quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Roda: Amor - O ramo mora no aro


Fotografia de Jorge Chaves (jchaves@orange.fr)

O nosso amigo Jorge Chaves é um fotógrafo profissional que sente e por isso sabe registar magistralmente, aquilo que de belo tem o Alentejo. Uma fotografia sua, extremamente bela, de duas rodas radiadas, pertencentes a carros de tracção animal, está na origem do presente ensaio etnográfico.
A roda será porventura o maior invento de todos os tempos. O homem terá começado por arrastar pedras e árvores sobre troncos de árvores, para mais tarde o começar a fazer sobre estrados assentes em rolos de madeira. O transporte de materiais tornou-se então mais fácil. Hoje sabemos que o atrito de rolamento é inferior ao atrito de escorregamento, mas em termos práticos, isso foi descoberto há milhares de anos.
Depois dessa primeira descoberta, os rolos terão sofrido nas extremidades, a aplicação de discos toscos, percursores das rodas, servindo os rolos de eixos. Quer os eixos quer as rodas sofriam movimento de rotação e movimento de translação. Este último era um inconveniente, por que o eixo se deslocava ao longo do estrado, obrigando a ajustes sucessivos. Mais tarde, o eixo é preso ao estrado e as rodas passam a girar livremente, exteriormente ao estrado. Nos modelos primitivos, as rodas eram baixas e os estrados próximos do chão. A necessidade de elevar o estrado em relação ao solo, levou ao alteamento das rodas, que eram maciças e grossas devido ao peso dos materiais transportados. E assim o foram durante séculos, até que para se tornarem mais leves foram abertos nas rodas, dois óculos arredondados. Mais tarde, a roda maciça viria a ser aberta em partes mais largas, o que está na origem da roda radiada, na qual raios de madeira unem um aro periférico ao centro, apoiado na cabeça saliente do eixo. Mais tarde, o aro de madeira periférico viria a ser protegido por um aro de ferro. A roda transmite de maneira amplificada para o eixo de rotação, qualquer força aplicada no aro periférico, reduzindo a transmissão da velocidade. Analogamente, a roda transmite de maneira reduzida para o aro periférico, qualquer força aplicada no seu eixo de rotação, amplificando a transmissão da velocidade.
Os carros de tracção animal alentejanos, puxados a muares ou a cavalos, dos mais leves e andarilhos do nosso país, movem-se facilmente com rodas radiadas com diâmetros de 1,80 m a 1, 50 m.
Na literatura oral são múltiplas as referências, à roda. São assim conhecidas as seguintes adivinhas, cuja solução é fornecida no final, entre parêntesis:
- Qual é coisa, qual é ela, que é redonda como o Sol, tem mais raios do que uma trovoada e anda sempre aos pares? (A roda radiada);
- Qual é coisa, qual é ela, que a roda disse para o carro? (Vamos dar uma voltinha.);
- Qual é a roda, qual é ela que quando um carro está a fazer a curva para a direita, roda menos? (A roda suplente).
São igualmente conhecidos os seguintes provérbios sobre rodas:
- Uma roda toca a outra.
- A vida é uma roda, tanto anda como desanda.
- A roda da fortuna tanto anda como desanda.
- A roda da fortuna anda mais que a do moinho.
- A roda da fortuna nunca é uma.
- Cada um dança, conforme a roda onde está.
- A pior roda é a que mais chia.
- Rodas e advogados precisam de ser untados.
Há de resto, expressões populares portuguesas, em que figura o termo “roda”:
- Roda! – Deixa-me!;
- À roda - À volta;
- Roda da fortuna – Frase que significa que a fortuna não pára;
- Roda dos Expostos – Espécie de armário giratório em que se expunham as crianças que se queriam enjeitar;
- Roda do tempo – A sucessão dos anos da vida.
Terminamos com duas quadras populares recolhidas por António Tomaz Pires (1850-1913) e coligidas nos seus ”Cantos Populares Portugueses” (1902-1910), onde aparece o termo “roda”:

“Já corri o mar à roda
C’uma fita larga e estreita,
Para dar um nó redondo
Nessa cintura bem feita.”

“Senhores que estão à roda,
Vossês hão de perdoar,
Que esta menina picou-me
E eu quero-me despicar.”

(Publicado inicialmente em 25 de Fevereiro de 2010)

8 comentários:

  1. muito bom este artigo

    obrigado por ter escolhido uma das minhas fotos

    para mim o Alentejo é o sitio onde me sinto realmente bem

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  2. De uma forma singela o meu amigo para alem da história da roda o meu amigo apresenta-nos uma lição de Física. Gostei!!!

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    1. Feliciano:
      Na minha mente convergem vários saberes e valências. É como que uma paleta de mistura de cores, procurando obter o tom pretendido.
      Um abraço para si, amigo.

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  3. a roda e os advogados precisam ser untados! bonito...!

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  4. A leitura deste interessante texto faz-me recordar a carpintaria dos meus bisavós .Foi-lhe dada continuidade pelo meu avô materno e irmãos. Eram lá fabricadas carroças para a agricultura, carruagens entre outros. Não me recordo de pormenores da actividade era ainda criança e muito jovem na época. A carpintaria chamava-se" Joaquim das Neves Severo & Filhos " .Estava situada na Rua do Muro às Portas de Avis em Évora. e na época era muito conhecida e vendiam em todo o Alentejo...

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    1. Muito obrigado pelo seu depoimento, que acaba por ser um contributo para as Memórias de Évora de outros tempos. Bem haja.

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  5. A leitura deste interessante texto faz-me recordar a carpintaria criada pelos meus bisavós a que mais tarde foi dada continuidade pelo meu avô materno e irmãos. Eram lá fabricadas carroças. carruagens entre outras. Eram muito conhecidos e vendiam em todo o Alentejo Eu era ainda criança e depois muito jovem e não me recordo de pormenores. Chamava- se " Carpintaria de Joaquim das Neves Severo & Filhos ,Lda" e situava-se na Rua do Muro às Portas de Avis em Évora ...

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    1. Muito obrigado pelo seu depoimento, que acaba por ser um contributo para as Memórias de Évora de outros tempos. Bem haja.

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