Fig. 1 - Nossa Senhora a cavalo (Tipo 1, de frente e detrás). José Moreira (1926-1991).
Introdução
A “Fuga para o Egipto” é um evento relatado no Evangelho de São
Mateus (Mateus 2:13-25), no qual após a Adoração dos Magos, José foge para o
Egipto com Maria sua esposa e seu filho recém-nascido Jesus, após ter sido
avisado por um Anjo do Senhor, do massacre de crianças com menos de dois anos,
que ia ser perpetrado por ordem de Herodes I, o Grande, receoso que a criança
que os Magos proclamavam como novo rei, lhe tomasse o trono e o poder.
Arte cristã
Desde a Idade Média que a “Fuga para o
Egipto” constitui um tema recorrente na arte cristã, frequentemente
explorado pelos artistas plásticos, que representam Nossa Senhora com o Menino
Jesus ao colo, montada numa burrinha e acompanhada por São José, que segue a
pé.
A nível da pintura há inúmeras iluminuras dos
códices de pergaminho medievais, bem como pinturas sobre os suportes mais
diversos (tela, madeira, mármore, vidro, cobre, prata, fresco, etc.). No âmbito
da escultura em pedra, a evocação bíblica figura em pias baptismais, túmulos,
fachadas, capiteis, edículas, frisos de arquitraves, etc. A ela há a
acrescentar ainda a escultura em madeira e barro policromados, bem como painéis
de azulejos, vitrais, desenhos e gravuras (em madeira ou a água-forte).
Nessa múltiplas representações, a burrinha que
transporta Nossa Senhora (virada para o observador), desloca-se umas vezes para
a esquerda e outras vezes para a direita,
Barrística de Estremoz
O presente texto tem por finalidade analisar a
“Fuga para o Egipto”, modelada por José Moreira (1926-1991). Como a figura de
São José em pé não é geradora de ambiguidade, bastará focar a nossa atenção na
Imagem de Nossa Senhora a cavalo. Existem dois tipos desta imagem:
- NOSSA SENHORA A CAVALO (Tipo 1 – Fig.1) - A burrinha
marcha para o lado esquerdo do observador e Nossa Senhora está virada para o
lado esquerdo do animal e com as costas viradas para o lado contrário
(NSAC-Tipo 1).
- NOSSA SENHORA A CAVALO (Tipo 2 – Fig. 2) - A
burrinha marcha para o lado direito do observador e Nossa Senhora está virada
para o lado direito da asinina e com as costas viradas em sentido oposto
(NSAC-Tipo 2).
Tanto na imagem de Tipo 1, como na de Tipo 2, Nossa
Senhora monta à amazona numa burrinha cinzenta sem arreios, está sentada sobre
uma manta cor de zarcão, terminando por linhas incisas que simulam franjas.
Enverga túnica com gola e véu, ambos de cor azul celeste.
Transporta o Menino Jesus ao colo, ao mesmo tempo
que o segura com os braços. O Menino está enroupado com uma vestimenta branca,
decorada na extremidade com linhas incisas, azuis e cor de zarcão, imitando
franjas. Encontra-se ainda envolto numa manta que lhe pende dos ombros e cruza
no peito, igualmente branca e com franjas análogas às da extremidade da veste.
Tanto a Fig. 3 como a Fig. 4. mostram bem que as
figuras de Nossa Senhora a cavalo do Tipo 1 e do Tipo 2, não são imagens
espelhadas uma da outra.
Marcas
identitárias de José Moreira
As figuras manufacturadas por José Moreira
ostentam marcas identitárias inconfundíveis que o permitem identificar como
autor.
O olhar de Nossa Senhora e do Menino Jesus estão
definidos por sobrancelhas e pestanas paralelas, sendo estas últimas tangentes
às meninas do olho, as quais sendo maiores que noutras representações, tornam o
olhar mais expressivo.
Relativamente a outras representações, o asinino
tem uma cabeça maior, um olhar mais vivo, as narinas e a boca estão mais bem
definidas e os focinhos estão arrebitados, como que procurando afastar-se do
pescoço.
A crina do asinino está totalmente virada para o
lado do observador, o mesmo se passando com a rabada, comprida e a roçar o
chão.
A base em que assenta esta figura tem um topo
integralmente verde, ao contrário de outras representações que a têm pintalgada
de branco, amarelo e zarcão.
Epílogo
José Moreira modelava maioritariamente imagens de
Nossa Senhora a cavalo do Tipo 1, tal como o fizeram e fazem os barristas de
Estremoz, na sequência da revitalização da produção de Bonecos efectuada nos
anos 30 do séc. XX, por iniciativa do escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971).
Todavia, também modelava imagens de Nossa Senhora a cavalo do Tipo 2, em número
muito menor, possivelmente por distracção, já que estando Nossa Senhora virada
para o observador, a crina e a rabada estão viradas para lá do plano do papel.
Ana das Peles (1869-1945), da qual José Moreira foi
discípulo, modelava a burrinha a marchar para o lado direito do observador e
Nossa Senhora virada para o lado direito do asinino e com as costas viradas em
sentido oposto, mas punha a crina e a rabada para o lado do observador.
Maioritariamente os asininos de José Moreira
marcham para a esquerda, tal como os equídeos de figuras como “Cavaleiro”,
“Amazona”, “Lanceiro a cavalo” e “Lanceiro a cavalo com bandeira.
Face à pergunta “Esquerda ou direita?” que constituiu
o título do presente texto, a resposta inequívoca é: “Esquerda, pois claro!”.
Fig. 2 - Nossa Senhora a cavalo (Tipo 2, de frente e detrás). José Moreira (1926-1991).
Fig. 3 - Nossa Senhora a cavalo (Tipo 1 e Tipo 2, ambas de frente). José Moreira (1926-1991).
Fig. 4 - Nossa Senhora a cavalo (Tipo 1 e Tipo 2, ambas detrás). José Moreira (1926-1991).