segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Escrito na cal & outros lugares poéticos



Descrição física do livro 
Trata-se de um livro com capa cartonada com as dimensões de 14x22,4x1,5 cm, com o peso de 373 g e um total de 142 páginas.
O livro apresenta uma única ilustração, que é a cores e reproduz um acrílico sobre tela de 100 x 70 cm, executado pelo Armando em 2013 e que nos passados meses de Maio e Junho integrou um conjunto de obras expostas na Cooperativa Árvore no Porto e cujo tema integrador era “Árvores”.
O facto de o livro ter uma única ilustração não acontece por acaso. Este livro não é um álbum de Arte, não é um livro do Armando. É um livro sobre o Armando. É um livro em que a escrita fala da imagem. É um livro que procura pintar com palavras a Obra do Armando, como se isso fosse possível… E essa pintura foi mais do que um desafio, foi uma tarefa gratificante, que nos fez encontrar a nós próprios na descoberta da Obra do Armando, qual cavaleiro templário que demanda o Santo Graal.
A colectânea foi coordenada pelo editor José da Cruz Santos e a Direcção Gráfica é de Armando Alves. A edição é da Modo de Ler, Centro Literário Marinho Limitada, que sucedeu à Editorial Inova e à Editora “O Oiro do Dia”, no seu trabalho incomparável de dignificação da função editorial da Imprensa. O editor preparou a sua primeira edição de poesia em 1958 e em carta que me dirigiu, agradecendo a minha participação na colectânea, confessa: “Depois de mais de 330 edições de poesia que publiquei, não mais as Artes Plásticas deixaram de estar presentes. Daí a justiça poética desta homenagem.” 
O conteúdo do livro 
“Armando Alves, Inventor de Céus e Planícies” no dizer de José Saramago, está indissociavelmente ligado à História das Artes Plásticas em Portugal. A sua Obra sólida e diversificada tem sido submetida a apreciação pública com a regularidade própria dum relógio suíço de precisão. Através de exposições, o Armando partilha com o público o resultado das suas pesquisas e as suas descobertas. Daí que homens e mulheres de escrita, que também são público ou, se quiserem, povo que escreve, tenham algo a dizer sobre o Armando e a sua Obra. Daí o sentido desta colectânea magistralmente prefaciada por Isabel Pires de Lima e que reúne textos e poemas de 53 autores, de Ademar Costa a Anónimo do século XX, passando por nomes como Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Fernando J. B. Martinho, Herberto Hélder, José Saramago, José Viale Moutinho, Luís Veiga Leitão, Luísa Dacosta, Manuel António Pina, Maria Alzira Seixo, Mário Cláudio, Miguel Veiga, Urbano Tavares Rodrigues, Vasco Graça Moura e  Yvette K. Centeno.
A talhe de foice, como ceifeiro em terras de Catarina, podia ter seleccionado para partilhar aqui convosco, excertos de textos ou de poemas deste livro, mas não o fiz. Prefiro falar por mim. É assim que vos digo que cada um dos autores tem uma individualidade e uma imaginária próprias, assim como distintos arsenais de palavras e ferramentas de escrita diversas. Todavia, algo os une. O escrever está-lhes na massa do sangue, tal como o acto de pintar para o Armando. São artesãos da palavra, artificies do labor de filigrana literária, na qual, como diria Fernando Pessoa, há 10% de inspiração e 90% de transpiração. E sabem uma coisa? Como eu já disse algures: “A gestação dum texto nem sempre é fácil. Pode ser rápida, mas também pode ser demorada. Todavia, o parto é sempre doloroso e ainda bem que assim é. Torna-se necessário sentir na pele o que custa criar algo, a partir de pouco mais que coisa nenhuma. Por isso, não se pode escrever a metro, como quem enche chouriços. Há que ser artesão das palavras.”. Acrescentarei agora que foi isso que fizeram exactamente os autores desta colectânea, por respeito ao Armando e à sua Obra.
Cada um di-lo à sua maneira, já que “Cada cabeça, sua sentença” e ainda bem que assim é, pois “Dois olhos enxergam mais que um só”.
Apesar de tudo, o Armando não é só aquilo que eles escreveram, embora seja tudo isso. É também aquilo que não foi dito, já que nem sempre conseguimos ver tudo com olhos de ver, por mais que o almejemos. O Armando é mais do que todos nós dissemos, já que, como nos ensina o gestaltismo, o todo é mais que um mero somatório das suas partes, pois tem características próprias.
A meu ver, a pintura do Armando transmite, como nenhuma, a matriz da nossa natureza ancestral, a qual cromaticamente tão bem soube fixar nas telas. A partir daí, e como já disse algures, temos:
“Telas, versos e prosa que são sinestesias que fazem vibrar os nossos cinco sentidos. O azul límpido do céu, o castanho da terra de barro, a cor de fogo do Sol e o verde seco da copa dos sobreirais, constituem uma paleta de cores, trespassada por uma claridade que quase nos cega e é companheira inseparável do calor que nos esmaga o peito, queima as entranhas e encortiça a boca.
Sonoridades do restolho seco que quebramos debaixo dos pés, sonoridades das searas e dos montados, sonoridades dos rebanhos que, ao entardecer, regressam aos redis, mas sonoridades também na ausência de sons por não correr o mais leve sopro de aragem. 
Odores das flores de esteva, de poejo e de orégãos, mas também do barro húmido,do azeite com que temperamos divinamente a comida e do vinho espesso e aveludado, que mastigamos nos nossos rituais gastronómicos.”
“Escrito na cal e outros lugares poéticos” é um tributo à Obra ímpar de Armando Alves. Não um tributo de medieva vassalagem ao poder de um senhor da terra, mas o reconhecimento e a exaltação da dimensão intelectual daquele a quem outorgamos os títulos de “senhor da luz” e de “príncipe das cores”, e que, com os seus pincéis mágicos, povoa as telas que nos embriagam os sentidos.
Imagens que têm forma, volume, medida, profundidade, cor, textura, contraste, luminosidade e brilho. Telas que têm vida e respiram como nós. Cores que bailam porque ecoa na planície o som ritmado do tocador de harmónio do jovem Armando.
O Armando é um seareiro que desbrava as telas para nelas fazer as suas searas que de verde se transmutam em oiro. Searas cujo ondular se pressente e se sente com o Suão. Mas o Armando é também o semeador que, com o seu gesto augusto, lança a cor à tela para que dela desponte vida que é pão de espírito para todos nós.
Ao Armando dediquei um poema que figura na presente colectânea:

                                               Alquimia

Ao Armando Alves

A incisão do olhar
na geometria do gesto,
reflexo antropomórfico
do povo que habita em ti

A surpresa do espaço
na forma incontida,
partilhar de alma
que nos enfeitiça

Paleta de cores
que é suor de vida,
paisagem inventada
que de ti floresce

Horizontes vastos
que nos conquistam
na generosidade
da sua partilha

Odores, sons, sabores,
sinestesia telúrica
que nos arrebata
e nos conquista

Obrigado, Armando
por tudo isto,
e por tudo aquilo
que não sei dizer 

É este o Armando que me vai na alma, o Armando que sei dizer nesta loucura mansa de que sou feito e vivo. O Armando é meu companheiro de estradas alentejanas bordejadas pela brancura da cal, coroadas pelo azul do céu e onde a claridade quase nos cega. Caminhos de ganhões e de malteses que descansam à sombra das árvores, à procura do Alentejo que há em cada um de nós.
Embora não esteja mandatado para tal, quero agradecer-te, Armando, a forma exemplar como retrataste a identidade cultural que é a nossa. E quero agradecer-te também o amor à tua terra natal, que é também a minha, bem como o privilégio da tua amizade.
Obrigado, Armando. Obrigado. 


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Armando Alves na Casa de Estremoz

Da esquerda para a direita: Hernâni Matos, Armando Alves e Luís Mourinha.
(Fotografia de Pedro Soeiro). 

“Escrito na cal & outros lugares poéticos” foi o livro apresentado no passado sábado, dia 6 de Dezembro, a partir das 16 horas, no auditório da Casa de Estremoz.
A obra, uma colectânea de depoimentos em prosa e em verso, constitui um tributo a Armando Alves, artista plástico natural de Estremoz e com projecção internacional.
O livro, publicado pela editora “Modo de Ler”, foi prefaciado por Isabel Pires de Lima e congrega textos de 53 autores, entre os quais Albano Martins, António Simões, Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Herberto Helder, Hernâni Matos, José Saramago, Luís Veiga Leitão, Mário Cláudio, Urbano Tavares Rodrigues e Vasco Graça Moura.
A apresentação da obra esteve a cargo de Hernâni Matos e contou com a presença de Armando Alves e de Luís Mourinha, Presidente do Município, o qual presidiu ao evento. Foi depois visionado o vídeo “Armando Alves, 60 anos de Pintura”, seguindo-se a leitura de poemas e de textos por Adelaide Glória, Francisca Matos, Odete Ramalho e Zulmira Baleiro. A finalizar, Luís Mourinha elogiou a vida e obra do artista estremocense e após Armando Alves ter autografado exemplares do livro a quem o solicitou, decorreu uma degustação de sabores alentejanos.
A organização pertenceu à Associação Filatélica Alentejana e contou com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.

 

Um aspecto da assistência (Fotografia de Jorge Pereira). 
Outro aspecto da assistência (Fotografia de Jorge Pereira).
(Fotografia de Jorge Pereira).
Luís Mourinha a quem Armando Alves ofereceu um exemplar autografado de "Escrito na cal.
& outros lugares poéticos" (Fotografia de Pedro Soeiro). 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

14 – Armando, bonequeiro de Estremoz



 
Armando Alves em 1949, com a idade de 14 anos.

Armando Alves (1935- ), natural de Estremoz e consagrado artista plástico a quem José Saramago (1922-2010) chamou “Inventor de Céus e Planícies”, frequentou a Escola Industrial e Comercial de Estremoz, entre 1949 e 1952. Aí teve aulas de oficinas de olaria com Mestre Mariano da Conceição (1903-1959).
Foi no ano lectivo de 1951-52, já com a Escola Industrial e Comercial de Estremoz instalada no Castelo, que o jovem Armando começou a confeccionar os seus bonecos de Estremoz.
O trabalho de modelação, cozedura, pintura e envernizamento era feito na própria Escola e Armando não terá confeccionado mais que 10 modelos de bonecos: - Figuras que têm a ver com a realidade local: amazona, leiteiro, mulher a vender chouriços e homem do harmónio; - Figuras intimistas que têm a ver com o quotidiano doméstico: Mulher a lavar; - Figuras que são personagens da faina agro-pastoril nas herdades alentejanas: ceifeira, mulher da azeitona, pastor de tarro e manta, pastor com um borrego e pastor do harmónio. Ao todo não terá manufacturado mais que cinquenta bonecos. Estes eram comercializados em Estremoz na Papelaria Ruivo, situada no Largo da República, número vinte e quatro, em Estremoz. Exactamente um dos locais em que eram comercializados os bonecos do Mestre Mariano da Conceição. Fê-lo a pedido da proprietária, a sua tia Joana Ruivo. Cada figura era vendida ao preço de vinte e cinco tostões, enquanto que os de Mestre Mariano custavam doze mil e quinhentos.
Actualmente, o Armando não faz ideia de quem comprava os seus bonecos. Todavia, lembra-se da tia, uma vez lhe ter dito que uma dessas pessoas era o coleccionador e médico calipolense, Dr. Couto Jardim (1879-1961).
Mestre Mariano marcava os seus bonecos, estampando na base a marca “ESTREMOZ/PORTUGAL”, em maiúsculas distribuídas por duas linhas. Porém, o jovem Armando vai além do Mestre e assina simplesmente “Armando”, em caracteres manuscritos. Fá-lo a verde, o verde da esperança e verde das searas que já doiradas, ondularão mais tarde as suas telas de artista consagrado. Tratou-se então, de uma aposta forte visando o futuro. Uma espécie de premonição da Obra que iria construir. Daí a razão de assinar simplesmente “Armando”. Sabem porquê? É simples. Toda a gente sabe quem é o Armando. Pois claro!  

O pastor do harmónio criado pelo jovem Armando no ano lectivo de 1951-52.

A marca "Armando" manuscrita, pintada a verde na base.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Cante Alentejano proclamado Património Cultural da Humanidade


Grupo coral "Os ceifeiros de Cuba".

No passado dia 27 de Novembro, o cante alentejano foi proclamado pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade. Trata-se de uma distinção que traz um novo olhar sobre o Alentejo e que corresponde ao reconhecimento da Cultura Alentejana e lhe dá uma dimensão universal. Daí que faça todo o sentido sublinhar aqui a matriz identitária do cante alentejano.
A identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cante, que segundo a tese litúrgica do padre António Marvão teve origem em escolas de canto popular fundadas em Serpa, por monges paulistas do Convento da Serra d’Ossa, os quais tinham formação em canto polifónico.
No "Cancioneiro Alentejano" – recolha de Victor Santos, diz Fernando Lopes Graça: “O alentejano canta com verdadeira paixão e todas as ocasiões lhe são boas para dar largas ao seu lirismo ingénito. Não há trabalho, folga, festa ou reunião de qualquer espécie, sem um rosário infindo de cantigas.”
Manuel Ribeiro na "Lembrança dos Cantadores da Aldeia Nova de São Bento, Mértola, Vidigueira e Vila Verde de Ficalho", diz-nos: “Só no Alentejo há o culto popular do canto. Ali se criou o tipo original do “cantador”. Pelas esquinas, altas horas, embuçados nas fartas mantas, agrupam-se os homens: esmorece a conversa, faz-se silencio e de subito, expontâneamente, rompe um coral. É o diálogo em que eles melhor se entendem, é a conversa em que todos estão de acôrdo. Quem não viu em Beja, em certas ruas lôbregas, em certos recantos que escondem ainda os antros esfumados das adegas pejadas de negras e ciclopicas talhas mouriscas, quem não viu duas bancadas que se defrontam e donde se eleva um canto entoado, solene e soturno, com o quer que seja da salmodia dum côro de monges?”
O coro une os alentejanos. Como diz Eduardo Teófilo em "Alentejo não tem sombra": "Há, no entanto, a ligá-los a todos, algo de pró­prio, de indefinidamente próprio e que os torna re­conhecíveis em qualquer lugar em que se encontrem.(...). Todos eles estão marcados a fogo, pelo fogo daquele Sol ardente que, mesmo quando mal brilha, entra nas almas e molda os caracteres, todos eles apresentam o seu rosto cortado por navalhadas de vida e tostados pelas ardências do Sol de Verão, como se vivessem todos, realmente, sem uma sombra a que se abrigar.”



quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Quem julga, será julgado.


 
Fotografia de: http://diariodigital.sapo.pt

 
É do conhecimento público que o ex-Primeiro-Ministro José Sócrates foi detido no passado dia 21 de Novembro no Aeroporto de Lisboa, à chegada de Paris, por suspeita de branqueamento, fraude fiscal e corrupção, tendo posteriormente o juiz Carlos Alexandre determinado a sua prisão preventiva. Ao que parece com a presunção de que “Quem cabritos vende e cabras não tem, dalgum lado lhe vem”. Até aqui e aparentemente tudo bem, já que “A lei é dura mas é lei”, bem como a “A lei deve ser como a morte. Não exceptuar ninguém”. Todavia todo o processo está viciado, uma vez que a Justiça cometeu o crime de violação do segredo de justiça ao fornecer à imprensa sensacionalista, elementos que deviam constar apenas do segredo de justiça. Chama-se a isso “Pôr o carro à frente dos bois”.
Sócrates foi preso em directo para as televisões, num atentado grave contra o direito de imagem. Por isso, a Justiça é suspeita de ter manipulado politicamente o caso, ao proporcionar a fuga de informação para uma certa imprensa que revela simpatia pela coligação de direita no poder. Por outras palavras, a Justiça supostamente independente do poder político, é suspeita de ter práticas ao serviço de quem no momento exerce esse poder. 
Nunca fui, nem sou e tão pouco tenho quaisquer motivações para ser amigo, correligionário ou subalterno do Senhor José Pinto de Sousa. É pessoa que não me é particularmente grata, já que na pele de José Sócrates e como meu Primeiro-Ministro, não gostei de muitas das suas políticas. Estarei no meu direito, já que num país democrático usufruo do direito de opinião, condicionado é claro pelo dever à respeitabilidade dos outros. O direito à respeitabilidade que igualmente o ex-Primeiro-Ministro merece e que não devia ter permitido que mediaticamente fosse condenado na praça pública, antes de serem provadas as suspeições de que é acusado. Até lá e nada nos leva a concluir que assim venha a ser, continua o espectáculo mediático que nos informa que o detido número 44, almoçou cozido à portuguesa no presídio de Évora. Aqui e mais uma vez há manipulação de informação, uma vez que se apresenta o ex-Primeiro-Ministro como alguém privilegiado, que numa situação de crise social, teve direito a uma refeição que muitos não têm, face ao desemprego e à miséria social que grassa.
O tratamento que está a ser dado judicialmente ao ex-Primeiro-Ministro, traz-me à memória os privilégios de casta que ele retirou aos juízes. Lá diz o rifão “Quem muito fornica acaba fornicado”.
A coligação de direita que está no poder, hipocritamente proclama no palco “À justiça o que é da Justiça”. Todavia, a coligação é um “Gato escondido com rabo de fora”. Atrás do palco, o enredo é outro. É um afiar de espadas contra o Partido Socialista que acaba de eleger novo Secretário-Geral e que as sondagens apontavam como podendo atingir a maioria absoluta. Para tal nada melhor que descredibilizar o PS. É ao serviço desta estratégia que parece estar a Justiça deste país. É essa estratégia que para bem de todos nós, deve ser combatida para apear a coligação que está no poder. Parafraseando Eça de Queirós, direi: “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.”

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Município dá mais um passo na classificação dos Bonecos de Estremoz



 
Mariano da Conceição (1903-1959). Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988), obtida
nos anos 40 do séc. XX.

Transcrevo com regozijo e com a devida vénia, 
a Notícia do Município de Estremoz, nº 1850,
de 25 de Novembro de 2014.
 
O Município de Estremoz, dando continuidade ao processo de Valorização e Salvaguarda do Boneco de Estremoz, submeteu hoje, dia 25/11/2014, à Direção Geral do Património Cultural (DGPC) a proposta de inserção no Inventário Nacional de Património Cultural Imaterial da Produção de Figurado em Barro de Estremoz.
O Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial constitui um instrumento que promove o conhecimento alargado, à escala nacional, das múltiplas manifestações do património cultural imaterial, designadamente, no âmbito da identificação de diversidades, recorrências e afinidades tipológicas”. É ainda uma forma de “promoção do rigor técnico e profissional na identificação, estudo e documentação do património cultural imaterial”, bem como de “definição das formas de acesso ao património cultural imaterial por parte das respetivas comunidades, grupos e indivíduos.”
O processo de Inventário Nacional, após validação da DGPC, será posteriormente submetido à Direção Regional da Cultura do Alentejo para parecer, será submetido a consulta pública e posteriormente será analisado pela Comissão para o Património Cultural Imaterial, a quem compete a decisão final sobre a eventual inclusão.
O sucesso da inventariação a nível nacional é imprescindível para que o Estado português possa apresentar na UNESCO a candidatura dos Bonecos de Estremoz à Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
De salientar que esta é a primeira proposta de inserção em Inventário Nacional de uma expressão artesanal, pelo que mais uma vez Estremoz lidera nesta área, na qual queremos ser referência a nível nacional.
É importante o apoio dos estremocenses e forças vivas do concelho neste processo, de modo a que a almejada inserção na Lista Representativa do Património Cultural da Humanidade seja alcançada com sucesso.
A inclusão dos Bonecos de Estremoz no Inventário Nacional é o primeiro passo decisivo para que também na área do artesanato possamos demonstrar que Estremoz tem mais encanto.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

13 – Rebaptizemos, pois!


 Barbeiro sangrador. Mariano da Conceição (1903-1959).
Colecção Particular.


No figurado de Estremoz há uma peça que no decurso do tempo recebeu nomes distintos, atribuídos por diferentes individualidades. Trata-se de uma figura composta por dois personagens trajando à moda do séc. XVIII e que representa um paciente a ser submetido a uma sangria. A investigadora francesa Solange Parvaux (1959) chamou-lhe “cirurgião", enquanto que o médico calipolense João do Couto Jardim (1962), a designou por “operação cirúrgica”. Por sua vez, Joaquim Vermelho, estudioso da barrística popular estremocense, começou por lhe chamar “cirurgião” (1990), referindo tratar-se de uma “paródia ao barbeiro numa operação de sangria” e posteriormente evoluiu para a designação “barbeiro cirurgião” (1995), que me parece mais aceitável, embora eu prefira a designação de “barbeiro sangrador”, como passo a justificar.
No século XVIII, os médicos portugueses guiados pelos desígnios da medicina antiga, prescreviam sangrias e a aplicação de sanguessugas, visando escoar os humores perniciosos que circulavam em áreas afectadas do corpo humano. Tais tarefas eram executadas por barbeiros, cumulativamente com o corte de cabelo, a feitura de barbas e a extracção de dentes, dada a sua grande habilidade manual.
Em Lisboa, a partir de 1572, por regulamento outorgado pelo Senado Municipal, o desempenho das funções de “barbeiro sangrador” oficial, actuando por conta própria, exigia experiência comprovada de dois anos de actividade, o que permitia vir a receber a carta de examinação do cirurgião-mor. Alguns barbeiros podiam até realizar cirurgias, eram os “barbeiros cirurgiões”. A aprendizagem do ofício processava-se por conhecimento oral e empírico, adquirido nas tendas de mestres barbeiros. O ofício estava subordinado às regras da Confraria de São Jorge e aos regulamentos da Câmara Municipal de Lisboa.
Segundo Manoel Leitam (1667), cirurgião do Hospital Real de Todos os Santos, em Lisboa, a médicos e cirurgiões competia a prescrição das sangrias e a barbeiros sangradores e barbeiros cirurgiões, a sua execução. Deste modo, a execução da sangria representada na peça, apenas legitima a meu ver, a atribuição da designação de “barbeiro sangrador”, uma vez que não está a ser executada qualquer cirurgia.
É caso para dizer:
- Rebaptizemos, pois!
Publicado inicialmente em 26 de Novembro de 2014