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quinta-feira, 17 de março de 2022

Ilustrações de Margarida Maldonado em Exposição



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 16 de Março de 2022.

"As Velhas" é o nome da exposição de ilustrações de Margarida Maldonado que irá ser inaugurada, dia 19 de março, pelas 15:00 horas, na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz.
Margarida Maldonado é de Estremoz, pintora autodidata, Educadora de Infância já reformada e autora e ilustradora de vários livros de história e poesia, sobre esta exposição diz-nos:
“Os ricos viajam no espaço, o covid por toda a parte. Em Glasgow decide-se o futuro da humanidade, por cá cai o governo. Os Partidos degladiam-se nas respetivas Sedes; multidões nas ruas pelo clima. Sobe o preço da água, da luz, da gasolina. Não há médico de família para todos, o dinheiro não chega para os medicamentos. As velhas só querem estar! Tranquilamente e cheias de gratidão pelo sol quente do dia, pelo brilho da lua para espreitar à noite. A luz e o silêncio, o céu azul e as flores bravias, os frutos e os pássaros. O cheiro e as cores dos campos , os animais e as couves da horta. Dão os bons dias à vizinhança os novos agricultores recém chegados. Nada lhes consegue roubar a felicidade de viver no espaço rural. Sorriem, desatam os nós dos dedos e crescem-lhes rendas brancas contra as saias pretas.” (Margarida Maldonado)
A mostra vai estar patente até dia 19 de junho de 2022 e é composta por cerca de cinco dezenas de ilustrações que representam mulheres, às quais carinhosamente chama as Velhas, que vivem tranquilamente no interior do Alentejo completamente alheias aos problemas que se passam no Mundo e trabalhos que ilustram os tranquilos campos e Vilas no Alentejo.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Associações querem suspensão das obras na antiga Casa do Alcaide-Mor em Estremoz


Fachada da Casa do Alcaide-Mor, antes da demolição.

Texto transcrito com a devida vénia do jornal LINHASDEELVAS.PT, diário digital do jornal “Linhas de Elvas” de 23-11-2021. Fotografias transcritas com a devida vénia do jornal “Publico" da mesma data.

 

Quatro associações ligadas à defesa do património solicitaram a suspensão dos trabalhos na antiga Casa do Alcaide-Mor, em Estremoz, monumento nacional, para permitir o “apuramento das falhas no processo de licenciamento e a reformulação do projeto”.
Em comunicado enviado hoje à agência Lusa, o Fórum do Património revelou que a Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, a Associação Portuguesa das Casas Antigas, o Movimento Cidade – Cidadãos pela Defesa do Património de Estremoz e a delegação portuguesa da International Network for Traditional Building, Architecture & Urbanism (INTBAU), que subscrevem o documento, solicitaram à Direção Regional da Cultura do Alentejo e à Direção-Geral do Património Cultural que seja “ordenada a suspensão dos trabalhos”.
“Caso tal diligência não surta efeito em tempo útil, estas organizações de cidadãos estão dispostas a recorrer à tutela jurisdicional do património para exigir a suspensão dos trabalhos e a reversão dos que foram executados em incumprimento, bem como o apuramento de responsabilidades”, segundo o comunicado.
Para aquelas associações, “a situação de abandono a que, durante décadas, se encontrou votada a Casa do Alcaide-Mor, na cidadela de Estremoz, foi repetidamente denunciada por cidadãos interessados pelo património cultural da cidade e da região, isoladamente ou em grupo”, nomeadamente o Cidade, de Estremoz.
“O edifício, que é monumento nacional desde 1924, foi vendido, em 2018, a um promotor que o integrou num empreendimento turístico-imobiliário de grande impacto, envolvendo uma parcela de dimensões apreciáveis da cidadela, o núcleo mais antigo do sistema fortificado de Estremoz, ele próprio também classificado como monumento nacional”, adiantou o comunicado.
Segundo o projeto do “arquiteto de renome contratado pelo promotor”, a Casa do Alcaide-Mor “vai, ao que parece”, transformar-se num “hotel de charme”, integrado num conjunto de “villas”.
“Escudada num parecer ´proforma` pedido pelo promotor a um docente da Universidade do Minho, a Direção Regional da Cultura do Alentejo deu parecer favorável à demolição da fachada, salvaguardando apenas o rés-do-chão com os arcos e abóbadas que constituem os respetivos tetos, e aproveitando algumas cantarias de guarnecimento de vãos”, de acordo com o comunicado.
“Daí para cima, reza o dito parecer, a fachada seria reconstruída, usando técnicas tradicionais e materiais compatíveis”.
Estas associações de defesa do património consideram que “o edifício se encontrava arruinado, fruto da incúria da Câmara Municipal de Estremoz”, mas tal “não justificava a demolição da maior parte da fachada e das paredes do edifício que tinham resistido, opção que se baseou numa avaliação meramente qualitativa”.
“Uma parede construída e sucessivamente acrescentada, reparada, ao longo de séculos, utilizando pedras e tijolos de várias origens, dimensões e formas, tudo agregado por argamassas de variada composição, é tudo menos um ´lego” cujas peças se possam separar e voltar a juntar exatamente como estavam”, lê-se no comunicado.
Os subscritores do documento acrescentam que “a obra está a ser executada em flagrante incumprimento das indicações da Universidade do Minho e dos condicionamentos definidos pela Direção Regional da Cultura do Alentejo”.
Apesar das demolições feitas entretanto, as associações consideram que “é ainda possível que, em vez de uma contrafação, Estremoz fique com um edifício reconstruído utilizando técnicas e materiais idênticos aos originais, compatíveis com os das partes que foram poupadas, mantendo, deste modo, um mínimo do caráter e da autenticidade que um monumento nacional requer”.
Segundo as associações, “mesmo que, como se espera, venham a ser revertidos, os trabalhos que estão presentemente em execução terão envolvido a destruição de componentes relevantes do monumento nacional que é a Casa do Alcaide-Mor”.
Consideram os subscritores do comunicado que é “fundamental compreender como foi possível, no fim de um longo processo de licenciamento, fazer tábua rasa das condicionantes definidas pela Direção Regional da Cultura do Alentejo que visavam a manutenção da maior parte da construção, incluindo a fachada”.
Contactado pela Lusa, o presidente da Câmara de Estremoz, José Daniel Sádio, disse que “recentemente foram feitas diligências” pelos serviços do município e pela Direção Regional da Cultura do Alentejo relacionadas com esta obra, “e o que está a ser feito está dentro da lei e o processo dentro das conformidades”.
O hotel de charme que vai “nascer” na antiga Casa do Alcaide-Mor tem projeto de arquitetura de uma equipa que integra os arquitetos Álvaro Siza e Carlos Castanheira.

Um aspecto da intervenção na casa do Alcaide-Mor de Estremoz.


Hernâni Matos

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Eu e António Aleixo

 

António Aleixo (1899-1949)

No final dos anos 60 do séc. XX, enquanto membro do Movimento Associativo da Faculdade de Ciências de Lisboa, participei em ocupações da cantina da Faculdade, como forma de protesto por não haver uma Associação de Estudantes democraticamente eleita e como processo de luta contra o regime fascista.
Eram ocupações feitas à noite e em que não deixávamos fechar a cantina às 21 horas. É claro que os informadores da PIDE na Faculdade, cumpriam a sua missão e passado pouco tempo, tínhamos a visita da famigerada Polícia de Choque, a qual cercava a Faculdade. O desfecho dessas ocupações foi variável, o que incluiu muitas vezes bordoada e prisões.
Durante as ocupações, havia intervenções políticas e actuação de cantores que se solidarizavam connosco, com especial destaque para o Zeca Afonso e o para o padre Fanhais. Também me lembro da participação do actor Rogério Paulo.
Numa dessas ocupações lembro-me de ter subido para cima de uma mesa e ter declamado, com agrado geral, quadras de António Aleixo, que era praticamente desconhecido em Lisboa. Era sobretudo conhecido no Algarve e em Coimbra, onde fora divulgado pelo pintor Tossan, que era natural de Vila Real de Santo António e membro do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC). De Coimbra até Estremoz, a poesia de António Aleixo viajaria com a alma e a convicção do João Carlos Gargaté, natural de Estremoz, estudante de Direito, membro do TEUC e meu grande amigo. Foi ele que me transmitiu o culto da poesia de António Aleixo, uma poesia muitas vezes amarga, mas poesia do real e arma de combate contra a injustiça. Foi essa poesia que me levou a subir para cima da mesa e a fazer minhas as palavras de António Aleixo. Terá sido a primeira divulgação pública do trabalho do poeta, na cidade de Lisboa, por via do meu vozeirão, então no seu esplendor.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Monumento nacional demolido em Estremoz para dar lugar a hotel de charme

 

O edifício situa-se na encosta escarpada da colina de Estremoz.

Reportagem de CARLOS DIAS transcrita com a devida vénia do jornal PÚBLICO de 11-10-2021, com autorização do seu director MANUEL CARVALHO, a quem o autor do blogue, reconhecidamente agradece. 

O edifício foi abandonado nos anos 30 do século passado e chegou a 2021 reduzido à fachada principal, derrubada em Abril. Será reconfigurada com os elementos que a constituíam, no projecto assinado por Siza Vieira e Carlos Castanheira.

 

Com o arranque, no mês de Abril, das obras de adaptação de um conjunto de antigos edifícios abandonados, entre eles a “Casa do Alcaide-Mor”, que é monumento nacional desde 1924, para dar lugar a um hotel de charme e várias habitações turísticas, com a designação de villas, fica encerrado um conturbado processo iniciado em 2016.

No entanto, a polémica persiste. Vítor Cóias, especialista na requalificação e reabilitação de património que privilegia a utilização de técnicas e materiais tradicionais, contesta opções do projecto que é assinado pelos arquitectos Siza Vieira e Carlos Castanheira. Na informação que prestou ao PÚBLICO, interroga-se: “Pode-se demolir um monumento nacional e substituí-lo por uma réplica com estrutura de betão armado?” E dá a resposta: “Pode, como se demonstra com a Casa do Alcaide-Mor da Cidadela de Estremoz.”

Ao fim de quase um século de abandono, em que sucessivos executivos municipais antes e depois do 25 de Abril contemporizaram com a progressiva degradação de um monumento nacional, nem a fachada, derradeiro testemunho do que foi a “Casa do Alcaide-Mor”, foi possível recuperar. No local das obras já estão montadas as armaduras e cofragens de pilares de betão armado, “aparentemente no plano das fachadas demolidas”, refere o especialista.

O edifício que foi a residência privada de D. Sancho de Noronha, alcaide-mor de Estremoz durante o século XV, mantinha a mais interessante fachada de arquitectura civil erguida na encosta escarpada da colina de Estremoz, a cerca de 80 metros da torre de menagem do castelo. Evidenciava vários estilos, tais como o mudéjar, o renascentista, o manuelino e o neoclássico. Destacavam-se as janelas da fachada frontal de estilo manuelino-mudéjar.

José Sádio, que será o próximo presidente da Câmara de Estremoz e é vereador no actual executivo, pelo PS, explicou ao PÚBLICO que o processo se tornou “irreversível”, mas que a fachada agora demolida será reposta. “Foi mapeada toda a estrutura, para que possa ser construída igual à que estava” e onde serão colocados todos os elementos que a caracterizavam. “Foram guardadas as cantarias para serem incorporadas na nova fachada”, referiu Vítor Cóias.

Em Abril de 2016, o então presidente da Câmara de Estremoz, Luís Mourinha, eleito na lista do Movimento Independente por Estremoz e que perdeu o mandato em Fevereiro de 2019 por ter sido condenado pelo crime de prevaricação, garantia ao PÚBLICO: a deliberação aprovada (em Março de 2016) pelo executivo municipal determina que a fachada da antiga casa “vai manter-se tal com está”. Mas, em Abril passado, acabou por ser demolida.

Projecto de milhões

A Casa do Alcaide-Mor de Estremoz foi adquirida em hasta pública por 180 mil euros pelo antigo presidente da Portucel e ex-administrador da EDP Jorge Godinho, que é sócio-gerente da empresa Barrocas Turismo e Lazer. Também comprou um conjunto de outros edifícios do mesmo quarteirão a particulares, desde a antiga Casa do Alcaide-Mor até à Capela da Rainha Santa Isabel. Na sua maior parte, estavam devolutos. O promotor teve de negociar apenas a saída de um residente que tinha feito obras no edifício que habitava.

Durante a apresentação do projecto da autoria de Siza Vieira e Carlos Castanheira, a 17 de Julho de 2019, Jorge Godinho adiantou que o empreendimento oferece, para além do hotel e das villas, “vários pátios, com espaços de lazer, e um patamar ajardinado junto à muralha” que permita a todos os hóspedes e visitantes frequentar uma zona de restauração na unidade hoteleira.

O conjunto das casas adquiridas a particulares vão funcionar como suítes, todas elas viradas para um hall central, e o projecto vai custar “vários milhões de euros”, refere o promotor, sem adiantar números precisos. Os hóspedes vão usufruir de todos os serviços do hotel.

O imóvel que se encontrava ao abandono desde a década de 30, e que chegou a ser um bordel, teve na sua génese as dificuldades de alojamento que D. Afonso V sentia sempre que se deslocava a Estremoz para caçar. A casa do alcaide-mor passou a albergar o monarca e a sua numerosa corte durante longos períodos, transformando-se em paço real, obrigando o alcaide-mor e a sua família a deslocarem-se para outro local.

É neste contexto que surge a necessidade de encontrar uma nova habitação para o alcaide-mor, que se materializa com a construção da casa onde vai surgir agora, no século XXI, um hotel de charme.

O edifício, que também é conhecido por Casa da Câmara medieval, terá acolhido o paço municipal, mas Túlio Espanca (historiador de arte e primo de Florbela Espanca) admite que esta funcionalidade “parece não ter muito fundamento”. Depois passou por momentos conturbados, quando a Câmara de Estremoz o colocou à venda numa criticada hasta pública.

Foi arrematado por John Ryan, cidadão irlandês em representação de Iris Holding Group, empresa dos Estados Unidos da América com sede num paraíso fiscal nos EUA e com sucursal na Praça Luís de Camões, em Estremoz, pelo preço de 279 mil euros. O cheque no valor de 10% do preço global da licitação (27.900 euros) foi depositado na conta do município de Estremoz, mas rapidamente se descobriu que estava sem provisão-

John Ryan foi notificado pela autarquia para, no prazo máximo de cinco dias úteis, proceder à regularização do cheque. Nada feito. Segue-se mais uma série de prorrogações para que regularizasse o pagamento da caução e é ameaçado com a possibilidade do município recorrer à via judicial para a cobrança em dívida, o que não surtiu qualquer efeito. Depois de várias insistências, Ryan mostrou-se apenas disponível para assinar “o que fosse necessário para a realização de nova hasta pública ou para a adjudicação do imóvel a quem fez a proposta imediatamente anterior à última efectuada” em hasta pública. A venda acabou por ser revogada.

Por fim, em Agosto de 2018 e em nova hasta pública, a Casa do Alcaide-Mor de Estremoz foi arrematada a Jorge Godinho, pelo valor de 180 mil euros, e as obras de reconversão do imóvel, que deveriam ter arrancadono início de 2020, começaram em Abril de 2021.

O edifício que foi a residência privada de D. Sancho de Noronha, alcaide-mor de
Estremoz durante o século XV, evidenciava vários estilos, tais como o mudéjar,
o renascentista, o manuelino e o neoclássico.

Fachada será reconstruída

Na reunião da Câmara de Estremoz realizada no dia 28 de Abril de 2021, os vereadores da oposição (PS) questionaram o presidente da autarquia pela falta de informação que está a envolver o projecto, alegando desconhecerem as razões que forçaram à demolição da fachada do edifício. Mesmo assim, esperam que o derrube da estrutura tenha sido feito “após um levantamento preciso para a sua reconstrução e de acordo com a imagem existente.”

O vereador José Trindade respondeu que foi efectuada uma “demolição/contenção da fachada com aproveitamento de todos os elementos necessários para a sua replicação”, tendo o processo sido precedido de um relatório prévio devidamente aprovado pelos Serviços de Arqueologia da Direcção Regional de Cultura do Alentejo.

Vítor Cóias diz que o projecto de Siza Vieira e Carlos Castanheira “‘turistifica’, mais do que requalifica, e contraria as intenções que vinham sendo manifestadas pelo município, que eram de criar um espaço aberto ao público, com uma utilização de índole cultural.”

Não foi possível obter esclarecimentos do presidente da Câmara de Estremoz, Francisco Ramos, nem da Direcção Regional de Cultura do Alentejo, sobre o assunto.


CARLOS DIAS

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

1961 - O Princípio do Fim

 

REDONDO - Prato Falante com a inscrição "Recordação de 1961".
Prato covo de grandes dimensões. Esgrafitado e pintado.


Prólogo

Ao inventariar mais um prato da minha colecção de cerâmica de Redondo, constatei que à semelhança de outros, integrava o sub-grupo da Cerâmica Falante, visto incluir uma inscrição: “Recordação de 1961”.
Tal inscrição deu-me que pensar. Porquê 1961? Porquê este ano e não outro? Que aconteceu de especial em Portugal no ano de 1961? Para procurar resposta a esta questão, consultei as efemérides de 1961 em múltiplas fontes. Do fruto desse trabalho dou conta seguidamente.

Efemérides de 1961
As efemérides do ano de 1961 que têm a ver com Portugal são as seguintes:
21 DE JANEIRO - O paquete Santa Maria foi tomado de assalto por um comando liderado pelo então capitão Henrique Galvão. A operação visava desencadear um golpe de Estado capaz de derrubar o regime de Salazar.
4 DE FEVEREIRO – Tem início a guerra colonial quando um grupo de cerca de 200 angolanos, afectos ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), atacou a Casa de Reclusão Militar, em Luanda, a Cadeia da 7.ª Esquadra da Polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional de Angola.
20 DE FEVEREIRO – A Libéria com o apoio de três dezenas de Estados africanos e asiáticos, requere uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU, para adoptar medidas imediatas, visando impedir que os direitos humanos continuem a ser violados em Angola.
15 DE MARÇO – É aprovada uma moção do Conselho de Segurança da ONU a condenar a situação em Angola, a qual é votada favoravelmente pelos Estados Unidos e pela União Soviética.
25 DE MARÇO – A UPA (União das Populações de Angola) inicia a sua luta armada no norte de Angola, nomeadamente no concelho do Uíge, estendendo-se posteriormente para o sul, até à actual província de Bengo.
4 DE ABRIL - A Assembleia-Geral da ONU aprova uma moção a favor da autodeterminação de Angola.
13 DE ABRIL – O Ministro da Defesa, general Botelho Moniz, lidera as chefias das Forças Armadas numa tentativa fracassada de golpe de Estado, destinado a exonerar Salazar e a promover a reforma do Estado Novo.
20 DE ABRIL - A Assembleia Geral da ONU aprova, por 73 votos contra 2 (Portugal e África do Sul) e 9 abstenções (entre as quais, do Brasil, França e Reino Unido), a resolução 1603 (xv), incitando o governo português a promover urgentemente reformas que dessem cumprimento à Declaração Anticolonialista, tendo em devida conta os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
9 DE JUNHO – Através da resolução 163, o Conselho de Segurança da ONU apela para Portugal desistir de medidas repressivas em Angola e manifesta a esperança de que será encontrada uma solução pacífica para o conflito.
10 DE NOVEMBRO - Tem lugar a operação Vagô, no decurso da qual Palma Inácio, acompanhado de outros revolucionários, desvia um avião da TAP da carreira Casa Blanca – Lisboa e com ele sobrevoa a baixa altitude, Lisboa, Barreiro, Setúbal, Beja e Faro, lançando cerca de 100 mil panfletos com apelos à revolta popular contra a ditadura. A operação salda-se por um êxito, já que o avião regressa incólume a Casa Blanca, sem que os caças da FAP consigam interceptar o avião.
18 DE DEZEMBRO – Chega ao fim o domínio português de mais de 450 anos na Índia, quando as tropas indianas entram em Goa, Damão e Diu, quase sem resistência.
31 DE DEZEMBRO – Na noite da passagem de ano de 1961 para 1962, tem lugar a gorada Revolta de Beja, tentativa de golpe civil e militar, que sob o comando do então capitão Varela Gomes, procurava derrubar o regime de Salazar a partir do assalto e ocupação do quartel do Regimento de Infantaria N.º 3, em Beja.

Epílogo
Em Portugal, o ano de 1961 ficou assinalado por diversos acontecimentos, através dos quais o regime de Salazar se vê confrontado com ameaças em múltiplas frentes, ainda que o governo tenha conseguido dar resposta à maioria dos problemas.
A sucessão de acontecimentos criou nas hostes oposicionistas a convicção de que o regime de Salazar tinha os dias contados. Tratou se de uma ilusão, já que o regime só seria derrubado 13 anos depois, com o golpe militar de 25 de Abril de 1974. Todavia, o ano de 1961, considerado por muitos o “horribilis annus” para a ditadura de Salazar, marca o princípio do fim do Estado Novo. Daí não ser despropositado admitir que a inscrição “Recordação de 1961” inserida no prato, visasse perpetuar como memória futura, o que de extraordinário aconteceu nesse ano em Portugal.
Publicado inicialmente a 13 de Setembro de 2021

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Estremoz e o Feriado Municipal



A 31 de Agosto de 2021, completaram-se 95 anos sobre a elevação de Estremoz à categoria de cidade, na sequência do Decreto n.º 12.227, publicado no Diário do Governo desse dia.

Dia da Cidade
Seria expectável que a 31 DE AGOSTO de cada ano, fosse comemorado o DIA DA CIDADE, assinalado como Feriado Municipal, por ter sido nesse dia que a "Notável Villa de Estremoz" foi objecto de ELEVAÇÃO à categoria de CIDADE.
Todavia tal não acontece e o Dia da Cidade é assinalado com Feriado Municipal na Quinta-Feira da Ascensão e Dia da Espiga, data móvel do calendário litúrgico, importante para os cristãos e que ocorre no quadragésimo dia após a ressurreição de Jesus, assinalando a sua Ascenção (Elevação) ao Céu.
Apesar de toda a respeitabilidade de que é merecedora a efeméride religiosa, isso não justifica de modo algum que a data seja considerada Dia da Cidade e Feriado Municipal, em detrimento da data de 31 de Agosto, em que Estremoz ascendeu e muito bem à categoria de cidade.

O seu a seu dono
Perante a dúvida que possa surgir nalguns espíritos, creio ser aqui aplicável a sentença latina “Redde Cæsari quæ sunt Cæsaris, quæ sunt Dei, Deo”, cujo significado é “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Trata-se de uma frase atribuída a Jesus nos evangelhos sinópticos (Mateus 22:21), Marcos 12 (Marcos 12:17) e Lucas 20 (Lucas 20:25), quando lhe perguntaram se devia pagar o tributo a César e cujo sentido é: “Dê-se a cada um aquilo a que tem direito”.
A meu ver, a comemoração da Ascensão de Jesus ao céu, é de âmbito cristão. Pelo contrário, a comemoração da elevação de Estremoz à categoria de cidade, é do foro cidadão. Dito por outras palavras: “A cada um o que é seu” (“Unicuique suum”).

Uma sugestão
Creio que que o Executivo Municipal saído das eleições autárquicas do próximo dia 26 de Setembro, poderia e deveria reflectir sobre este assunto. Aqui fica a sugestão.

Publicado inicialmente a 1 de Setembro de 2021




 

sábado, 21 de agosto de 2021

Hernâni Matos

 

Filomena Barata. Arqueóloga.


Homem, alentejano, determinado.  Conhecedor, melhor, sabedor do seu território, do nosso, que divulga como ninguém. Homem de convicções que não foge a defendê-las, não se esconde em ondas turvas, mas respira de peito aberto para o amanhã.

Filomena Barata
Lisboa, 19 de Agosto de 2021 

Hernâni Matos

domingo, 1 de agosto de 2021

Um amigo de há quarenta anos

 

António Oliveira. Alfarrabista.


O professor Hernâni Matos é uma figura sobejamente conhecida, tanto a nível local como nacional.
É um excepcional amigo com o qual me encontro quase todos os sábados em Estremoz.
Conhecemo-nos há cerca de 40 anos, através do coleccionismo, tendo eu por diversas vezes sido convidado a participar com colecções minhas em exposições por si organizadas.
Tem publicado inúmeros textos nos jornais “Brados do Alentejo” e “E”, ambos de Estremoz, bem como no seu blogue “Do Tempo da outra Senhora”, que é uma fonte de conhecimento para quem o consulta.
Tem uma extraordinária biblioteca que tem contruído ao longo dos anos e para a qual tenho dado o meu contributo como alfarrabista.
Tem duas grandes paixões: a filatelia e a etnografia, em particular do mundo rural alentejano.
A segunda dessas paixões levou-o a publicar em 2018 o livro “Bonecos de Estremoz”, na sequência de investigação realizada e depois disso continua a ser um entusiasta dos bonecos e um divulgador dos trabalhos dos bonequeiros.
Desejo-lhe a continuação de um bom trabalho.

António Oliveira
Évora, 10 de Julho de 2021

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Aproveitamento político dos Bonecos de Estremoz

Como era expectável, a inscrição da "Produção de Figurado em Barro de Estremoz" na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, foi aprovada no decurso da 12.ª Reunião do Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, que entre 4 e 9 de Dezembro de 2017 decorreu no Centro Internacional de Convenções Jeju, na ilha de Jeju, na República da Coreia.
A referida inscrição foi alcançada na sequência de candidatura apresentada pelo Município de Estremoz e corresponde ao reconhecimento planetário do labor e criatividade dos barristas do passado e do presente, que com as suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma manufactura “sui generis” de figurado de barro, dita ao “modo de Estremoz”.
A 7 de Dezembro de 2017, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto de congratulação, no qual é afirmado que “A Assembleia da República felicita, de forma destacada, todas as artesãs e artesãos, pelo seu insubstituível papel de preservação e divulgação deste património, cujo reconhecimento pela UNESCO engrandece a cultura popular e o País.”
O voto de congratulação que uniu deputados de todas as bancadas foi reflexo do regozijo sentido em todo o país e muito particularmente em Estremoz. Desde então, os Bonecos de Estremoz, factor de união entre estremocenses, reforçaram ainda mais o seu papel de ex-líbris e embaixadores culturais da cidade. Daí, que a meu ver, os Bonecos de Estremoz devessem merecer o respeito de toda a comunidade e não fossem alvo de qualquer tipo de aproveitamento que nada tem a ver com a sua origem, com a sua produção e com os artesãos seus criadores. Talvez por isso, o Município tenha registado em devido tempo a designação “Bonecos de Estremoz”.
Não foi esse o entendimento dos responsáveis do MIETZ, associação de cidadãos independentes, concorrente às próximas eleições autárquicas. Daí que tenham decidido utilizar na campanha eleitoral que se avizinha, um logotipo onde figuram elementos gráficos dum bem conhecido boneco de Estremoz. Trata-se, a meu ver, de aproveitamento político de uma realidade local (Bonecos de Estremoz) e do seu prestígio, para fazer passar mensagens e propostas para a comunidade, que nada têm a ver com Bonecos de Estremoz. Estes, até aqui, factor de união entre os estremocenses, passam a ser instrumento de divisão, já que se tornam símbolo e bandeira de um movimento político em confronto com outras forças políticas nas eleições que se avizinham. Convenhamos que é um mau serviço prestado à comunidade.

Publicado no jornal "Brados do Alentejo" de 29 de Julho de 2021.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Hernâni Matos: do lado esquerdo, o centro

 

Pedro Martins. Jurista. filósofo. Escritor.


Se a memória me não atraiçoa, vai para uns sete anos que pela mão de Maria Antónia Vitorino, e por mor da memória de seu marido, António Telmo, professor e filósofo vinculado às terras de Estremoz, conheci o Professor Hernâni Matos. Graças a ele, foi possível realizar uma sessão de homenagem ao autor da História Secreta de Portugal (livro em boa parte escrito no Café Águias d’Ouro) na Escola Secundária de Estremoz, onde Telmo, em meados dos anos 60, chegou a leccionar, como docente de Português e Francês da então Escola Industrial e Comercial, imediatamente antes de partir para o Brasil, para se juntar a Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva na Universidade de Brasília.
Foi uma sessão fabulosa, memorável como poucas, num auditório repleto de jovens estudantes, em que além do autor destas linhas intervieram Elísio Gala, que apresentou as Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo, livro então recém-lançado com a chancela eborense da Licorne e em que o Alentejo, de Estremoz ao Redondo, revela a sua notável presença; o próprio Hernâni Matos, evocando o quotidiano estremocense do filósofo como quem lhe traçasse um perfil de bilharista exímio; o Professor José Salema, Director da Escola e antigo aluno de Telmo; e a Professora Cláudia Marçal, Directora da Biblioteca Escolar, em cujas paredes, a partir desse dia 14 de Novembro de 2014, passou a estar patente em permanência um retrato do filósofo.
Uma homenagem assim, singelamente grandiosa e muito bem-sucedida, só foi possível graças ao denodo infatigável do Hernâni Matos, que a concebeu, preparou e organizou até ao mais ínfimo pormenor. Membro do Projecto António Telmo. Vida e Obra, foi também ele quem, alguns meses depois, convocando os bons ofícios da Associação Filatélica Alentejana, promoveu em Estremoz o lançamento a nível nacional do Volume III das Obras Completas de António Telmo, Luís de Camões e o Segredo d’Os Lusíadas seguido de Páginas Autobiográficas, com o selo proverbial da editora Zéfiro. Foi isto em 20 de Junho de 2015, no dia em que exactamente se completavam 35 anos sobre a célebre conferência “O Segredo d'Os Lusíadas”, proferida por António Telmo na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, em Lisboa, no âmbito das comemorações nacionais do quarto centenário da morte do poeta.
Generosa e fecunda, tão profícua como brilhante, a inesgotável capacidade de trabalho de Hernâni Matos, que venho de ilustrar com aquilo que de um modo mais directo, e sobretudo pessoal, lhe pude testemunhar, melhor se afere por padrões próximos da lenda. Décadas a fio, Hernâni Matos vem erguendo uma obra monumental como escritor, jornalista e blogger. Diria antes, para tudo dizer, como um emérito, notável investigador, pesquisador infatigável, insaciável coleccionador. Perquiridor de raízes e arcanos, o professor autodidacta e interdisciplinar percorre transversalmente, com ecuménica compreensão, sólida erudição e a sempre necessária argúcia, os domínios ecléticos da história local e regional, sem nunca olvidar os mais vastos horizontes da portugalidade, essa outra nuvem só nossa feita de todos os céus consentidos à vista desarmada – isto é, pacífica – da terra e do mar.
Apenas os insignes regionalistas da estirpe austera e entusiasta de um Hernâni Matos podem realmente entender o verdadeiro nacionalismo, que é sempre e só cultural, como sem escândalo sucede há muito ocorrer em música com um Lopes-Graça, e por vezes também cultual, posto que às baias dos dogmas sempre o nosso povo, herdeiro da heresia de Prisciliano, tenha sabido quebrar as grilhetas de todas as Romas, como nesse culto popular do Espírito Santo, que se talvez ande creditado em demasia à tão de Estremoz Rainha Santa Isabel, não deixa, também por esta, de nos evocar a Santa Liberdade sem a qual só o medo voraz ou o mesquinho interesse nos restam.
Homem por certo da margem esquerda, que é o lado do coração, Hernâni Matos devém um construtor de pontes: ele bem sabe que um rio mais pode unir do que separar logo que lhe sintamos a força da corrente, pressentindo a grandeza do que fica além da sua foz. E não é afinal o coração, no mar dos símbolos, como ensinava Telmo na senda de Dante e Guénon, o centro do mundo?
Não que com tudo isto se exima Hernâni ao exercício diuturno, e por vezes contundente, de uma crítica que na sua consciência é ainda memória, mas também o raiar daquela fímbria de esperança sem a qual nada vale realmente a pena. Franco-Atirador é o título certeiro dado como um espelho à recolha antológica que em 2017 deu a lume este Jano dado aos nossos dias. A potência dos seus escritos mais sugere a força de um exército. São, porém, homens solitários (não obstante, os mais solidários) como um Hernâni Matos – ou um António Reis Marques numa Sesimbra que não é já “minha” por se ter tornado terra de ninguém – que simulando, ou semelhando, as multidões iludem por ora os vazios onde sempre os demónios se procuram instalar. Haverá motivo maior para a nossa gratidão?

Pedro Martins
Almoinha, Sesimbra, 27 de Julho de 2021

terça-feira, 22 de junho de 2021

Homenageando o Professor Hernâni Matos

 

Fernando Máximo. Funcionário Público.

HOMENAGEANDO O PROFESSOR HERNÂNI MATOS


Professor Hernâni Matos
Junta a teoria aos factos
Com muita desenvoltura;
P’lo muito que tem feito
Merece o nosso respeito
Por ser homem da cultura!

Dos vultos mais competentes
Em áreas tão diferentes
Numa muito longa lista:
É um insigne escritor
Etnógrafo, professor,
E Mestre filatelista

É expositor e jurado,
“Expert” do figurado
Essa arte, (que tão nobre,)
Património Imaterial
Deste nosso Portugal
Que tanto orgulho nos cobre!

É firme nas convicções
E em certas reflexões
Que por vezes o consomem...
É excelente escritor
Um “Franco-atirador”
Mas mais que tudo é um HOMEM!

Quem o conhece de perto
Reconhece-lhe por certo
Virtudes que são verdades...
Admirá-lo é um direito
Prestando assim o seu preito
A quem só tem qualidades...

Professor, meu grande amigo,
Em boa hora lhe digo:
Pelo crer que a si se pôs,
Ganha, pois, o meu louvor
Por ser um grande SENHOR
Desta cidade Estremoz

Fernando Máximo
Avis, 02 de Abril de 2021

domingo, 20 de junho de 2021

Pode alguém ser quem não é? / A propósito de Hernâni Matos


Álvaro Borralho. Sociólogo. Professor Universitário. 

Os nossos caminhos cruzaram-se quando eu era estudante da Escola Secundária de Estremoz – é assim que gosto de recordar a minha velha Escola –, aí por volta do 8.º ano, e num anfiteatro de físico-química. Não por ter sido seu aluno, que nunca fui – embora tivesse gostado de ser, pois gostava muito de física –, mas por breve tempo ter aderido a um clube de filatelia que o Prof. Hernâni estava a criar na Escola. Éramos poucos, mas ele animava estas sessões com especial entusiasmo, de tal modo, que me mantive. Todavia, o final do ano lectivo levou algum do entusiasmo e não logrei ser o filatelista que verdadeiramente nunca quis ser. Ela já o era, há muito, reconhecidamente, e foi sempre com grande deleite que assisti a algumas das suas exposições. Recordo uma, em especial, de Maximafilia no Salão Nobre dos Paços do Concelho, assim como as realizadas no espaço exíguo da Associação num espaço existente no início da Rua Narciso Ribeiro. Ir a uma das suas exposições tinha, além do mais, o atractivo de o poder ouvir nas suas detalhadas explicações e compreender um pouco melhor o mundo fascinante dos selos. Embora tenha perdido o breve encantamento da filatelia, lia sempre a sua coluna no Brados do Alentejo.
E foi no jornal que nos voltámos a encontrar mais assiduamente, que cimentámos a nossa amizade a que não é estranho termos sido colaboradores pela mesma altura. O Brados foi, e é, um local de encontro, juntando várias gerações, permitindo o convívio, a entreajuda e o interconhecimento. Dali sempre se saiu mais rico.
Mais tarde, havia de o procurar para me ajudar a desvelar alguns aspectos do processo político estremocense, de 1974 a 1976, quando realizei uma dissertação académica sobre o assunto. E foi com inegável prazer que o entrevistei umas boas horas sobre as suas memórias, a sua participação, sobre factos e acontecimentos. Passadas mais de duas décadas sobre esse encontro, ainda recordo algumas das leituras que me proporcionou. Só não lhe perdoar que tenha deitado ao lixo algum tempo antes, segundo me confessou, uma colecção de comunicados de todos os partidos políticos distribuídos em Estremoz. Conhecendo o seu pendor detalhista e a sua capacidade de perseguir, e de reunir o perseguido, imagino que seria uma excelente base documental. Guardo a leve esperança que alguém tenha guardado aquelas pastas, mas sem grande alento. Perdoei-lhe, mas tive um grande desgosto em não ter deitado mão àqueles preciosos documentos.
Se conto este episódio é para reforçar o quão importante é encontrar e conhecer alguém como o Hernâni Matos. A nossa memória colectiva vive destes sequazes guardadores de memórias, que, com espírito abnegado, guardam o espólio sobre o qual se há-de construir, e reconstruir, esta nossa memória. Preservando-a, dão um contributo inestimável ao seu estudo, e, assim, a tentar interpretar e a entender os vários sentidos que cada um – pessoas, partidos, grupos, etc. – concederam aos acontecimentos. Quer dizer, ajudam a fazer a história, no meu caso, a sociologia, de tempos vividos, mas não presenciados com a mesma intensidade ou proximidade.
O seu recente livro sobre os bonecos de Estremoz aí está a comprovar o que antes afirmei: o desejo de recolher, reunir, coleccionar, dispor organizadamente o material e, por fim, dá-lo a conhecer a quem tenha essa curiosidade. Nunca é um esforço vão, é sempre um contributo para a procura de mais e melhores significados.
Termino com a mesma interrogação com que se iniciou este breve depoimento: pode alguém ser quem não é? Como se sabe, é o título de uma magnífica canção do Sérgio Godinho que serve perfeitamente para dar o tom a este escrito. E que o Hernâni continue a ser quem é e nos dê a satisfação de o encontrar e de o ler por onde decidir andar.

Álvaro Borralho
Ponta Delgada, 19 de Abril de 2021

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Naquela esquina um amigo

 

Maria Helena Figueiredo. Jurista.

Não conheço o Hernâni Matos há tantos anos assim. Melhor, conheço o Hernâni Matos da escrita, do Blog, das trocas de emails, dos telefonemas há vários anos, mas pessoalmente – ao vivo e a cores como se costuma dizer – conheci-o há menos tempo.
Foi em Estremoz há 5 anos, na rua, mais precisamente no pátio do Castelo, quando ambos estávamos envolvidos na defesa da casa do Alcaide-Mor, que a Camara estava a tentar vender a privados em condições muito questionáveis.
Poucas vezes alguém me deixou uma imagem tão impressiva como o Hernâni Matos.
Aquele homem grande, o que é invulgar para a sua geração, de pé à minha espera na esquina, numa postura muito firme e com o ar amistoso dos velhos conhecidos, ficou-me gravada na memória porque ela reflecte, no fundo, aquilo que o Hernâni é.
Um homem de grande estatura ética, firme nas convicções, um homem que nem no tempo da ditadura nem depois se vergou aos interesses de ocasião e que sempre, com firmeza e coragem, defendeu a liberdade. Um homem desassombrado, que não cala a injustiça e que sempre se levanta pelo que considera justo, pela sua terra e pelas suas gentes.
Um homem de cultura, que faz da transmissão do conhecimento uma missão de todos os dias e que encontramos na primeira linha na defesa do património e da nossa história colectiva. Uma história que não é apenas a dos reis e das rainhas, mas também a história dos de baixo, do Povo e das suas lutas.
E depois, depois fica-lhe aquele “brilhozinho nos olhos” quando fala no figurado de Estremoz, quando esgrime a valorização deste património e se envolve na sua defesa, com a sabedoria que todos lhe reconhecemos, mas sem ficar preso ao passado. Com inteligência e capacidade de olhar, reconhece os e as jovens barristas, dando-lhes com as suas palavras e o seu apoio o tão necessário ânimo para continuar.
Hernâni Matos é uma figura ímpar, um Homem especial. Podemos chamar-lhe guardador de memórias, podemos chamar-lhe mestre, podemos chamar-lhe muita coisa. A mim honra-me poder chamar-lhe amigo.

Maria Helena Figueiredo
Évora, 19 de Abril de 2021

terça-feira, 15 de junho de 2021

Professor Hernâni: das Ciências à preservação da Cultura

 

Filipe Glória Silva. Pediatra.
 

A recordação mais antiga que tenho do professor Hernâni Matos é das aulas de Química, do 10.º ao 12.º ano. Homem de altura imponente e voz forte, um pouco austero na primeira impressão, conseguia manter desde o início a ordem na sala de aula e ganhava também o respeito dos alunos pela sua segurança no conhecimento e no ensino das matérias. A convivência permitia também conhecer o seu sentido de humor muito próprio. O programa de Química estava todo explicado nos acetatos que projetava durante as aulas e que entregava para fotocopiar e distribuir entre os alunos. Incentivava a prática de muitos exercícios, o que era fundamental para a consolidação da aprendizagem.
Sempre foi evidente o seu zelo pela organização e sistematização, fundamental para viabilizar a disponibilidade de tempo para os seus muitos interesses para além da ciência. Penso que a sua maior paixão na altura era a filatelia, mas muitos interesses se foram juntando com um espírito persistente, minucioso, curioso, irrequieto, ativista, resiliente, colecionador e empreendedor.
Quando penso no professor Hernâni, não consigo deixar de pensar também na companheira da sua vida, a professora Fátima, com o seu ar discreto e sereno. Diz-se que ao lado de um grande homem, há sempre uma grande mulher. Será também aqui o caso pelo seu cuidado com a família, persistência, resiliência, mostrando bonita admiração pelos projetos do seu marido.
De facto, o professor Hernâni tem feito um trabalho notável de recolha, reflexão, promoção e preservação do património cultural português e, particularmente, da cidade de Estremoz e da sua barrística. Fê-lo por diversos meios e iniciativas, não ficando também de fora da revolução da internet com o seu blogue “Do tempo da outra senhora” e página do Facebook. Enquanto filhos desta terra alentejana e cidadãos portugueses, ficamos-lhe gratos por todo este trabalho e empenho. Bem-haja, professor Hernâni.
 
Filipe Glória Silva

Lisboa, 14 de março de 2021

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Dois em um

 

Bento Grossinho Dias. Engenheiro Mecânico. Gestor.


Há uns 15 anos que conheço o Hernâni Matos, Ser orgulhoso das suas origens, do seu Alentejo e da sua Estremoz, dos seus bonecos e tradições, que tão bem divulga na sua oralidade e escrita.
Mas sou amigo do Carmelo de Matos há 43 anos (tive que fazer um esforço mental para recuar tanto no tempo). E claro a lembrança para mim, jovem na altura com 16 anos, era o seu estranho nome, herdado do avô materno, que ouvido me soava a guloseima, sem que me atrevesse a esclarecer tal bizarria. Mas o meu não era muito melhor…
Aproximou-nos o coleccionismo, os postais, os inteiros postais, os postais máximos, dos quais o Carmelo de Matos foi e é expoente máximo… pela sua cultura, pelo gosto pelas ciências e pela história, que afortunadamente puderam ser ainda mais divulgados com a disseminação das redes sociais.
Mas o vozeirão (de que tão bem me lembro!) que caracterizava o contacto humano com o Carmelo de Matos, passou agora a ouvir-se na forma digital dos maravilhosos escritos do Hernâni Matos. Sempre mordaz, consciente das suas convicções e crente na sua mensagem, Hernâni Carmelo de Matos (agora na forma inteira) é uma daqueles poucos amigos que não esquecemos, pela força da sua presença.
Obrigado Carmelo de Matos, obrigado Hernâni Matos.

Bento Grossinho Dias
Lisboa, 30 de Março de 2021

Hernâni Matos

terça-feira, 13 de abril de 2021

Professor para sempre...


Laurinda Paulino. Professora.

Conheci o Hernâni no dia 11 de novembro de 1980, na sala 14 (anfiteatro do primeiro piso) da Escola Secundária de Estremoz quando se apresentou como professor de Física da turma C do 12.º ano, à qual eu pertencia. Ensinou-me conteúdos de Física que se integravam nos ramos da Mecânica, da Cinemática, da Dinâmica e da Estática, mas também me ensinou Matemática, nomeadamente Álgebra e Análise Vetorial e foi com ele que eu aprendi “a derivar”.
Eu vivi a escola (e a universidade) nos anos em que foram implementadas profundas transformações no sistema educativo (1974-1986) e fui uma das “cobaias” a experimentar o curso geral unificado, o curso complementar, o 12.º ano de escolaridade em substituição do ano propedêutico, novos programas e novos modelos de avaliação. Portugal estava a equiparar o seu sistema de ensino com os outros países europeus, estabelecendo 12 anos de escolaridade obrigatória antes do ensino superior. Por isso, eu como aluna, e o Hernâni como professor, experimentámos pela primeira vez aquele programa de Física. Não havia manual, os apontamentos/fichas com exercícios do professor eram indecifráveis pois apresentavam uma caligrafia que me faziam doer os olhos de tantas horas que levava a olhar para aqueles gatafunhos. Às vezes conseguia-os descodificar, outras vezes adivinhava-os após algumas investidas e noutras desistia mesmo e ia para a biblioteca escolar estudar através dos livros que o professor aconselhara.
O Hernâni era um bom professor, dominava completamente os assuntos que abordava, preparava as aulas e lecionava-as de forma muito profissional e por vezes, adicionava uma “pitada” de humor nas suas exposições. Mas quando se zangava… era de fugir. “A malta” respeitava-o e gostava dele.
No segundo período o professor Hernâni rumou a outras paragens e deixou-nos com “a filha nos braços”. Foi substituído por uma jovem professora do Norte. A turma sentiu a sua falta.
No final do 12.º ano fiz uma limpeza à papelada que havia em casa e joguei fora todos os cadernos da escola de todas as disciplinas, exceto o de Física do 12.º ano. Vá-se lá saber porquê!... Conteria informação preciosa? Mais de 40 anos depois, voltei a abri-lo para pesquisar o esclarecimento que hoje necessito. No primeiro ano da universidade, enrascada com a Mecânica, recorri aos apontamentos do Hernâni Matos, que me deram jeito e me safaram no exame de Física Geral I.
Em 1986, regressei à Escola Secundária de Estremoz como professora do grupo 4.ºA (Física e Química). O Hernâni era o delegado de grupo e voltou a dar-me uma lição no que respeita à dedicação e envolvimento nesta sua função na escola. Desde a preparação das reuniões, planificações, participação nas discussões até à realização de exposições e outras atividades, rotulagem e catalogação de materiais e equipamentos, o Hernâni despendia todo o seu potencial e deixou na escola, algumas referências que os colegas ainda hoje utilizam. Considero-o “um homem sem medo”, decidido, desenrascado, sincero, frontal, lutador e como ele próprio dizia “capaz de apanhar o touro pelos cornos”. Com o aparecimento e desenvolvimento das novas tecnologias, o Hernâni depressa criou uma simbiose com os computadores, e também me considero sua discípula neste território devido a algumas aprendizagens que fiz com ele.
Compartilhámos ações de formação, reuniões, materiais, momentos de trabalho e momentos de convívio. A relação profissional evoluiu para uma afinidade que se estabeleceu entre nós, gerando uma amizade, e tenho pelo Hernâni um sentimento de afeto, carinho, confiança e admiração por tudo aquilo que faz.
Para além de professor de Física e Química, o Hernâni deu outras grandes lições. Quando comparecemos em exposições de filatelia enriquecemos os nossos conhecimentos históricos sobre temas associados a acontecimentos, lugares, países, objetos… e ele organizou muitas. Quando assistimos às suas palestras aprendemos sempre algo na exposição divulgada e ele deu algumas sempre motivantes, enriquecedoras e bem-humoradas.
Em 1998 fiz parte da Direção da Escola e o Hernâni deu-nos todo o seu apoio, fazendo parte da Assembleia de Escola e foi convidado a dinamizar o Centro de Recursos, fazendo como é seu apanágio, um excelente trabalho.
Aposentou-se como professor da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel de Estremoz tendo-me oferecido algum do seu património na área da Física e da Química. Reformou-se mas não parou de doutrinar, divulgar e mostrar toda a sua dedicação à Cultura Portuguesa com ênfase nos Bonecos e Olaria de Estremoz.
Não sei se diga que o Hernâni entregou a sua vida a dar lições ou se deu uma grande lição de vida onde florescem ideias que se casam uma nas outras, se multiplicam e acrescentam pontos para completar um conto que vai com certeza fazer parte da História de Estremoz.

Laurinda Paulino. Professora.
Estremoz, 1 de Abril de 2021

domingo, 11 de abril de 2021

Quando levantar o cerco


 António Morais Arnaud. Engenheiro Mecânico. Doutor em Informática.
Professor Universitário.

Todas as Terras deviam ter um Hernâni que conhecesse a sua História, as suas gentes, que apreciasse a sua beleza e as defendesse com a palavra amplificada pelas tecnologias, da informação pós-Gutenberg e da comunicação digital. Muitas tiveram a sorte de terem sido berço de escritores que perpetuaram em livro a memória da época em que viveram e algumas foram estudadas por apaixonados que reuniram memórias etnográficas, arquitetónicas, com respeito pelos concidadãos que as cuidaram.
Só conheci o Hernâni neste século, apesar de ter ido para a Valeja, a 14 km de Estremoz, com uma semana de idade e de aí ter passado até aos 20 anos, Natais, Páscoa e parte das férias grandes, com idas a Estremoz, semanais e nos dias de festa. Só passei a conhecer Estremoz e a lembrar aspectos do meu crescimento com o blogue que o Hernâni tem mantido vivo, com a sua paixão multifacetada, acompanhando e defendendo a integridade do património cultural com independência, isenção e conhecimento meticuloso. 
São inúmeros os agradecimentos que deveria fazer ao Hernâni, da gastronomia que partilhámos, às conversas na Feira de Velharias, onde ele salvava objectos abandonados, passando pelos muitos amigos comuns e vivências relembradas. 
Só aguardo o levantar deste cerco às nossas vidas para voltar ao Sábado à Terra de que mais gosto neste país que tenho percorrido e almoçar com o Hernâni no Tira-Picos.
 
António Morais Arnaud
Lisboa, 20 de Março de 2021

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Hernâni, o professor, o colega, o pai de Catarina e o amigo


Helena Fidalgo Marques. Professora.
 
Nos finais dos anos 80, do século passado, o Hernâni foi meu professor de Física e Química, no 10º e 11º ano. Ainda me recordo das suas aulas, no anfiteatro, que a Escola Secundária de Estremoz tinha na ala direita, onde atualmente estão os gabinetes e a biblioteca. Sempre, muito empenhado, em explicar aquelas matérias difíceis, mas interessantes, pelo menos para mim. Foi um bom professor e, dos tempos de aluna, ficaram memórias de luz.
Os professores contagiam e eu voltei à escola para, também, ser professora. E tive o privilégio de rever alguns dos meus professores e, entre eles, estava o colega Hernâni. Éramos os dois professores de Física. Só que ele da Física e Química e eu da Educação Física. Inércia, atrito, leis de Newton, velocidade, força e resistência, entre outros assuntos, são aspetos comuns às duas. Foram matérias que, também aprendi, no 9º ano, com a Fátima.
Em Abril de 2001, organizámos conjuntamente uma estafeta entre Évora e Estremoz, assegurada por cerca de 50 alunos da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. A estafeta constituiu uma das actividades de animação das Exposições Filatélicas “ESTREMOZ 2001” e “FILAMOZ 2001”, integradas no programa da FIAPE e visava transportar a mala postal entre a Estação dos Correios do Largo das Portas de Moura, em Évora e o Teatro Bernardim Ribeiro, em Estremoz, local do acto inaugural daquelas exposições. A mala transportada sucessivamente pelos alunos, continha correspondência marcada à partida com a marca de dia de serviço na Estação, assim como o carimbo de trânsito de “Correio por Estafetas”, sendo marcada à chegada com o “Carimbo Comemorativo do Centenário de Tomaz Alcaide”.
Quando a Catarina, filha da Fátima e do Hernâni, chegou ao ensino secundário, foi a minha vez de ser a sua professora.
Somos exemplo, de como a escola nos ligou. E, quando passados, cerca de 35 anos, recebo o seu convite para escrever, chamo-lhe amizade.
Obrigado Hernâni pelos seus ensinamentos e pelo gosto insaciável de partilhar conhecimento.
 
Helena Fidalgo Marques
Estremoz, 14 de março de 2021


Os alunos participantes na estafeta Évora-Estremoz realizada em Abril de 2001
posando para a posteridade.

domingo, 4 de abril de 2021

Hernâni, Homem de Cultura!


Renato Valadeiro. Funcionário autárquico.
 

Décimas dedicadas a Hernâni Matos
pelo poeta popular Renato Valadeiro


HERNÂNI, HOMEM DE CULTURA!

 
Faz anos que o conheci
Amigo que no tempo perdura
Por isso é que eu digo aqui
Hernâni, homem de cultura!
 
Soube que foi professor
A mim não me leccionou
De estudar não se cansou
O que faz é por amor.
Deixo-lhe assim o louvor
Porque eu nunca fingi
Enquanto assim eu cresci
Descobrindo coisas boas
Foi uma dessas pessoas
Faz anos que o conheci.
 
Sempre ele me convidava
Para os encontros de poetas
Queria atingir suas metas
Em tudo o que organizava.
Ninguém sequer o calava
Tinha até certa “bravura”
Quando alguma criatura
As voltas, lhe queria trocar
Vou então sempre afirmar
Amigo que no tempo perdura.
         
Também ele se dedica
À arte da Filatelia
E cada evento que cria
De coração cheio se fica.
Há mesmo quem o critica
Mas eu jamais percebi
Porque se o Sujeito segui
Sei que sabe muito de História
Não me sairá da memória
Por isso é que eu digo aqui.
 
E no blogue onde escreve
Pode-se provar ser verdade
Falar sobre esta cidade
Só como ele sabe e se atreve.
Que um dia destes se eleve
Para lembrança futura
Justa homenagem em escultura
Deste Ser mui sabedor
Dando-lhe o devido valor
Hernâni, Homem de Cultura!

Renato Valadeiro
Estremoz, 14 de Março de 2021