PINÓQUIO (Quando mentia, o nariz crescia). Personagem de ficção surgida no
romance “As aventuras de Pinóquio” (1883), escrita por Carlo Collodi (1826-1890).
Ilustração de Enrico Mazzanti (1852-1910).
1º de Abril em Portugal O dia 1 de Abril é conhecido entre nós por “Dia das mentiras”, dia em que por tradição se pregam partidas aos outros, sejam eles familiares, amigos, vizinhos ou colegas de trabalho. A nível dos mídia, a imprensa escrita, a rádio, a televisão e a internet veiculam notícias, a maioria das vezes surpreendentes ou fantásticas, mas credíveis, as quais só no dia seguinte se vem a saber serem “mentiras do 1º de Abril”.
Decerto que haverá referências mais antigas ao 1º de Abril em Portugal, mas a mais antiga que eu conheço, data de 1885 e deve-se a Teófilo Braga [1] que nos revela que nos Açores a data era conhecida por “dia das petas” e no Porto por “dia dos enganos”, citando a propósito um jornal de província: “Efectivamente um dos enganos mais explorados é obrigar um indivíduo a dar passos baldados, procurar um objecto impossível ou que não está no sítio que lhe designam. E são especialmente as crianças escolhidas para vítimas dos enganos, porque a elas se presta mais a sua inocência. – Vai buscar uma corda para amarrar o vento. - Ah! Exclamam para outro: Quem te pintou a cara? E a criança corre ao espelho e só então se lembra que está no 1º de Abril”.
O 1º de Abril na minha infância À semelhança de outros cidadãos, fui naturalmente e por ingenuidade, vítima de brincadeiras do 1º de Abril. A primeira deve ter ocorrido quando tinha para aí uns nove anos de idade e frequentava a instrução primária. O meu pai tinha uma oficina de alfaiate no primeiro andar da casa onde morávamos, na rua da Misericórdia, em Estremoz. Quando cheguei a casa vindo da escola, uma costureira que me ouvira a subir a escada, apareceu de rompante e disse-me para eu não subir e ir ao armazém do Senhor Tabaquinho, no Rossio Marquês de Pombal, que era o meu pai que mandava. Era para trazer 1 metro de entretim amarelo, que se tinha acabado e que dissesse que o meu pai ia lá pagar depois. Entreguei-lhe então a sacola da escola e lá fui eu a caminho do armazém do Senhor Tabaquinho. Chegado lá, puto espigadote, declaro ufano:
- Senhor Tabaquinho: quero 1 metro de entretim amarelo, que o meu pai depois vem cá pagar.
Qual não foi o meu espanto, quando o Senhor Tabaquinho e com ele todos os empregados, começaram a rir a bandeiras despregadas.
- O que é que aconteceu para se estarem a rir dessa maneira? - Perguntei eu.
Responde o Senhor Tabaquinho:
- Foi o teu pai que te mandou cá?
- Não Senhor Tabaquinho, foi uma empregada. – Respondi eu.
Diz-me então o Senhor Tabaquinho:
- Sabes uma coisa rapaz? A tua encomenda é muito estranha. É que não existe entretim amarelo, o teu pai compra sempre à peça e paga logo. Sabes que dia é hoje? É o 1º de Abril. É o dia das mentiras. Sabes uma coisa? A empregada que te mandou cá pregou-te uma partida. Não te arrelies que a mim também me fizeram o mesmo há muito tempo e ainda aqui estou.
Ouvido isto, lá fui para a oficina com o rabo entre as pernas e quando entrei algo cabisbaixo, houve risota geral das costureiras. Porém, eu ericei o pelo da venta, arrebitei o nariz e proclamei:
- Não me voltem a enganar! Metam-se com os rapazes da vossa idade!
A risota acabou e o meu pai ficou a saber o que se tinha passado, exclamando então:
- O gaiato tem razão. Vocês não têm juízo nenhum…
Este foi o meu baptismo de 1º de Abril. Depois disto e que me lembre, caí numa esparrela mais uma vez e logo no ano seguinte, quando fui para o 1º ano do liceu. No início dum intervalo, um aluno do 5º ano, disse-me assim:
- Enquanto eu aproveito o intervalo para fumar um cigarro, preciso que vás ali à Difarsul e me compres cinco tostões de electricidade em pó, pois como sabes sou interno no Colégio e tenho uma avaria na electricidade lá do quarto. Toma lá o dinheiro e não te demores pá, para chegares antes do toque da sineta para a entrada, senão ainda tens falta.
Eu, porque me dava bem com ele, dispus-me sem hesitações a ser prestável e a ir fazer o avio, até porque a Difarsul, vendedora de produtos químicos, ficava a 100 metros dali. Chegado lá, disse ao que ia, enquanto punha a moeda para pagamento em cima do balcão.
Resposta do funcionário:
- Oh rapaz, guarda o dinheiro e diz a quem te mandou cá que tenha juízo! Fica a saber que electricidade, só por fios. Sabes uma coisa? Caíste numa brincadeira do 1º de Abril.
Cabisbaixo, voltei a correr para o Colégio para não chegar atrasado às aulas. Chegado ao pátio, disse ao colega mais velho:
- É pá, tu enganaste-me! Pregaste-me uma partida, mas toma lá a moeda que é tua.
Ele deu-me uma palmada no ombro e respondeu-me:
- Pois preguei, que é para ver se espertas!
Ficámos amigos à mesma e eu tomei aquela partida como advertência. A partir daí tornou-se difícil pregar-me partidas no 1º de Abril.
BIBLIOGRAFIA
[1] - BRAGA, Teófilo. O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições. Livraria Ferreira – Editora. Lisboa, 1885.
Exposição comemorativa dos 70 anos da primeira exibição pública do antigo Cineclube de Estremoz (1954 -1973)
POR SUAS PRÓPRIAS MÃOS
de 2 a 20 de abril
no Teatro Bernardim Ribeiro, em Estremoz
Por Suas Próprias Mãos é uma primeira mostra de documentos, que se inscreve num trabalho mais vasto de investigação em curso, cujo objetivo principal é dar a conhecer a atividade do Cineclube de Estremoz (1954 -1973). A exposição é composta por materiais produzidos pelo cineclube, em que o cuidado gráfico, as gravuras originais (de nomes como Aníbal Falcato Alves, António Quadros, Armando Alves, Espiga Pinto ou Rogério Ribeiro) e a qualidade dos textos, apresentados nos boletins e programas, dão conta da enorme preocupação e empenho na divulgação do cinema.
«A criação dos Cine-Clubes foi, decerto, um passo em frente no desenvolvimento da cultura geral, ver e saber, ver, bom cinema não é como poderão pensar alguns, uma especialização de menor monta: mas um verdadeiro progresso da inteligência, da imaginação e da sensibilidade. Se o desenvolvimento dos Cine-Clubes tem prestado verdadeiros serviços à causa da cultura - talvez como poucos merece louvores o CineClube de Estremoz».
Fascínio é o natural e intenso sentimento despertado pela imagem aqui apresentada. Lado a lado, duas Primaveras com os mesmos atributos, a mesma estética e o mesmo cromatismo, diferentes apenas no tamanho. Uma é Primavera adulta e a outra uma Primavera menina.
É notória uma forte ligação entre elas, patente na mão da mãe que segura a mão da filha, a quem comunica confiança e também ternura, igualmente transmitida pelo olhar que a Primavera menina absorve, encantada. É a partilha de saberes, de luz e de claridades, de cores e de tons, de perfumes e sons. É o legado de marcas identitárias ciclicamente propaladas à natureza e que assinalam a sua renovação. É uma mensagem de esperança nos dias da amanhã. É o revelar de um paradigma: Atrás da Primavera, outras Primaveras hão de vir.
O Testemunho da Primavera de Joana Santos é simultaneamente o testemunho do génio criativo e da mente brilhante de uma mulher ceramista, que há muito pôs a magia das suas mãos tecnicamente dotadas, em sincronia harmónica com os impulsos de alma. É um deleite de espírito a visualização e a contemplação das suas criações. É, de resto, um privilégio e isso para mim é muito importante, usufruir do privilégio da sua amizade.
A Primavera constitui há muito um tema transversal
a toda a poesia portuguesa. Camões, numa “Elegia” confessa: “Vi já que a
Primavera, de contente, / De mil cores alegres, revestia / O monte, o rio, o campo,
alegremente.”. Por sua vez, Florbela Espanca, no soneto “Amar” proclama: “Há
uma Primavera em cada vida: / É preciso cantá-la assim florida, / Pois se Deus
nos deu voz, foi pra cantar!”. Já o cancioneiro popular considera que:
“Primavera, linda flor / Como ela não há iguais: / Primavera volta sempre, /
Mocidade não vem mais!”.
A Primavera dos pintores
A Primavera é o tema central de obras de grandes
mestres da pintura universal, com destaque pessoal para Sandro Botticelli,
Jacob Grimmer, Tintoretto, Christian Bernhard Rode, János Rombauer, Caude
Monet, Alfons Mucha, Veloso Salgado e José Malhoa.
Os seus quadros representam a natureza, verdejante
e florida, com a presença alegórica de graciosas figuras femininas, enquadradas
por flores, em ramos, grinaldas ou arcos.
A Primavera dos barristas
Na barrística popular de Estremoz existem figuras
designadas genericamente por “Primaveras”, que para além de constituírem uma
alegoria à estação do mesmo nome, são também figuras de Entrudo e registos dos
primitivos rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da
natureza.
Como figuras emblemáticas que são, as Primaveras
constituem um tema inescapável à modelação por qualquer barrista. Nela são
variados os caminhos que se lhe deparam. Em primeiro lugar, a
modelação, a qual pode ser executada na linha de continuidade dos barristas
precedentes ou alternativamente num rumo que de certo modo constitui uma ruptura
com aquela prática. Trata-se de uma ruptura que sem fugir aos cânones da
modelação tradicional, proclama as suas próprias marcas identidárias, notórias
na estética da figura criada. Em segundo lugar, a decoração desta. Aqui pode
haver uma inovação na cromática tradicional que reforce a mensagem que é
intrínseca ao tema, bem como a introdução de elementos de composição que
reforcem a contextualização temática.
A Primavera de Joana Oliveira
A barrista Joana Oliveira recriou recentemente a
chamada “Primavera de arco”. Na sua construção seguiu o segundo dos caminhos
anteriormente apontados: o da inovação. E fê-lo para dar conta do modo como vê
as coisas e com a força anímica que é seu timbre.
A Primavera nasceu-lhe das mãos e tomou forma.
Cresceu como figura, emancipou-se e autonomizou-se para fazer companhia a um
apaixonado incorrigível da barrística popular de Estremoz. Permitam-me que vos apresente
a “Primavera” que é e será sempre de Joana Oliveira.
É uma figura de corpo elegante, aspecto juvenil e
delicado, com ar jovial, da qual irradia luminosidade e frescura.
A postura das mãos parece antecipar o levantamento
dos braços para o corpo rodopiar sobre si mesmo. E aqui reside aquilo que me
parece ser uma das características mais importantes da modelação de Joana Oliveira:
a capacidade mágica de através de uma representação estática, sugerir uma
representação cinemática. E só este pormenor, revela-nos de imediato, Joana
Oliveira como uma barrista de primeira água.
Na decoração da figura, predominam o verde e o
amarelo. O primeiro é a cor da natureza viva, associada ao crescimento e à
renovação. O segundo traduz a alegria e o calor humano que lhe está associado.
O azul do chapéu transmite serenidade, tranquilidade e harmonia a todo o
conjunto.
Gratidão
Eu
queria agradecer-lhe Joana, a beleza da figura que criou.
Integrada no
Programa Comemorativo “50 anos em Liberdade: Comemorações do 50º aniversário da
Revolução de Abril de 1974”, a Sala de Exposições Temporárias do Museu
Municipal de Estremoz Prof. Joaquim Vermelho irá receber, de 23 de março a 2 de
junho, a exposição “Aníbal Falcato Alves”.
Aníbal Falcato
Alves nasceu em Estremoz, em 1921. Aos 10 anos começou a trabalhar como
caixeiro, profissão que conservou durante 40 anos. Fez o curso de canteiro
artístico. Em 1971, ingressou no ensino como professor de trabalhos manuais,
profissão que abandonou em 1991. Autor de vasta e riquíssima obra sobre a
cultura alentejana, que compreende recolhas gastronómicas e peças de artesanato
em madeira e papel, realizou inúmeras exposições na região. Data de 1987 a sua
primeira exposição individual, em Almada, no Grupo de Teatro Campolide;
contando com mais de 30 exposições no país, entre individuais e coletivas.
Fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, e do
Círculo Cultural de Estremoz. Sócio da Sociedade de Belas Artes na altura do
ressurgimento, bem como da Gravura e da Cooperativa Árvore, na sua fundação.
Militante do PCP desde a década de 50, teve participação destacada na luta
contra a ditadura fascista e integrou ativamente as campanhas do General Norton
de Matos e Humberto Delgado. Faleceu em junho de 1994.
A inauguração
decorrerá no sábado, dia 23 de março de 2024, pelas 16h00, no Museu Municipal
de Estremoz.
A Primavera (do latim primus, primeiro, et tempus, tempo), é a estação do ano que sucede ao Inverno e antecede o Verão. Marca a renovação da natureza, sendo especialmente associada ao reflorescimento da flora e da fauna terrestres.
Entre nós, a Primavera tem início a 20 de Março e termina a 20 de Junho. Inicia-se no equinócio de Março, em que o dia e a noite têm exactamente a mesma duração. A partir daí, a cada dia que passa, a duração dos dias aumenta e a das noites diminui. É uma estação que corresponde aos meses de Março, Abril, Maio e Junho. Caracteriza-se pelo abrandamento dos rigores do tempo verificados durante o Inverno, pela fusão das neves, assim como pelo brotar e pelo florescer das plantas. As árvores privadas das suas folhas no Outono, revivescem graças à acção de chuvas frequentes e de temperaturas amenas, proporcionadas por um sol mais presente que durante o Inverno.
Algumas árvores de fruto assinalam a sua actividade através do aparecimento de flores, que cobrem igualmente os campos, nos quais a erva tenra, regala o gado, liberto da dieta de feno ocorrida durante o inverno.
É nesta estação que devido a um aumento significativo do calor, despertem as espécies hibernantes e regressem as migratórias.
É escasso o adagiário português onde é utilizada explicitamente a palavra Primavera:
- Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera.
- Dizem os antigos, gente rude e sincera: nunca passou por mau tempo a chuva da Primavera.
- Um dia de Outono vale por dois de Primavera.
- Como vires a Primavera, assim pelo al espera.
Na pintura portuguesa, a Primavera foi um tema abordado por mestres como: Silva Porto (1850-1893), Alfredo Keil (1854-1907), Veloso Salgado (1864-1945), José Malhoa (1855-1933) e Eduardo Malta (1900-1967). Nos seus quadros a natureza está verdejante, florida e por vezes regista-se a presença de graciosas figuras femininas, visando reforçar a alegoria.
Hernâni Matos Publicado inicialmente em 20 de Março de 2012