Com o
arranque, no mês de Abril, das obras de adaptação de um conjunto de antigos
edifícios abandonados, entre eles a “Casa do Alcaide-Mor”, que é monumento
nacional desde 1924, para dar lugar a um hotel de charme e várias habitações
turísticas, com a designação de villas, fica encerrado um conturbado
processo iniciado em 2016.
No
entanto, a polémica persiste. Vítor Cóias, especialista na requalificação e
reabilitação de património que privilegia a utilização de técnicas e materiais
tradicionais, contesta opções do projecto que é assinado pelos arquitectos Siza
Vieira e Carlos Castanheira. Na informação que prestou ao PÚBLICO,
interroga-se: “Pode-se demolir um monumento nacional e substituí-lo por uma
réplica com estrutura de betão armado?” E dá a resposta: “Pode, como se
demonstra com a Casa do Alcaide-Mor da Cidadela de Estremoz.”
Ao fim de
quase um século de abandono, em que sucessivos executivos municipais antes e
depois do 25 de Abril contemporizaram com a progressiva degradação de um
monumento nacional, nem a fachada, derradeiro testemunho do que foi a “Casa do
Alcaide-Mor”, foi possível recuperar. No local das obras já estão montadas as
armaduras e cofragens de pilares de betão armado, “aparentemente no plano das
fachadas demolidas”, refere o especialista.
O
edifício que foi a residência privada de D. Sancho de Noronha, alcaide-mor de
Estremoz durante o século XV, mantinha a mais interessante fachada de
arquitectura civil erguida na encosta escarpada da colina de Estremoz, a cerca
de 80 metros da torre de menagem do castelo. Evidenciava vários estilos, tais
como o mudéjar, o renascentista, o manuelino e o neoclássico. Destacavam-se as
janelas da fachada frontal de estilo manuelino-mudéjar.
José
Sádio, que será o próximo presidente da Câmara de Estremoz e é vereador no
actual executivo, pelo PS, explicou ao PÚBLICO que o processo se tornou
“irreversível”, mas que a fachada agora demolida será reposta. “Foi mapeada
toda a estrutura, para que possa ser construída igual à que estava” e onde
serão colocados todos os elementos que a caracterizavam. “Foram guardadas as
cantarias para serem incorporadas na nova fachada”, referiu Vítor Cóias.
Em Abril
de 2016, o então presidente da Câmara de Estremoz, Luís Mourinha, eleito na
lista do Movimento Independente por Estremoz e que perdeu o mandato em
Fevereiro de 2019 por ter sido condenado pelo crime de prevaricação, garantia
ao PÚBLICO: a deliberação aprovada (em Março de 2016) pelo executivo municipal
determina que a fachada da antiga casa “vai manter-se tal com está”. Mas, em
Abril passado, acabou por ser demolida.
Projecto
de milhões
A Casa do
Alcaide-Mor de Estremoz foi adquirida em hasta pública por 180 mil euros pelo
antigo presidente da Portucel e ex-administrador da EDP Jorge Godinho, que é
sócio-gerente da empresa Barrocas Turismo e Lazer. Também comprou um conjunto
de outros edifícios do mesmo quarteirão a particulares, desde a antiga Casa do
Alcaide-Mor até à Capela da Rainha Santa Isabel. Na sua maior parte, estavam
devolutos. O promotor teve de negociar apenas a saída de um residente que tinha
feito obras no edifício que habitava.
Durante a
apresentação do projecto da autoria de Siza Vieira e Carlos Castanheira, a 17
de Julho de 2019, Jorge Godinho adiantou que o empreendimento oferece, para
além do hotel e das villas, “vários pátios, com espaços de lazer, e um patamar
ajardinado junto à muralha” que permita a todos os hóspedes e visitantes
frequentar uma zona de restauração na unidade hoteleira.
O
conjunto das casas adquiridas a particulares vão funcionar como suítes, todas
elas viradas para um hall central, e o projecto vai custar “vários milhões de
euros”, refere o promotor, sem adiantar números precisos. Os hóspedes vão
usufruir de todos os serviços do hotel.
O imóvel
que se encontrava ao abandono desde a década de 30, e que chegou a ser um
bordel, teve na sua génese as dificuldades de alojamento que D. Afonso V sentia
sempre que se deslocava a Estremoz para caçar. A casa do alcaide-mor passou a
albergar o monarca e a sua numerosa corte durante longos períodos,
transformando-se em paço real, obrigando o alcaide-mor e a sua família a
deslocarem-se para outro local.
É neste
contexto que surge a necessidade de encontrar uma nova habitação para o
alcaide-mor, que se materializa com a construção da casa onde vai surgir agora,
no século XXI, um hotel de charme.
O
edifício, que também é conhecido por Casa da Câmara medieval, terá acolhido o
paço municipal, mas Túlio Espanca (historiador de arte e primo de Florbela
Espanca) admite que esta funcionalidade “parece não ter muito fundamento”.
Depois passou por momentos conturbados, quando a Câmara de Estremoz o colocou à
venda numa criticada hasta pública.
Foi
arrematado por John Ryan, cidadão irlandês em representação de Iris Holding
Group, empresa dos Estados Unidos da América com sede num paraíso fiscal nos
EUA e com sucursal na Praça Luís de Camões, em Estremoz, pelo preço de 279 mil euros.
O cheque no valor de 10% do preço global da licitação (27.900 euros) foi
depositado na conta do município de Estremoz, mas rapidamente se descobriu que
estava sem provisão-
John Ryan
foi notificado pela autarquia para, no prazo máximo de cinco dias úteis,
proceder à regularização do cheque. Nada feito. Segue-se mais uma série de
prorrogações para que regularizasse o pagamento da caução e é ameaçado com a
possibilidade do município recorrer à via judicial para a cobrança em dívida, o
que não surtiu qualquer efeito. Depois de várias insistências, Ryan mostrou-se
apenas disponível para assinar “o que fosse necessário para a realização de
nova hasta pública ou para a adjudicação do imóvel a quem fez a proposta
imediatamente anterior à última efectuada” em hasta pública. A venda acabou por
ser revogada.
Por fim,
em Agosto de 2018 e em nova hasta pública, a Casa do Alcaide-Mor de Estremoz
foi arrematada a Jorge Godinho, pelo valor de 180 mil euros, e as obras de
reconversão do imóvel, que deveriam ter arrancadono início de 2020, começaram
em Abril de 2021.
Fachada será reconstruída
Na
reunião da Câmara de Estremoz realizada no dia 28 de Abril de 2021, os
vereadores da oposição (PS) questionaram o presidente da autarquia pela falta
de informação que está a envolver o projecto, alegando desconhecerem as razões
que forçaram à demolição da fachada do edifício. Mesmo assim, esperam que o
derrube da estrutura tenha sido feito “após um levantamento preciso para a sua reconstrução
e de acordo com a imagem existente.”
O
vereador José Trindade respondeu que foi efectuada uma “demolição/contenção da
fachada com aproveitamento de todos os elementos necessários para a sua
replicação”, tendo o processo sido precedido de um relatório prévio devidamente
aprovado pelos Serviços de Arqueologia da Direcção Regional de Cultura do
Alentejo.
Vítor Cóias
diz que o projecto de Siza Vieira e Carlos Castanheira “‘turistifica’, mais do
que requalifica, e contraria as intenções que vinham sendo manifestadas pelo
município, que eram de criar um espaço aberto ao público, com uma utilização de
índole cultural.”
Não foi
possível obter esclarecimentos do presidente da Câmara de Estremoz, Francisco
Ramos, nem da Direcção Regional de Cultura do Alentejo, sobre o assunto.
E o capital puro e duro vai fazendo o seu caminho...não será possivel manter tudo como dantes..mas tem de haver prioridades..o Alentejo vai virar Disneilandia e Vale de S.Francisco ...
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