do Almanaque BORDA D’ÁGUA, um veículo de transmissão de
adivinhas e de outras formas de Cultura Popular, que ainda se continua a publicar.

É sabido que sou um estudioso da Cultura Popular. Em particular interessa-me todo o tipo de Literatura de Tradição Oral. A ela pertencem o cancioneiro popular, o adagiário, o adivinhário, a gíria popular, os trava línguas, as lengalengas, as parlendas, as alcunhas, a antroponímia e a toponímia.
Ao longo do tempo tenho integrado na minha biblioteca pessoal, os espécimes dessa literatura, que vou conhecendo e adquirindo nos alfarrabistas. Como tal, neste como noutros domínios, a minha biblioteca está em permanente construção. Por isso encontrar uma nova fonte bibliográfica de que não dispunha, constitui sempre um momento de prazer muito especial.
Por outro lado, existe ainda o prazer redobrado porque inesperado, de chegar ao meu conhecimento por transmissão oral, um exemplar desconhecido e que ainda não tinha sido fixado no papel, para ser perpetuado no tempo e transmitido a toda a comunidade.
Nutro um gosto especial pelas adivinhas que nos eram ensinadas pelos familiares nas longas noites de Inverno e se seroava. Não havia ainda televisão e muito menos Internet ou redes sociais. Conversava-se à braseira ou à lareira e partilhava-se com os outros aquilo que se sabia. Estamos longe desses tempos, mas é possível suprir essa lonjura recorrendo a compilações de adivinhas como as de Teófilo Braga, José Leite de Vasconcellos, Alberto Vieira Braga, Augusto Castro Pires de Lima, Fernando de Castro Pires de Lima, Manuel Viegas Guerreiro e José Viale Moutinho.
Foi com alegria que recentemente tomei conhecimento duma adivinha que me foi transmitida pelo senhor Zé dos bois e que de seguida formulo:  
O indivíduo não é gerente comercial, nem director de marketing.
O sujeito não é relações públicas, nem tampouco chefe de vendas.
A criatura não é chefe da contabilidade, nem mesmo fiel de armazém.
O fulano não é afinador de motores e muito menos bate-chapas.
O fulano não é pintor de carroçarias, nem sequer lavador de carros.
O beltrano não é limpador de vidros, tal como não é arrumador de carros.
O sicrano não é empregado da limpeza, nem ao menos segurança.
Aquilo não é a TV pelo que a figura não pode ser a do emplastro.
O que é então?
Adivinhe quem for capaz.

Cronista do E, estudioso da Cultura Popular e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 198, de 19-04-2018) 

domingo, 8 de abril de 2018

ESTREMOZ - Cruz da Igreja de Santa Maria


1 - Igreja Paroquial de Santa Maria no início do séc. XX. No topo da fachada e em
posição central é visível a cruz em mármore. Imagem de um bilhete-postal ilustrado,
edição Faustino António Martins (Lisboa), com o número 1204. No verso a data do
carimbo de expedição dos correios é de 1904. Arquivo do autor.

A cruz como sinal sagrado e objecto de culto
O passado domingo foi Páscoa, festividade religiosa em que os cristãos celebram a Ressurreição de Jesus Cristo depois da sua morte por crucificação, que ocorreu na “Sexta-Feira Santa” (sexta-feira antes do Domingo de Páscoa), data em que é evocado o julgamento, paixão, crucificação, morte e sepultura de Jesus, através de diversos cerimónias religiosas.
Segundo os Evangelhos, Jesus foi condenado a morrer na cruz numa sexta-feira e o responsável pela sentença foi Pôncio Pilatos, prefeito da província romana da Judeia entre os anos 26 e 36 d.C. apesar de não ter encontrado nele nenhuma culpa. Todavia os líderes judeus queriam a sua morte, por considerarem blasfémia Jesus dizer-se filho do Messias. Vejamos o que nos dizem os Evangelhos.
Jesus foi preso no Jardim de Getsémani (Marcos 14:43-52) e foi submetido a seis julgamentos – três por líderes judeus e três pelos romanos [João (18:12-14), Marcos (14:53-65), Marcos (15:1), Lucas (23:6-12), Marcos (15:6-15)].
Pilatos tentou negociar com os líderes judeus ao permitir que flagelassem Jesus, mas eles rejeitaram a proposta por não os satisfazer e pressionaram Pilatos a condená-lo à morte. Pilatos entregou-lhes então Jesus a fim de ser crucificado tal como eles pretendiam (Lucas 23:1-25). Os soldados escarneceram Jesus e vestiram-lhe um manto escarlate e impuseram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos (Mateus 27:28-31).
Jesus veio a ser crucificado num lugar chamado Gólgota, que quer dizer “Lugar da Caveira”. Por cima da sua cabeça puseram uma tabuleta com o motivo da sua condenação: “JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS” [João (19,19), Lucas (23,38)]. Na ocasião foram também crucificados dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus. (Mateus 27:33-38). A escuridão cobriu então o céu durante três horas (Lucas 23:44), até que Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isto, expirou. (Lucas 23:46). Os relatos evangélicos mostram que Jesus entregou livremente a vida a Deus pela redenção da humanidade.
O sentido espiritual da cruz indicado pelo próprio Jesus (Mateus 10:38), fez com que ela passasse a ser sinal sagrado e objecto de culto.
Igreja Paroquial de Santa Maria
A Igreja Paroquial de Santa Maria de Estremoz terá sido projectada pelo arquitecto Miguel de Arruda (15??-1563). As obras tiveram início em 1560, a custas de El-Rei D. Sebastião (1554-1578) e do Cardeal Infante D. Henrique (1512-1580), arcebispo de Évora. Só ficaram concluídas no século XVII. A Igreja sofreu consideráveis estragos no pavoroso incêndio dos Armazéns de Guerra, ocorrido a 17 de Agosto de 1698.
A fotografia mais antiga da Igreja que conheço e tenho no meu arquivo, não a reproduzo aqui por falta de nitidez. Data de 1891 e é do fotógrafo C. J. Walowski, que de acordo com o jornal  “O ESTREMOCENSE”, dirigido por Rodam Tavares, trabalhou em Estremoz entre Fevereiro e Maio daquele ano. Nessa fotografia é visível uma cruz no topo da fachada e em posição central. A mesma cruz é visível num bilhete-postal ilustrado, edição Faustino António Martins (Lisboa), do início do séc. XX (Fig. 1). Uma imagem da recuperação da fachada principal ocorrida no período 1967-1970, mostra igualmente a mesma cruz em mármore, exactamente na mesma posição (Fig. 2). Todavia, mesmo antes de no séc. passado, depois do 25 de Abril, ter sido colocada uma antena de telecomunicações no telhado, a cruz agora mutilada encontrava-se inexplicavelmente deslocada para a esquerda da sua primitiva posição central (Fig. 3). Em fotografia de 2008 é visível a cruz mutilada e deslocada para a esquerda da primitiva posição central, tendo à sua direita uma abominável e inestética antena de telecomunicações (Fig. 4), a poluir visualmente o espaço e a deslustrar um edifício que pela sua função deve ter um aspecto imaculado. Em fotografia actual, já não figura a antena de telecomunicações, que foi recentemente removida. Mas lá está a cruz mutilada desviada para a esquerda da sua posição inicial (Fig. 5).
Devolver a dignidade ao templo
Com a remoção da antipática antena de telecomunicações, o aspecto frontal da Igreja Matriz saiu melhorado. Talvez não fosse difícil devolvê-lo à sua dignidade passada, repondo uma réplica da primitiva cruz na sua ancestral localização. Seria ouro sobre azul. Bastaria uma cadeia trinitária de pessoas de boa vontade: um industrial de mármores que doasse a pedra, um canteiro que esculpisse a cruz e um pedreiro que a assentasse no local original, a sinalizar que aquele local é um local de culto. Creio que o Pároco e os paroquianos agradeceriam. É caso para dizer:
- Mãos à obra, irmãos! 
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 197, de 05-04-2018) 

2 - Igreja Paroquial de Santa Maria – Recuperação da fachada principal ocorrida no
período 1967-1970 em que decorreram as obras de adaptação do Castelo de
Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel. No topo da fachada e em posição
central é visível a cruz em mármore. Fotografia do SIPA – Sistema de Informação
para o Património Arquitectónico, recolhida no website da Direcção-geral do
Património Cultural. (http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/).
3 - Igreja Paroquial de Santa Maria - Fachada principal e cobertura exterior em
telhado de quatro águas. Ainda não tinha sido colocada uma antena de
telecomunicações no telhado, mas a cruz em mármore já tinha sido
inexplicavelmente deslocada para a esquerda da sua primitiva posição central
Fotografia recolhida no website da Direcção-geral do Património Cultural (http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/).
4 - Igreja Paroquial de Santa Maria em 2008. No topo da fachada e deslocada
para a esquerda da posição central é visível a cruz em mármore. Próximo da
posição central e à direita, é visível uma antena de telecomunicações.
Fotografia de João Simas, datada de 1908 e recolhida no blogue RUA DE
ALCONCHEL (http://ruadealconxel.blogspot.pt).
5 - Igreja Paroquial de Santa Maria em 2018. No topo da fachada e deslocada
para a esquerda da posição central é visível a cruz em mármore. A antena de
telecomunicações já foi retirada. Do lado direito estão pousados pombos cujos
dejectos provocaram o entupimento de algerozes e estiveram na origem de te
chovido em Santa Maria (Vide jornal E nº 195, de 08-03-2018). Fotografia de
Hugo Silva.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Bonecos de Estremoz


Otelo Lapa (Director de Cena da Fundação Calouste Gulbenkian)

Quando o professor Hernâni Matos me convidou a escrever umas palavras sobre os bonecos de Estremoz, confesso que pensei que nada tinha a acrescentar ao tema e que tudo já tinha sido escrito. Nessa noite, quando já estava em casa, olhei a minha pequena colecção e esperei que me dissessem alguma coisa, que falassem comigo… e assim foi.
Os bonecos de Estremoz fazem parte das minhas memórias de infância. Na nossa rua havia, até há bem pouco tempo, um lugar maravilhoso onde a família Conceição criou e produziu milhares destes bonecos. Sendo eu colega do Jorge da Conceição Palmela, muito cedo acompanhei de perto este mundo maravilhoso, vi a sua Mãe, a sua Avó, a sua tia Sabina e ele próprio, sentados à volta de uma mesa, com as mãos envoltas no barro e numa panóplia de tacinhas, com diversas tintas que davam cor à indumentária tão garrida e característica destes bonecos. Eu pasmava a ver todo aquele processo, até que um dia, eu próprio, me atrevi a experimentar, ainda existe em casa de meus pais um boneco feito por mim.
Estes bonecos simples e populares, tem uma narrativa dramática muito rica, encarnam e representam profissões, algumas já desaparecidas, a fé popular e o mundo fantástico. São de grande riqueza etnográfica, na medida em que imortalizam os hábitos populares, a forma como se vestiam e até as tarefas do lar. Os meus preferidos são “A Primavera”, “O Amor é Cego” a “Rainha Santa” o  “Presépio em Trono” que é inigualável   (diz-se, que os reis de Espanha têm um exemplar) e a  “Nossa Senhora do Ó”. 
O Figurado de Estremoz ou Bonecos de Estremoz, são um presépio pagão de usos e costumes, salvando assim um “Tempo” perdido no tempo.
Estes patuscos e delicados bonecos, que encarnam a vida dos alentejanos, pelo menos desde o séc. XVII, são um tesouro nacional e merecem ter um Museu em exclusivo, que fosse sendo sempre enriquecido com aquisições aos novos artesãos artistas que perpetuam esta remota tradição de Estremoz.

(Texto publicado no jornal E nº 197, de 05-04-2018) 

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Bons filhos, à casa tornam


Um aspecto do acesso à Capela da Rainha Santa Isabel após os
gradeamentos oitocentistas das janelas laterais terem sido
repostos pelos serviços municipais no passado dia 22 de Março,
na sequência de terem sido objecto de tentativa de furto,
no dia 9 do mesmo mês. Fotografia de Hugo Silva.

Sob a epígrafe “Valha-nos a Rainha Santa!”, publiquei uma crónica no jornal E nº 196, de 22 de Março transacto, na qual dava conta de ter saído gorada a tentativa de roubo do gradeamento das janelas que ladeiam o portão de acesso à Capela da Rainha Santa, junto à Torre da Menagem do Castelo de Estremoz, ao início da tarde do anterior dia 9 de Março. Informei ainda que, por precaução, os gradeamentos tinham ficado à guarda da Igreja de Santa Maria, até à sua reposição no local onde foram alvos de tentativa de furto por parte dos amigos do alheio.
O número 196 do jornal E chegou às bancas às 9 horas e os trabalhadores do Município repuseram o gradeamento nesse mesmo dia, cerca das 14 horas. Uma pessoa que eu cá sei, diz que não lê a imprensa local. Se é assim ou não, não sei. Agora que tem alguém que a leia por ele, lá isso tem. Daí a reposição do gradeamento só ter demorado 13 dias, facto que nos surpreendeu a todos, já que têm ocorrido situações que podem ser resolvidas num ápice e demoram meses. E ainda há quem duvide da eficácia do papel pedagógico da imprensa livre e independente.
Mas há mais
A reposição do gradeamento foi o mínimo que poderia ter sido feito, já que o mesmo carece de urgente protecção contra a corrosão, uma vez que a sua cor verde municipal se tem vindo a travestir progressivamente na ferrugenta cor castanha do óxido de ferro.
De salientar ainda que o topo esquerdo do gradeamento férreo está mutilado. Também a marmórea empena esquerda do portão está encimada por um fogaréu mutilado. Igualmente o topo esquerdo da janela esquerda está despojado do seu elemento decorativo. Marcas do tempo? Talvez não. Apenas incúria de quem deveria zelar pelo património construído e não o faz.
Perguntarão alguns:
- Quem é que devia recuperar isto tudo e não o faz? A Paróquia? A Câmara? Os Monumentos Nacionais?
Não levarão a mal a minha resposta:
- Eu sei, mas não digo.
O Largo de Dom Dinis
Existe a convicção generalizada que a PSP local não tem jurisdição no Largo de Dom Dinis, bem como na Rua da Rainha (Antiga Rua da Cadeia). Em abono desta tese, a permanente violação da sinalização de estacionamento nestes dois locais. Mais precisamente no lado esquerdo da Igreja de Santa Maria e ao longo da rua que conduz às Portas da Frandina.
Por ali paira gente de colarinho alto e rei na barriga, que se considera dona disto tudo, pelo que no seu entendimento quem tem de cumprir as regras de trânsito é o Zé-Ninguém.
No passado domingo de Páscoa, depois de almoço, a circulação automóvel naquela zona era um quebra-cabeças, como se estivéssemos num lugarejo remoto do Terceiro Mundo, onde se invocarmos regras de trânsito, estamos sujeitos a que nos perguntem:
- O que é isso?
Embora alguns disso estejam erroneamente convencidos, o Largo de Dom Dinis não é o núcleo central do Centro Histórico de Estremoz. É uma coutada da EDP que a seu bel-prazer e como tem sido prática corrente no resto da cidade, conspurcou a alvura da frontaria das casas com toda aquela execranda cablagem negra. Para além disso, a zona é também o parque de estacionamento do Grupo Pestana. Perguntarão alguns:
- E a Câmara?
A minha resposta só pode ser uma:
- Está bem, muito obrigado.
Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 197, de 05-04-2018) 

quinta-feira, 29 de março de 2018

Bonecos e Artesãos de Estremoz


António Simões (Professor e Poeta)


Bonecos e Artesãos de Estremoz

Bonecos de Estremoz são
Em sua policromia,
Toda a verdade e beleza
Da humana natureza,
Que os sonha, modela e cria.

Artesã ou artesão,
É com vossa dextra mão
Que moldais habilmente,
Bonecos de tanta gente,
De quem no campo labuta,
Vende castanhas ou fruta
Ou pastoreie o rebanho;
Faça aquilo que fizer,
Seja d’homem ou mulher,
É igual o seu tamanho.

‘inda há pouco o próprio mundo,
Em gesto nobre e profundo,
Para honra de Portugal,
Foi dar alto galardão
A estes bonecos que são
Fruto da vossa arte;
Para cumprir a minha parte,
Ao escrever este meu fado,
Ao fadista que me cante,
Aqui deixo neste instante
O meu muito obrigado.

António Simões

segunda-feira, 26 de março de 2018

Paulo Varela e as suas “Memórias a carvão”


 Um aspecto da Exposição. Fotografia de Maria Miguéns.

“Memórias a carvão” é o título da mais recente exposição de Paulo Varela, inaugurada no passado dia 11 de Março, no Salão da União de Freguesias de Estremoz (Santa Maria e Santo André) e ali estará patente ao público até ao próximo dia 30 de Abril.

A Exposição de iniciativa da Junta de Freguesia, reúne 40 desenhos a carvão de Paulo Varela, que em 2007 integraram a Exposição “DESENHOS DE PAULO VARELA”, organizada pela Associação Filatélica Alentejana na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo e que ali puderam ser apreciados pelo público, entre 26 de Julho e 10 de Setembro desse ano. Do catálogo desta Exposição, transcrevo de seguida, o que então escrevi.

Notas Biográficas sobre Paulo Varela
Paulo Rovisco Ferreira Varela, nasceu a 10 de Agosto de 1947 na freguesia de Casa Branca, concelho de Sousel. Fez a instrução primária na sua terra natal e frequentou o Curso Industrial na Escola Industrial e Comercial de Estremoz. Aqui teve como professor de Desenho, o artista plástico Espiga Pinto, que muito o considerava como aluno e que o admitia no seu atelier situado ao Pelourinho, onde passava horas a fio, a ver o professor pintar. Por isso Espiga Pinto é para si uma referência.
Aprendeu o ofício de relojoeiro com o pai, na Casa Branca e aos 17 anos foi para Lisboa, especializar-se como ourives, não só para poder efectuar concertos, como também fabricar jóias.
Aos vinte anos estabeleceu-se por sua conta em Camarate, no concelho de Loures e durante cerca de 30 anos aí trabalhou, tendo vindo para Estremoz em 1990, onde se manteve no ramo, abrindo loja no Rossio Marquês de Pombal, número cinco.
É casado e pai de três filhas.
Durante todos estes anos tem-se dedicado à vida profissional e só no início de Fevereiro de 2007, num dia de Inverno e muito chuvoso, pensou em desenterrar um bichinho que tinha dentro de si e que é o Desenho, pois desde os 18 anos que nunca mais tinha desenhado. A partir daí as coisas foram acontecendo naturalmente: a descoberta dos materiais, desde os papéis aos lápis e ao carvão, bem como a descoberta da técnica de os utilizar.
Os desenhos que faz não resultam da observação de nada, são fruto do seu imaginário ou resultado de memórias de infância que tem gravadas dentro de si. São paisagens, são monumentos quiméricos, são cenas da vida agro-pastoril até aos anos sessenta, tal como lhe foi dado observar durante a infância e a juventude na sua terra natal. Não há dois desenhos iguais e através deles é possível perceber a evolução técnica que foi experimentando. Os seus desenhos têm sido muito apreciados por pessoas e amigos que com ele contactam ou convivem no dia a dia e o estimularam a disponibilizar um conjunto representativo dos seus trabalhos, de modo a que eles viessem a público para que outros pudessem partilhar a mensagem que os mesmos nos querem transmitir.
Tiveram um papel determinante na decisão de expor, o autor destas linhas e a professora Marilisa Crespo, que organizaram a Exposição, para o que foi escolhido o Salão de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, uma sala de visitas da cidade, para receber de braços abertos, os apreciados trabalhos deste artista "naif, filho adoptivo de Estremoz.

Cronista do E, crítico de arte e tudo
(Texto publicado no jornal E nº 196, de 22-03-2018)