quarta-feira, 28 de julho de 2021

Aproveitamento político dos Bonecos de Estremoz

Como era expectável, a inscrição da "Produção de Figurado em Barro de Estremoz" na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, foi aprovada no decurso da 12.ª Reunião do Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, que entre 4 e 9 de Dezembro de 2017 decorreu no Centro Internacional de Convenções Jeju, na ilha de Jeju, na República da Coreia.
A referida inscrição foi alcançada na sequência de candidatura apresentada pelo Município de Estremoz e corresponde ao reconhecimento planetário do labor e criatividade dos barristas do passado e do presente, que com as suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma manufactura “sui generis” de figurado de barro, dita ao “modo de Estremoz”.
A 7 de Dezembro de 2017, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto de congratulação, no qual é afirmado que “A Assembleia da República felicita, de forma destacada, todas as artesãs e artesãos, pelo seu insubstituível papel de preservação e divulgação deste património, cujo reconhecimento pela UNESCO engrandece a cultura popular e o País.”
O voto de congratulação que uniu deputados de todas as bancadas foi reflexo do regozijo sentido em todo o país e muito particularmente em Estremoz. Desde então, os Bonecos de Estremoz, factor de união entre estremocenses, reforçaram ainda mais o seu papel de ex-líbris e embaixadores culturais da cidade. Daí, que a meu ver, os Bonecos de Estremoz devessem merecer o respeito de toda a comunidade e não fossem alvo de qualquer tipo de aproveitamento que nada tem a ver com a sua origem, com a sua produção e com os artesãos seus criadores. Talvez por isso, o Município tenha registado em devido tempo a designação “Bonecos de Estremoz”.
Não foi esse o entendimento dos responsáveis do MIETZ, associação de cidadãos independentes, concorrente às próximas eleições autárquicas. Daí que tenham decidido utilizar na campanha eleitoral que se avizinha, um logotipo onde figuram elementos gráficos dum bem conhecido boneco de Estremoz. Trata-se, a meu ver, de aproveitamento político de uma realidade local (Bonecos de Estremoz) e do seu prestígio, para fazer passar mensagens e propostas para a comunidade, que nada têm a ver com Bonecos de Estremoz. Estes, até aqui, factor de união entre os estremocenses, passam a ser instrumento de divisão, já que se tornam símbolo e bandeira de um movimento político em confronto com outras forças políticas nas eleições que se avizinham. Convenhamos que é um mau serviço prestado à comunidade.

Publicado no jornal "Brados do Alentejo" de 29 de Julho de 2021.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Hernâni Matos: do lado esquerdo, o centro

 

Pedro Martins. Jurista. filósofo. Escritor.


Se a memória me não atraiçoa, vai para uns sete anos que pela mão de Maria Antónia Vitorino, e por mor da memória de seu marido, António Telmo, professor e filósofo vinculado às terras de Estremoz, conheci o Professor Hernâni Matos. Graças a ele, foi possível realizar uma sessão de homenagem ao autor da História Secreta de Portugal (livro em boa parte escrito no Café Águias d’Ouro) na Escola Secundária de Estremoz, onde Telmo, em meados dos anos 60, chegou a leccionar, como docente de Português e Francês da então Escola Industrial e Comercial, imediatamente antes de partir para o Brasil, para se juntar a Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva na Universidade de Brasília.
Foi uma sessão fabulosa, memorável como poucas, num auditório repleto de jovens estudantes, em que além do autor destas linhas intervieram Elísio Gala, que apresentou as Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo, livro então recém-lançado com a chancela eborense da Licorne e em que o Alentejo, de Estremoz ao Redondo, revela a sua notável presença; o próprio Hernâni Matos, evocando o quotidiano estremocense do filósofo como quem lhe traçasse um perfil de bilharista exímio; o Professor José Salema, Director da Escola e antigo aluno de Telmo; e a Professora Cláudia Marçal, Directora da Biblioteca Escolar, em cujas paredes, a partir desse dia 14 de Novembro de 2014, passou a estar patente em permanência um retrato do filósofo.
Uma homenagem assim, singelamente grandiosa e muito bem-sucedida, só foi possível graças ao denodo infatigável do Hernâni Matos, que a concebeu, preparou e organizou até ao mais ínfimo pormenor. Membro do Projecto António Telmo. Vida e Obra, foi também ele quem, alguns meses depois, convocando os bons ofícios da Associação Filatélica Alentejana, promoveu em Estremoz o lançamento a nível nacional do Volume III das Obras Completas de António Telmo, Luís de Camões e o Segredo d’Os Lusíadas seguido de Páginas Autobiográficas, com o selo proverbial da editora Zéfiro. Foi isto em 20 de Junho de 2015, no dia em que exactamente se completavam 35 anos sobre a célebre conferência “O Segredo d'Os Lusíadas”, proferida por António Telmo na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, em Lisboa, no âmbito das comemorações nacionais do quarto centenário da morte do poeta.
Generosa e fecunda, tão profícua como brilhante, a inesgotável capacidade de trabalho de Hernâni Matos, que venho de ilustrar com aquilo que de um modo mais directo, e sobretudo pessoal, lhe pude testemunhar, melhor se afere por padrões próximos da lenda. Décadas a fio, Hernâni Matos vem erguendo uma obra monumental como escritor, jornalista e blogger. Diria antes, para tudo dizer, como um emérito, notável investigador, pesquisador infatigável, insaciável coleccionador. Perquiridor de raízes e arcanos, o professor autodidacta e interdisciplinar percorre transversalmente, com ecuménica compreensão, sólida erudição e a sempre necessária argúcia, os domínios ecléticos da história local e regional, sem nunca olvidar os mais vastos horizontes da portugalidade, essa outra nuvem só nossa feita de todos os céus consentidos à vista desarmada – isto é, pacífica – da terra e do mar.
Apenas os insignes regionalistas da estirpe austera e entusiasta de um Hernâni Matos podem realmente entender o verdadeiro nacionalismo, que é sempre e só cultural, como sem escândalo sucede há muito ocorrer em música com um Lopes-Graça, e por vezes também cultual, posto que às baias dos dogmas sempre o nosso povo, herdeiro da heresia de Prisciliano, tenha sabido quebrar as grilhetas de todas as Romas, como nesse culto popular do Espírito Santo, que se talvez ande creditado em demasia à tão de Estremoz Rainha Santa Isabel, não deixa, também por esta, de nos evocar a Santa Liberdade sem a qual só o medo voraz ou o mesquinho interesse nos restam.
Homem por certo da margem esquerda, que é o lado do coração, Hernâni Matos devém um construtor de pontes: ele bem sabe que um rio mais pode unir do que separar logo que lhe sintamos a força da corrente, pressentindo a grandeza do que fica além da sua foz. E não é afinal o coração, no mar dos símbolos, como ensinava Telmo na senda de Dante e Guénon, o centro do mundo?
Não que com tudo isto se exima Hernâni ao exercício diuturno, e por vezes contundente, de uma crítica que na sua consciência é ainda memória, mas também o raiar daquela fímbria de esperança sem a qual nada vale realmente a pena. Franco-Atirador é o título certeiro dado como um espelho à recolha antológica que em 2017 deu a lume este Jano dado aos nossos dias. A potência dos seus escritos mais sugere a força de um exército. São, porém, homens solitários (não obstante, os mais solidários) como um Hernâni Matos – ou um António Reis Marques numa Sesimbra que não é já “minha” por se ter tornado terra de ninguém – que simulando, ou semelhando, as multidões iludem por ora os vazios onde sempre os demónios se procuram instalar. Haverá motivo maior para a nossa gratidão?

Pedro Martins
Almoinha, Sesimbra, 27 de Julho de 2021

domingo, 25 de julho de 2021

Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz vai abrir


O Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz situa-se no Palácio dos Marqueses
de Praia e Monforte, em Estremoz.

Transcrito com a devida vénia de
 newsletter do Município de Estremoz,
de 27 de Julho de 2021.

Dia 9 de agosto, pelas 11:00 horas, vai ter lugar a inauguração ao público do Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte, Rua Vasco da Gama, Estremoz.
Na sessão constará o descerramento de placa evocativa do momento, um momento musical com Rui Moura e uma visita guiada ao espaço pelo responsável técnico do projeto Hugo Guerreiro.
No âmbito do Plano de Valorização e Salvaguarda da Produção do Figurado em Barro de Estremoz, do projeto da Candidatura à Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, foi previsto a efetivação deste Centro Interpretativo. Este espaço resulta exatamente do êxito da Candidatura e do projeto de Valorização e Salvaguarda que o enquadra.
O objetivo principal do Centro Interpretativo passa por se colocar o foco no presente e futuro do Boneco de Estremoz, sendo que a exposição foi idealizada para ser dinâmica nos conteúdos e apresentação do figurado. Procurou-se dar destaque aos produtores, no fundo os grandes protagonistas desta história multisecular, e que pelo seu trabalho nos permitiram ainda hoje desfrutar desta tradição artesanal. Valorizar as pessoas e não apenas a sua produção, é um dos grandes objetivos do projeto.
Na exposição permanente teremos igualmente, de modo inovador, um espaço onde o visitante individual pode experimentar modelar uma figura ao modo de Estremoz. Desta forma, para além do conhecimento teórico, o visitante terá assim oportunidade de conhecer pela prática a especificidade da tradição que é hoje Património da Humanidade.
Por fim, este espaço terá no piso térreo uma valência inteiramente dedicada à área educativa, desde sempre a grande aposta do Museu Municipal Prof. Joaquim Vermelho.
O espaço vai abrir de terça-feira a domingo, tendo entrada gratuita até final do mês de outubro de 2021.

Newsleter do Município de Estremoz
27 de Julho de 2021










sábado, 24 de julho de 2021

Despertar para a poesia, de Francisco Ramos

 

Francisco Ramos, autor de "Despertar para a poesia".


"Despertar para a poesia” é o título do livro de poemas de Francisco Martinho Garrido Ramos, a ser apresentado ao público, no próximo dia 31 de Julho, sábado, pelas 17 horas, no Auditório do Pavilhão A do Parque de Feiras, em Estremoz.A apresentação do autor e da obra estarão a cargo de João Meira e Cruz e Hernâni Matos, respectivamente prefaciador e posfaciador do livro.
O autor, natural de São Bento do Ameixial, pai de três filhas e agricultor que já plantou muitas árvores, publica agora um livro por ocasião da passagem do seu 80.º aniversário.
A maioria dos poemas foram escritos no decurso da pandemia e divulgados nas redes sociais, onde o seu círculo de amigos o incentivou à publicação, o que agora aconteceu. Com ela fica completa a trindade de coisas, que de acordo com a tradição, um homem deve fazer na vida.
A edição é do autor e contou com o apoio do Município de Estremoz.


quinta-feira, 22 de julho de 2021

António Carmelo Aires e a Cerâmica de Redondo


António Carmelo Aires. 

Ao meu amigo António Carmelo Aires:

Carmelo Aires investigou
a cerâmica redondense
e logo um livro publicou.
Assim o seu trabalho vence.


CERÂMICA DO REDONDO - UM OUTRO OLHAR, é o título da obra de António Carmelo Aires, lançada pelas dezoito horas do passado sábado, dia 16 de Julho, no auditório do Centro Cultural de Redondo.
A sessão de lançamento do livro foi dirigida pelo Presidente da Câmara Municipal, que tinha à sua esquerda e sucessivamente, o autor e o Presidente da Junta de Freguesia de Redondo. Por sua vez, à direita do Presidente, encontravam-se sucessivamente a Directora Regional de Cultura do Alentejo e o prefaciador do livro.
O evento abriu com uma intervenção do Presidente da Câmara, à qual se seguiram as intervenções do prefaciador, da Directora Regional de Cultura e do autor.
A cerimónia terminou com uma sessão de autógrafos.

A obra
A obra abre com Agradecimentos do autor, a que se segue um excelente Prefácio da autoria de Hugo Guerreiro, Historiador e Museólogo, que nos diz que: “Dificilmente um investigador deixará de analisar um trabalho em que o autor apresenta dados de relevância histórica, sociológica, antropológica e etnológica, vividos na primeira pessoa e depois maturados ao longo de várias décadas de amor à arte”. E acrescenta: “…mais que uma memória, este livro é igualmente um trabalho de análise e investigação, que servirá para aumentar e aprofundar o conhecimento actual da temática tratada.”
No Preâmbulo, o autor confessa ter espírito de coleccionador e gosto pela arte do barro, o que o levou ao longo de décadas a recolher mais de trezentas peças do centro oleiro de Redondo, umas já existentes na sua velha casa, outras adquiridas e outras doadas. Revela-nos ainda que por impedimento da sua actividade profissional e por deveres cívicos, só há poucos anos começou a estudar o conjunto reunido e o fruto desse estudo foi agora por ele dado à estampa.
A obra distribui-se por 11 capítulos:1-Preâmbulo, 2-Redondo e a decoração das suas peças, 3-O problema da autoria e da identificação das peças oláricas, 4-Peças já desaparecidas ou em vias de desaparecer, 5-Redondo, centro produtor de talhas?, 6-Mestre Álvaro Chalana, 7- Ti Rita, 8-Mestre Estevão Zorrinho, 9-Hermínio José Zorrinho, 10-A minha colecção, 11-Peças da mina colecção cedidas para exposição e figurando em obras escritas.
O autor justifica a estrutura do livro com base nas suas motivações pessoais. No final da obra, o leitor tem à sua disposição um Glossário de termos relativos à nomenclatura de peças oláricas de diferentes tipologias e funcionalidades, bem como técnicas de decoração.
O livro, profusamente ilustrado a cores, com design gráfico de Alexandra Mariano, fotografias de Manuel Ribeiro e capa de Luís Aires, tem capa dura, 21,5 cm x 30 cm, 170 páginas e 1027 g de peso. A edição é uma edição conjunta da Câmara Municipal do Redondo e da Junta de Freguesia do Redondo. A tiragem é de 500 exemplares, impressos na Gráfica Eborense.

O autor
António Carmelo Aires é natural de Redondo, onde nasceu em 1937. Médico veterinário, iniciou a sua carreira profissional em Gaia, transferindo-se mais tarde para Évora, onde exerceu clínica rural e ocupou cargos de chefia em múltiplos organismos oficiais. Esta actividade culminou com a sua nomeação para Presidente da Comissão de Coordenação Regional do Alentejo em 1970, à qual se seguiu o cargo de Presidente da Comissão de Coordenação do Alentejo, o qual desempenhou até à sua aposentação em 1996.
No quadro europeu desempenhou igualmente inúmeros cargos no âmbito do Desenvolvimento Regional, da Viticultura e da Cultura Regional, tendo integrado missões de estudo da OCDE a Itália e à Jugoslávia.
Sócio de numerosas associações científicas, tem trabalhos seus publicados em revistas da especialidade. Colaborador activo da imprensa regional e local, sobretudo na área do Desenvolvimento Regional. Ao longo dos anos tem organizado, participado e comissariado inúmeras exposições e mostras de cultura alentejana.
Como coleccionador é polifacetado e os seus interesses incluem o barro vermelho, a porcelana, a faiança, o vidro, os têxteis e os artefactos de cozinha.

Balanço final
A obra contou muito para a sua elaboração com a vivência e vasta colecção do autor, que a estudou em profundidade, recorrendo a fontes escritas referidas na Bibliografia citada no final.
A obra de Carmelo Aires vem preencher uma lacuna que há muito se fazia sentir não só entre os coleccionadores como entre os estudiosos e vem enriquecer também a bibliografia cerâmica portuguesa. Para além de outros méritos, o livro caracteriza com rigor e profundidade a decoração da cerâmica redondense que é única, que é património imaterial local e integra a matriz identitária da cultura popular local.
O autor está, pois, de parabéns por mais este valioso contributo para a perpetuidade do registo da cultura redondense.

Publicado no jornal E nº 272
Estremoz, 22 de Julho de 2021


 
A obra de António Carmelo Aires.

Os oradores da sessão.

Um aspecto da assistência.



terça-feira, 20 de julho de 2021

Carlos Alves e o pastor de tarro e manta


Pastor de tarro e manta (2021). Carlos Alves (1958-  ).

 AO BARRISTA CARLOS ALVES:

O modelar um pastor
bem requer ocasião.
É criado com rigor
mais amor no coração.

LER AINDA:


Ex-libris do Alentejo
O Alentejo de hoje não é o mesmo que nos foi legado pelos nossos avós. Desde então que ocorreram transformações profundas no meio ambiente, na paisagem, nos meios de produção, nas relações de trabalho, no tecido social e em muitos outros aspectos.
As fainas agro-pastoris processam-se hoje de modo diferente e os actores já não são os mesmos. Uns desapareceram, outros descaracterizaram-se e deixam atrás de si, pegadas etnográficas diferentes daquelas que deixavam até cerca de meados do séc. XX. Todavia, os registos etnográficos desses actores de antanho permanecem vivos na memória de muitos de nós. E é assim, que o pastor de ovelhas com todos os seus atributos, continua a ser utilizado como ex-libris do Alentejo. Trata-se de um personagem com forte presença nas letras e nas artes, perpetuado em fotografias, pinturas e esculturas em pedra, madeira ou barro. Escusado será dizer que continua a ser também objecto de representação pelos barristas de Estremoz. É o que se passa em particular com o chamado “pastor de tarro e manta”, cujos atributos usados na representação são: pelico (ou samarra) e safões, botas, chapéu aguadeiro, cajado, tarro e manta. Desses atributos nos fala o cancioneiro popular alentejano:

"Tod’a vida gardê gado,
E sempre fui ganadêro,
Uso cêfoes e cajado,
E pelico e caldêra.” [2]

“Toda a vida guardei gado,
Toda a vida fui pastor,
Deixei botins e cajado
Por via do meu amor.” [2]

“Debaixo das azinheiras
Encostado ao teu cajado,
Com o chapéu de abas largas
Vejo-te guardando o gado.” [1]

“Neste tarro de cortiça
oferta do meu amor,
até o pão com chouriça
às vezes sabe melhor.” [3]

Memórias guardadas
Coleccionador de memórias, já perdi o conto aos exemplares de pastores que povoam a minha colecção, começando no séc. XVIII e acabando, por enquanto, nos dias de hoje. O exemplar mais recente é da autoria de Carlos Alves, barrista que aposta numa modelação fortemente naturalista que procura representar as coisas tal como elas são, para o que recorre á representação de texturas. No presente caso, texturizou a pele dos safões, a cortiça do tarro e o cabelo do pastor. O cromatismo da figura segue igualmente a filosofia usada na modelação: procura colorir as coisas com as cores naturais que elas têm.
A modelação e o cromatismo da figura aqui patentes são notáveis. O cromatismo é assaz suave e harmonioso, uma vez que é dominante uma tricromia em que o verde (cor fria) é acompanhado de duas cores neutras: o preto e o castanho em diversas modalidades.
O pendor fortemente naturalista da modelação e do cromatismo de Carlos Alves, parecem-me ser as marcas identitárias mais fortes do barrista, as quais aqui registo e aplaudo:

BIBLIOGRAFIA
[1] – DELGADO, Manuel Joaquim. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa, 1980
[2] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[3] – SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano – Poesia Popular, Livraria Portugal, Lisboa, 1959.

sábado, 17 de julho de 2021

A República é uma bebedeira


Bêbado sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos.
Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX.


Adquiri recentemente um belo e curioso exemplar de barrística popular produzido numa das Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX, tematicamente situado no domínio satírico, o que me é particularmente grato.
Representa um homem trajando à moda da época, sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos. As notórias rosetas que ostenta nas faces, indiciam tratar-se de um bêbado. Este, apresenta a cabeça coberta por um barrete frígio vermelho, símbolo da Revolução Francesa (1789) e desde então adoptado como inequívoco símbolo do regime republicano, que em 1910 seria implantado em Portugal.
O Partido Republicano Português foi fundado em 1876, iria crescer e a propaganda republicana iria suscitar adesão popular às suas propostas, que abalavam fortemente a monarquia no poder desde o início do reinado de D. Afonso Henriques (1143).
Naturalmente que a batalha ideológica entre monárquicos e republicanos seria intensa e cada um dos lados tinha os seus apoiantes e os seus detractores. Essa batalha ideológica teria repercussões em vários domínios: na literatura, na imprensa, na ilustração e é claro na arte popular, acabando os autores por serem partidários duma facção ou da outra.
A meu ver, o presente exemplar de barrística popular estremocense é uma sátira monárquica à República, já que o bêbado usa barrete frígio vermelho. A mensagem anti-republicana implícita parece ser evidente: “A República é uma bebedeira”.
De salientar a decoração da base octogonal (quadrangular com as pontas cortadas em bisel), sarapintada com manchas brancas, verdes e pretas, que configuram um tecido camuflado.