domingo, 14 de setembro de 2014

Adagiário da caça

  
 A Família Real Portuguesa em Queluz (1876). Joseph-Fortuné Séraphin Layraud
(1834-1912). Óleo sobre tela (325 x 251 cm). Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa.
Da esquerda para a direita, D. Maria Pia (1847-1911), o Infante D. Afonso
(1865-1911),  o Príncipe Real D. Carlos (1863-1908) e o Rei D. Luís I (1838-1889).
  
De acordo com o Génesis, o primeiro livro da Bíblia, Adão e Eva foram expulsos do Jardim do Éden, pelo que por necessidade de sobreviver, Adão terá sido o primeiro caçador. Diz-nos a antropologia que de facto, foi a necessidade de sobreviver que levou o homem primitivo a caçar, isto é, a perseguir outras espécies animais, com a finalidade de os abater e consumir na alimentação.
É abundante o adagiário português referente a caça. O actor principal da caça é o caçador:
- A cabeça é do caçador.
- A caça da ria em Fevereiro caga para o espingardeiro.
- A caça é uma imagem da guerra.
- A caça só sai aos inocentes. 
- A caçar e a comer, não te fies no prazer.
- À porta de caçador, nunca grande monturo.
- Caça, guerra e amores, por um prazer cem dores.
- Caça, guerra e amores, por um prazer muitas dores.
- Caçar e comer, começo quer.
- Cada um caça e coça.
- De má mata, nunca boa caça.
- De uma fraca toca sai um bicho bom.
- Diminui a pólvora em Setembro e faze, em Outubro, o contrário.
- Duma fraca toca nasce um bicho bom.
- Em caça e amores, por um prazer, cem dores.
- Em tempo de caça e de guerra, mentira como terra.
- Enquanto não é tempo de muda, caçai comigo aos perdigotos.
- Enquanto uns batem o mato, os outros apanham a caça.
- Fome de caçador, sede de pescador.
- Guerra, caça e amores, por um prazer, cem dores.
- Guerra, caça e amores, por um prazer, mil dores.
- Ir à caça sem espingarda.
- Ir à guerra, nem caçar, não se deve aconselhar.
- Mal haja o caçador doido, que gasta a vida com um pássaro.
- Mau caçador, bom mentidor.
- Mentiras de caçadores são as maiores.
- Não caça do coração senão o dono do furão.
- Não é regra certa, caçar com besta.
- Nem boa moça na praça, nem homem rico por caça.
- Ninguém caça do coração como o dono do furão.
- No amor e na caça, começa-se quando se quer e acaba-se quando se pode.
- O caçador de lebres tem que ser coxo.
- Para caçador novo, cão velho.
- Para caçar, calar.
- Porfia mata caça.
- Porfia mata veado e não besteiro cansado.
- Prestes tem a mentira, caçador que mal atira.
- Quando se atira o tiro, é que se apanha o coelho.
- Quem caça de coração é o dono do furão.
- Quem caça e acha não é desgraça.
- Quem caça uma arvela, é mais fino que ela.
- Quem caça, vá à praça.
- Quem em caça, guerra e amores se mete, não sairá quando quiser.
- Quem em caça, política, guerra e amores se meter, não sairá quando quiser.
- Quem não acha o que caça, pega no que acha.
- Quem não pega o que caça, pega no que acha.
- Quem porfia, mata caça.
- Quem quer caça diz xó.
- Quem quer caça vai à praça.
- Quem quer caçar, não diz xó.
- Quem quiser caça, vá á praça.
- Quem vai à caça, perde a graça.
- Quem vai caçar, perde o lugar.
- Quem vai em caça, perde o que não acha.
- Quem, à toa, o tiro acerta, não se gabe de mão certa.
- Se caçares, não te gabes; e, se não caçares, não te enfades.
- Se esta cotovia mato, três me faltam para quatro.
- Sede de caçador, e fome de pescador.
- Um sabor tem cada caça, mas o porco cento alcança.
- Uma vez é da caça, outra do caçador.
Na caça, o homem pode ser auxiliado por animais como o cão:
- A galgo velho deita-lhe a lebre e não coelho. 
- Alentejanos, algarvios e cães de caça, é tudo a mesma raça.
- Algarvios, burros brancos e cães de caça, são todos da mesma raça.
- Bom cão de caça, até à morte dá ao rabo.
- Bom rafeiro caça o ano inteiro.
- Cachorro amarrado não caça.
- Cão azeiteiro, nunca bom coelheiro.
- Cão bom caça por instinto.
- Cão de boa raça, até à morte caça.
- Cão de boa raça, se não caça hoje, amanhã caça.
- Cão de caça puxa à raça.
- Cão de caça sai à raça.
- Cão de caça vem de raça.      
- Cão de caça, caça bem.
- Cão de raça, caça.
- Cão que muito ladra, nunca bom para a caça.
- De casta lhe vem ao galgo ter o rabo longo.
- Em Dezembro, a uma lebre galgos cento. 
- Em Janeiro, nem galgo lebreiro, nem açor perdigueiro. 
- Enquanto mija o cão, vai-se o lobo.
- Galgo que muitas lebres levanta, nenhuma mata. 
- Galgo varzino, ou muito velhaco ou muito mofino.
- Galgo, comprá-lo e não creá-Io.
- Metes os cães à mata e arredas-te para fora.
- Metes os cães à moita, arredaste-a fora.
- Mulher e cachorro de caça, escolhe-se pela raça.
- Mulher e cão de caça, procura-os pela raça.
- Mulher, cavalo e cachorro de caça, se escolhe pela raça.
- Não crie cão quem lhe não sobeje pão.
- O bom cão caça por raça.
- O bom cão de caça até à morte dá ao rabo.
- O galgo, à larga, lebre mata.
- O que é de raça, caça.
- Para caçador novo, cão velho.
- Quem não tem cachorro, caça com gato.
- Quem não tem cachorro, caça com gato; quem não tem gato bota pé no mato.
- Quem não tem cachorro, caça com gato; quem não tem penico, caga no mato.
- Quem não tem cão caça com gato.
- Quem quer um bom cão de caça, escolhe a raça.
- Se queres bons cães de caça busca-lhes a raça.
- Se queres cão de caça, procura-o pela raça.
Pode também ser auxiliado por animais como o furão:
- Andar com furão morto à caça.
- Não caça do coração senão o dono do furão.
- Ninguém caça do coração como o dono do furão.
- O dono do furão caça do coração.
- Quem caça de coração é o dono do furão.
- Só caça de coração o dono do furão.
Pode igualmente ser auxiliado por aves de rapina como o falcão, o açor e o gavião, usados na caça de altanaria:
- Do gavião maneiro se faz o çafaro; e do çafaro o maneiro, segundo a têmpora do cetreiro.
- Em Janeiro, nem galgo lebreiro, nem açor perdigueiro. 
- Gavião temporão, Santa Marinha na mão.
- Inda que a garça voe alta, o falcão a mata.
- Nunca bom gavião de francelho, que vem à mão.
- O açor e o falcão, na mão.
- O açor e o falcão, na mão.
Há adágiário específico de determinadas espécies cinegéticas:
Arvela:
- Quem caça uma arvela, é mais fino que ela.
Codorniz:
- Das aves, boa é a perdiz, mas melhor a codorniz.
Coelho:
- A coelho ido, conselho vindo.
- A galgo velho deita-lhe a lebre e não coelho.
- A lebre é de quem a levanta e o coelho de quem o mata. 
- Antes coelho magro no mato que gordo no prato.
- Ao coelho ido, conselho vindo.
- Cada coelho a seu santo.
- Coelho duma cama só, morre depressa.
- Com este cajado mataste já outro coelho.  
- De onde não se espera salta um coelho.
- De uma má moita pode sair um bom coelho.
- Depois de fugir o coelho, todos dão conselho.
- Depois de fugir o coelho, toma o vilão conselho.
- Deste mato não sai coelho.
- Não é mato donde saia coelho.
- O coelho, onde se cria; a lebre, onde amanhece o dia.
- Quando se atira o tiro, é que se apanha o coelho.
Cotovia:
- Se esta cotovia mato, três me faltam para quatro.
Javali:
- Feriste o javali, deixará quem seguia e tomará a ti.
- Não é no seu fojo que se apanham os javalis.
Lebre:
- A galgo velho deita-lhe a lebre e não coelho.
- A lebre é de quem a levanta e o coelho de quem o mata. 
- Às vezes, corre mais o Demo que a lebre. 
- Em Dezembro, a uma lebre galgos cento. 
- Em Janeiro, nem galgo lebreiro, nem açor perdigueiro. 
- Fazer como a lebre: comer e rodar longe do covil.
- Galgo que muitas lebres levanta, nenhuma mata. 
- Levantas a lebre, para que outrem medre. 
- Não levantes lebre, que outrem leve. 
- Não se caçam lebres tocando tambor.
- O caçador de lebres tem que ser coxo.
- O coelho, onde se cria; a lebre, onde amanhece o dia.
- O galgo, à larga, lebre mata.
- Quem caça veado despreza a lebre.
- Se assim corres como bebes, vamos às lebres.
Lobo :
- Quando o lobo vai por seu pé, não come o que quer.
- Se queres apanhar o lobo, prende-lhe a loba.
Narceja:
- Caça à perdiz com o vento pelo nariz e às narcejas pelas costas o vejas.
Pássaro :
- A pássaro dormente, tarde entra o cevo no ventre.
- A pequeno passarinho, pequeno ninho.
- Mal haja o caçador doido, que gasta a vida com um pássaro,
- Quem pássaro há-de tomar, não o há-de enxotar.
Perdiz:
- A perdiz é perdida, se quente não é comida.
- A perdiz, com a mão no nariz.
- Caça à perdiz com o vento pelo nariz e às narcejas pelas costas o vejas.
- Das aves, boa é a perdiz, mas melhor a codorniz.
- Em Janeiro, nem galgo lebreiro, nem açor perdigueiro. 
- Enquanto não é tempo de muda, caçai comigo aos perdigotos.
- Fevereiro couveiro faz a perdiz ao poleiro: Março, três ou quatro: Abril, cheio está o covil: Maio,
Pombo:
- Tenho-te no laço, pombo torcaz.
Rola:
- Bem sabe a rola em que mão pousa.
Veado:
- Nunca vi veado baleado que não fosse grande e gordo.
- Porfia mata veado e não besteiro cansado.
- Quem caça veado despreza a lebre.
- Veado baleado lodo ele é grande e gordo.
- Veado corre muito mas também morre na cama.


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Palácio Tocha – Quem lhe acode? - 2

 PALÁCIO TOCHA (Traseiras) - Telhas levantadas nos telhados, um dos quais totalmente abatido
e paredes exteriores sem reboco algum e com tijolo a descoberto. Fotografia de Luís Mariano,
Julho de 2014.


Um pombal gigante
Em artigo anterior revelámos preocupação pelo estado de degradação do edifício a partir de imagens da fachada e do interior. Posteriormente viemos a recolher imagens das traseiras da construção, as quais nos deixaram chocados. Não é caso para menos. Vimos telhas levantadas nos telhados, um dos quais totalmente abatido e paredes exteriores sem reboco algum e com tijolo a descoberto. Uma chaminé tem o capelo destruído. Várias janelas e portas estão totalmente desprovidas de madeiramento. O edifício em si, está transformado num gigantesco pombal, pois vêem-se pombos a sair do seu interior, sobretudo da zona do telhado abatido. O jardim que se estende até à Travessa de São Pedro, é um autêntico matagal. No local onde outrora existiu uma fonte, está um buraco onde estão amontoadas manilhas de grés.
Tendo sido classificado como de interesse público, de acordo com a Lei 107/2001, de 8 de Setembro, o edifício devia estar identificado através de sinalética própria (Art. 60.º, nº 2f), o que não acontece. Quem o devia ter feito e não fez?
E nós?
Assiste-nos o direito à fruição dos valores e bens que integram o património (Art. 7.º) e temos igualmente o dever de o defender e conservar, impedindo a sua destruição, deterioração ou perda (Art. 11.º, nº 2). Daí que entendamos por bem, fazer uma análise da situação, recorrendo a uma malha mais fina que a anterior. 
Deveres do proprietário
O proprietário tem o dever de conservar, cuidar e proteger devidamente o edifício, de modo a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração (Art. 21.º, nº 1b). Deve além disso, observar o regime legal instituído sobre acesso e visita pública, à qual pode, todavia, eximir-se mediante a comprovação da respectiva incompatibilidade, no caso concreto, com direitos, liberdades e garantias pessoais ou outros valores constitucionais (Art. 21.º, nº 2a). Deve também executar os trabalhos ou as obras que o serviço competente, após o devido procedimento, considerar necessários para assegurar a salvaguarda do edifício (Art. 21.º, nº 2d). Deve ainda avisar imediatamente o órgão competente da administração central ou regional, os serviços com competência inspectiva, o presidente da câmara municipal ou a autoridade policial logo que saiba de algum perigo que ameace o edifício ou que possa afectar o seu interesse como bem cultural (Art. 32.º).
Será que o proprietário cumpriu estes deveres? É que a negligência é punível (Art. 107.º).
Deveres da Administração
Logo que a Administração Pública tenha conhecimento de que algum bem classificado, ou em vias de classificação, corra risco de destruição, perda, extravio ou deterioração, deverá o órgão competente da administração central, regional ou municipal determinar as medidas provisórias ou as medidas técnicas de salvaguarda indispensáveis e adequadas, podendo, em caso de impossibilidade própria, qualquer destes órgãos solicitar a intervenção de outro (Art. 33.º, nº1). Se as medidas ordenadas importarem para o detentor a obrigação de praticar determinados actos, deverão ser fixados os termos, os prazos e as condições da sua execução, nomeadamente a prestação de apoio financeiro ou técnico (Art. 33.º, nº2). Além das necessárias medidas políticas e administrativas, fica o Governo obrigado a instituir um fundo destinado a comparticipar nos actos referidos no Art. 33.º, nº2 e a acudir a situações de emergência ou de calamidade pública (Art. 33.º, nº3).
Obras de conservação obrigatória
Os municípios e os proprietários de imóveis classificados devem executar todas as obras ou quaisquer outras intervenções que a administração do património cultural competente considere necessárias para assegurar a sua salvaguarda (Art. 46.º, nº 1).
Os órgãos competentes da administração do património cultural têm de ser previamente informados dos planos, programas, obras e projectos, tanto públicos como privados, que possam implicar risco de destruição ou deterioração de bens culturais, ou que de algum modo os possam desvalorizar (Art. 40.º, nº 1).
Deslocação
É de salientar que nenhum imóvel classificado, poderá ser deslocado ou removido, em parte ou na totalidade, do lugar que lhe compete (Art. 48.º) e estamos a pensar no rico património azulejar do edifício classificado.
Tem a palavra o Município
O Palácio Tocha veio a ser classificado como imóvel de interesse público na sequência de proposta da Câmara Municipal de Estremoz, datada de 4 de Junho de 2000. Importa pois saber o que o Município tem a dizer sobre o assunto.

Hernâni Matos

Câmara preocupada
Entretanto, conforme noticia na sua edição de 11 de Setembro de 2014, o jornal regionalista “Brados do Alentejo”, inquirido sobre a situação do Palácio Tocha, o presidente do Município, Luís Mourinha, disse que está “preocupado com a situação” e acrescentou ter sido “recentemente contactado verbalmente pelos interessados no sentido de o imóvel ser adaptado a hotel, situação a que a câmara não se opõe”.
Aquele jornal termina a nota, dizendo: “Espera-se, pois, que a solução ainda venha a tempo e seja o mais consentânea com a salvaguarda daquele valioso património histórico-cultural da cidade.”

 PALÁCIO TOCHA (Traseiras) - Uma chaminé tem o capelo destruído. Fotografia de Luís Mariano,
Julho de 2014.
  PALÁCIO TOCHA (Traseiras) - Várias janelas e portas estão totalmente desprovidas de madeiramento.
Fotografia de Luís Mariano, Julho de 2014.
  PALÁCIO TOCHA (Traseiras) - O edifício em si, está transformado num gigantesco pombal, pois
vêem-se pombos a sair do seu interior, sobretudo da zona do telhado abatido. Fotografia de
Luís Mariano, Julho de 2014.
   PALÁCIO TOCHA (Traseiras) - O jardim que se estende até à Travessa de São Pedro, é um autêntico matagal. Fotografia de Luís Mariano, Julho de 2014.
   PALÁCIO TOCHA (Traseiras) - No local onde outrora existiu uma fonte, está um buraco onde
estão amontoadas manilhas de grés.Fotografia de Luís Mariano, Julho de 2014.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Estremoz - Defesa do Património - 2

MÁQUINA DEBULHADORA - Rés-do-chão do Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz, quando este
se situava na Rua Serpa Pinto e era visitável, o que aconteceu até Abril de 2004, data a partir
da qual e por recomendação de engenheiros da CME, deixou de receber visitas, por motivos
de segurança. Só em 15 de Julho de 2010 e na sequência de um assalto, começou a transferência
do seu recheio, para o local onde está actualmente alojado: um pavilhão junto aos silos da EPAC.

Outras estruturas associativas de defesa do património cultural em Estremoz foram:
Comissão da Alfaia Agrícola
A chamada “Comissão da Alfaia Agrícola”, liderada por Joaquim Vermelho e dependente da CME, entre 1987 e 1996 geriu o Museu da Alfaia Agrícola, então instalado em edifício devoluto da FNPT, na Rua Serpa Pinto, arrendado pela CME e que veio a acolher mais de 4000 peças da faina agro-pastoril, recolhidas pelo campaniço e encarregado de pessoal da CME, Crispim Vicente Serrano. Peças encontradas em lixeiras, em casões devolutos ou abandonadas ao ar livre, peças doadas por 23 agricultores e também peças depositadas por 24 agricultores à guarda da CME e que foram recuperadas na Horta do Quiton.
Associação Etnográfica e Cultural de Estremoz (ETM0Z)
Fundada em 1996 e hoje inactiva, era liderada pelo Eng.º José Mantero Morais e a ela pertenceram também, entre outros, Henrique Reynolds de Sousa, Pedro Borges, Ruy Zagallo Pacheco, Pedro Nunes da Silva, José Varge e Isabel Taborda Nunes de Oliveira. Os seus objectivos incluíam: - Apoiar e incentivar a recolha, conservação, valorização e investigação do Património Cultural e Ambiental das Comunidades da Região; - Promover um centro de actividades de animação cultural, de extensão educativa e de atracção turística; - Fomentar pólos de investigação científica interdisciplinar, estabelecendo protocolos para o efeito; - Incrementar relações com organizações nacionais, estrangeiras e internacionais, que prossigam fins semelhantes. Graças a um protocolo com a CME, a ETMOZ passou a gerir em Janeiro de 1996, o Museu da Alfaia Agrícola (edifício e recheio), situação que se manteve até 2003, ano em que a gestão transitou novamente para a CME, passando aquela unidade museológica a constituir um pólo museológico do Museu Municipal de Estremoz. A ETMOZ editou em 1997 “Colecção da Alfaia Agrícola (Catálogo Descritivo)”, elaborado pelos seus associados Ruy Zagallo Pacheco e Pedro Nunes da Silva.
(Continua)


terça-feira, 9 de setembro de 2014

8 – Tipos de colecções de bonecos de Estremoz


Aguadeiro (2014).
Jorge da Conceição.
Colecção particular.

Há quem compre bonecos de Estremoz para oferecer como prendas em ocasiões especiais: Natal, aniversários, casamentos e baptizados. Há de resto quem adquira imagens religiosas para venerar em casa como objectos de culto. Para além disso, há quem procure figurado de Estremoz na qualidade de coleccionador.
Uma colecção é sempre reflexo da motivação, do bom gosto e, é claro, da bolsa do coleccionador.
As colecções de bonecos de Estremoz podem agrupar-se em quatro grandes tipos:
- Colecções generalistas, abarcando figuras de temas diversos, criadas por vários barristas­ desde o séc. XVIII até aos dias de hoje. É o caso da colecção do Museu Municipal de Estremoz;
- Colecções de autor, constituídas por imagens de variados temas, produzidas por um único bonequeiro, como é o caso da colecção do Museu Rural de Estremoz, criada com peças confeccionadas por Mariano da Conceição (1903-1959);
- Colecções de função, incorporadas por artefactos destinados a desempenharem uma determinada função e que foram criados ou não por um único autor. Tal é o caso de colecções de presépios, de paliteiros, de ganchos de meia, de apitos, de brincos, de suportes para velas, de candelabros ou de objectos decorativos como cantarinhas, pucarinhos e terrinas;
- Colecções temáticas, que integram na sua constituição, bonecos produzidos ou não por um único artesão, mas com um elo temático comum. Tal é o caso de colecções de imagens religiosas, de figuras femininas ou de personagens das fainas agro-pastoris do Alentejo do passado. 
Apesar desta sistematização, convém ter em conta que coleccionar é uma paixão e no meu caso, o amor de toda uma vida. Ora o amor não tem barreiras, o que importa é a relação afectiva do coleccionador com os bonecos de Estremoz. O importante é coleccioná-los. Os artífices agradecem, porque a arte popular que lhes brota das mãos mágicas é o seu modo de assegurar o ganha-pão diário.


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Estórias de um não caçador confesso

Rola.

Aos meus amigos do
Clube Literário Cinegético

O primeiro tiro
Vou procurar explicar tintim por tintim, qual a razão porque não sou caçador. Em primeiro lugar porque não fui bem sucedido no primeiro disparo, ocorrido aí pelos quinze anos de idade, já que por mau aconchego da coronha no ombro, assim que disparei, apanhei com ela nas ventas e fiz marcha atrás devido ao coice da espingarda. Foi um baptismo de fogo que me marcou para o resto da vida. Hoje, a minha consciência crítica interroga-se, perguntando:
- Quem te mandou a ti sapateiro, tocar rabecão?
Só no sétimo ano do Liceu, aí pelos dezoito anos, vim a perceber como funcionam a Física e a Matemática relativas ao disparo de uma arma de fogo e em particular, o facto de cada disparo ter associado a ele um recuo da arma, o qual na gíria dos caçadores é conhecido por “coice”. Trata-se de um fenómeno dinâmico que envolve a lei da igualdade da acção e da reacção e a lei da conservação da quantidade de movimento. Face à primeira daquelas leis, a qualquer acção de um corpo sobre outro corresponde uma reacção oposta e de grandeza igual à acção. Daí que à força propulsora que faz mover o chumbo de caça esteja associada uma força oposta associada à arma e daí o “coice”. Por outro lado face à segunda daquelas leis, num sistema isolado, a quantidade de movimento do sistema permanece constante. A quantidade de movimento de um sistema é o produto da massa pela velocidade. No nosso caso, o sistema é a espingarda com um cartucho lá dentro. Antes do disparo, a quantidade de movimento da espingarda com um cartucho lá dentro, é zero. Terá de ser o mesmo depois do disparo. Mas após este, o sistema separou-se em duas partes. Daí que a quantidade de movimento do chumbo expelido seja simétrica da quantidade de movimento da arma disparada.
O “coice” que me atingiu ocorreu no decurso de férias grandes passadas em casa do meu tio paterno, na aldeia da Cunheira, no concelho de Alter do Chão. O meu tio era um exímio caçador e assistiu ao infortúnio com a espingarda que me emprestara para eu dar o meu primeiro tiro. Como era um grande brincalhão, nesse dia à tarde submeteu-me à chacota dos frequentadores da taberna de que era proprietário e eu senti-me vexado com as chalaças do meu tio. Como eu o costumava acompanhar a ele e aos caçadores nos petiscos de fim de tarde, bebendo “traçadinhos”, nessa tarde inverti as proporções e usei mais vinho que pirolito de berlinde. O resultado está à vista. Tive que ir mais cedo para a cama e no outro dia de manhã acordei com a boca a saber-me a bicicletas partidas.
A espera às rolas
Noutro dia daquelas fatídicas férias o meu sempre bem disposto tio, levou-me com ele à caça às rolas na modalidade de “espera”. Para tal ficámos emboscados numa choça construída pelo meu tio com vegetação existente no local. O nosso quartel-general fora implantado pelo meu tio à distância julgada conveniente de uma nascente de água existente no meio do mato e onde as rolas iam beber no pino do calor. Todavia, apesar do engenho e arte do meu tio, tanto na construção da choça como pela experiência de tiro, as rolas tardavam em descer dos ares e não se iam dessedentar ao nascente. Intrigado com o que se estava a passar e que não era habitual, o meu tio saiu para fora da choça para avaliar melhor a situação. A conclusão a que chegou foi rápida. As rolas não se aproximavam da nascente, porque eu com quinze anos de idade, tinha um metro e setenta e cinco de altura e metade das pernas fora da choça, a denunciar a nossa presença às rolas. Nesse dia à tarde, fui outra vez alvo das graçolas do meu tio e das risadas dos caçadores. É que ele disse na taberna:
- Hoje fui às rolas e pela primeira vez apanhei uma “grade”. Sabem porquê? É que o meu sobrinho tem pernas de girafa e espantou as rolas.
Nessa tarde cheguei à conclusão que fora talhado para ser não caçador, pelo que fiquei com a cabeça fria. Bebi os traçadinhos com mais pirolito que vinho, deitei-me à hora normal e no dia seguinte acordei fresco que nem uma alface.
Daí que por mim, siga o adágio:
- Quem quer caça vai à praça.

sábado, 6 de setembro de 2014

Colectânea Literária Cinegética

 
Capa de Francisco Charneca.

Texto lido pelo autor na apresentação do livro,
ocorrida na Casa de Estremoz, pelas 15 h 30 min
do dia 6 de Setembro de 2014.

Fotografias de Francisca de Matos.

ADVERTÊNCIA
Não sei se vai ocorrer aqui hoje ou não, uma tragédia cinegética ou até mesmo um eventual ecocídio. É que só o Diabo se podia lembrar de me convidar para falar desta admirável colectânea literária cinegética. É que eu nem sequer sou “marteleiro”, mas sim um não caçador confesso.
Se não foi o Diabo, então quem foi? Hum, isto cheira-me a tramóia de Mestre Velho Murtigão, afastado dos seus afazeres rituais nos santuários bacorais de Santo Alêxo da Restauração e com o espírito liberto para fazer das suas. Eu até era capaz de jurar pela alma dos quatro perdigões reais, que a urdidura e a trama desta tragédia cinegética tem a marca inconfundível de Mestre Velho Murtigão. Todavia ele não será o único culpado, já que terá contado com a colaboração de mais dois cúmplices. Um deles foi o Francisco Charneca que terá sido o seu lugar-tenente em toda esta marosca. O outro foi o José Amaro, que foi o mestre-de-cerimónias que com falinhas mansas acabou por ser o responsável final por eu estar aqui hoje.
Foi uma armadilha que me montaram e eu caí na esparrela de ter de falar destas caçadas literárias. Convenci-me desde logo que o convite formulado fora fruto das circunstâncias de não terem arranjado um especialista de serviço. Lá diz o rifão “Quem não tem cão, caça com gato”. E nisto tudo havia gato e o gato era eu, pelo que a minha primeira reacção foi declinar o convite do José Amaro. Aconteceu, porém que li uma dedicatória na contracapa do livro, a qual reza assim: “Aos nossos companheiros, cúmplices e amigos inseparáveis da Caça – os cães”. Foi então que mudei radicalmente de opinião e aceitei o convite do José Amaro. Sabem porquê? Porque aquela dedicatória também me é dirigida, já que “Alentejanos, argarvios e cães de caça, é tudo a mesma raça”. Aceitei pois o desafio, correndo o risco de em vez de falar de caça, fazer uma conversa de caca, o que constituiria uma tragédia verbal superior à ablação da cedilha.
De resto fui convidado, não por ser propriamente um “picareta falante”, mas por ser há muito conhecido como “picareta escrevente”.
Vamos lá ver no que isto vai dar. Que Santo Huberto lá no céu e Diana no Olimpo, tenham piedade de nós.
O PRIMEIRO CAÇADOR
De acordo com o Génesis, o primeiro livro da Bíblia, Adão e Eva foram expulsos do Jardim do Éden, pelo que por necessidade de sobreviver, Adão terá sido o primeiro caçador. Diz-nos a antropologia que de facto, foi a necessidade de sobreviver que levou o homem primitivo a caçar, isto é, a perseguir outras espécies animais, com a finalidade de os abater e consumir na alimentação.
A caça como actividade humana aparece representada nas pinturas e gravuras de grutas como Lascaux, Chauvet ou Altamira. Provavelmente, o homem terá começado por caçar sem armas, às quais terá começado a recorrer em certo estágio da sua evolução. E naturalmente com a evolução do homem, vão evoluindo igualmente as armas usadas na caça. Estas classificam-se em:
-    Armas de arremesso de mão: dardo, azagaia e arpão.
-    Armas de arremesso de engenho: funda, fisga, arco, besta, zarabatana e bumerangue.
-    Armas de choque: cajado, moca, machado, punhal, faca, espada, sabre e lança.
-    Armas de choque e arremesso de mão: machado, punhal e lança.
-   Armas de fogo: mosquete de pederneira, espingarda, pistola, revólver, etc.
Na caça, o homem pode também utilizar armadilhas diversas, tais como gaiolas, laços e redes. Pode igualmente ser auxiliado pelo cavalo em que se faz transportar ou por animais como o cão e o furão, assim como por aves de rapina como o falcão e o açor, usados na caça de altanaria.
O DESESPERO DE ADÃO
Adão deve ter sido o caçador mais feliz de todos os tempos, já que não lhe foi exigida carta de caçador, nem bilhete de identidade ou passaporte, assim como licença de caça, o que pode obrigar a ter cinco tipos de licenças: licença nacional, licença regional, licença de caça para não residentes em território nacional, licença para caça maior e licença para caça a aves aquáticas. Se fosse hoje, para além disso, Adão teria de trazer consigo, recibo comprovativo da detenção de seguro de caça, licença de uso e porte de arma, livrete de manifesto de armas, cartão nacional de identificação dos cães e licença de cão de caça. Estou certo que Adão se passaria dos carretos e diria:
- Arre, porra, que é demais!
A COMUNHÃO COM A NATUREZA
Caçar é uma actividade nobre, regulamentada por lei e existe um “Código de Comportamento do Caçador” elaborado sob os auspícios do Conselho da Europa e adoptado como recomendação n.º 8-17 pelo Comité de Ministros dos Estados Membros em 23 de Setembro de 1985. Divulgado entre nós pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e Associações de Caçadores com o objectivo de promover uma ética de caça fundamentada nas realidades de hoje. Reconhece-se que a fauna selvagem deve ser preservada para as gerações presentes e futuras pelo seu valor ecológico, económico, estético, cultural e educativo. Reconhece-se ainda que a caça pode ser considerada como um elemento importante de gestão da fauna selvagem, com a condição de respeitar as necessidades ecológicas das espécies e dos seus equilíbrios biológicos. Todavia, certos tipos de comportamento podem ter repercussões nefastas no futuro de algumas espécies. Daí a importância de que se reveste, os caçadores seguirem o “Código de Comportamento”, já que é imperioso respeitar a fauna silvestre e observar normas éticas e de segurança inerentes ao acto venatório assim como contribuir para uma gestão racional dos recursos cinegéticos.
A caça põe o homem em contacto íntimo e em comunhão com a Natureza. Fazem-se grandes caminhadas e como diria o poeta sevilhano António Machado (1875-1939):
……………………………..
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
………………………
E nas suas andanças por cerros e vales, o caçador acompanhado do seu fiel amigo, o cão, aprende a conhecer a natureza, a interpretá-la e a respeitá-la.
ESTÓRIAS DE CAÇADORES
Para além do prazer proporcionado pela caça em si, há outras alegrias no final das caçadas: a exibição dos troféus de caça, o convívio à boa mesa e as estórias que se contam. Lá diz o rifão que:
- Quem conta um conto, aumenta um ponto.
assim como:
- Mau caçador, bom mentidor.
E também:
- Mentiras de caçadores são as maiores.
Um caçador é naturalmente um bom contador de estórias, umas verdadeiras outras romanceadas ou até mesmo pura ficção, mas todas elas, estórias. As estórias contam-se à mesa depois das caçadas, mas contam-se também no Facebook, rede social onde foi criado um grupo chamado “Arte Cinegética”, destinado à divulgação de obras de Arte Cinegética, tanto no âmbito das Artes Plásticas como da Literatura, Fotografia, Joalharia, Design e Taxidermia. Tal grupo de que também sou membro, tem 781 membros e tem como administradores Francisco Charneca, José Amaro José Joaquim Marques Chaparro e Pedro Miguel Silveira. Foi o grupo “Arte Cinegética” que esteve na origem do Clube Literário Cinegético, pelo qual estou aqui a dar a cara ou se preferirem o focinho, já que estamos a falar de caça.
A primeira publicação do Clube é esta “Colectânea Literária Cinegética” onde caçadores, inevitavelmente contadores de histórias, trocaram a espingarda pela caneta e resolveram passar ao papel, tanto em prosa como em poesia, algumas das estórias que lhe vão na alma.
FALEMOS ENTÃO DO LIVRO
Trata-se de um livro com capa cartonada com as dimensões de 17x24x2 cm, com o peso de 585 gramas e um total de 342 páginas, dividido em 48 partes e profusamente ilustrado. Reúne prosa e poesia de 42 autores-caçadores. a saber: Adriano Palhau, Agostinho Beça, Alexandre Fernandes, Ângelo Sequeira, António Afonso Inácio, António Luiz Pacheco, António Maria Pignatelli, António Pedro Rodrigues, Edgar Cordeiro, Fernando Coutinho, Fernando Manuel Santos Mota, Fernando Mascarenhas Loureiro, Francisco Charneca, Gilberto Fernandes, Gonçalo Roquete, Helena Cotrim, Joaquim Santos, João António Freixo Boavida, João Carlos Sequeira, José Amaro, José António Neves, José Maria da Cunha, José Martins, José Joaquim Marques Chaparro, Júlio Sousa, Luís Barata, Luís Guimarães, Luís Miguel Pereira, Luís Paiva, Manuel Prata de Almeida, Manuel Vassalo, Mestre Velho Murtigão, Miguel Pereira, Paulo Farinha Pereira, Paulo Oliveira, Paulo Santos, Pedro Delgado, Pedro Miguel Silveira, Rodrigo Abreu, Sérgio Paulo Silva. Nelson F. Tomaz e Nuno Sehastião. Os textos têm um elo comum a paixão pela caça que lhes está na massa do sangue.
As ilustrações num total de 191 pertencem a 11 autores. São eles: Alexandre Fernandes, António Charneca, Fernando Farinha Pereira, Francisca Paiva, Francisco Charneca, Francisco Fachadas, Francisco Marques, Inês Valadas Pereira, Luís Barata, Manuel Trovisco e Rita de Mascarenhas Loureiro.
A colectânea foi coordenada por José António Neves e por Francisco Charneca, respectivamente a nível de textos e de ilustrações. A paginação e a capa são também de Francisco Charneca.
O SIMBOLISMO DO LIVRO
Este livro está repleto de simbolismo. Tem como cor dominante, a cor da terra de barro, o mesmo barro com que Deus terá modelado o primeiro homem, o qual por desobediência da sua cara-metade, acabou por ter de expulsar do Paraíso. Por isso, este livro é também uma homenagem a Adão, o primeiro caçador da História da Humanidade.
Para além disso, neste livro os tons de ocre castanho, um dos pigmentos minerais usados na decoração de grutas como as de Lascaux, Altamira e Chevreux, são também uma homenagem, aos artistas rupestres precursores da arte cinegética, que esteve na génese do grupo homónimo do Facebook.
DUAS PALAVRAS
Em “Duas palavras...”, que é como que um ante prefácio, os coordenadores da colectânea dão-nos conhecimento que (e passo a citar):
A generalidade dos autores, a maioria, a publicar pela primeira vez, oriundos da geografia portuguesa, assume galhardamente a sua condição de caçadores que escrevem, devendo ser este livro avaliado essencialmente sob esse prisma. Nas suas diversas histórias, narrativas e crónicas, onde a fantasia, o humor e o vernáculo, tão característicos das nossas tertúlias, temperam a austeridade dos lances, encontraremos a expressão de diferentes idiossincrasias, unidas pelo gosto comum da multidisciplinar prática venatória.
E mais adiante dizem:
Nestas páginas encontraremos ainda múltiplas vivências, tanto no território pátrio como fora dele, onde a crua realidade é omnipresente. Isso permite-nos a percepção clara do arrebatamento que incita ao acto cinegético, da dureza imposta pelo ambiente natural e das palpitações do esforço tenaz, materialização sublime do corolário da vontade e do espírito de sacrifício.
E terminam dizendo:
As ilustrações, embora sejam uma manifestação artística com valor próprio - aliás, de excelente qualidade - combinam-se com a escrita numa simbiose admirável. Alguns dos seus autores, apesar de nâo-caçadores, revelaram, em traços precisos e indeléveis, um esclarecido entendimento da paixão que nos movimenta e dos horizontes que perseguimos.
IN MEMORIAM
Em “In Memoriam…”, os coordenadores da colectânea dão conhecimento de que “Nas montarias peninsulares é honrosa tradição recordar os amigos e companheiros desaparecidos.” Por isso entenderam nesta colectânea “…proceder de igual modo através da evocação de uma figura representativa e consensual devido à singularidade dos seus feitos e à extrema dignidade do comportamento pessoal.”. Trata-se de Mestre José Pardal que segundo nos revelam “Na sua multifacetada experiência personifica o arquétipo do caçador integral e consciente, daí a eleição deste vulto incontornável da nossa cinegética para preitear a memória, dos que, como Ele, nos antecederam ou acompanharam.”
PREFÁCIO
O notável prefácio de Gonçalo Roquette levou-me à conclusão de estar em presença de alguém que é com certeza um grande caçador e dispara igualmente bem com a arma e com a caneta. Ideia que é reforçada pela sugestiva ilustração que acompanha o prefácio. Dele respiguei a seguinte afirmação: “Não há dúvida que as terras da felicidade são os nossos locais de caça. Onde regressamos, religiosamente, para celebrar a vida ali vivida. Assim são os livros como este, não só mas também, uma maneira de caçar.”, bem como esta outra:”Com esse apontamento quero assinalar que a caça é indiscutivelmente um factor de união entre os homens, independentemente da sua opinião política, da religião que professam, da sua raça, do sexo, dos seus bens de fortuna e do seu berço, “Os homens compreendem-se uns aos outros na medida em que os animam as mesmas paixões”. E aqui Roquete cita Stendhal. Parabéns pelo texto. Estou certo que é considerado um privilégio, tê-lo como amigo e ser seu companheiro de caça.
DAS ESTÓRIAS
Das estórias pouco posso dizer. São histórias de caça, em prosa e em verso, com estilos e domínios de escrita diversos, reflexo da experiência cinegética e do imaginário de cada um. Há que lê-las e partilhar com cada um dos autores o relato da sua vivência e da sua imaginação.
POSFÁCIO
O posfácio de Nuno Sebastião, elaborado depois de calcorrear estas páginas de caça, trouxe-lhe à memória o saudoso tempo do terreno livre dos seus tempos de catraio, quando acompanhava o pai. Era o tempo da vida livre e desburocratizada de campos sem tabuletas, tempos que não voltam. E felicita os confrades que em prosa e poesia, decidiram formar jolda e trocarem a lazarina pela caneta para nos brindarem com uma lição de ética venatória e bom companheirismo.
TRIBUTO
No final do livro e muito bem, os coordenadores da “Colectânea Literária Cinegética” prestam um tributo aos companheiros e companheiras que ao seu lado celebram com a indispensável benevolência, a sua dedicação à festa da caça.
GLOSSÁRIO
No final do livro é possível consultar um valioso glossário com 436 termos e expressões idiomáticas usadas pelos caçadores. Curiosamente, o significado não é o que pode parecer à primeira vista.
A talhe de foice, destaquei os seguintes termos: Amélias que são pessoas pouco desembaraçadas. Badagaio que é a queda desamparada. Bufar que é expirar com força. Choça que é o abrigo utilizado pelo caçador para se esconder da caça na modalidade de espera. Javardo que é o javali adulto. Jolda que é um grupo organizado de caçadores. Marteleiro que é o caçador que erra tudo a que atira. Picada que é um caminho estreito em terra. Pissadas que são raspanetes e Ponta de fora que é a posição do caçador que na caça às perdizes de salto, orienta a caçada.
Este glossário é decerto um bom ponto de partida para a edição autónoma de um dicionário de termos e expressões idiomáticas usadas pelos caçadores. Fico à espera.
ATÉ QUE ENFIM
Permitam-me que termine parafraseando D. Francisco Manuel de Melo, dizendo: “Da infelicidade da composição, erros de escritura e outras imperfeições de estampa, não há que dizer-vos, vós as vedes, vós as castigais”. E acrescentarei:
- Assim seja, para mal dos meus pecados.
Todavia peço-vos, oh cavaleiros do código antigo, cumpridores de preceitos, romeiros dos santuários de caça, fiéis devotos dos templos da sua degustação, tende piedade de mim!

Hernâni Matos


José Amaro do Clube Literário Cinegético no uso da palavra.
 Francisco Charneca do Clube Literário Cinegético no uso da palavra. 
À esquerda, Hernâni Matos fazendo a apresentação da Colectânea a qual acompanhou com uma
projecção em PowerPoint. 
Um aspecto da assistência. 
Hernâni Matos dissertando sobre o Convento de Nossa Senhora da Conceição dos Congregados
do Oratório de São Filipe Nery, actual edifício dos Paços do Concelho de Estremoz.
Visita guiada aos painéis de azulejo azul e branco ao estilo barroco-rococó de D. João V,
que ornamentam a escadaria do Convento e onde figuram interessantes cenas cinegéticas,
a cavalo,  a pé, de quadrilha, caça grossa, ao javardo, à corça, ao porco montês, à raposa,
ao lobo e falcoaria.