quarta-feira, 2 de julho de 2014

Chega de Coelho!



CÃO QUE PERSEGUE UM COELHO (2º ou 3º quartel do séc XIV). 
Harley 1121, f. 141. Edmund's 'Mireour de seinte eglise' (ff. 141-156).
 British Library, London.

O coelho é uma espécie zoológica homónima do actual primeiro-ministro de Portugal, cuja governação tem desagradado a uma maioria significativa de portugueses, entre os quais eu me incluo.
Como cidadão, assiste-me o direito à indignação, bem como o direito à sua livre expressão. Daí que como escritor não dissociado do analista político que também sou, tenha elaborado a seguinte interpretação pós-moderna do adagiário português sobre coelhos:  
- Temos coelho na toca (O Passos Coelho está no Palácio de São Bento.).
- Depois de fugir o coelho, todos dão conselhos (O Coelho não vai fugir. Os caçadores que se convençam disso.).
- Depois de fugir o coelho, toma o vilão o conselho (Já disse e repito: o Coelho não vai fugir. Os caçadores que se convençam disso.).
- Coelho duma cama só, morre depressa (Daí a coligação PSD-CDS.).
- Matar dois coelhos duma cajadada (Derrubar o governo PSD-CDS.). 
- Desta moita não sai coelho (O PS de Tó Zé Seguro parece pouco empenhado em derrubar o governo.).
- O caçador do coelho deve ser manso (Se assim é, Tó Zé Seguro é manso demais ou faltam-lhe munições.).
- Os mansos comem coelho (Se assim é, Tó Zé Seguro anda há muito com falta de apetite.).
- De uma má moita, pode sair um bom coelho (Alusão a António Costa?).
- O coelho é de quem o levanta, a lebre é de quem a mata e a perdiz de quem a acha (Há quem pense que o Coelho será de António Costa.).
- Coelho casa com coelha, não com ovelha (Esta é a crença de algum PSD, que não gosta de Paulo Portas, que considera uma “ovelha ronhosa”.).
- Quem corre atrás de dois coelhos, não pega nenhum (Será uma advertência ao PCP do Jerónimo de Sousa, que combate igualmente o governo PSD-CDS e o PS?).
- Antes coelho magro no mato, que gordo no prato (Adágio equivalente a este outro: Pela boca morre o peixe.).
- Quando o coelho provar que não é lebre, já está assado (A assadura já começou, mas ainda vai levar o seu tempo.).
- A coelho ido, conselho vindo (Adágio equivalente a este outro: Depois da casa roubada, trancas à porta.).
Esta crónica é uma história, pelo que como todas as histórias, tem de ter uma moral. Sabem qual é?
- CHEGA DE COELHO!

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A lavagem na toponímia

MULHER A LAVAR A ROUPA. Fátima Estróia.
Marca: Fátima/Estróia/Estremoz manuscrita.
Dimensões (cm): Alt. 14,5; Larg. máx. 6,8; Prof. 12.
Peso (g): 433. Colecção particular.

Em termos de literatura oral, a lavagem está medianamente representada na toponímia. Os topónimos por nós identificados, foram assim hierarquizados:
FREGUESIAS
- LAVANDEIRA - Freguesia do concelho de Carrazeda de Ansiães.
LUGARES
Em todas as considerações de toponímia que se seguem, o topónimo inserido num parêntesis curvo é concelho e o que o antecede, é a freguesia:
- LAVAJO - Lugar da freguesia de : Castro Marim (Castro Marim), Salir (Loulé).
- LAVADOBES DE BAIXO - Lugar da freguesia da Senhora da Hora (Matosinhos).
- LAVADOR - Lugar da freguesia de : Canidelo (Vila Nova de Gaia), S. João Baptista (Castelo de Vide).
- LAVADORES - Lugar da freguesia de : Olival (Vila Nova de Gaia), Touguinha (Vila do Conde).
- LAVADORES DE CIMA - Lugar da freguesia da Senhora da Hora (Matosinhos).
- LAVADORINHOS - Lugar da freguesia de Olival (Vila Nova de Gaia).
- LAVADOURO - Lugar da freguesia de: Évora de Alcobaça (Alcobaça), Oiã (Oliveira do Bairro), Ossela (Oliveira de Azeméis), Paços de Gaiolo (Marco de Canaveses), S. Cristóvão de Nogueira (Cinfães), Vila de Rei (Vila de Rei).
- LAVANDEIRA - Lugar da freguesia de: Aboim das Chocas (Arcos de Valdevez). Alquerubim (Albergaria-a-Velha), Bastuço (Barcelos), Bente (Vila Nova de Famalicão), Fajões (Oliveira de Azeméis), Feira (Feira), Figueiras (Lousada), Figueiró dos Vinhos (Figueiró dos Vinhos), Grijó (Vila Nova de Gaia), Grilo (Baião), Longos Vales (Monção), Mangualde (Mangualde), Merufe (Monção), Oliveira do Bairro (Oliveira do Bairro), Quinchães (Fafe), Recardães (Águeda), Recesinhos (Penafiel), Refóios do Lima (Ponte de Lima), S. João de Ver (Feira), Santa Maria (Beira), Sosa (Vagos), Vila Boa do Bispo (Marco de Canaveses), Vila Chã (Vila do Conde), Vila Maior (Feira).
- LAVANDEIRAS - Lugar da freguesia de: Barcelinhos (Barcelos), Friestas (Valença), Eiriz (Paços de Ferreira).
- LAVATODOS - Lugar da freguesia de Lorvão (Penacova).

BIBLIOGRAFIA
[1] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1981.
[2] – LEITE DE VASXCONCELLOS, J. Diccionario de Chorographia de Portugal. Livraria Portuguesa de Clavel & Cª, editor. Porto, 1884.
[3] – PEREIRA, Antonio Fernandes. Diccionario Geographico Abreviado de Portugal e suas Possessões Ultramarinas. Typographia de Sebastião José Pereira. Porto, 1852


quinta-feira, 26 de junho de 2014

Bonecos de Estremoz: As Primaveras


Primavera de arco. Mariano da Conceição (1903-1959). Colecção Jorge da Conceição.

Na galeria dos Bonecos de Estremoz existem exemplares cuja origem remonta ao séc. XIX e das quais a designação consagrada pelo uso é a de “Primaveras”. Trata-se de uma designação genérica que abrange as chamadas “Primaveras de Arco”, as “Primaveras de Plumas” e as “Bailadeiras”. Trata-se de alegorias à estação do ano do mesmo nome, bem como à sua chegada. Todavia são mais do que isso. Desde tempos remotos que existem rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza. Tais ritos vieram a ser assimilados pela Igreja Católica que começou a comemorar o Entrudo. Referindo-se ao Entrudo de antigamente diz Xavier da Cunha (1) na revista OCCIDENTE, de 15 de Fevereiro de 1879: “Aquilo, sim, que era bom tempo! e fossem lá dizer-lhes que trocassem, a ver se queriam, pela desenxabida insipidez do carnaval d’hoje aquellas folgazãs intrudadas de que todos riam. Hoje de todos esses brinquedos, que passaram, restam apenas as decantadas danças de cavallões e marmanjos vestidos de pastorinhas a bailarem entre os costumados arquinhos de flores ao som do classico apito – elemento essencial da ordem no programma de toda aquella brincadeira”. Significa isto que em 1879, no desfile de Entrudo referido pelo articulista, supostamente decorrido em Lisboa, há a registar a presença de marmanjos (mariolas) vestidos de pastorinhas a bailarem com arcos de flores. Também na capa da revista “PARODIA – COMEDIA PORTUGUEZA”, nº 5, de 18 de Fevereiro de 1903 (2), o traço magistral de Raphael Bordalo Pinheiro retrata vários mascarados num salão particular. À esquerda, duas figuras supostamente de homens mascarados de figuras femininas, empunham um arco com flores. A finalizar e face ao exposto, julgo não ser despropositado concluir que as “Primaveras”, para além de constituírem uma alegoria à estação do mesmo nome, são também figuras de Entrudo e registos dos primitivos rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza. Como apontamento final desta nota de rodapé, saliento que no Museu Municipal Frédéric Blandin (Nevers-França) existem duas estatuetas em vidro do séc. XVIII, que são alegorias da Primavera. Trata-se de figuras masculina vestidas à antiga, uma com túnica e outra com saiote, que por cima da cabeça sustentam um arco de flores, símbolo da Primavera.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CUNHA, Xavier. O Carnaval Português in OCCIDENTE, 2º ano, vol. II, nº 28, 15 de Fevereiro de 1879 (pág. 31 e 32). Lisboa, 1879.
(2) - PARODIA – COMEDIA PORTUGUEZA, nº 5, de 18 de Fevereiro de 1903 (pág. 1).
Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 26 de Junho de 2014

Bailadeira grande. Mariano da Conceição (1903-1959). Museu Rural de Estremoz.

Bailadeira pequena. Mariano da Conceição (1903-1959). Museu Rural de Estremoz.

Que Viva Belmonte!


Terminaram no passado dia 17 de Junho, as filmagens da novela Belmonte no concelho de Estremoz, as quais vinham tendo lugar desde Setembro passado. A cidade e o seu termo passaram desde então a estar atentos às filmagens que depois eram exibidas na TVI, a qual passou a ser o canal obrigatório nos serões familiares. É que além do enredo que também galvanizava o resto do país, Estremoz estava sempre presente no pequeno ecrã.
Ao longo de dez meses foram-se criando laços de empatia entre a população, os actores e a equipa técnica, não só no decurso das filmagens como nos locais por eles frequentados ou onde lhe eram servidas refeições ou pernoitavam.
A novela veio animar algum comércio local, especialmente a restauração e a hotelaria. Não admira pois que este se sinta reconhecido, daí que no passadio dia 17, a gerência do Café Alentejano tenha oferecido um jantar ao ar livre a actores, figurantes, técnicos e demais convidados. Foi uma “Festa de Acabamento” com sabores e saberes regionais. Comeu-se, bebeu-se e pulou-se até ás tantas, já que por ali pontificava a música do DJ  Pedro Fraguedas.
Terminaram as filmagens da novela Belmonte, mas a novela vai estar no ar até meados de Setembro e vai passar noutros países. Nestes a novela irá funcionar como eficaz cartaz turístico do concelho, já que inclui imagens do nosso património e de actividades como a viticultura, a vinicultura, a oleicultura, a pecuária e a extracção de mármore, assim como de eventos como a FIAPE ou a Cozinha dos Ganhões, os quais importa promover.
A novela Belmonte é uma mais valia para a cidade e deve ser encarada como geradora de fluxos turísticos de que Estremoz, cidade de serviços, tanto precisa.
A novela da TVI foi uma boa aposta de marketing da Câmara Municipal de Estremoz, que está de parabéns pela iniciativa.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

4 - Galeria dos bonecos de Estremoz

Mulher a fazer chouriços (1948).
Mariano Augusto da Conceição (1903-1959).
Museu Rural de Estremoz.

É vasta e diversificada a galeria dos bonecos de Estremoz. Reflexo afinal da riqueza do imaginário popular, que procura retratar a realidade local e regional, não só quando os bonecos se destinam a um uso específico (figuras de presépio, imagens religiosas, apitos, ganchos de meia, etc.), como e tão-somente a uma finalidade decorativa. Passemos então uma revista, ainda que breve, a esta galeria, aproveitando para a sistematizar em treze grandes categorias de imagens:
1 - As figuras de presépio, de forte registo etnográfico e que ciclicamente permitem reconstituir e comemorar em nossas casas, o nascimento de Cristo Salvador;
2 - As imagens religiosas que para além daquelas que noutros materiais e em ponto grande, existem nas nossas igrejas e conventos, são objecto de devoção popular;
3 - Figuras que têm a ver com a realidade local;
4 - Figuras intimistas que têm a ver com o quotidiano doméstico;
5 - Figuras que são personagens da faina agro-pastoril nas herdades alentejanas;
6 - Figuras de negros, que a nosso ver, através da nossa permeabilização à cultura afro-brasileira, indiciam miscenização de raças e a fusão de culturas ocorrida ao longo da colonização do Alentejo;
7 - Figuras destinadas a assinalar períodos festivos;
8 - Figuras satíricas;
9 - A infindável variedade de apitos para a miudagem brincar e atazanar os ouvidos aos mais velhos. Representam figuras antropomórficas e zoomórficas;
10 - Brincos, que é a designação dada a miniaturas de barro vermelho, pintadas e decoradas com as cores usadas nos bonecos de Estremoz;
11 - Os ganchos de meia para as mulheres ajeitarem ao peito a malha do tricot e que tal como os apitos, representam figuras antropomórficas e zoomórficas;
12 - Paliteiros;
13 - Outros objectos decorativos ou funcionais: cantarinhas, pucarinhos, terrinas, candelabros, suportes para velas, etc.


segunda-feira, 23 de junho de 2014

A lavadeira na poesia erudita

MULHER A LAVAR A ROUPA. Mariano da Conceição (1903-1959).
Dimensões (cm): Alt. 13; Larg. 6,6.
Marcas: ESTREMOZ/PORTUGAL aposta por carimbo (0,8 cm x 2 cm)
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

Os poetas eruditos falam-nos de lavadeiras na ribeira, no rio e no tanque.  
De lavadeiras na ribeira nos fala o político, deputado, jornalista, escritor e poeta Guerra Junqueiro (1850 -1923), no seu poema “Boas  Noites” [1]:

Estava uma lavadeira
A lavar n'uma ribeira,
Quando chega um caçador.


—Boas tardes, lavadeira!

—Boas tardes, caçador!

—Sumiu-se-me a perdigueira
Alli n'aquella ladeira,
Não me fazeis o favor
De me dizer se a bréjeira
Passou aqui a ribeira?


—Olhai que d'essa maneira
Até um dia, senhor,
Perdereis a caçadeira,
Que ainda é perda maior.


—Que me importa, lavadeira!
Aqui na minha algibeira
Trago dobrado valor.
Assim eu fôra senhor
De levar a vida inteira
Só a vêr o meu amor
Lavar roupa na ribeira...


—Talvez que fosse melhor,
Vêr... coser a costureira!
Vir, de ladeira em ladeira,
Apanhar esta canceira
E tudo só por amor
De vêr uma lavadeira
Lavar roupa na ribeira...
É escusado, senhor!


—Boas noites... lavadeira!

—Boas noites, caçador!...


De lavadeiras no rio nos fala o poeta, escritor e político reguenguense, António de Macedo Papança (1852-1913), Conde de Monsaraz , no seu poema “Lavadeiras” [2]:

Lavam no claro rio, entre balceiras,
       Ranchos de lavadeiras;
No rio em cujas águas, loiro e esparso,
       Faísca o sol de Março
Numa alegria rústica e pagã.

       Oito horas da manhã.
       Sopra uma leve aragem,
Que ondula e que estremece na paisagem
E em tomo dá palpitações de vida
À roupa nas ramadas estendida;
………………………………………………..

E pela margem fora as lavadeiras,
Velhas e novas, loiras e trigueiras.
        Na faina que as não poupa
        Lavam, batem a roupa:

Braços nus, pernas nuas, ancas largas,
Num retoiçar de peitos e de ilhargas,
        Ensaboando, esfregando,
Rubras de sol, curvadas e cantando,
        Meneia-se cada uma
         Entre flocos de espuma.

De lavadeiras no rio nos fala, ainda, o dramaturgo, escritor e poeta estremocense, Silva Tavares (1893-1964), no seu poema “As lavadeiras” [3]:
……………………………………
O chape-chape sempre constante,
mercê da esfrega mais do sabão.
       — chape-gue-chape
       sôa, cantante,
       sem que se escape
       por um instante
dos meus ouvidos essa canção!

E sôbre a pedra todas curvadas,
chape-que-chape, sem descansar,
      as lavadeiras
      passam — coitadas!—
      vidas inteiras
      sempre ajoelhadas,
como se a pedra fosse um altar!...
……………………………………………

De lavadeiras no rio nos fala, também, Fernando Pessoa (1888-1935), na quadra “Lavadeira a bater roupa” [4]:

Lavadeira a bater roupa
Na pedra que está na água,
Achas a minha mágoa pouca?
É muito tudo o que é mágoa.
  
Alberto Caeiro, poeta bucólico e anti-filósofo, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, fala, igualmente, das lavadeiras do rio, no seu poema: “Quem me dera que eu fosse o pó da estrada” [5]

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando. . .
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira. . .
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo. . .
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse. . .
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena. . .

De lavadeiras do rio nos fala ainda Amália Rodrigues (1920-1999) no seu poema “Lavava No Rio, Lavava”, o qual cantava com música de José Fontes Rocha [6]
  
Lavava no rio, lavava
Gelava-me o frio, gelava,
Quando ia ao rio lavar.
Passava fome, passava,
Chorava, também chorava,
Ao ver minha mãe chorar!
Cantava, também, cantava!
Sonhava, também, sonhava!
E, na minha fantasia,
Tais coisas fantasiava,
Que esquecia que chorava,
Que esquecia que sofria!

Já não vou ao rio lavar,
Mas continuo a chorar!
Já não sonho o que sonhava!
Já não lavo no rio!
Por que me gela este frio
Mais do que então gelava?

Ai, minha mãe, minha mãe
Que saudades desse bem,
Do mal que eu não conhecia!
Dessa fome que eu passava,
Do frio que nos gelava,
E da minha fantasia!

Já não temos fome, mãe!
Mas já não temos também
O desejo de a não ter!
Já não sabemos sonhar,
Já andamos a enganar
O desejo de morrer!

Já Pedro Homem de Mello (1904-1984) no poema: “Povo”, [7] , chama “Povo que lavas no rio” às lavadeiras do rio:

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!
……………………………….

Fernando Pessoa, que já abordara poeticamente a lavadeira do rio, fala de outro tipo de lavadeira no poema “A lavadeira no tanque”[8]:

A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta e é triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.

Ora se eu alguma vez
Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perderia talvez
Os meus destinos diversos.

Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade. . .
Quem me lava o coração?

Finalmente, o engenheiro Álvaro de Campos, outro dos heterónimos de Fernando Pessoa, no poema “Tabacaria” [9], admite a sua eventual felicidade se casasse com a filha da sua lavadeira:
……………………..
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
…………………..
  



[1] In “Flores do Campo”. Porto. Livraria Universal, 1876.
[2] In  “Musa Alentejana / Lira de Outono”. Lisboa. Livraria Férin, 1954.
[3] In “Gente Humilde”. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, 1934.
[4] s. d. / Quadras ao Gosto Popular. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido e prefaciado por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1965. (6ª ed., 1973).
[5] 1914 /“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.). Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
[6] A canção “Lavava No Rio Lavava” integra o álbum de Amália “Gostava de Ser Quem Era “, editado em 1980 pela casa Valentim de Carvalho.
[7] In “Miserere”. Lisboa: Editora Portugália, 1948. Este poema constituiu letra de fado cantado pela primeira vez por Amália Rodrigues, com música de Joaquim Campos. Posteriormente passou a fazer parte do reportório de cantores como António Variações, Cidália Moreira, Dulce Pontes, Mariza, Mafalda Arnauth, José Cid e José Perdigão.
[8] 15-9-1933 / Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosári15-1-1928 / Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993): 252. 1ª publ. in Presença, nº 39. Coimbra: Jul. 1933. Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).
[9] 15-1-1928 / Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993): 252. 1ª publ. in Presença, nº 39. Coimbra: Jul. 1933.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Carta a um camarada

José Coelho Ribeiro


Coelho Ribeiro:

É com muito gosto que aceito o seu pedido de amizade no Facebook, já que é um prolongamento natural da nossa amizade, a qual é real e anterior à existência de redes sociais.
Conheço-o e admiro-o desde o tempo da tristemente célebre coligação PS-PSD no Município, em que havia dois PS em Estremoz: o da Câmara liderada por Primo Carrapiço e o da Assembleia Municipal, da qual você foi Presidente com coluna vertebral, em colisão e confronto natural com o primeiro, conjuntamente com outros autarcas socialistas, como Francisco Rodrigues.
As actas da Assembleia Municipal dessa época são exemplo dum parlamentarismo local independente, que se recusava a ser cúmplice e a pactuar com o autoritarismo do Presidente da edilidade.
Naquela sala, que foi Biblioteca do extinto Convento da Congregação do Oratório de São Filipe Nery, foram escritas a letras de ouro, páginas do nosso melhor parlamentarismo local, que a meu ver, atingiu nessa época, um pico de particular e vigorosa intensidade.
A Assembleia Municipal fazia uso frequente da sua competência para acompanhar e fiscalizar a actividade da Câmara, de tal modo que numa célebre sessão de 1987, houve unanimidade de todas as bancadas no sentido de exigir que a Câmara cumprisse acordos assumidos. Apenas seis Presidentes de Junta, todos eles da coligação PS-PSD, roeram a corda.
A Assembleia não estava manietada e as diversas forças políticas dialogavam para além das sessões. Dessa época e a talhe de foice, relembro-me, para além de si, de notáveis intervenções de parlamentares como Aníbal Alves, António Simões, Francisco Rodrigues, José Mário Gaspar e José Sena.
Você era e é um “animal político” com faro para as “maroscas”, caldeado pela experiência anterior como Presidente da Câmara Municipal do Fundão. Era e é um homem respeitado, do qual os oportunistas fogem como o diabo da cruz.
Temos sido companheiros de estrada e continuaremos a ser, apesar de geneticamente eu não ser socialista. Todavia somos ambos da natureza de não nos rendermos e mostramos apetência militante por caminhadas conjuntas, que potenciam a força das massas, que por enquanto não sabem a força que têm. Até que um dia…