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quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Bonecos de Estremoz em Exposição na Assembleia da República


Mestre Jorge da Conceição tendo à sua direita, sucessivamente, o Presidente da
 Assembleia da República, Augusto Santos Silva e os Presidente e Vice-Presidente
 da Câmara Municipal de Estremoz, José Daniel Sádio e Sónia Caldeira.


Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 11 de Outubro de 2023.
Fotografias do Município de Estremoz


Foi inaugurada hoje, dia 11 de outubro, no Palácio de São Bento, uma exposição de Produtos Tradicionais Certificados, da qual fazem parte os Bonecos de Estremoz, o único produto certificado do Alentejo.

A iniciativa é promovida pelo Deputado Carlos Brás e pela A. Certifica (organismo de certificação de produções artesanais tradicionais) e estará patente até dia 13 de outubro.

Estremoz e os Bonecos de Estremoz são uma referência na Assembleia da República!

O Município de Estremoz agradece ao Mestre Jorge da Conceição a sua presença ao longo dos três dias de Exposição, enquanto representante desta arte!

Hernâni Matos


Mestre Jorge da Conceição tendo à sua esquerda, o Presidente da Câmara Municipal de
Estremoz, José Daniel Sádio e à sua direita, sucessivamente, a Vice-Presidente da Câmara
Municipal de Estremoz, Sónia Caldeira e os deputados pelo Círculo Eleitoral de Évora, Norberto
Patinho e Capoulas Santos.

Um aspecto parcial da exposição. 

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães

 

Vera Magalhães no seu espaço de trabalho.


"TRADIÇÃO E CULTURA“ é o título da exposição de Bonecos de Estremoz da barrista Vera Magalhães, inaugurada no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no passado sábado, dia 9 de Setembro, pelas 11 horas e que ali ficará patente ao público até ao próximo dia 26 de Novembro.
A exposição visa dar-nos uma ideia da actividade da artesã ao longo do seu percurso entre 2020 e 2023, para o que recorre a cerca de 40 figuras, repartidas por distintas tipologias
; - IMAGENS DEVOCIONAIS: Andor do Senhor dos Passos, Fuga para o Egipto, Nossa Senhora da Conceição, Rainha Santa Isabel; - PRESÉPIOS: Presépio de 9 figuras; - FIGURAS DA FAINA AGRO-PASTORIL NAS HERDADES ALENTEJANAS: Ceifeira, Mulher a dobar, Mulher das galinhas, Mulher dos enchidos, Mulher dos perus, Pastor das migas, Pastor de tarro e manta, Pastor debaixo da árvore, Queijeira; - FIGURAS QUE TÊM A VER COM A REALIDADE LOCAL: Aguadeiro, Homem do harmónio, Lanceiro com bandeira, Leiteiro, Mulher a vender chouriços, Mulher das castanhas; - FIGURAS INTIMISTAS QUE TÊM A VER COM O QUOTIDIANO DOMÉSTICO: Mulher a lavar a roupa, Senhora a servir o chá, Senhora à varanda, Senhora ao toucador; - FIGURAS DE NEGROS: Reis negros (3); - FIGURAS ALEGÓRICAS: Amor é cego, Primavera (3); - ASSOBIOS: Galinha no cesto com flores, Galo na cadeira, Galo no pinheiro, Galo no poleiro (2); - GANCHOS DE MEIA: Bispo, Palhaço, Sacristão; - OLARIA ENFEITADA: Cantarinha enfeitada (2), Castiçal (2), Pucarinho enfeitado (1);

“TRADIÇÃO” E CULTURA” é a primeira exposição individual de Vera Magalhães, que com ela se sente realizada pessoalmente, uma vez que o convite para expor é um corolário natural da sua certificação como barrista produtora de Bonecos de Estremoz, reconhecimento que lhe foi conferido pela Adere-Certifica em 2023. Anteriormente à presente exposição, a artesã já participara em exposições colectivas temáticas, promovidas pelo Museu Municipal de Estremoz e pelo Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz.


Publicado inicialmente a 27 de Setembro de 2023
Fotografias de Vera Magalhães


Presépio de 9 figuras.

Fuga para o Egipto. 

Senhor dos Passos.

Rainha Santa Isabel.

Ceifeira.

Pastor de tarro e manta.

Pastor das migas.

Pastor debaixo da árvore.

Mulher das galinhas.

Mulher dos perus.

Queijeira.

Mulher a dobar.

Aguadeiro.

Leiteiro.

Mulher das castanhas.

Mulher a vender chouriços.

Homem do harmónio.

Mulher a lavar a roupa.

Senhora a servir o chá.

Senhora no toucador.

Senhora à varanda.

Reis negros.

Amor é cego.

Primavera.

Primavera.

Primavera.

Assobios.

Cantarinha.

Pucarinho

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

TRADIÇÃO E CULTURA - Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães

 

Isabel Borda d'Água, directora do Museu Municipal de Estremoz, faz a apresentação
 da barrista Vera Magalhães (ao centro). À direita, a Vice-presidente da Câmara Municipal
de Estremoz, Sónia Caldeira. 

APRECIE AQUI EM PORMENOR

Este o título da exposição de Bonecos de Estremoz da barrista Vera Magalhães, inaugurada no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no passado sábado, dia 9 de Setembro, pelas 11 horas e que ali ficará patente ao público até ao próximo dia 26 de Novembro.


Acto inaugural
Ao acto inaugural compareceram cerca de 3 dezenas de pessoas, entre elas entidades oficiais, familiares, amigos e admiradores, que ali foram testemunhar a admiração que têm pela barrista e pelo seu labor.
A cerimónia foi iniciada por Isabel Borda d’Água, directora do Museu Municipal de Estremoz, a qual historiou o processo formativo da artesã e teceu os melhores encómios sobre o seu trabalho. Seguidamente, a Vice-presidente da Câmara, Sónia Caldeira, afirmou que entre os objectivos do Município se insere a divulgação dos trabalhos dos barristas certificados na sequência da frequência do Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, ocorrido em 2019. Seguidamente, louvou o trabalho da artífice, a quem felicitou pela presente exposição. Finalmente, usou da palavra a expositora Vera Magalhães, a qual começou por justificar a designação ”Tradição e Cultura”, atribuída à exposição, já que a mesma é de Bonecos de Estremoz, cuja produção faz parte integrante da identidade cultural e das tradições de Estremoz, as quais queremos salvaguardar. Agradeceu seguidamente a presença de todos os que ali foram testemunhar apreço pelo seu trabalho, bem como ao Município de Estremoz, ao CEARTE e à Adere-certifica, que asseguraram o enquadramento institucional do Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz que frequentou em 2019.

Infância e Juventude
A barrista, de seu nome completo, Vera Maria de Sousa Lara Cruz Gomes Ramos de Magalhães, nasceu e foi baptizada em 1966 na Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa. Tem 4 irmãos (Ana Madalena, Filipa, Mafalda e Luís).
Logo na infância manifestou grande interesse pelo desenho e pela pintura. Houve mesmo uma época em que pintava móveis de madeira para quartos de crianças.
Iniciou os estudos numa prestigiada escola internacional britânica privada, a St Julian's School, em Carcavelos, seguindo-se o Liceu de São João do Estoril. Posteriormente ingressou no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, onde tirou uma Licenciatura em Comunicação Social e Marketing. Enquanto estudava e durante um ano fez um Curso de Desenho na Sociedade Nacional das Belas Artes, em Lisboa. Mais tarde, efectuou uma Pós-Graduação em Gestão Agro-Industrial.
Na juventude, a ocupação de tempos livres era preenchida com prática desportiva, leituras e convívio com os amigos.

Vida familiar
Conheceu o marido, Bernardo Magalhães, agrónomo, quando tinha 16 anos, pois tinham o mesmo grupo de amigos. Casaram no Estoril em 1993, tinha ela 27 anos e ele 26. É mãe de 3 filhos: Sebastião, de 26 anos, Engenheiro Mecânico; Bernardo, de 22 anos, que acabou recentemente o Curso de Gestão Desportiva e está a trabalhar em Inglaterra; José, de 22 anos, estudante de Engenharia Naval.

Entrada na vida activa
Começou a trabalhar logo que acabou o Curso, tendo sucessivas ocupações. Viveu em Sevilha e trabalhou no Pavilhão de Portugal na Expo 92, em Sevilha. Trabalhou depois no Ministério da Cultura, no Ministério da Administração Interna, numa Agência de Publicidade em Évora, numa adega em Estremoz e há 14 anos que trabalha na adega J. Portugal Ramos Vinhos.

Formação como barrista
O seu interesse pelos Bonecos de Estremoz manifestou-se há 30 anos, quando foi viver para Veiros, onde reside na herdade da Torrinha.
Na casa dos seus sogros teve o primeiro contacto com os Bonecos de Estremoz, que desde logo a apaixonaram, levando-a a acalentar a esperança de um dia também os saber produzir.
Vera Magalhães já tivera uma primeira experiência com barro na St Julian's School, em Carcavelos, a que se seguiu em 2019, uma pequena formação nas Oficinas do Convento, em Montemor-o-Novo.
Em 2019 frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que teve lugar no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Mestre Jorge da Conceição.
Vera Magalhães considera um privilégio ter tido Jorge da Conceição como formador, não só por ser um excelente profissional, mas também pelas qualidades humanas como pessoa.
Concluído o Curso, sentiu-se motivada a dar continuidade à produção de Bonecos de Estremoz, pelo que na sua casa, criou um espaço de oficina, onde tem parte da colecção de Bonecos de Estremoz dos seus sogros, os quais estiveram na origem da sua paixão por esta arte popular e que constituem uma das suas fontes de inspiração. É aí que modela, coze e pinta a suas criações, o que faz à noite e nos fins de semana, pois há que conciliar a actividade como barrista com a actividade profissional que lhe é anterior.
Em 2022 recebeu Carta de Artesão e de Unidade Produtiva Artesanal na área da Cerâmica Figurativa, emitida pelo CEARTE. Também em 2023 foi reconhecida como artesã produtora de Bonecos de Estremoz. O reconhecimento consta de um certificado atribuído pela Adere-Certifica, organismo nacional de acreditação a quem compete a certificação de produções artesanais tradicionais, com garantia da qualidade e autenticidade da produção.
O ano de 2023 é um ano marcante na vida de Vera Magalhães, pois passa a produzir e a comercializar Bonecos de Estremoz, como artesã certificada. A barrista encara a sua certificação pela Adere-Certifica como uma benesse, fruto do seu empenho e trabalho, que desta forma foi reconhecido e ficou valorizado.
Vera Magalhães frequentou também o Curso de Olaria que por módulos teve lugar a partir de 2021, no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz. Considera um privilégio ter tido Mestre Xico Tarefa como formador, visto ser um Mestre oleiro prestigiado, com longa experiência e sempre pronto a ajudar os formandos.
A sua inscrição no Curso de Olaria foi fruto da convicção dele constituir um complemento ao Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que frequentou em 2019. De resto, a essa inscrição não foi estranha a vontade de contribuir para a revitalização da olaria, extinta em Estremoz.
A frequência deste Curso teve naturalmente os seus frutos e é Vera Magalhães que na roda de oleiro, modela as cantarinhas, pucarinhos e castiçais que posteriormente irá enfeitar.

Sinopse da exposição
A exposição visa dar-nos uma ideia da actividade da barrista ao longo do seu percurso entre 2020 e 2023, para o que recorre a cerca de 40 figuras, repartidas por distintas tipologias; - IMAGENS DEVOCIONAIS: Andor do Senhor dos Passos, Fuga para o Egipto, Nossa Senhora da Conceição, Rainha Santa Isabel; - PRESÉPIOS: Presépio de 9 figuras; - FIGURAS DA FAINA AGRO-PASTORIL NAS HERDADES ALENTEJANAS: Ceifeira, Mulher a dobar, Mulher das galinhas, Mulher dos enchidos, Mulher dos perus, Pastor das migas, Pastor de tarro e manta, Pastor debaixo da árvore, Queijeira; - FIGURAS QUE TÊM A VER COM A REALIDADE LOCAL: Aguadeiro, Homem do harmónio, Lanceiro com bandeira, Leiteiro, Mulher a vender chouriços, Mulher das castanhas; - FIGURAS INTIMISTAS QUE TÊM A VER COM O QUOTIDIANO DOMÉSTICO: Mulher a lavar a roupa, Senhora a servir o chá, Senhora à varanda, Senhora ao toucador; - FIGURAS DE NEGROS: Reis negros (3); - FIGURAS ALEGÓRICAS: Amor é cego, Primavera (3); - ASSOBIOS: Galinha no cesto com flores, Galo na cadeira, Galo no pinheiro, Galo no poleiro (2); - GANCHOS DE MEIA: Bispo, Palhaço, Sacristão; - OLARIA ENFEITADA: Cantarinha enfeitada (2), Castiçal (2), Pucarinho enfeitado (1);
O conjunto dos trabalhos agora apresentados por Vera Magalhães incorpora exclusivamente o núcleo central dos Bonecos de Estremoz, habitualmente designado por “Bonecos da Tradição”. As figuras expostas inspiram-se em exemplares existentes na casa dos sogros, bem como em exemplares dos acervos do Museu Municipal e do Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz.
“TRADIÇÃO E CULTURA” (2023) é a primeira exposição individual de Vera Magalhães, que com ela se sente realizada pessoalmente, uma vez que o convite para expor é um corolário natural da sua certificação como barrista produtora de Bonecos de Estremoz, reconhecimento que lhe foi conferido pela Adere-Certifica em 2023. Anteriormente à presente exposição, a artesã já participara em exposições colectivas temáticas, promovidas pelo Museu Municipal de Estremoz e pelo Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz.

Características do trabalho da barrista
Desde o início da sua formação como barrista que Vera Magalhães tem revelado um estrito respeito pela técnica de produção e pela estética do Boneco de Estremoz. A comparação de figuras produzidas em momentos diferentes, revela que a artesã tem procurado o seu próprio caminho. Tal é notório na representação do olhar e na decoração dos assobios. Os Bonecos de Vera Magalhães apresentam marcas identitárias muito próprias que os distingue dos demais, o que é revelador de que é dotada de forte personalidade artística e de um estilo muito próprio, factos que me apraz registar e enaltecer. Daí que a felicite por toda a sua motivação e dedicação à produção de Bonecos de Estremoz, indissociavelmente ligada à identidade cultural local e classificada em 2017 pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Texto publicado no jornal E nº 318, de 28-09-2023)
Publicado inicialmente a 27 de Setembro de 2023
Fotografias de Luís Mendeiros - CME


Vera Magalhães, fazendo uma visita guiada à exposição.

Vera Magalhães falando com a Vice-presidente da Câmara, Sónia Caldeira.

Vera Magalhães com o Mestre Jorge da Conceição.

Vera Magalhães com o marido e filhos.

sábado, 19 de agosto de 2023

E vão 77. Hoje é dia de capicua

 

Hernâni Matos (1946 -  ). Desenho a carvão de Filipa da Silveira.

Setenta e sete é a partir de agora, o resultado da leitura do mais recente cardinal quantificador da minha idade.

A contagem decrescente
O aniversariante conhece o tempo de vida, mas desconhece completamente o tempo que lhe resta de vida. A morte é o resultado do aumento irreversível da entropia do corpo humano e o tempo de vida vai-se esgotando com a idade. Todavia é uma perda que não decorre a um ritmo uniforme, já que depende da falência de milhões de sistemas frágeis que ligados entre si constituem o corpo humano.
A minha contagem decrescente de tempo de vida sofreu recentemente uma imprevisível aceleração, fruto do aumento imprevisto da entropia corporal. Aparentemente parece estar tudo controlado. Todavia, certezas ninguém as tem.

As marcas
Foi há setenta e sete anos que rasguei o ventre a minha mãe e desde então iniciei a minha própria caminhada. Esta tem deixado marcas indeléveis, sobretudo na comunidade onde me insiro, Estremoz, mas que a transcendem.
Umas são marcas materiais e delas ressaltam os objectos etnográficos que me fascinaram como guardador de memórias. São, sobretudo, os Bonecos e a louça de barro vermelho de Estremoz, mas também os artefactos de arte pastoril e a louça de barro vidrado de Redondo. Mas são igualmente os meus escritos, palestras e exposições organizadas.
Outras marcas são de natureza imaterial e resultam da minha postura e intervenção na sociedade, onde sempre procurei agir por imperativo de consciência cívica e com espírito de missão laica, em defesa de valores universais, democráticos e plurais.
Todas as marcas no seu conjunto constituem um legado que creio possa permanecer perene após o meu passamento. O futuro o confirmará ou não.

domingo, 23 de julho de 2023

Costurar é preciso!

 

Mulher a cozer à máquina. José Carlos Rodrigues (1970- ). 
Bonequeiro de Estremoz certificado pela Adere-Certifica.

A máquina de costura é um objecto primordial que povoa o universo de memórias da minha infância.
Nasci no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, no dia 19 de Agosto de 1946. Ali se situava a primeira oficina de alfaiate do meu pai. Daí que algumas das memórias de infância sejam de natureza acústica e tenham a ver com o regime de funcionamento da máquina, entre um arranca e um pára, ao sabor do tamanho da costura. Familiarizei-me, de resto, com diferenças de sonoridade associadas a costuras lineares, em ziguezague e pespontadas. Todavia, também há outras que fui registando desde muito cedo, até porque menos agradáveis. Entre elas, o partir da linha, o enfiar da agulha, a mudança de bobine e até mesmo o partir da agulha. Tudo contratempos que perturbavam o ritmo do ganha pão diário lá de casa.
Lá fui crescendo no meio de costureiras que tratavam o meu pai respeitosamente por Mestre e aí pelos 15 anos fui recrutado como aprendiz no decurso das férias escolares. Com uma cajadada, o meu pai matou dois coelhos: para o que desse e viesse, pôs-me a aprender os rudimentos do ofício, ao mesmo que me subtraía à rua, onde entre a rapaziada já havia quem gostasse de “Rock'n and Roll” e sem ele o saber, eu era um deles.
Parece que tinha o destino marcado e lá comecei a desempenhar as tarefas mais simples destinadas a um aprendiz, o que incluía não só cozer à mão, como também à máquina. E era aqui que eu renascia sempre que ao cozer entretelas, descarregava as tensões acumuladas ao ritmo do pedal da máquina. Era um indício bastante forte de que a minha vida não iria ser aquela.
Por isso, quando o meu pai equacionou o meu ingresso no Ensino Secundário, eu acarinhei a ideia com o compromisso solene de me empenhar mais que até aí, acordo que sempre cumpri.
A partir daí passei a encarar a máquina de costura com outros olhos.
Como estudante de Física vim a perceber que o movimento de vaivém do pedal da máquina, é transformado pelo sistema biela-manivela, em movimento de rotação da roda grande inferior, o qual através duma correia se transmite à roda pequena superior, que assim atinge uma velocidade muito superior, indispensável ao funcionamento eficaz da máquina de costura. Percebi também que é graças à inércia de rotação, que a máquina continua a trabalhar, mesmo após termos deixado de dar ao pedal.
Como membro responsável desta aldeia global que é o mundo, reconheço o contributo da máquina de costura caseira para a sustentabilidade do planeta. Com ela se podem reparar rasgões ou tapar buracos, reconverter modelos ou ajustá-los ao tamanho dum novo utilizador. Tudo isto numa prática de economia circular, a qual combate o desperdício da Sociedade do Descartável, que inescapavelmente conduz ao ecocídio.
Não é de estranhar que a máquina de costura ocupe um lugar privilegiado cá em casa, não como mero adorno decorativo, mas como instrumento de economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta. Trata-se de uma máquina SINGER centenária, que me foi oferecida pela minha mãe há cerca de 50 anos, após a sua aquisição aos herdeiros de uma velha senhora, acompanhada do catálogo do modelo e do respectivo recibo de compra.
Como coleccionador, investigador e publicista de Bonecos de Estremoz, não podia deixar de me encantar com uma criação do barrista José Carlos Rodrigues, representando a “Mulher a cozer à máquina”, em contexto de inícios do séc. XX com matriz alentejana (chão de tijoleira e cadeira pintada com flores).
Felicito vivamente o bonequeiro por este seu trabalho, não só pelo trabalho em si, mas porque nele estão interligados dois conceitos que me são gratos: a economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta e o Património Cultural Imaterial da Humanidade cuja salvaguarda é imperativa.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Mestres Bonequeiros de Estremoz

 
Mariano da Conceição (1903-1959). Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988).
Arquivo fotográfico do autor.

Prólogo
A língua portuguesa é rica em múltiplos aspectos. Um deles resulta do facto de um mesmo termo ser susceptível de várias interpretações. É o que se passa com o termo “Mestre”, substantivo masculino, cuja etimologia provém do latim “magistru”, “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”.
O termo “Mestre” no verdadeiro sentido do termo, é usado no contexto de múltiplas actividades profissionais, designando alguém que tem aprendizes numa oficina. Por outro lado, a nível das artes, pelo menos desde a Idade Média que a designação atribuída a Mestres que pela excelência do seu trabalho se destacam dos outros Mestres, é a de Grandes Mestres. Todavia, o termo “Mestre” tem sido banalizado e é usado paralelamente e muitas vezes com carácter subjectivo, para designar quem domina muito bem uma actividade profissional, ainda que não tenha aprendizes.
A utilização do termo “Mestre” é comum a múltiplas actividades, entre elas a de barristas ou bonequeiro(a)s. Daí que me proponha suscitar uma reflexão em torno da correcta utilização do mesmo, retrocedendo no tempo em termos de dados históricos relativos a Bonecos de Estremoz.

Mestres bonequeiros no século XIX
Entre as referências mais antigas a figuras em barro de Estremoz, destacam-se as das actas de sessões da Câmara Municipal de Estremoz, de 31 de Outubro e de 10 de Dezembro de 1770, que referem a existência de mulheres chamadas “boniqueiras”, que fazem figuras e “brincos”. Fica-se a saber que nessa época a produção de figuras em barro era efectuada exclusivamente por mulheres, situação que se altera em data que não é possível apurar. Na verdade, o Mapa das Fábricas existentes no Distrito de Évora em 1837 (Fundo do Governo Civil de Évora - Arquivo Distrital de Évora), mostra que em 1 de Janeiro de 1837, no concelho de Estremoz e na freguesia de Santo André, existem 26 oficinas de figuras, com 26 proprietários, 26 mestres e 36 operários (7 homens, 18 mulheres e 11 rapazes). Naquela data, a produção de figuras em barro encontrava-se já em decadência, deixara de ser efectuada exclusivamente por mulheres e cada oficina era dirigida por um mestre que era também o proprietário.

Mariano Augusto da Conceição (1903-1959)
O escultor José Maria Sá Lemos (1892-1971), director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves conseguiu, entre 1933 e 1935, a recuperação da tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, considerada extinta com a morte de Gertrudes Rosa Marques (1840-1921). O instrumento primordial dessa recuperação foi a velha bonequeira Ana das Peles (1859-1945) e Mariano Augusto da Conceição (1903-1959), oleiro, foi o instrumento de continuidade dessa recuperação.
Mariano Augusto da Conceição era neto de Caetano Augusto da Conceição, fundador da Olaria Alfacinha e filho primogénito de Narciso Augusto da Conceição, que orientou aquela oficina até 1933. Ingressou como Mestre provisório da Oficina de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, em 3 de Dezembro de 1930, passando à situação de Mestre contratado em 29 de Abril de 1931 e de Mestre efectivo em 19 de Março de 1936, cargo que desempenhou ininterruptamente até à sua morte prematura em 30 de Setembro de 1959. Na escola e em contexto de ensino-aprendizagem foi para além de Mestre oleiro, Mestre bonequeiro que ensinou gerações de alunos a produzir Bonecos de Estremoz. Destaco desses alunos, o pintor Armando Alves (1935 - ) e as barristas Aclénia Pereira (1927-2012) e Maria Luísa da Conceição (1934-2015), sua filha. De salientar que os Bonecos produzidos na escola eram comercializados pela própria escola, funcionando assim como receita da mesma e os alunos recebiam por isso um salário.

Sabina da Conceição Santos (1921-2005)
Em 1960, depois da morte do seu irmão Mariano da Conceição, Sabina da Conceição Santos tomou a atitude corajosa de prosseguir com estilo muito próprio, a manufactura de Bonecos de Estremoz, impedindo assim que a arte se perdesse. Sabina nunca tinha confeccionado Bonecos, apenas vira o irmão fazê-los. Formou-se a ela própria, usando como modelos os Bonecos do seu irmão. Dentre as discípulas que até à aposentação em 1988, passaram pela sua oficina e das quais foi Mestra, ressaltam aquelas que se estabeleceram por conta própria: Fátima Estróia (1948- ), Isabel Carona Bento (1949-2006) e Irmãs Flores [Maria Inácia (1957- ) e Perpétua (1958- )]. Estas últimas completaram recentemente 50 anos de carreira, o que levou o Município a distingui-las com um louvor, para “expressar-lhes reconhecimento e gratidão pelos seus 50 anos de dedicação efetiva ao Boneco de Estremoz, pelo apuro técnico e estético do seu trabalho e pela disponibilidade que sempre demonstraram na salvaguarda e valorização desta arte multisecular.”

Sabina da Conceição Santos (1921-2005) nos anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita
 as discípulas Maria Inácia Fonseca (1957- ) e Perpétua Sousa (1958- ). Fotografia
de Xenia V. Bahder. Arquivo fotográfico do autor.

Jorge da Conceição (1963 - )
Entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que decorreu no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição, que contou com o apoio inestimável de Isabel Água e de Luís Parente. Foi frequentado por 16 formandos e ali se formou um grupo de barristas, dos quais 6 se encontram presentemente a produzir. São eles: Ana Catarina Grilo, Inocência Lopes, José Carlos Rodrigues, Madalena Bilro, Manuel J. Broa e Vera Magalhães. Desses 6 e até à presente data, 4 foram certificados pela Adere - CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.
Todos eles o reconhecem como uma referência de topo da nossa barrística e praticamente todos o tratam carinhosamente por Mestre, já que foi com ele que aprenderam.
As criações de Jorge da Conceição ostentam marcas identitárias singulares e por isso notáveis. Em primeiro lugar, o rigor e a perfeição na modelação, com integral respeito pelas proporções, pela morfologia, pelas texturas, bem como a representação do movimento. Em segundo lugar, um cromatismo harmonioso que resulta de uma sábia combinação de cores. Em qualquer dos casos, no mais rigoroso respeito pelo modo de produção e pela estética do Boneco de Estremoz. Tudo isso contribui para que os trabalhos de Jorge da Conceição sejam reveladores da sua incomensurável mestria. Trata-se de facetas do seu trabalho, que ultrapassam o âmbito restrito dos seus formandos e catapultam o barrista a uma nova dimensão de Mestre. Daí dever ser considerado um Grande Mestre, dada a dualidade da sua mestria. Mestre enquanto formador de barristas e Mestre pelo esmero, rigor, beleza e excelência na plenitude do seu trabalho, que fazem guindar a sua obra do patamar da arte popular para o degrau da arte erudita.

Jorge da Conceição (1963 - ), rodeado de discípulos numa sessão do Curso de Formação
sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, ocorrido em 2019. Fotografia de
Luís Parente, recolhida no Facebook.

Epílogo
Já vimos que no verdadeiro sentido do termo, Mestre é “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”. No conjunto de todos os barristas dos séculos XX-XXI houve apenas três que em contexto oficinal e não familiar, ensinaram discípulos, pelo que podem ser considerados Mestres Bonequeiros de Estremoz. Foram eles: Mariano da Conceição (em contexto oficinal escolar), Sabina da Conceição Santos (em contexto oficinal privado) e Jorge da Conceição (em contexto oficinal formativo).

Publicado no jornal E, nº 317, de 21 de Julho de 2023

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Aníbal e a preservação da (tua) memória



Reportagem de NOEL MOREIRA, 
publicada no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023,
de onde foi transcrita com a devida vénia

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No passado Domingo, 02 de Julho de 2023, decorreu no Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz a Sessão Evocativa a Aníbal Falcato Alves, promovida e dinamizada pela Comissão Concelhia de Estremoz do Partido Comunista Português. O anfiteatro foi pequeno para todos os que quiseram partilhar as suas histórias e vivências com o Aníbal, para os que simplesmente quiseram saber mais sobre este estremocense ou simplesmente prestar-lhe uma homenagem.
A sessão abriu com um momento cultural intitulado “Palavras de Abril”, a cargo do Grupo Cénico da Sociedade Operária de Instrução e Recreio “Joaquim António de Aguiar”, seguindo-se as intervenções dos convidados: José Emídio Guerreiro (sociólogo e ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz) e de Abílio Fernandes (economista, militante do PCP, antigo deputado da Assembleia da República e ex-Presidente da Câmara Municipal de Évora), com quem o Aníbal partilhou momentos e histórias. Passou-se posteriormente a palavra aos que assistiram à sessão: todos os presentes poderiam intervir, partilhando as suas experiências, histórias ou aprendizagens com Aníbal Falcato Alves, através de curtas intervenções.
Como fiz questão de afirmar publicamente na sessão evocativa, nunca tive o privilégio de me cruzar com o Aníbal, visto que aquando da minha chegada a Estremoz, em 2009, o Aníbal já tinha falecido há mais de uma década. Apesar de quase três décadas decorridas, escutei nesta sessão histórias sobre ele, daquilo que tinha sido a sua intervenção social e política (até estudos sobre o eucaliptal e gestão de água na Serra d’Ossa realizou), do seu trabalho na preservação da memória do povo alentejano, da sua obra e da sua luta contra o regime fascista e a sua importância no pós-25 de Abril na região. Aquando da decisão da Comissão Concelhia em promover esta sessão evocativa, comecei a conhecer mais sobre a vida e obra deste ilustre estremocense, a sua história (e as suas histórias), as suas lutas, a sua intervenção e no fim de tudo isto fiquei a admirar profundamente o Aníbal Falcato Alves.


E quem foi o Aníbal? Qualquer coisa que possa escrever sobre ele nas páginas deste jornal soar-me-á sempre a pouco, face a tudo o que fui conhecendo, lendo e escutando, mas também face à emoção que cada um colocava na voz quando falava dele, face àquilo que ele fez por Estremoz e pelo Alentejo, pelo esforço para o acesso inclusivo à cultura, pela luta da liberdade enquanto muitos se refugiavam nas suas casas, no conforto podre do silêncio imposto pela ditadura fascista. Mas não posso deixar de tentar fazer aqui uma pequena resenha do que foi o Aníbal, socorrendo-me do conjunto de testemunhos daqueles que com ele conviveram de perto e daquilo que li… Arrisco fazê-lo, mesmo sobre pena de não conseguir atingir a sua dimensão enquanto homem, estremocense, alentejano, comunista, resistente antifascista, homem da cultura, mas não posso deixar de o fazer sobre pena de deixar passar em branco este momento, esta sessão solene.
Nascido em Estremoz, em 1921, Aníbal Falcato Alves foi mais do que um intelectual da cultura, mais do que professor, mais do que um resistente antifascista, mais do que um promotor do Alentejo, da sua cultura, gastronomia, património oral e das suas raízes, mais do que um amante de cinema, da literatura e da arte, mais do que um comunista. Aníbal Falcato Alves foi tudo isto numa única pessoa.
Bem cedo, com apenas 10 anos, Aníbal Falcato Alves começou a trabalhar como caixeiro, num pequeno estabelecimento da sua família. Começou por trabalhar sem qualquer salário e citando quem o conheceu, usando o seu humor refinado, dizia que “todos os anos o patrão lhe aumentava o salário para o dobro”. Acabou mais tarde por abrir o seu próprio negócio – uma Livraria e Papelaria na rua 5 de Outubro, onde não vendia apenas livros; o Aníbal permitia a consulta e leitura dos livros aos mais novos e aos que tinham menos posses, mas também clandestinamente transacionava livros proibidos pela censura fascista da ditadura de Salazar, semeando a inquietação, a resistência à ditadura, a liberdade, no fundo os ventos que mais tarde acabariam por dar origem à afirmação da Revolução dos Cravos. Citando Hernâni Matos, a Livraria do Aníbal era muito “mais que simples loja era um espaço de convívio e de resistência”.


Mas a sua apetência para as artes manuais acompanhava-o. Tirou o curso de canteiro artístico e durante vinte anos (1971 - 1991) foi professor de trabalhos manuais. Aqui influenciou várias gerações de estremocenses, desde os alunos aos colegas, desde os mais pequenos aos graúdos. E claro, Aníbal utilizou a sua apetência para as artes como ferramenta para primeiro combater o fascismo e depois semear os ventos de liberdade vindos com o 25 de Abril de 1974. O Aníbal foi artista plástico, ceramista, pintor, o que o levou a expor em mais de 30 exposições individuais e coletivas por todo o país. Mas o seu legado vai muito para além das obras da sua autoria. É talvez na recolha, preservação e salvaguarda dos hábitos, dos costumes, tradições e do património do Alentejo e das suas gentes, seja ele gastronómico, material (caso dos bonecos de Santo Aleixo ou do artesanato) ou imaterial, que a obra do Aníbal ganha destaque e se eterniza na espuma dos dias que hoje correm. Introduzo aqui a obra escrita do Aníbal, que se focou na preservação deste património oral e das tradições do Alentejo, tendo sido autor de duas obras principais: (1) “Comeres dos Ganhões” (nas suas múltiplas edições desde 1985), onde se inclui a recolha das receitas dos ganhões, hoje incluída na “gastronomia típica alentejana”, e um conjunto de relatos sobre a natureza e origem dessa gastronomia (não, não é um mero livro de receitas como alguns querem fazer crer); (2) “Rezas e Benzeduras” (publicado em 1998), uma coletânea de orações, ensalmos e benzeduras, muitas delas resultantes dos trabalhos de recolha com o etnólogo Michel Giacometti; no fundo a transcrição para papel da cultura popular alentejana. Em nenhuma das obras o Aníbal descurou do enquadramento sociopolítico dos quais resulta este património, atitude politicamente ativa que de alguma forma lhe corria no sangue.


É esta pro-atividade, obviamente acompanhada da sua visão plural e igualitária do mundo, com forte intervenção social, que o fez ser também um cidadão diferenciado, tendo sido um dos promotores do certame gastronómico anual “Cozinha dos Ganhões”, que hoje tanto orgulha Estremoz e os estremocenses, apesar de hoje já pouco restar da sua essência primordial – a vivência e memória gastronómica dos ganhões alentejanos. Foi também fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, tendo tido ainda um papel fundamental na constituição dos cineclubes de Elvas e Portalegre, e foi membro fundador do Círculo Cultural de Estremoz.
Falar de Aníbal Falcato Alves e não falar da sua intervenção política é quase que um desrespeito pela sua memória. Como já mencionado atrás, foi pela cultura que Aníbal combateu o fascismo, quer pela transação de livros considerados ilegais pelo regime fascista, quer pela sua obra, quer pela sua intervenção no Cine Clube de Estremoz. O Aníbal teve uma destacada participação na luta clandestina contra o regime, tendo-se tornado militante do Partido Comunista Português em pleno período da ditadura fascista. Para além disso integrou e participou ativamente nas campanhas do General Norton de Matos e Humberto Delgado, opositores ao regime fascista de Salazar. Apesar de tudo isto, a teia do fascismo, nomeadamente a polícia política do regime (PIDE), nunca o conseguiu demover nem prender, apesar das numerosas tentativas, denúncias e queixas apresentadas, como comprovam os documentos da PIDE presentes na Torre do Tombo. Depois do 25 de Abril teve também um papel destacado na organização dos trabalhadores rurais durante a reforma agrária, o que lhe permitiu também um profundo conhecimento do mundo rural, o que teve uma influência clara em toda a sua obra escrita. A transversalidade do Aníbal resulta de um profundo conhecimento do mundo real, das dificuldades sentidas e das vivências das gentes. Na sua vasta e ativa vida conviveu de perto com trabalhadores das pedreiras, agricultores ou artistas plásticos, analfabetos e professores, artistas de renome e ilustres desconhecidos…É portanto fácil aceitar a sua transversalidade perante as mais diversas camadas da sociedade civil quando também foi transversal na ação de consciencialização da população, lutando contra a alienação das massas, lutando pela liberdade, lutando por uma vida melhor e mais igualitária para todos.
Aníbal Falcato Alves faleceu em Junho de 1994, tendo deixado Estremoz e o Alentejo mais pobres.
A sessão evocativa decorrida no passado domingo mostrou de forma cabal a transversalidade e unanimidade da figura do Aníbal, com largas dezenas de pessoas de Estremoz, do Alentejo, do país a deslocar-se ao Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz para estarem presentes nesta sessão evocativa, apesar do calor tórrido que se fazia sentir nesse dia. Uma coisa é certa, a memória do Aníbal e do seu legado estão bem vivos na cabeça de todos aqueles que com ele conviveram, e a sua ação e obra vai muito para além daquilo que produziu fisicamente; ele mudou consciências, ele influenciou vivências, ele trabalhou para uma sociedade melhor e mais justa!
Pela preservação da memória do Aníbal e do seu legado é portanto fundamental que a ação não morra dentro das paredes da sala daquele auditório. Foi neste sentido que os eleitos da CDU apresentaram na sessão ordinária da Assembleia Municipal de Estremoz do passado dia 29 de Junho de 2023 a moção intitulada “Aníbal Falcato Alves: uma vida e obra dedicada à cultura Alentejana e à luta pela liberdade”, a qual foi aprovada por unanimidade dos presentes, e na qual se solicita ao Executivo Municipal que: (1) reedite e promova da obra “Os Comeres dos Ganhões: memória de outros sabores”; (2) promova uma exposição da obra plástica de Aníbal Falcato Alves, podendo a mesma ser incluída nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril no concelho.
Também da sessão evocativa saiu a proposta da edição de uma obra onde se compile as mais diversas memórias e relatos das pessoas que conviveram de perto com o Aníbal Falcato Alves, de forma a deixar vivo o seu legado e a memória coletiva da sua ação enquanto professor, Homem, intelectual da cultura, resistente antifascista e comunista.
Se uma das grandes obras do Aníbal foi a preservação da memória do Alentejo, a nossa tarefa hoje é preservar a memória do Aníbal!

Noel Moreira
Publicado a 6 de julho de 2023
Publicado no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023



Hernâni Matos

quinta-feira, 6 de julho de 2023

MORREU O “ROLO” - A Arte Popular Portuguesa ficou mais pobre



CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS 
Fotografias de Joaquim Vermelho (1927-2002),
 cedidas pela Bibloteca Municipal de Estremoz / 
Arquivo Municipal

Faleceu na passada 6ª feira, dia 30 de Junho, na Residência de São Nuno de Santa Maria (Lar dos Combatentes), em Estremoz, com a idade de 88 anos, Joaquim Martins Carriço (Rolo), notável artesão de arte pastoril alentejana.
Era natural da Aldeia de Cima, freguesia da Glória, concelho de Estremoz, onde nasceu em 1935 e onde residiu até 2017, ano em que após a morte da esposa, Maria Augusta Lopes Anjinho e por vontade própria, resolveu ingressar naquela Estrutura Residencial para Pessoas Idosas.

Cerimónias fúnebres
O velatório do falecido teve lugar na Casa Mortuária da Glória, dali saindo o corpo às 16 h 30 min de sábado, dia 1 de Julho, para a Igreja da Glória, onde decorreram as cerimónias fúnebres, presididas pelo diácono João Prates. Terminadas estas, cerca das 17 horas teve lugar o funeral para o Cemitério da Glória, nele se integrando familiares, amigos e admiradores, que apesar do calor que fazia, não quiseram deixar de lhe prestar uma última homenagem.

Nota de pesar do Município
Em nota divulgada pela Autarquia, a Câmara Municipal de Estremoz, une-se no pesar de todos aqueles que tiveram a felicidade de conhecer e usufruir dos conhecimentos e amizade de um verdadeiro Tesouro Vivo desta região.

Como conheci o “Rolo”
Conheci o “Rolo” no decurso da I FEIRA DE ARTE POPULAR E ARTESANATO DO CONCELHO DE ESTREMOZ, que por iniciativa do Município, decorreu entre 15 e 17 de Julho de 1983, no Rossio Marquês de Pombal, frente às esplanadas dos cafés. Nessa Feira participaram 5 dezenas de artesãos do concelho, distribuídos por 32 stands, tendo em conta as diferentes matérias-primas e tipologias de artesanato (barro, bunho, chifre, cortiça, couro, peles, madeira, mármores, metais, palhinha, papel, têxteis e vidro). Foi uma Feira primordial. Como ela nunca mais haverá nenhuma, a começar pela diversidade e elevada qualidade das criações dos artesãos do concelho, dos quais poucos restam vivos. Foi um Feira que teve uma Comissão Organizadora liderada pelo professor Joaquim Vermelho, um visionário no bom sentido do termo e para o qual a Feira foi sempre a “menina dos seus olhos”. Naturalmente que para o êxito da mesma, contribuiu o auspício do Município, liderado por José Guerreiro, o qual no catálogo, a assumiu como o resultado do trabalho colectivo de um grupo de pessoas que ainda acreditam na importância da cultura popular, como forma de desenvolvimento de toda uma sociedade.
Foi neste contexto pioneiro que conheci o “Rolo”, descoberto pelo professor Joaquim Vermelho e posteriormente por ele estudado e divulgado através do seu Núcleo de Dinamização Cultural. Entre eles era conhecido por “Rolo”, referência que eu adoptei, já que sou um apaixonado por alcunhas alentejanas e aquela era aceite pelo visado, o qual lidava bem com ela. Mais tarde, quando ele me concedeu o privilégio da sua amizade, a forma de tratamento fraternal e respeitosa usada com quem era 11 anos mais velho do que eu, foi, naturalmente, a de “Amigo Rolo”.

O fascínio do “Rolo”
Decorridos 40 anos, posso asseverar que foi “amor à primeira vista”. Para além de amigo, dele fiquei cliente até deixar de produzir, marcando presença anual no seu stand, enquanto participou na Feira.
O “Rolo” exercia sobre mim um fascínio incomensurável. Em primeiro lugar, não só pela diversidade das tipologias dos artefactos de arte pastoril que lhe nasciam das suas mãos mágicas, como pela riqueza dos baixos relevos, lavrados em chifres e paus sabiamente escolhidos e nos quais projectava toda a imaginária popular que transportada pela massa do sangue, lhe aquecia a alma. Em segundo lugar, pela oralidade. O “Rolo” era, todo ele, oralidade transbordante: a sua estória de vida, a estória de vida das suas criações e as estórias que estas lhe contavam, como se adquirissem vida autónoma, após o acto de criação.
Visitei-o algumas vezes com a minha mulher, na Aldeia de Cima, ainda a sua esposa era viva. Foram momentos inesquecíveis de fraternal conversa, onde eu ávido da sua oralidade transbordante e rendido à beleza dos frutos mágicos das suas mãos, quase que não falava, porque o que era importante não era o meu falar, o que era importante era o falar dele e que eu ouvia sofregamente, como se fosse um faminto, ávido de pão.

“Rolo” e o Museu Municipal de Estremoz
Pertence ao Museu Municipal de Estremoz, o conjunto mais importante de obras do artífice, reunidas pelo professor Joaquim Vermelho, amigo e estudioso da sua obra, às quais se foram juntar 22 espécimes doados pelo autor, para memória futura. Encontram-se em exposição permanente no Museu e foram objecto da Exposição “MESTRE ROLO - TESOURO DA ARTE POPULAR DE ESTREMOZ", que em 2018 esteve patente ao público na Galeria Municipal Dom Dinis, em Estremoz. Nela esteve presente o artesão, que posteriormente, em 2020, participou numa "CONVERSA À VOLTA DA ARTE PASTORIL", na qual também intervieram António Carmelo Aires (coleccionador) e Hugo Guerreiro, (director do Museu Municipal de Estremoz).

A Arte Popular Portuguesa ficou mais pobre
Com o seu passamento, a Arte Popular Portuguesa ficou mais pobre, pois ele era um dos seus mais prestigiados e afamados intérpretes.
Resta-nos a consolação do deleite da visualização e fruição da sua obra, a qual além de integrar colecções particulares, como é o caso da minha, integra colecções museológicas, como é o caso da mais importante delas todas, que é a do Museu Municipal de Estremoz, no qual se encontra em exposição permanente.
O “Rolo” partiu, mas a memória da sua oralidade e dos frutos mágicos das suas mãos, permanecerão vivos nos nossos corações, o que me leva a proclamar:
- O AMIGO “ROLO” ESTARÁ SEMPRE PRESENTE ENTRE NÓS!

Hernâni Matos
Publicado no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023