segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Poesia Portuguesa - 072


Fernando Pessoa, Bernardo Soares, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Cartoon de Rui Pimentel,
impresso na folha relativa a este mês de Maio,  num calendário editado pelo CNBDI - Centro
Nacional de Banda Desenhada e Imagem (Amadora).


Não sei quantas almas tenho
Fernando Pessoa (1888-1935)

Não sei quantas almas tenho.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa (1888-1935)


Publicado inicialmente em 7 de Dezembro de 2015

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