Dimensões (cm): Alt. 13; Larg. 6,6.
Marcas: ESTREMOZ/PORTUGAL aposta por carimbo (0,8 cm x 2 cm)
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
Os poetas eruditos falam-nos de lavadeiras na ribeira, no rio e no tanque.
De lavadeiras
na ribeira nos fala o poeta e pedagogo João de Deus (1830 - 1896), no seu poema “Boas
Noites” [1]:
A lavar n'uma ribeira,
Quando chega um caçador.
—Boas tardes, lavadeira!
—Boas tardes, caçador!
—Sumiu-se-me a perdigueira
Alli n'aquella ladeira,
Não me fazeis o favor
De me dizer se a bréjeira
Passou aqui a ribeira?
—Olhai que d'essa maneira
Até um dia, senhor,
Perdereis a caçadeira,
Que ainda é perda maior.
—Que me importa, lavadeira!
Aqui na minha algibeira
Trago dobrado valor.
Assim eu fôra senhor
De levar a vida inteira
Só a vêr o meu amor
Lavar roupa na ribeira...
—Talvez que fosse melhor,
Vêr... coser a costureira!
Vir, de ladeira em ladeira,
Apanhar esta canceira
E tudo só por amor
De vêr uma lavadeira
Lavar roupa na ribeira...
É escusado, senhor!
—Boas noites... lavadeira!
—Boas noites, caçador!...
De lavadeiras
no rio nos fala o poeta, escritor e político reguenguense, António de
Macedo Papança (1852-1913), Conde de Monsaraz , no seu poema “Lavadeiras” [2]:
Lavam no claro rio, entre
balceiras,
Ranchos de lavadeiras;
No rio em cujas águas, loiro
e esparso,
Faísca o sol de Março
Numa alegria rústica e
pagã.
Oito horas da manhã.
Sopra uma leve aragem,
Que ondula e que estremece
na paisagem
E em tomo dá palpitações de
vida
À roupa nas ramadas
estendida;
………………………………………………..
E pela margem fora as lavadeiras,
Velhas e novas, loiras e trigueiras.
Na faina que as não poupa
Lavam, batem a roupa:
Braços nus, pernas nuas, ancas largas,
Num retoiçar de peitos e de ilhargas,
Ensaboando, esfregando,
Rubras de sol, curvadas e cantando,
Meneia-se cada uma
Entre flocos de espuma.
De
lavadeiras no rio nos fala, ainda,
o dramaturgo, escritor e poeta estremocense, Silva Tavares (1893-1964), no seu
poema “As lavadeiras” [3]:
……………………………………
O chape-chape
sempre constante,
mercê da esfrega
mais do sabão.
— chape-gue-chape
sôa, cantante,
sem que se escape
por um instante
dos meus ouvidos
essa canção!
E sôbre a pedra
todas curvadas,
chape-que-chape,
sem descansar,
as lavadeiras
passam — coitadas!—
vidas inteiras
sempre ajoelhadas,
como se a pedra
fosse um altar!...
……………………………………………
De lavadeiras
no rio nos fala, também, Fernando Pessoa (1888-1935), na quadra
“Lavadeira a bater roupa” [4]:
Lavadeira a bater roupa
Na pedra que está na água,
Achas a minha mágoa pouca?
É muito tudo o que é mágoa.
Alberto Caeiro, poeta bucólico e anti-filósofo, um
dos heterónimos de Fernando Pessoa, fala, igualmente, das lavadeiras do rio, no seu poema:
“Quem me dera que eu fosse o pó da estrada” [5]
Quem me dera que eu fosse o
pó da estrada
E que os pés dos pobres me
estivessem pisando. . .
Quem me dera que eu fosse
os rios que correm
E que as lavadeiras
estivessem à minha beira. . .
Quem me dera que eu fosse
os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima
e a água por baixo. . .
Quem me dera que eu fosse o
burro do moleiro
E que ele me batesse e me
estimasse. . .
Antes isso que ser o que
atravessa a vida
Olhando para trás de si e
tendo pena. . .
De
lavadeiras do rio nos fala ainda
Amália Rodrigues (1920-1999) no seu poema “Lavava No Rio, Lavava”, o qual
cantava com música de José Fontes Rocha [6]
Lavava no rio, lavava
Gelava-me o frio, gelava,
Quando ia ao rio lavar.
Passava fome, passava,
Chorava, também chorava,
Ao ver minha mãe chorar!
Cantava, também, cantava!
Sonhava, também, sonhava!
E, na minha fantasia,
Tais coisas fantasiava,
Que esquecia que chorava,
Que esquecia que sofria!
Já não vou ao rio lavar,
Mas continuo a chorar!
Já não sonho o que sonhava!
Já não lavo no rio!
Por que me gela este frio
Mais do que então gelava?
Ai, minha mãe, minha mãe
Que saudades desse bem,
Do mal que eu não conhecia!
Dessa fome que eu passava,
Do frio que nos gelava,
E da minha fantasia!
Já não temos fome, mãe!
Mas já não temos também
O desejo de a não ter!
Já não sabemos sonhar,
Já andamos a enganar
O desejo de morrer!
Já Pedro
Homem de Mello (1904-1984) no poema: “Povo”,
[7]
, chama “Povo que lavas no rio” às lavadeiras do rio:
Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!
……………………………….
Fernando Pessoa, que já abordara poeticamente a
lavadeira do rio, fala de outro tipo de lavadeira no poema “A lavadeira no tanque”[8]:
A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta e é
triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.
Ora se eu alguma vez
Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perderia talvez
Os meus destinos diversos.
Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade. .
.
Quem me lava o coração?
Finalmente, o engenheiro Álvaro de Campos, outro
dos heterónimos de Fernando Pessoa, no poema “Tabacaria” [9],
admite a sua eventual felicidade se casasse com a filha da sua lavadeira:
……………………..
(Se
eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez
fosse feliz.)
Visto
isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
…………………..
[1] In “Flores do Campo”.
Porto. Livraria Universal, 1876.
[2] In
“Musa Alentejana / Lira de Outono”. Lisboa. Livraria Férin, 1954.
[3] In “Gente Humilde”. Lisboa: Livraria
Popular de Francisco Franco, 1934.
[4] s. d. / Quadras ao Gosto
Popular. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido e prefaciado por Georg Rudolf
Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1965. (6ª ed., 1973).
[5] 1914 /“O Guardador de
Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e
notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.). Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed.
1993).
[6] A canção “Lavava No Rio Lavava” integra o álbum de Amália “Gostava de Ser Quem Era “, editado em 1980 pela casa Valentim de Carvalho.
[7] In “Miserere”. Lisboa: Editora
Portugália, 1948. Este poema constituiu letra de fado cantado pela primeira vez
por Amália Rodrigues, com música de Joaquim Campos. Posteriormente passou a
fazer parte do reportório de cantores como António Variações, Cidália Moreira, Dulce Pontes, Mariza, Mafalda
Arnauth, José Cid e José Perdigão.
[8] 15-9-1933 / Novas Poesias
Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do
Rosári15-1-1928 / Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática,
1944 (imp. 1993): 252. 1ª publ. in Presença, nº 39. Coimbra: Jul. 1933. Marques
Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).
[9] 15-1-1928 / Poesias de Álvaro de Campos.
Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993): 252. 1ª publ. in Presença, nº
39. Coimbra: Jul. 1933.
Viva, estimado Prof. Hernâni!
ResponderEliminarRelacionada com este artigo e outro da série "A barrística de Estremoz e os provérbios", enviei-lhe uma e-carta, no passado dia 7 de Agosto. Não a recebeu? Não é de excluir a hipótese de ter ido parar à pasta do 'spam'...
Caro Senhor:
EliminarRecebi, mas só agora respondi, por falta de oportunidade de o fazer antes.
Muito obrigado.
Os meus cumprimentos.
O poema "Boas Noites", de João de Deus, poeta hoje pouco cultivado, apesar de ter honras de Panteão Nacional, trouxe-me à lembrança a bela versão recitada por Mário Viegas e Manuela de Freitas que o saudoso andarilho da rádio Rafael Correia deu a ouvir aos ouvintes do seu memorável "Lugar ao Sul", nas matinas sabatinas da Antena 1. Mais tarde, tive o grato prazer de encontrar mais duas interessantes versões áudio: uma recitada por Maria Helena d'Eça Leal e João Lagarto, integrante do disco duplo "100 Anos de Poesia Portuguesa do Séc. XIX: Do Romantismo ao Simbolismo" (Strauss, 2000), e uma cantada, com música de José Vianna da Motta, sob o título "Lavadeira e Caçador", por João Rodrigues e Ana Maria Pinto, com acompanhamento ao piano por Nuno Vieira de Almeida. Ambas podem ser ouvidas nas plataformas de 'streaming' (passe o anglicismo).
ResponderEliminarVotos de continuação de bom trabalho!
Muito obrigado.
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