sábado, 22 de novembro de 2014

O Adamastor


 O ADAMASTOR - Painel de azulejos do pintor, ceramista, ilustrador e caricaturista Jorge
 Colaço (1868-1942),  no Centro Cultural Rodrigues de Faria, Forjães (Esposende) e
executados  na Fábrica de Cerâmica Lusitânia, em Lisboa, entre 15 de Junho e 30 de
 Setembro de 1933.


A 22 de Novembro de 1497, Vasco da Gama na procura de um caminho marítimo para a Índia, dobra o Cabo da Boa Esperança que marca a transição do Atlântico para o Índico e cuja dificuldade em ser contornado, alimentou a lenda do gigante Adamastor, cantada por Luís de Camões (c. 1524-1580) no Canto V, estrofe 39, de “Os Lusiadas” (1572): 

Não acabava, quando uma figura
 se nos mostra no ar, robusta e válida,
de disforme e grandíssima estatura;
o rosto carregado, a barba esquálida,
os olhos encovados, e a postura
medonha e má e a cor terrena e pálida;
cheios de terra e crespos os cabelos, 
a boca negra, os dentes amarelos. 

A mesma lenda é tema do poema “O MOSTRENGO”, inserido no livro “Mensagem” (1934), de Fernando Pessoa (1888-1935):

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse, «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»/
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez vezes rodou immudo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
que moro onde nunca ninguem me visse
e escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse,
El-Rei D. João Segundo!»

Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer trez vezes,
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quere o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!». 

Publicado pela 1ª vez em 22 de Novembro de 2014

O ADAMASTOR - Painel de Jorge Colaço (1868-1942), no Palácio Hotel do Buçaco, Mealhada.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Estremoz - Defesa do Património - 7 (Conclusão)

O agora recuperado Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz, aqui em
fotografia de C.J. Walowski (1891). Arquivo do autor. 

A nível de património construído há coisas que nunca deviam ter acontecido no nosso concelho. De uma forma reduzida, cito: - As primeiras escavações arqueológicas da vila romana de Santa Vitória do Ameixial ocorridas entre 1915 e 1916, tiveram como consequência o desvio para Lisboa do famoso "Mosaico de Ulisses" que se encontra no Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa; - Muralhas que em nome do progresso foram derrubadas no princípio do século passado, para o comboio chegar a Estremoz e a “notável vila” se poder expandir em determinadas direcções; - A classificação, por engano, como monumento nacional em 1922, da Capela de D. Fradique de Portugal na igreja de S. Francisco, em vez da Ermida do Senhor Jesus dos Inocentes, contígua aos antigos Paços do Concelho (Sala de Audiências de D. Dinis). O erro repetiu-se em 1924, quando foi classificada como monumento nacional, a Casa do Alcaide-mor, conhecida por Casa da Câmara, pensando que era os antigos Paços do Concelho; - O derrube da Igreja de Santo André, em 1960; - A ignorância completa da arqueologia industrial: lagares de azeite, lagares de vinho, moagens e fábricas de cortiça; - A não musealização de oficinas, tais como: albardeiro, alfaiate, barbeiro, carpinteiro, correeiro, encadernador, ferrador, ferreiro, latoeiro e de estabelecimentos como mercearia, padaria e taberna; - A degenerescência da arquitectura popular das casas de povoado das nossas freguesias; - A destruição da arquitectura popular de produção: moinhos, azenhas, noras, eiras, etc. 
O Património Cultural é tudo aquilo que nos pertence, que herdámos do passado ou que construímos hoje e que se torna imperativo preservar, transmitir e deixar como legado, às gerações vindouras, visando a permanência e a identidade cultural do povo. Daí ser importante a existência de Associações de Defesa do Património. 
A terminar esta série de artigos e porque não cultivo uma política de terra queimada, não quero deixar de salientar aspectos positivos de Defesa do Património local, fruto da iniciativa de várias entidades, entre elas, o Município de Estremoz: - A constituição do Museu da Alfaia Agrícola em 1987, bem como as tentativas goradas de musealização dum lagar de azeite (Veiros) e de uma olaria (Estremoz); - A reabilitação do Hospital Real de São João de Deus, ainda no século passado e mais recentemente do Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte; - A candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Imaterial da Humanidade. 

domingo, 16 de novembro de 2014

Evocação de António Telmo em Estremoz




António Telmo, filósofo, escritor e professor, figura cimeira da Cultura e da Filosofia Portuguesa foi evocado numa sessão que decorreu no passado dia 14 de Novembro, no Auditório da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel, em Estremoz. Tratou-se de uma iniciativa conjunta da Biblioteca Escolar Almeida Garrett e do Projecto António Telmo. Vida e Obra.
A sessão teve início a meio da manhã, perante um anfiteatro literalmente cheio, no qual se verificava não só a presença de alunos e professores da Escola, como também de familiares, amigos e alunos de António Telmo.
A abertura do evento coube a José Salema, Director da Escola, que foi aluno de António Telmo e justificou a iniciativa. Seguiu-se a intervenção de Cláudia Marçal, Directora da Biblioteca Escolar, a qual apresentou também os oradores, ambos estudiosos da obra de António Telmo e com trabalhos publicados no âmbito da Filosofia Portuguesa. Seguidamente, Pedro Martins fez a “Evocação de António Telmo” e Elísio Gala a apresentação do livro “Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo”, que a editora Licorne lançou no passado mês de Outubro, em estreita parceria com o Projecto António Telmo. Vida e Obra. O volume, com transcrição, organização, notas e comentários de João Ferreira, Pedro Martins e Rui Lopo, é prefaciado por António Cândido Franco e conta com a colaboração especial de  Maria Antónia Vitorino, Amon Pinho Davi, António Cândido Franco, Armando Carmelo e Romana Valente Pinho.
No final da sessão foi descerrado na Biblioteca da Escola, um retrato de António Telmo, que ficará a assinalar a sua passagem por aquele estabelecimento de ensino, então Escola Industrial e Comercial de Estremoz, em meados dos anos 60, imediatamente antes de partir para o Brasil, onde se juntou a Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva, na Universidade de Brasília.
Na Biblioteca da Escola está patente ao público uma exposição bibliográfica de António Telmo.  

Hernâni Matos

Da esquerda para a direita: Elísio Gala, José Salema, Pedro Martins e Cáudia Marçal.
Um aspecto da assistência.
 Pedro Martins no uso da palavra. 
A intervenção de Elísio Gala.
Exposição bibliográfica de António Telmo na Biblioteca da Escola. 

José Salema (Director da Escola) e Maria Antónia Vitorino (viúva do homenageado) no acto de
descerramento do retrato.
O retrato que ficou a assinalar a passagem de António Telmo pela Escola.
 Pedro Martins autografando o livro "Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo". 

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

12 - Baptizar é preciso!


Xexé.
Oficinas de Estremoz do séc. XVIII.
Museu Municipal de Elvas.

No figurado de Estremoz há peças cuja designação exacta se perdeu na poeira dos tempos e que é imperativo recuperar. É o caso da figura de Entrudo aqui mostrada e que Joaquim Vermelho (1990) designou por “Soldado francês de espadalhão e grandes óculos”. Discordo desta designação por vários motivos: - O chapéu bicorne não era exclusivo dos militares napoleónicos, que nos invadiram por três vezes entre 1807 e 1811; - O chapéu bicorne era já usado nos finais do séc. XVIII (cerca de 1790), em substituição do chapéu tricorne, pois era mais fácil de usar com fartas cabeleiras; - O resto do traje é todo ele característico do séc. XVIII: casaca de mangas estreitas, justa ao tronco, completamente abotoada e com a gola cingida ao pescoço. Os calções são até ao joelho, as meias são claras e os sapatos pretos, lisos e com fivela. O traje está enfeitado por bordados, como era corrente nas classes superiores; - Não é credível que numa representação ainda que burlesca dum personagem, as boniqueiras fossem ao ponto de descaracterizar irreversivelmente o personagem. Faria sentido “vestir” os soldados do Império Napoleónico com casacas e meias bordadas? Não faria sentido algum, nem mesmo que estes fossem oficiais superiores. As boniqueiras não os poderiam ter visto assim, uma vez que tal traje era próprio do Antigo Regime, derrubado pela Revolução Francesa de 1789.
A meu ver, o exemplar do figurado de Estremoz aqui apresentado, deve ser conhecido por “Xexé”, personagem carnavalesco criado pelo povo lisboeta, como sátira política às medidas repressivas do Intendente Geral da Polícia, Pina Manique (1733-1805). A figura chega até ao séc. XX, a ela se referindo Rocha Martins (1904) e Humberto de Luna (1911). O Xexé foi retratado entre outros por Leal da Câmara (1890), José Malhoa (1895), Rafael Bordalo Pinheiro (1903) e Leal da Câmara (1921). Como traço praticamente comum fica a seguinte representação: o xexé trajava uma casaca de seda colorida, calção e meia branca, sapatos de fivela, cabeleira de estopa, punhos de renda e um enorme chapéu bicorne, à moda do séc. XVIII. Usava muitas vezes lunetas, andava armado com um grande facalhão de madeira e um cacete adornado com um chavelho.
É caso para dizer:
- Baptizar é preciso!

sábado, 8 de novembro de 2014

Município de Estremoz galardoado com o Prémio Município do Ano 2014



Palácio dos Marqueses da Praia e Monfote
(Foto do Município de Estremoz)

O Município de Estremoz foi ontem agraciado com o Prémio Município do Ano 2014, na categoria Alentejo (menos de 20.000 habitantes), pela execução da obra de reabilitação do Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte.
A atribuição do prémio ocorreu em cerimónia ocorrida no Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães. Tratou-se de uma iniciativa da Universidade do Minho que desafiou os municípios portugueses a concorrer com um monumento histórico que represente o respectivo concelho. O prémio visa reconhecer as boas práticas, em projectos implementados e/ou mantidos pelos municípios portugueses nos dois anos transactos.
Parabéns ao Município de Estremoz pela distinção outorgada.  

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Armando Alves homenageado no Porto


Armando Alves

“Escrito na cal & outros lugares poéticos” vai ser apresentado hoje, a partir das 18 horas, no auditório da Fundação Engº Eugénio de Almeida, no Porto, Trata-se de uma colectânea de depoimentos em prosa e em verso, sobre o artista plástico Armando Alves, figura cimeira da Cultura Portuguesa.
O livro, publicado pela editora “Modo de Ler”, tem prefácio de Isabel Pires de Lima e reúne textos de 53 autores, entre os quais Albano Martins, Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Herberto Helder, José Saramago, Luís Veiga Leitão, Mário Cláudio, Urbano Tavares Rodrigues e Vasco Graça Moura.
A apresentação da obra estará a cargo de José de Faria Costa e o evento incluirá um momento musical pela pianista Sofia Lourenço, bem como a leitura de textos pelo actor António Durães.
José Saramago, um dos autores incluídos na antologia, considera Armando Alves um “Inventor de Céus e Planícies”, a cuja obra presta tributo. 
Armando Alves nasceu em Estremoz em 1935. Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa, e na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Aqui concluiu o curso de Pintura com vinte valores, o que originou, em 1968, a formação do grupo “Os Quatro Vintes” com Ângelo de Sousa, José Rodrigues e Jorge Pinheiro, com o qual se apresenta em exposições no final da década de 60.
Com projecção internacional, o artista está representado nas principais colecções nacionais e estrangeiras.
Entre outras distinções foi agraciado em 2006 pelo Presidente da República com o Grau de Grande Oficial da Ordem de Mérito e pelo Município de Estremoz com a Medalha de Mérito Municipal – Ouro. 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Estremoz - Defesa do Património - 6

Baluarte da Frandina nos primórdios do séc. XX. Desde tempos recuados que no local têm sido
cometidos atentados ao património construído:mutilações nas Portas da Frandina para
facilitar o trânsito rodoviário, construção duma casa particular em pleno baluarte e
construção dum depósito de água. Na imagem é visível uma guarita cuja reconstrução,
ao contrário de outras, foi ignorada nos anos 60 do século passado, quando das obras de
adaptação do Castelo a Pousada. Bilhete-postal ilustrado do arquivo do autor (Ex-colecção
de Joaquim Vicente Durão).
  
Após passar em revista a acção das estruturas associativas de defesa do património cultural concelhio, impõe-se uma reflexão.
A lei 107/2001, de 8 de Setembro, estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural. Através dela é reconhecido que “Todos têm direito à fruição dos valores e bens que integram o património cultural, como modo de desenvolvimento da personalidade através da realização cultural.” (art.º 7º-1). Este direito é conjugado com o dever de preservar, defender, conservar e valorizar o património cultural (art.º 11º). Aquela lei reconhece ainda o papel das estruturas associativas de defesa do património cultural e natural, nomeadamente o gozo do direito de participação, informação e acção popular, em particular no domínio da informação e formação dos cidadãos (art.º 10º).
Uma Associação de Defesa do Património congrega cidadãos que nela participam cívica e voluntariamente. Como associação cultural especializada, deve ter credibilidade e respeitabilidade pela massa crítica dos seus membros. Para tal, deve congregar, não só o cidadão comum mobilizado por causas cívicas, mas sobretudo “gente que percebe da poda”, isto é, cidadãos e cidadãs que percebam de Legislação, de Arquitectura, de Engenharia, de História, de Etnologia, de Arte, de Ambiente, de Sociologia e de muitas outras valências relacionadas com Património. São eles que poderão marcar a diferença, que darão, de certo, um contributo válido, em situações em que são insuficientes os palpites ou as emoções e são precisos argumentos com a força da razão, visando repor as coisas afastadas do seu devido curso.
A uma Associação de Defesa do Património como órgão autónomo e independente da Administração, compete despertar, mobilizar e unificar consciências para que na diversidade democrática, não se continue na paz podre do deixa andar, da insensibilidade perante aquilo que alguns nos querem fazer acreditar como inevitável. Não existem fatalidades quando estamos armados com mais valias como a consciência cívica, a mobilização, a informação, o conhecimento e a determinação. Então, será possível a Defesa do Património.
Uma Associação de Defesa do Património pode ser incómoda para a Administração, que preferirá a existência de um Conselho Consultivo por si nomeado, constituído por alguns notáveis e por técnicos da Administração, os quais emitirão pareceres que não são vinculativos. Julgo que esse não seja um caminho saudável para a Defesa do Património. 
 (CONTINUA)