sábado, 22 de outubro de 2016

ANTÓNIO GUTERRES VISTO POR COELHO RIBEIRO (Entrevista conduzida por Hernâni Matos)

Hernâni Matos (entrevistador) e Coelho Ribeiro (entrevistado).

José Coelho Ribeiro, 82 anos, bancário aposentado e membro do Partido Socialista, foi Presidente da Câmara Municipal do Fundão no mandato 1976-1979 e Presidente da Assembleia Municipal de Estremoz no mandato 1986-1989, cidade em que se fixou em 1980. Natural de Medelim (Idanha-a-Nova), mantém relações de estreita amizade com António Guterres, eleito recentemente Secretário-geral da ONU. Daí a razão da presente entrevista.

O DESPERTAR DE COELHO RIBEIRO
Como e quando, é que o cidadão Coelho Ribeiro despertou para a intervenção cívica e política?
A questão que me coloca leva-me a recuar até ao ano de 1954. Se me permite e para responder à sua pergunta, vejo-me obrigado a invocar esta data, tendo em conta a gravidade dos acontecimentos em que me vi envolvido. Foi, sem dúvida, o marco que gerou a minha repulsa à ditadura de Salazar e de Caetano. No mês de Junho desse ano, estando em Lisboa, caminhava para o café Martinho, para me encontrar com conterrâneos. Ao aproximar-me do Teatro Dona Maria II, ouvi  nas proximidades do Coliseu dos Recreios, uma gritaria cujo teor não consegui perceber. Curioso como os demais, interrompi o meu caminho, para perceber o que se estava a passar. Ao aproximar-se o pequeno grupo de manifestantes, ouviram-se com clareza, palavras de ordem contra a ditadura, exigindo a liberdade de todos os povos das colónias portuguesas (É que na Índia Portuguesa, tinha ocorrido a penetração de Satiagrais, que entravam com uma conduta pacífica, mas pretendiam uma progressiva ocupação do território). Foi então  que surgiu a GNR a cavalo, agredindo à  bastonada todos os que se atravessavam no seu caminho. Tentando fugir, subi a Rua Nova do Almada e junto dos Armazéns do Chiado fui interceptado por uma brigada da PSP, que me obrigou a parar e me levou debaixo de prisão para o Governo Civil. Na sequência desta ocorrência, associei-me aos opositores da ditadura.  
Quando, como e porquê, ingressou no PS?
Foi em Junho de 1974, que pelo motivo apontado e a convite de um médico e amigo fundanense, me filiei no Partido Socialista. 
Como é que o bancário Coelho Ribeiro se transformou em Presidente da Câmara Municipal do Fundão?
Em 1976, no decurso do processo eleitoral para as primeiras eleições autárquicas, ocorreu na sede do PS do Fundão um intenso debate, com vista à indigitação do candidato à Presidência da Câmara Municipal do concelho. Nesta discussão encontrava-se presente o meu amigo António Guterres. Numa dessas reuniões, alguém fez surgir o nome de um militante que viria a ser rejeitado. Foi então que outra pessoa indicou o meu nome, tendo eu declinado o convite. Perante tal impasse, apareceu mais tarde o camarada Mário Soares, que me convenceu a aceitar a indigitação, argumentando que com a eleição não sairia do Fundão, ao contrário do que teria acontecido se tivesse aceite ser candidato a Deputado nas eleições para a Assembleia Constituinte e para a 1ª Assembleia Legislativa. Foi assim que vim a ser eleito Presidente da Câmara Municipal do Fundão.

A AMIZADE COM ANTÓNIO GUTERRES
Quando é que conheceu António Guterres?
Como já referi anteriormente, conheci o António Guterres em 1976,  no decurso do processo eleitoral para as primeiras eleições autárquicas.
Qual a natureza da sua amizade com António Guterres?
A natureza da nossa amizade foi e é essencialmente política. 
Como é que caracteriza o amigo António Guterres como pessoa e como político?
Não resisto à tentação de referir nesta entrevista uma ida com o meu camarada ao Seminário do Fundão, em Novembro de 1979, no decurso da campanha eleitoral para as eleições legislativas desse mesmo ano. Tendo em conta que a Igreja Católica sempre atacara o Partido Socialista, interroguei-o acerca do que iríamos discutir com o Reitor do Seminário. Disse-me para ter calma e assim fiz. Fomos admiravelmente recebidos pelo Reitor. Durante a conversa, estive quase sempre calado, a escutar o diálogo entre eles, até que o Reitor me solicitou que facultasse a máquina de rasto da Câmara, com vista ao alargamento do campo de futebol do Seminário, ao que eu acedi. Já fora das instalações, perguntei ao António, o que é que ele pensava beneficiar com aquela reunião. Respondeu-me que se dali se conseguisse amortecer os ataques da Igreja Católica local ao Partido, já seria um grande benefício. E assim foi, já que nessas eleições, ela não atacou o PS. Desta passagem das nossas vidas, entre muitas outras, consegui perceber que estava em presença de um homem com qualidades humanas e políticas excepcionais. A sua vitória nas eleições para Secretário-geral da ONU, constitui o melhor testemunho das suas extraordinárias competências como notável cidadão português.

DA BEIRA PARA O ALENTEJO
Depois de terminar em 1979 o seu mandato como Presidente da Câmara Municipal do Fundão, o cidadão Coelho Ribeiro fixou-se em 1980 na cidade de Estremoz, onde assumiu novamente a sua condição de bancário. A mudança de localidade foi uma mera questão profissional ou traduziu algum desencanto com o Fundão ou mesmo ruptura com o PS local?
Em 1980, por motivo da minha actividade profissional, fixei residência na cidade de Estremoz, decidido a acabar com a minha actividade política e autárquica. Todavia, no ano de 1982, o José Costa e o João Matos bateram-me à porta para me convidarem a participar numa reunião na sede local do Partido Socialista. Foi aqui, que começou o princípio do meu envolvimento nas eleições autárquicas de Estremoz, vindo a ser Presidente da Assembleia Municipal. Estes dois militantes do meu Partido, tornaram-se os meus maiores amigos nesta cidade.
Em 1986, dando a impressão de que acabou de efectuar a sua travessia no deserto, integrou com êxito a lista vencedora à Assembleia Municipal de Estremoz. Como é que o cidadão Coelho Ribeiro aparece novamente activo como autarca socialista?
Por influência dos camaradas anteriormente referidos, José Costa e João Matos.

GUTERRES VISTO POR COELHO RIBEIRO
Na sua vida política, António Guterres foi Deputado à Assembleia da República, Presidente da Assembleia Municipal do Fundão, Secretário-geral do PS, Primeiro Ministro de Portugal, Presidente da Internacional Socialista e Alto Comissário da ONU para os Refugiados. Como é que o cidadão Coelho Ribeiro encara o desempenho de todos estes cargos pelo seu amigo António Guterres?
Desempenhou com grande êxito todos os cargos para que foi designado, exercendo as suas funções de uma forma altamente competente.
Quais as expectativas que tem como corolário da eleição de António Guterres para Secretário-geral da ONU?       
Como aconteceu em todos os cargos anteriormente desempenhados, prevejo um imenso sucesso nas suas novas e futuras funções, já que as suas capacidades são enormes.
Quer enviar daqui uma mensagem ao amigo António Guterres?             
Envio-lhe daqui um fraternal abraço e reitero-lhe o meu incondicional apoio.

Encontro do PS na Covilhã, nos finais da década de 70. Da esquerda para a direita:
Coelho Ribeiro e esposa, Francisco Carlos Ferreira (Deputado do PS à Constituinte
pelo Círculo de Castelo Branco) e António Guterres. O braço que se vê à direita,
é de Mário Soares.

Hernâni Matos

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Auto das beldroegas


Beldroega (Portulaca oleracea L.) - Fólio 106v  de “Grandes Heures d'Anne de
Bretagne”. Manuscrito em pergaminho iluminado por Jean Bourdichon (1457 ou
1459 – 1521) - 238 folhas - 300 × 190 mm. BNF, Ms Latin 9474, 1503-1508. 

As personagens do auto em número de quatro, podem ser assim ser retratadas:
- ZÉ TRETAS - Trabalhador por conta própria no mercado da vila. Comilão e beberrão nato, que quando não está a comer, fala de comida. Dizem que de noite sonha com ela. Refilão por natureza, é senhor de uma língua terrível. Desgraçado daquele que lhe cair no desamor.
- FANECA – Negociante de gado, amante da boa mesa, comilão, copofone e guloso. Usa boné que nunca tira e bengala para o que der e vier. Tem voz de falsete.
- BIMBAS – Camponês cheio de carnes, amante da pinga e dos petiscos. Usa boné às três pancadas e está sempre bem disposto. Quanto mais bebe, mais fala.
- XAROPES - Operário aposentado, de cor avinhada, gosta de tudo o que é bebida. Acompanha muito com o Bimbas e estão sempre na brincadeira à medida que o petisco avança e se vão somando os jarros de vinho.
O enredo desenrola-se há duzentos anos na nossa notável vila, mesmo em frente da Casa das Leis, na praça Luís de Gamões, que é contígua à rua da Paróquia. Zé Tretas vem da rua das Monjas, onde foi guardar uns caixotes vazios e dirige-se para a estalagem do Jorge, onde o Faneca, o Bimbas e o Xaropes, o esperam para beber uns tinteiros com uns queijos trazidos pelo Faneca. Já com o grupo à vista, Zé Tretas escorrega num tufo de beldroegas e cai redondamente no chão. Os companheiros correm imediatamente em sua direcção, ao mesmo tempo que ele lança impropérios contra o Regedor, cuja enumeração ultrapassa o âmbito do presente auto. O primeiro a chegar é o Xaropes que o ajuda a levantar do chão, ao mesmo tempo que lhe diz:
- Então Zé, o que é isto? Ainda não lhe arrumaste e já te estão a falhar as pernas?
A resposta é imediata:
- A culpa é do Regedor que não manda cortar a ervanária que aqui se vê. Havia de lhe dar uma febre que lhe derretesse a fivela do cinto. Mas deixa estar, que eu vou-lhe tratar da saúde e entretanto dou uma palavrinha ao Fernão, para ele ter conhecimento do sucedido, a fim de que junto do Regedor, dê eco dos meus brados, através do jornal onde cronista é.
Bimbas ao chegar, afirma:
- A gente tem que proteger os amigos. Se a culpa é desta verdura toda, a gente tem que dar conta dela.
Faneca, o último a chegar, é generoso e proclama com a sua voz inconfundível:
- Eu encarrego-me de resolver o problema. Trago para aqui uma carrada de ovelhas e elas limpam esta hortaliça toda enquanto o diabo esfrega um olho.
Bimbas volta a falar:
- É preciso cautela, que a erva é muita e corre-se o risco de as ovelhas se empanzinarem. Como as fontes da vila estão secas, temos que lhe arranjar uns caldeiros de água na estalagem do Jorge.
Todos em uníssono:
- Combinado!
Zé Tretas, a coxear duma perna, remata:
- É altura de irmos aos tinteiros ali à do Jorge. A primeira rodada é por minha conta.
Hernâni Matos

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

57 - O aguadeiro – 7


Aguadeiro (Anos 30 do séc. XX).
Ana das Peles [Ana Rita da Silva (1870-1945)].
Museu Nacional de Etnologia.

Figurado de Estremoz - 1
No núcleo base do figurado de Estremoz existe um exemplar conhecido por “Aguadeiro”, criado na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, nos anos 30 do séc. XX, executado por Ana das Peles e Mariano da Conceição e a partir daí, manufacturado pelos barristas que se lhesseguiram. Trata-se de um conjunto constituído por uma figura antropomórfica masculina (o aguadeiro) e uma figura zoomórfica (o burro).
Merece especial descrição, o espécimen de Ana das Peles, pertencente à colecção do Museu Nacional de Etnologia. Representa um aguadeiro trajando à maneira de meados do séc. XX, com a mão esquerda apoiada no burro e a mão direita empunhando uma vara de condução do animal. Na cabeça, dois pontos negros representam os olhos, encimados por dois traços castanhos que figuram as pestanas e as sobrancelhas. O nariz em relevo, tem a forma de prisma triangular e a boca é interpretada por uma linha vermelha. Em cada uma das faces é visível uma roseta alaranjada. O cabelo é castanho-escuro e encobre as orelhas. Na cabeça, um chapéu negro com copa semi-esférica e aba circular, larga e revirada lateralmente. A figura enverga calças e samarra de cor castanha, com gola azul em relevo e guarnecida com orla da mesma cor, nos punhos e na abertura da frente, a qual ostenta de cada lado, um par de botões semi-esféricos, cor de latão. A samarra apresenta ainda nos punhos, dois botões pintados a azul. Os botins são castanhos.
À frente do homem, um burro cinzento-escuro e com manchas negras, que estando a marchar para o lado direito do observador, apresenta a cauda, comprida e com linhas incisas, viradas para o lado contrário. O pescoço apresenta em cada um dos lados, uma série de incisões pintadas a negro que representam a crina. Na cabeça, são visíveis duas orelhas cónicas, dois olhos pintados, uma linha incisa de cor vermelha que figura a boca e dois pontos incisos que lhe são paralelos, representando as narinas. Na cabeça aparece linhas de cor negra que representam a cabeçada que cinge a cabeça e o focinho da cavalgadura, bem como as rédeas para a condução da mesma. No lombo do asinino está assente uma manta rectangular castanha, na qual se apoia uma albarda, igualmente castanha, pintalgada de azul. Sobre a albarda está disposta uma cangalha de tonalidade amarela, figurando madeira. Nesta armação estão alojados de cada lado do jumento, dois cântaros com tampa, de cor prateada configurando folha metálica e com uma asa constituída por um porção arqueada de arame.
O binómio homem-animal assenta numa base trapezoidal de cor verde, pintalgada de branco, amarelo e zarcão e pintada lateralmente desta mesma cor.
Hernâni Matos

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Acessibilidade a edifícios que recebem público


Convento dos Congregados e edifício da Câmara Municipal de Estremoz.

Pessoas com necessidades especiais
Há pessoas com necessidades especiais, entre as quais se situam deficientes motores, cegos, grávidas, crianças e idosos. Estas pessoas confrontam-se diariamente com barreiras ambientais, impeditivas de uma participação cívica activa e integral. De acordo com a Constituição da República Portuguesa, compete ao Estado a promoção do bem-estar e qualidade de vida da população e a igualdade real e jurídico-formal de todos os portugueses. Daí que o Decreto-Lei n.º 163/2006 de 8 de Agosto, visando proporcionar às pessoas com mobilidade condicionada, condições iguais às das restantes pessoas, defina o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, revogando o Decreto-Lei n.º 123/97, de 22 de Maio. Aquele diploma foi visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Abril de 2006, presidido por José Sócrates e posteriormente promulgado em 24 de Julho de 2006, pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
De salientar que nos termos do seu Art. 26.º, aquele diploma estabelece que: “O presente decreto-lei entra em vigor seis meses após a sua publicação.” Por sua vez o Art.º 2º define o âmbito das normas técnicas sobre acessibilidades, as quais são aplicáveis às instalações e respectivos espaços circundantes da administração pública central, regional e local, bem como outros estabelecimentos e equipamentos de utilização pública e via pública. Já o Art.º 9.º, no seu n.º 1 determina que as instalações, edifícios, estabelecimentos, equipamentos e espaços abrangentes referidos no diploma e cujo início de construção seja anterior a 22 de Agosto de 1997, terão de ser adaptados dentro de um prazo de 10 anos, contados a partir da data de início de vigência do decreto-lei.

Acessibilidades em Estremoz
Vejamos como são em Estremoz, as acessibilidades a edifícios que recebem público: - ESCOLA SECUNDÁRIA DA RAINHA SANTA ISABEL – Tem elevador e não há problemas de acessibilidade. - ESCOLA PREPARATÓRIA SEBASTIÃO DA GAMA - Tem elevador e não há problemas de acessibilidade. - CENTRO DE CIÊNCIA VIVA DE ESTREMOZ – Tem elevador a funcionar, o qual no Verão passado esteve inactivo, devido a avaria e falta de verba para a sua reparação. PALÁCIO DA JUSTIÇA - Tem rampa de acesso e elevador a funcionar. - EDIFÍCIO DA REPARTIÇÃO DE FINANÇAS – Não tem rampa de acesso à entrada e não tem elevador. - EDIFÍCIO DA CÂMARA MUNICIPAL – Não tem elevador. No passado dia 29 de Setembro foi colocada uma rampa de acesso na entrada principal, a qual tem largura inferior ao estabelecido nas Normas Técnicas do Decreto-Lei n.º 163/2006, não permitindo assim o acesso duma cadeira de rodas. A segunda porta de entrada também precisa de ser rampada, o mesmo se passando com o acesso aos claustros à entrada e à saída. - BIBLIOTECA MUNICIPAL -  Não tem rampa de acesso à entrada. - MUSEU MUNICIPAL – Não tem rampa de acesso à entrada. Não tem elevador. - GALERIA MUNICIPAL D. DINIZ – Não tem rampa de acesso à entrada. Tem elevador a funcionar, que todavia chegou a estar largo tempo inactivo, devido a um fusível. - PALÁCIO DOS MARQUESES DE PRAIA E MONFORTE – Tem elevador a funcionar. Não tem problemas de acessibilidade. - TEATRO BERNARDIM RIBEIRO – Tem rampa de acesso para a entrada. No átrio existem dois patamares ligados por degraus que funcionam como barreira arquitectónica. Uma cadeira de rodas terá de entrar pela porta do lado. Não tem elevador. - PAVILHÃO A DO PARQUE DE FEIRAS – Tem um elevador que no passado dia 29 de Setembro não estava a funcionar. - CASA DE ESTREMOZ – Tem um elevador que no passado dia 29 de Setembro não estava a funcionar.

Incumprimento da lei
Como o Decreto-Lei n. 163/2006 que regula as acessibilidades, foi publicado em Diário da República de 8 de Agosto de 2006 e entrou em vigor seis meses após a sua publicação, o prazo de 10 anos para adaptar os edifícios termina a 8 de Fevereiro de 2017. Será que vai ser tudo feito à última da hora? Ou há quem pense que a lei não é para cumprir?
O que é absurdo é o Município ser incumpridor em relação a edifícios de que é proprietário e face aquele decreto-lei, pelo Art.º 3º-1, dispor de competência para indeferir “pedidos de licença ou autorização necessária ao loteamento ou a obras de construção, alteração, reconstrução, ampliação ou de urbanização, de promoção privada, referentes a edifícios, estabelecimentos ou equipamentos abrangidos pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, quando estes não cumpram os requisitos técnicos estabelecidos neste decreto-lei”. Cumulativamente a Câmara Municipal tem competência de fiscalização dos deveres impostos aos particulares (Artigo 12.º), bem como competência sancionatória no âmbito das acções de fiscalização dos edifícios, espaços e estabelecimentos pertencentes a entidades privadas (Art.º 21.º).
O absurdo da situação faz-me lembrar o adágio “Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz.”.

Os furos da lei
De que serve um decreto-lei ser aprovado em Conselho de Ministros presidido por um Primeiro-Ministro e posteriormente ser promulgado por um Presidente da República, se a Inspecção-Geral da Administração do Território não assume a competência de fiscalização do cumprimento das normas aprovadas pelo decreto-lei, quanto aos deveres impostos às entidades da administração pública local. (Art.º 12 b)). Sou agora levado a citar António Aleixo: “Vós que lá do vosso Império / prometeis um mundo novo, / calai-vos, que pode o povo / qu'rer um Mundo novo a sério.”. E mais não digo.


Hernâni Matos

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Monumento aos Mortos da Grande Guerra / Chega de bagunça


Estremoz - Comemoração da vitória da selecção portuguesa no Euro 2016
(10 de Julho de 2016). Fotografia recolhida no Facebook.
41º Aniversário do Armistício (11 de Novembro de 1959). Imagem de Foto Tony,
Estremoz. Fotografia gentilmente facultada pelo Núcleo de Estremoz dos
Combatentes da Grande Guerra.

O Monumento
O Monumento aos Mortos da Grande Guerra de Estremoz foi erigido graças à iniciativa da Subagência local da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, com o objectivo de evocar os feitos gloriosos praticados em campanha pelos soldados portugueses, bem como homenagear os que na Guerra perderam a vida.
O grupo escultórico foi inspirado na “Defesa do reduto de Le Marais”, segundo descrição do tenente Horácio Assis Gonçalves. Representa um reduto constituído por sacos de terra e grades com arame farpado, semi-destruído pelas granadas inimigas e que se encontra guarnecido por três soldados: um morto, parcialmente enterrado pela parte destruída do reduto; outro de granada na espingarda e de sabre partido, no momento em que é mortalmente atingido; o terceiro manejando a metralhadora.
No Monumento estão patentes inscrições patrióticas em decassílabos, da autoria do poeta estremocense Silva Tavares: - A Pátria é duas vezes nossa mãe; / Dar a vida por ela é morrer bem! - Quem morre pela Pátria atinge a glória, / pois revive nas páginas da história! - A morte só aos fracos intimida; / temer a morte é não honrar a vida! - Não há honra MAIOR na validez, do que de ser soldado português!
O grande impulsionador da construção do Monumento foi o tenente Ernesto Júlio da Graça Gonçalves. A maqueta em barro e em tamanho natural, modelada pelo escultor José Maria da Sá Lemos, Director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves, foi fundida em gesso por um fundidor do Porto, tendo posteriormente o grupo escultórico sido vertido em bronze, na Fundição Adelino Sá Lemos, de Vila Nova de Gaia. A cantaria do Monumento foi obra de Caetano José Godinho, de Estremoz.
A inauguração em si
O Monumento aos Mortos da Grande Guerra de Estremoz foi descerrado e inaugurado pelas 10 horas do dia 8 de Setembro de 1941, no Largo dos Combatentes da Grande Guerra, no decurso das Festas à Exaltação da Santa Cruz. Na cerimónia, o primeiro orador foi o tenente Graça Gonçalves, Presidente da Direcção da Subagência de Estremoz da Liga dos Combatentes. Referindo-se à sua intervenção, diz o jornal Brados do Alentejo de 14 de Setembro de 1941. “Terminou, pedindo ao Sr. Presidente da Câmara Municipal, que recebesse o Monumento que em honra dos nossos mortos, acaba de inaugurar, para que a Câmara o guarde e conserve, como símbolo honroso do sacrifício do Soldado Português”- Seguiram-se as intervenções do Presidente da edilidade, Eng.º Manuel Bicker de Castro Lobo Pimentel e do Governador Civil do Distrito de Évora, Dr. Hipólito Fernandes Alvarez.
Terminados os discursos teve lugar a assinatura do auto da Inauguração do Monumento, cujos primeiros subscritores foram o Governador Civil do Distrito e o Presidente do Município, seguindo-se as demais entidades militares, religiosas e civis presentes.
Cerimónias junto ao Monumento
As cerimónias militares promovidas junto ao Monumento, pelo Núcleo de Estremoz da Liga dos Combatentes, têm desde sempre, a estreita colaboração do RC3 e da Câmara Municipal de Estremoz e decorrem anualmente em datas específicas do calendário: - 9 DE ABRIL (DIA DO COMBATENTE), que coincide com o dia da Batalha de La Lys, ocorrida em 1918 na região da Flandres (Bélgica) e na qual os alemães infligiram uma tremenda derrota ao exército português, a maior depois da batalha de Alcácer-Quibir, em 4 de Agosto de 1578; - 16 DE OUTUBRO (DIA DA LIGA DOS COMBATENTES DA GRANDE GUERRA), data em que se assinala a constituição da primeira Direcção da Liga, em 16 de Outubro de 1923; - 11 DE NOVEMBRO (DIA DO ARMISTÍCIO), que comemora o fim simbólico da Primeira Guerra Mundial em 1918, na sequência do Armistício assinado entre os Aliados e o Império Alemão em Compiègne (França), o qual pôs fim às hostilidades na Frente Ocidental e teve efeito às 11 horas da manhã (a undécima hora do undécimo dia do undécimo mês).
O Monumento hoje
Actualmente há muitas pessoas que perderam o sentido do modo com se devem comportar em certos locais e do respeito que é devido aos Monumentos, por aquilo que representam e evocam, como é o caso do Monumento aos Combatentes da Grande Guerra. A culpa não será da Escola, nem tão pouco da Família, mas sim da Comunidade no seu todo, a qual inebriada pela Liberdade conquistada com o 25 de Abril, se demitiu de pôr travão a comportamentos que põem em causa a legitimidade de valores universais, que devem ser preservados e defendidos. Vem isto a propósito de nos últimos tempos, as vitórias da Selecção Nacional de Futebol ou duma equipa vitoriosa no Campeonato ou na Liga, se traduzir na invasão do Monumento e da respectiva placa ajardinada, ao mesmo tempo que um trânsito infernal dá voltas à rotunda. São criadas situações de risco em termos de circulação rodoviária, bem como no Monumento, para o qual alguns, duma forma libertina, pulam e se encavalitam, podendo dele vir a cair, além de que a sua passagem por ali, deixa marcas nos materiais, podendo mesmo originar o desprendimento de alguns dos componentes do Monumento.
Se eu fosse monárquico bradaria: 
- Aqui d’el rei!
Todavia sou republicano e é nessa qualidade que entendo que o Município, responsável pela guarda e conservação do Monumento, deverá tomar providências para que situações como as referidas, não se voltem a repetir. Basta cercar a placa ajardinada com grades móveis e pedir a colaboração da PSP para dissuadir os que entendem ter o direito de ir para ali “abanar o capacete”. O respeito pela Instituição Militar e a Memória dos tombados em combate, merecem isso e desde já agradecem. 

Hernâni Matos

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

António Guterres, Secretário-geral da ONU


António Guterres



Vencer na cena internacional é extremamente complexo, tal a junção de razões conjunturais e estruturais, ainda por cima num mundo mais imprevisível do que nunca. Mesmo para os melhores. Mas quando os melhores ganham é bom, é muito bom. Foi o que aconteceu neste caso.

António Guterres era e é, claramente, o melhor para o cargo. Pelas suas qualidades pessoais, pelo seu currículo na própria ONU, pela capacidade de visão e de equação dos principais problemas universais. Demonstrou-o ao longo de meses na sua candidatura. É certo que com o apoio de um esforço singular de unidade nacional, de uma solidariedade institucional absoluta, de uma diplomacia que teve no primeiro-ministro e, em especial, no ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros um papel estratégico crucial, de uma equipa notável e de um protagonista de exceção, que foi o representante de Portugal na ONU, embaixador Álvaro de Mendonça e Moura. E da voz prestigiada do presidente Jorge Sampaio.

Tudo isto é verdade. Mas António Guterres foi o melhor. Pelo facto muito simples de que é o melhor. De longe. Por isso, a vitória é, em primeira linha, sua. Ou, se quisermos ser justos e prospetivos, da comunidade internacional, que soube perceber o que estava em causa. E teve a coragem de escolher em conformidade.

Termino como comecei: que bom ter ganho o melhor! Quando esse melhor é português, que honra para o Presidente da República de Portugal poder testemunhar e celebrar esse momento histórico.


Hernâni Matos

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A origem, a continuidade e o fim aparente das coisas


A Paixão da Criação (1880),
Leonid Pasternak (1862-1945).


A origem
A água que brota das nascentes.
A lava que irrompe dos vulcões.
Os raios que faíscam dos céus.
As sementes que começam a germinarem.
O choro das crianças que nascem.

A continuidade
A chuva que tomba das nuvens.
Os rios que correm para o mar.
As ondas que rebentam nas praias.
O sol que brilha nos céus.
A luz que se reflecte nas águas.
A vegetação que cresce nos prados.
O ondular das searas nos campos.
As aves que cruzam os céus.
Os coelhos que saltitam nas matas.

O fim aparente
O sol que se põe no horizonte.
O vento que cessa de soprar.
A chuva que pára de cair.
A caruma que seca nos pinhais.
As casas que ruem de velhas.
O amor que seca nos corpos.
Os moribundos que se finam.
O sangue que gela nas veias.
O texto que chega ao fim.
Hernâni Matos