quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

XVIII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz

 

Jorge da Conceição


Transcrito com a devida vénia do
em 4 de Dezembro de 2024.

A Galeria Municipal D. Dinis recebe a XVIII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz, uma referência no Alentejo.

Esta mostra conta com mais de 30 Presépios, produzidos com diversos materiais, dos artesãos: Afonso Ginja, Ana Catarina Grilo, Ana Godinho, António Moreira, Carlos Alberto Alves, Carlos Pereira, Conceição Perdigão, Fátima Lopes, Francisca Carreiras, Henrique Painho, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge Carrapiço, Jorge da Conceição, José Vinagre, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Maria José Camões, Pedro Vinagre, Perfeito Neves, Ricardo Fonseca, Sara Sapateiro, Sandra Cavaco, Sofia Luna, e Vera Magalhães.

A exposição poderá ser visitada até dia 6 de janeiro de 2025, com entrada gratuita, numa organização da Câmara Municipal de Estremoz.

Hernâni Matos

Luísa Batalha

Ana Catarina Grilo

Luís Parente

Sandra Cavaco

Jorge Carrapiço

Ana Godinho

Afonso Ginja

Madalena Bilro

Madalena Bilro

Ricardo Fonseca

Irmãs Flores

Sofia Luna

Maria Isabel Pires

ara Sapateiro

Inocência Lopes

Vera Magalhães

Carlos Alves



MAIS FOTOGRAFIAS AQUI



7º Aniversário dos Bonecos de Estremoz enquanto Património Unesco

 



Transcrito com a devida vénia do
em 4 de Dezembro de 2024


No sábado, dia 7 de dezembro de 2024, comemora-se o 7.º aniversário da Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz, na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.

Para celebrar a data, o Município de Estremoz organizou as seguintes atividades:

SALÃO NOBRE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ESTREMOZ

- 𝟏𝟖:𝟎𝟎 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Discursos Institucionais;

- 𝟏𝟖:𝟐𝟎 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Entrega de Certificações aos barristas recentemente reconhecidos;

- 𝟏𝟖:𝟑𝟎 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Concerto celebrativo da Inscrição da Lista Representativa UNESCO, pelo Vox Aurea Ensemble.

CENTRO INTERPRETATIVO DO BONECO DE ESTREMOZ

- 𝟏𝟗:𝟒𝟓 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Inauguração da renovação da sala de exposições dos Barristas.

Venha celebrar connosco!

Entrada gratuita.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

26 – Santa Bárbara


Santa Bárbara. Sabina Santos (1921-2005). Colecção particular.

Diz a lenda que Santa Bárbara nasceu e viveu no final do séc. III, na cidade de Nicomédia, na actual Turquia. Era uma jovem muito bela. Dióscoro, seu pai, era um pagão rico que a desejava proteger dos pretendentes. Por isso encerrou-a numa torre, onde mandou abrir duas janelas, mas entretanto teve que viajar. Quando regressou, a filha tinha-­se feito baptizar e mandara rasgar uma terceira janela, em honra à Santíssima Trindade. O pai ficou irado, pelo que ela teve de fugir, abrindo-se os rochedos para que ela passasse. Descoberta, foi capturada pelo progenitor e levada a tribunal. Aí foi condenada a ser exibida nua por todo o país e padeceu toda sorte de suplícios, acabando por ser executada pelo próprio pai, que a degolou com uma espada. Logo após a sua morte, um raio fulminou o filicida.
Santa Bárbara é Protectora contra relâmpagos e tempestades, bem como Padroeira de artilheiros, mineiros, geólogos, engenheiros militares, armeiros e de todos aqueles que trabalham com o fogo. É igualmente Padroeira de profissões relacionadas com torres e a sua construção (cabouqueiros, pedreiros, arquitectos) e ao seu uso como prisão (presidiários e guardas de prisão).
Os atributos de Santa Bárbara são numa mão (geralmente a direita) a palma do martírio e na outra a torre com três janelas onde o pai a encerrou. A torre pode aparecer também a seus pés e pode segurar a espada com que foi degolada ou segurar o cálice com a hóstia.
Santa Bárbara, cuja festa litúrgica ocorre a 4 de Dezembro, tem considerável presença na tradição oral portuguesa. A nível de adágios: “Só se lembra(m) de Santa Bárbara, quando faz trovões". Está igualmente presente no cancioneiro popular de Angra do Heroísmo:

“Ò Senhora Santa Barba,
Senhora dos corações,
Ninguém se lembra dela
Senão quando faz trevões”.

Existem também orações populares como esta:

“Santa Bárbara Bendita,
Que no céu está escrita
com papel e água benta,
nos livre desta tormenta”.

No que respeita a superstições populares, existia a crença de que as palmas e os ramos de alecrim, bentos na Procissão do Domingo de Ramos, afastavam as trovoadas. De resto, era hábito tocar os sinos durante as trovoadas, pois havia a crença popular de que o toque fazia afastar os raios e os trovões. Em Castedo do Douro, um dos sinos da Igreja até tem gravado o nome de Santa Bárbara. Actualmente, as orações e o toque de sinos foram substituídos por pára-raios, o que levou Guerra Junqueiro (1850-1923) a escrever:

“Pára-raios nas Igrejas,
É para mostrar aos ateus,
Que os crentes quando troveja,
Não têm confiança em Deus”.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 21 de Maio de 2015

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Searinhas do Menino Jesus (2ª edição)


Searinha do Menino Jesus.
Fotografia de Carlos Dalves (http://olhares.aeiou.pt)

Uma tradição que ainda hoje se cumpre no Alentejo é a sementeira das “Searinhas do Menino Jesus”, já referida por A. Thomaz Pires (2) e que se efectua no dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
Consiste esta tradição em semear em pequenos recipientes (pires ou chávenas) com terra, alguns grãos de trigo que são humedecidos com água para germinar, após o que são diariamente borrifados com a mesma, a fim de os rebentos se manterem viçosos.
As searinhas, dedicadas ao Menino Jesus, são utilizadas no presépio e no oratório, assim como são levadas à mesa da Consoada, na crença de que o Menino Jesus abençoe o trigo, de modo que nunca falte pão em casa e na mesa. No dia de Reis (6 de Janeiro), as searinhas devem ser transplantadas para a terra.
Thomaz Pires cita D. José Coroleu (Las supersticiones de la humanidad) quando afirma que as searinhas “(…) recordam as sementes semeadas nos testos pelas mulheres Phrygias, e que levavam ao terrado para germinarem aos raios do Sol.”.
A tradição teve início no século XVI quando o cardeal e teólogo ascético francês Pierre de Bérulle (1575-1629) decidiu adornar o presépio com searinhas e laranjas para que as sementeiras e árvores de fruto fossem abençoadas e dessem muito durante o ano inteiro.
Parece não restarem dúvidas que se trata de mais um aproveitamento cristão duma tradição pagã. Na verdade, a festa pagã do solstício de Inverno que comemorava o renascimento do Sol, foi substituída pela festa cristã do Natal, que celebra o nascimento de Cristo. Daí que usos e costumes que lhe estavam associados tenham sido adaptados ao Cristianismo, pelo que são reminiscência das antigas crenças.

BIBLIOGRAFIA
(1) - PESTANA, M. Inácio. Etnologia do Natal Alentejano. Assembleia Distrital de Portalegre. Portalegre, 1978.
(2)  – PIRES, A. Thomaz. A noite de Natal, o Anno Bom e os Santos Reis. 2ª edição. António José Torres de Carvalho. Elvas, 1928

Publicado inicialmente em 4 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Coroas de plantas usadas no Natal


Coroa om ramos de alecrim, ramos de pilriteiro
com bagas  e bagas de roseira.
Manufactura de Catarina Matos.


Durante a época natalícia, as portas de muitos lares ostentam coroas de Natal, feitas com ramagens entrelaçadas de plantas de cores diferentes:
- O azevinho, um arbusto de folhas afiadas e cortantes, com frutos de cor vermelho-vivo, o qual sobrevive ao mais rigoroso dos invernos europeus;
- O visco branco, arbusto de folhas arredondadas e de textura macia, com frutos brancos;
- A hera, planta trepadeira delicada, flexível, com folhas macias e frutos negros.
Qual a origem de tal tradição?
O azevinho era uma árvore sagrada para os druidas. No calendário celta, o azevinho corresponde ao período compreendido entre 8 de Julho e 4 de Agosto. Devido à dureza da sua madeira, os antigos celtas usavam esta árvore para confeccionar as pontas de seta. Devido a essa característica, o azevinho é considerado como símbolo de firmeza, força e resistência. Na mitologia celta, o azevinho representava o aspecto masculino das divindades e acreditava-se ter o poder de repelir o mal. O visco branco representava o aspecto feminino das divindades (imortalidade e fertilidade) e acreditava-se ser capaz de curar qualquer doença.
Na mitologia escandinava, o azevinho representava Frey (deus belo e forte que comandava o tempo e a prosperidade). O visco branco representava Freya (deusa do amor e da sensualidade). Daí advém a crença que beijar uma pessoa sob uma coroa de Natal, permitirá encontrar o amor da sua vida ou manter de forma saudável uma ligação existente, agraciando o casal com o dom da fertilidade.
A cor invariavelmente verde da hera e o seu carácter aconchegante, tornaram-na um símbolo de imortalidade, amizade e fidelidade, pelo que na antiga Grécia era entregue aos noivos na cerimónia de casamento.
O azevinho, o visco branco e a hera, pelo simbolismo que encerram, são arbustos considerados protectores. Daí serem utilizados para confeccionar coroas natalícias que se colocam nas portas, para trazer boa sorte e protecção
“Boca de hera, coração de azevinho", proclama um provérbio irlandês, repleto de sabedoria celta, provavelmente como registo da “possibilidade de se poder ser simultaneamente suave e resistente”.
Após a cristianização dos antigos cultos pagãos, o azevinho tornou-se um símbolo de Natal, acreditando-se que o azevinho, durante a fuga da Sagrada Família para o Egipto, estendeu os seus ramos para a esconder, impedindo que os soldados de Herodes matassem o Menino Jesus. Então Maria, como sinal de agradecimento, abençoou o azevinho que, desde então, permaneceu sempre verde. O verde permanente das suas folhas representa a vida eterna, as bagas vermelhas simbolizam a crucificação de Jesus e os seus espinhos afugentam os espíritos malignos.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 25 de Dezembro de 2011

Azevinho. Imagem recolhida em http://safarigarden.commercesuite.com.br/

 VISCO BRANCO - Imagem recolhida em: http://www.varbak.com/

HERA – Imagem recolhida em: http://obotanicoaprendiznaterradosespantos.blogspot.com

sábado, 30 de novembro de 2024

Não sei quantas almas tenho - Fernando Pessoa


Fernando Pessoa, Bernardo Soares, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Cartoon de Rui Pimentel,
impresso na folha relativa a este mês de Maio,  num calendário editado pelo CNBDI - Centro
Nacional de Banda Desenhada e Imagem (Amadora).


Não sei quantas almas tenho
Fernando Pessoa (1888-1935)

Não sei quantas almas tenho.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa (1888-1935)


Publicado inicialmente em 7 de Dezembro de 2015

#Poesia Portuguesa - 072

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Carlos Alves e a cozinha dos ganhões

 

Cozinha dos ganhões (2021). Carlos Alves (1958-  ). Vista de frente. 

Cozinha dos ganhões (2021). Carlos Alves (1958-  ). Vista de trás. 

Cozinha dos ganhões (2021). Carlos Alves (1958-  ). Vista de cima

Ao barrista Carlos Alves:
Eu hoje acordei com o sete metido na cabeça.
O sete é como que um número mágico. De acordo
com o Génesis, Deus criou o mundo em seis dias e
descansou no sétimo, tornando-o um dia santo.
E o número sete passou a simbolizar perfeição e
conclusão. Perfeição que eu encontro na tua recriação
da Cozinha dos Ganhões, depois de estar concluída.
Utilizei então o número sete para lavrar uma estrofe
de quatros versos heptassilábicos, onde falo da tua
obra, aproveitando para realçar que eram pobres
os comeres dos ganhões:

A Cozinha dos Ganhões
tem ganharia à mesa.
Eram parcas refeições
e não havia sobremesa.

LER AINDA:


Prólogo
A terminologia “cozinha dos ganhões” usada na designação da figura sobre a qual incide o presente estudo, impõe que seja feita a sua explicitação, para o que me irei socorrer de textos meus, já anteriormente publicados.
Ganhões
“Os "ganhões" eram assalariados agrícolas indiferenciados, que se ocupavam de tarefas como lavras, cavas, desmoitas, eiras, etc., com excepção de mondas, ceifas e gadanhas, que eram efectuadas por pessoal contratado sazonalmente pelos lavradores.
O conjunto dos ganhões era designado por "ganharia" ou "malta" e tinha por dormitório a chamada "casa da ganharia" ou "casa da malta", casa ampla que podia acomodar vinte a trinta homens, em tarimbas improvisadas ao longo das paredes.
No monte, as refeições da ganharia tinham lugar na chamada “cozinha dos ganhões”. Aí se sentavam em burros[i] dispostos ao longo de uma mesa comprida e estreita. A cozinha dispunha igualmente de uma lareira espaçosa onde se podia cozinhar em panelas de ferro. A comida era bastante frugal: açorda acompanhada com azeitonas, olha[ii] com batatas e hortaliças, sopas de cebola acompanhadas com azeitonas, olha de legumes com toucinho e morcela ou badana, gaspacho acompanhado com azeitonas ou batatas cozidas temperadas com azeite e vinagre.” (1)
“A mesa da cozinha dos ganhões era posta pelo abegão[iii] e pelo sota, que se sentavam cada um à sua cabeceira da mesa. A entrada dos ganhões na cozinha só se verificava depois do abegão ter bradado para o exterior: “Ao almoço!”, ”À ceia!” ou “Ao jantar!”, conforme a refeição de que se tratava. A malta acudia logo à chamada, tirava o chapéu e sentava-se à mesa sempre no mesmo lugar. O que era para comer já tinha sido previamente vazado pelo abegão e pelo sota, em grandes alguidares, conhecidos por “barranhões”. Só faltava migar as sopas de pão, o que cada um fazia puxando da navalha que trazia consigo. Lá diz o adagiário: "Sopa de ganhão, cada três um pão."
Amolecidas as sopas, o abegão dava ordem de comer, soltando um “Com Jesus!”. De cada barranhão comiam quatro a seis ganhões, cada um dos quais metia sempre a colher no mesmo local do barranhão, já que "Não há guerra de mais aparato que muitas mãos no mesmo prato."
O abegão e o sota comiam cada um deles em sua tigela, mais pequena que o barranhão e que era unicamente para cada um deles.” (2)
“No início do século passado, ainda persistia o costume de no final da refeição, o abegão juntar as mãos e dizer “Demos graças a Deus.” A malta punha então as mãos e pelo menos aparentemente, todos rezavam e só deixavam de o fazer, quando o abegão se benzia, dizendo: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”. Nessa altura benziam-se e só depois se retiravam.” (2)
A figura
Estamos em presença de uma figura composta que representa a refeição de três assalariados rurais (ganhões) sentados em torno de uma mesa assente numa base rectangular simulando o chão, cujo topo é cinzento cor de laje e a orla cor de zarcão.
Os ganhões têm como traços comuns estarem sentados em “burros”, usarem na cabeça um chapéu aguadeiro[iv] negro e calçarem botas com diferentes tons de castanho.
O da esquerda com cabelo e suíças grisalhas configura ser idoso, o do centro com cabelo e bigode negros aparenta meia idade, enquanto o da direita com cabelo castanho parece ser um jovem imberbe.
Trajam de maneiras distintas: O da direita veste calças azuis, enverga uma camisa azul claro com botões da mesma cor e por cima dela um pelico castanho em pele de ovelha, debruado com couro castanho claro e com uma abotoadura provida de alamares em couro, algo mais escuro que o debrum. O do centro veste calças cinzentas cingidas à cintura com um cinto negro, camisa branca com botões da mesma cor e colete negro com abotoadura frontal de igual cor, apresentando costas em cinzento, de largura regulável por meio de um cinto e de uma fivela dessa mesma cor. O da direita traja calça castanha com cinto de tonalidade mais escura e camisa verde claro com botões de igual cor.
Todos têm à sua frente uma malga em barro vermelho vidrado, com açorda e ovo escalfado. O da frente parece levar uma colher de madeira à boca e tem do seu lado direito um copo de barro vidrado, supostamente contendo vinho. O da direita pega com a mão esquerda num copo como o anterior e tem uma colher de madeira assente na mesa junto à mão direita. O da direita pega numa colher de madeira com a mão esquerda e tem a mão direita próxima de um copo igual aos demais.
Sobre a mesa e à frente, da esquerda para a direita veem-se sucessivamente um chouriço cortado, uma navalha aberta e um pão igualmente cortado.
Análise contextual da figura
A criação da figura “cozinha dos ganhões” remonta segundo creio a José Moreira (1926-1991) e posteriormente a figura tem conhecido várias recriações por parte doutros barristas, todas elas ingénuas. Analisemos sob o ponto de vista da ingenuidade, a recriação de Carlos Alves:
- O chapéu aguadeiro de uso corrente pelos assalariados rurais alentejanos nos finais do séc. XIX e primórdios do século XX, é encarado em termos de traje como uma marca identitária alentejana. Todavia, os ganhões tal como vimos atrás, por uma questão de respeito e por prática religiosa, tiravam o chapéu da cabeça antes de se sentarem à mesa para comerem;
- A figura representa três ganhões e na prática estes eram em número superior, sentados de um lado e outro duma mesa comprida e estreita;
- Os ganhões não comiam de uma malga de uso individual, mas comiam vários de um barranhão de uso colectivo;
- Não era fornecido vinho às refeições, as quais eram modestas não incluindo chouriço ou queijo e mesmo ovo escalfado na açorda. De tal maneira que em certa ocasião, o ganhão e poeta popular Jaime da Manta Branca (1894-1955) foi levado a desabafar perante um lauto almoço do patrão com amigos: “Não vejo senão canalha / De banquete p'ra banquete / Quem produz e quem trabalha / Come açordas sem azête.”. Consta-se que a proeza lhe saiu cara e foi preso pela GNR. Estava-se em pleno Estado Novo.
O trabalho do barrista
A modelação e a decoração das figuras por parte deste barrista têm evoluído no sentido de uma maior minúcia, o que inclui também a representação de texturas. Deste modo, na decoração do presente conjunto e para além do sóbrio e harmonioso cromatismo naturalista dominante, foram representadas texturas[v] de alguns componentes: lã do pelico, cabelo e apêndices capilares, miolo do pão, veios da madeira e cortiça dos bancos. O artífice está a percorrer o seu próprio caminho e consolida o seu próprio estilo, o qual já é revelador de forte carácter artístico como barrista.
Na sequência da divulgação da presente figura por Carlos Alves no Facebook, comentou o consagrado barrista Jorge da Conceição: ”Continua a desenvolver o teu estilo e a dar consistência aos teus traços identitários que estás no bom caminho.”. É um comentário que provindo de quem vem, me apraz aqui registar.

BIBLIOGRAFIA
1 - MATOS, Hernâni. A novela Belmonte e a Poesia Popular de Estremoz. [Em linha]. [Editado em 27 de Novembro de 2013]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2013/11/a-novela-belmonte-e-poesia-popular-de.html [Consultado em 16 de Maio de 2021].
2 - MATOS, Hernâni. Cozinha dos ganhões. [Em linha]. [Editado em 26 de Abril de 2011]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2011/04/cozinha-dos-ganhoes.html [Consultado em 16 de Maio de 2021]. 

Publicado inicialmente a 19 de Maio de 2021
                                                                                                                                                                    


[i] Bancos rústicos confeccionados com pernadas de sobreiro.
[ii] Comida em cuja confecção podem entrar legumes frescos, legumes secos, batata, enchidos, carne.
[iii] A ganharia tinha como mandante o “abegão“, que só recebia ordens do grande lavrador, que o tinha como seu representante em todas as tarefas agrícolas. Era ele que dava as ordens para começar a trabalhar, comer ou parar e que tratava da acomodação e pagamentos da ganharia. O abegão trabalhava e comia juntamente com os ganhões, mas dormia em casa própria com o “sota“, que era coadjutor e substituto do abegão em tudo que podia e sabia.
[iv] O chapéu aguadeiro, típico no Alentejo de antanho, é um chapéu com copa semi-esférica e aba circular, larga e revirada integralmente para cima. A designação resulta de no caso de chover muito, reter a água da chuva, pelo que exigia ser revirado para baixo.
[v] Na barrística de Estremoz, a textura representada há mais tempo é a da pele de ovelha. No decurso do tempo outras se lhe foram adicionando numa perspectiva de fidelidade da representação naturalista. A título meramente exemplificativo, o barrista Jorge da Conceição já representou nas suas criações, texturas de materiais como: lã, cabelo, fio, pão, vime e cortiça.