terça-feira, 30 de outubro de 2012

Gaspar fora do Presépio, já!

Gaspar foi abatido à montagem do Presépio.

Nesta altura do ano já começo a sonhar com a montagem do Presépio, que como todos bem sabem é evocador do nascimento de Cristo Salvador.
A montagem do Presépio costuma alegrar toda a criançada, uma vez que desperta neles a lembrança das prendas que o vetusto Pai Natal, na noite de 24 para 25 de Dezembro, lhes vai depositar nos sapatinhos. Todavia, a tradição já não é o que era. Com a crise, muitos pais apenas poderão pôr no sapatinho dos seus filhos, as memórias dos presentes doutros anos, nos quais isso era possível. Ora, eu que também já fui criança, não posso ficar indiferente a tal facto. Assim, decidi tomar uma atitude drástica. No meu Presépio deste ano, só figurarão dois Reis Magos: Baltasar e Belchior. É que estou danado com o Gaspar, por tanto nos fazer apertar o cinto. Como tal, foi por mim afastado do convívio dos seus pares e do remanso do meu lar. Condenei-o a desterro no exterior, onde ficará exposto à chuva e ao vento, para ver se refresca as ideias.
Aconselho-vos a que façam o mesmo. Abandonem-no no quintal, no jardim, na varanda ou no telhado, pois um bom cristão concede sempre aos prevaricadores, a oportunidade de se redimirem.
Quem tiver poço, pode e deve mesmo, mergulhá-lo de cabeça para baixo, pendurado por uma guita. É assim que procedem os devotos de Santo António, quando o taumaturgo tarda em conceder os milagres desejados.
Proceda-se de igual modo com o Gaspar, que só sairá dos seus suplícios aquáticos, quando deixar de nos apertar o cinto.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Adagiário do frio


Mulher da azeitona de Estremoz. Ilustração de Cesar Abbott.
Bilhete-postal ilustrado edição Centro de Novidades (Porto, 1942).

O QUE É O FRIO
O Inverno é caracterizado por baixas temperaturas, responsáveis por sentirmos frio. Este é uma sensação fisiológica contrária à sensação de calor e está associado às baixas temperaturas.
É sabido da Física que pelo “Princípio Fundamental da Calorimetria”, “Quando se põem em contacto dois corpos a temperaturas diferentes, o mais quente arrefece e o mais frio aquece, até ficarem ambos à mesma temperatura”. Por isso no Inverno, como o meio ambiente está a uma temperatura inferior à do nosso corpo, este tende a perder calor por irradiação a favor do meio ambiente, o que se traduz num abaixamento da temperatura do nosso corpo. Por isso sentimos frio. No Verão é exactamente o contrário, pois o meio ambiente está a uma temperatura superior à do nosso corpo, pelo que tende a perder calor por irradiação a favor do nosso corpo, pelo que a temperatura deste aumenta. Daí sentirmos calor.

TRAJE POPULAR ALENTEJANO
Para nos protegermos do frio usamos vestuário, que funciona como barreira à perda de calor corporal, por isolamento térmico. O traje popular alentejano assegurava sabiamente esse isolamento.
O camponês alentejano usava barrete na cabeça que lhe protegia as orelhas do frio, ao contrário do chapéu. Usava ainda pelico ou samarra de pele de borrego ou de ovelha e por baixo destes, sucessivamente colete, camisola e camisa. Uma cinta cingia a cintura. Nas pernas, safões de pele de ovelha ou de borrego. Por baixo, sucessivamente calças de saragoça forte e ceroulas de flanela. Podia ainda cobrir-se ou transportar ao ombro uma espessa, pesada e quente manta alentejana, fabricada em centros com tradições tecelãs (Reguengos de Monsaraz, Mértola, Castro Verde, Grândola, Almodôvar e Serpa.). Nos pés, sapatos grossos de atanado com polainas ou botas caneleiras ou joelheiras e por baixo destas, grossas meias de lã. Assim trajavam pastores e ganhões durante a jorna (lavrar, charruar, cavar, podar). Terminada esta e em certas circunstâncias podiam usar capote de saragoça ou de burel.

Maioral e ajuda, figuras da pastorícia alentejana, no início do séc. XX.
Bilhete-postal ilustrado edição Malva (Lisboa).

Pastor alentejano.
Aguarela de Alberto de Souza (1880-1961), pintada em 1935. 

Pastor (Início do séc. XX).
Bilhete-postal ilustrado edição de Faustino António Martins (Lisboa). 

Um campónio alemtejano em dia de festa.
Bilhete-postal ilustrado edição Costa (Lisboa).

As camponesas alentejanas que participavam na apanha da azeitona e na monda, usavam uma saia forte, atada em forma de calças, a fim de facilitar o trabalho. Nas pernas, grossas meias de lã e nos pés sapatos fortes de atanado. No tronco, para além da roupa interior, camisa, blusa de malha e xaile. Nos braços, mangueiras de um tecido barato, visando proteger as mangas da blusa durante o trabalho. A cabeça era protegida por um lenço, atado atrás. Por cima do lenço usavam um chapéu de feltro.

ADAGIÁRIO DO FRIO
É diversificado e vasto o adagiário português, onde é utilizada explicitamente a palavra frio. Até à presente data recolhemos 100 adágios sobre o frio, os quais foram sistematizados, conforme adiante se indica.
  
Existem indícios do frio:
- Quando a candeia chora, está o frio fora; quando ri está o feio para vir.
O frio tem determinadas consequências:
- A chuva e o frio metem a lebre a caminho. (1)
- A fome e o frio metem um homem em casa do inimigo. (2)
- A fome e o frio nunca criaram infante.
- A fome e o frio obrigou-o a fazer as pazes com o tio.
- Dá-lhes frio e sequidão que as terras te gearão
- Fome e frio fazem o gado galego. (3)
- Frio e fome não fazem bom cabelo.
- Frio, focinho e bico, não fazem ninguém rico.
- Manhã fria traz bom dia.
- Norte frio, água no rio.
- Um dia frio e outro quente, põem o homem doente. (4)
Nem tudo é consequência do frio:
- Frio não quebra osso e chuva não quebra costela.
O frio pode ser um mal menor:
- Antes frio e geada que chuva porfiada.
- Não temam o frio nem a geada, mas a chuva porfiada. (5)
O frio pode ser superado:
- Quem tem brio não tem frio.
- Frio a valer, trabalhar para aquecer.
- Quem não anda por frio e por sol não faz seu prol.
O frio pode ser uma livre opção:
- Pai com frio, filho com cobertor.
Existem relações do frio com o calor:
- O que tapa o frio tapa o calor.
- Calma em tempo frio traz molhado. (6)
-  Calor em tempo frio, chuva por castigo. (7)
O frio é medido fisiologicamente por órgãos anatómicos animais ou humanos:
- Frio como nariz de cão. (8)
O frio está indissociavelmente relacionado com o vestuário:
- A cada qual dá Deus o frio conforme o vestido. (9)
- Cada um sente o frio, conforme a coberta. (10)
- Dá Deus roupa segundo o frio.
A sanidade exige o equilíbrio entre o frio e o calor:
- A saúde é a justa medida entre o calor e o frio.
O frio pode gerar o ruído:
- O bácoro, a fome e o frio, fazem grande ruído.
- Porcos com frio e homens com vinho fazem grande ruído.
O frio está patente no adagiário dos meses:
- Bom tempo no Janeiro e mau no estio, bom ano de fome, mau ano de frio.
- Chuva em Janeiro e não frio, dá riqueza no estio. (11)
- Janeiro frio e molhado não é bom para o gado.
- Janeiro frio e molhado, enche a tulha e farta o gado.
- Janeiro frio ou temperado, passa-o enroupado. (12)
- Janeiro geoso, Fevereiro nevoso. Março frio e ventoso, Abril chuvoso e Maio pardo, fazem um ano abundoso.
- Em Fevereiro neve e frio, é de esperar calor no estio.
- Em Fevereiro, frio ou quente, chova sempre.
- Fevereiro, fêveras de frio e não de linho. (13)
- Abril frio e molhado, enche o celeiro e o gado. (14)
- Abril frio, pão e vinho. (15)
- Frio de Abril as pedras vai ferir. (16)
- Maio frio e Junho quente fazem o lavrador valente.
- Maio frio e Junho quente: bom pão, vinho valente. (17)
- Maio frio e ventoso, faz o ano formoso.
- Em Junho, frio como punho.
- Agosto, frio em rosto. (18)
- Em Agosto passa o frio pelo rosto.
- Ande o frio onde andar, no Natal cá vem parar. (19)
- Ande o Natal por onde andar, que ele o frio há-de ir buscar.
- Dezembro com Junho ao desafio, traz Janeiro frio.
- Dezembro frio, calor no estilo.
- Em Dezembro treme de frio cada membro. (20)
O frio pode constituir uma qualidade:
- A água é fria, mas mais é quem com ela convida.
- A faneca, com três efes: fresca, fria e frita.
Há actos que devem ser praticados a frio:
- A vingança é um prato que se come frio.
- O caldo quente e a injúria em frio.

.....................

(1) Variante:
- A fome e o frio faz vir a lebre ao caminho.
(2) Variantes:
- Fome e frio entregam o homem ao seu inimigo.
- A fome e o frio fazem o homem acolher-se à casa do inimigo.
- Fome e frio metem a pessoa com seu inimigo.
- Fome e frio te fará meter com teu inimigo.
(3) Variantes:
- A fome e o frio fazem o gado galego.
- Fome, frio e mau trato, fazem o gado galego.
- O frio e a fome fazem o gado galego.
(4) Variantes:
- Dia frio e dia quente, fazem andar o homem doente.
- Dia frio e outro quente, faz o homem doente.
(5) Variante:
- Não hei medo ao frio nem à geada, senão á chuva porfiada.
(6) Variante:
- Calma em tempo frio traz molhado; frio em tempo molhado, traz resfriado.
(7) Variante:
- Calor em tempo frio, trá-lo molhado.
(8) Variantes:
- Calcanhar de homem, cu de mulher e focinho de cão, nunca sentem o Verão.
- Calcanhar de homem, cu de mulher e nariz de cão, três coisas frias são.
- Cu de mulher e nariz de cão, nunca conheceram Verão.
- Há duas coisas que não conhecem Verão: rabo de mulher e focinho de cão.
- Nariz de cão, cu de mulher e mãos de barbeiro, frios como gelo.
- Nariz de cão e cu de gente, nunca está quente.
- Nariz de cão e cu de mulher estão sempre frios.
(9) Variantes:
- A cada um dá Deus o frio conforme a roupa, mas mais a quem tem pouca.
- A cada qual dá Deus o frio conforme a roupa.
- A cada qual dá Deus o frio conforme anda vestido.
- Dá Deus o frio conforme a roupa.
- Deus dá o frio conforme a roupa.
(10) Variante:
- Cada um sente o frio, como anda vestido.
(11) Variante:
- Chuva de Janeiro e não frio, vai dar riqueza ao estio.
(12) Variante:
- Janeiro frio ou temperado, não deixa de ir enroupado.
(13) Variante:
- Em Fevereiro, febras de frio e não de linho.
- Em Fevereiro, fibras de frio e não de linho.
(14) Variante:
- Abril frio e molhado, enche celeiro e farta o gado.
(15) Variantes:
- Abril frio, traz pão e vinho.
- Abril frio, ano de pão e vinho.
(16) Variante:
- Frio de Abril, nas pedras vá ferir.
(17) Variante:
- Maio frio, Junho quente, bom pão, vinho valente.
(18) Variante:
- Agosto, frio no rosto.
(19) Variantes:
- Ande o frio por onde andar que o Natal o irá buscar.
- Ande o frio por onde andar, ao Natal há-de vir parar.
- Ande o frio por onde andar, no Natal cá vem parar.
- Ande o frio por onde andar, o Natal o vai buscar.
- Ande o frio por onde andar, pelo Natal cá vem parar.
- Ande o frio por onde andar, pelo Natal há-de chegar.
(20) Variante:
- Em Dezembro treme o frio em cada membro.
(21) Variante:
- O caldo em quente, a injúria em frio.

Texto publicado inicialmente em 25 de Outubro de 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Eucaristia no Azulejo Português


Alegoria Eucarística (1630-1650). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Igreja da Assunção da Atalaia, concelho de Vila Nova da Barquinha.

A Eucaristia ou Comunhão é um dos sete sacramentos da Igreja Católica e consiste numa celebração em memória da morte e ressurreição de Jesus Cristo. É um sacramento referido em vários Evangelhos:
São Lucas, 22
14. Quando chegou a hora, Jesus pôs-Se à mesa com os Apóstolos.
15. E disse: “Desejei muito comer convosco esta ceia pascal, antes de sofrer.
16. Pois digo-vos: nunca mais a comerei, até que ela se realize no Reino de Deus”.
17. Então Jesus tomou o cálice, agradeceu a Deus e disse: “Tomai e reparti entre vós; 18. pois Eu vos digo que nunca mais beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus”.
19. A seguir, Jesus tomou um pão, agradeceu a Deus, partiu-o e distribuiu-lho, dizendo: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de Mim”.
20. Depois da ceia, Jesus fez o mesmo com o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vós.
São Mateus, 26
26. Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos e disse: “Tomai e comei, isto é o meu corpo”.
27. Em seguida, tomou um cálice, deu graças e deu-lho, dizendo: “Bebei dele todos, 28. pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para a remissão dos pecados.
São Marcos, 14
22. Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos e disse: “Tomai, isto é o meu corpo”.
23. Em seguida, tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos eles beberam.
24. E Jesus disse-lhes: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos.
25. Eu vos garanto: nunca mais beberei do fruto da videira, até ao dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”.
I Coríntios, 11
23. De facto, recebi pessoalmente do Senhor aquilo que vos transmiti: Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão
24. e, depois de dar graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de Mim”.
25. Do mesmo modo, depois da Ceia, tomou também o cálice, dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que beberdes dele, fazei-o em memória de Mim”.
26. Portanto, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.
Através da Eucaristia, os católicos crêem receber o corpo de Jesus Cristo pela transubstanciação, na qual o pão e o vinho mantêm a mesma aparência, mas a sua substância modifica-se, passando a ser o próprio corpo e sangue de Jesus Cristo.
Na maioria dos painéis de azulejos retratando a alegoria eucarística, figura o Ostensório ou Custódia, peça de ourivesaria usada para expor solenemente a hóstia consagrada sobre o altar ou para a transportar solenemente em procissão.

Publicado inicialmente em 15 de outubro de 2012

Alegoria Eucarística (1650- 1675).Painel de azulejos (83 cm x 69 cm).
Autor desconhecido. Fabrico de Lisboa. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. 

Alegoria Eucarística (1650 - 1675). Painel de azulejos (95,5 cm x 96 cm).
Fabrico de Lisboa. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. 

Alegoria Eucarística (1660). Painel de azulejos (138,5 x 111 cm).
Autor desconhecido. Fabrico de Lisboa. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. 

Lovvado seia o Santicimo Sacramento, 1664. (Séc. XVII). Painel de azulejos.
Autor desconhecido. Fachada da Igreja Paroquial do Cercal, concelho de Azambuja. 

Alegoria Eucarística (1692). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Capela de S. Pedro, Vila Real de Santo António.

Alegoria Eucarística (1691-1703). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Arquidiocese de Évora.

Alegoria Eucarística (Séc. XVII). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Tecto da Igreja Paroquial do Cercal, concelho de Azambuja.

Alegoria Eucarística (Séc. XVII). Painel de azulejos. Autor desconhecido.
Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Assunção, Atalaia.  

Milagre da mula adorando a Eucaristia (3º quartel do Séc. XVIII).
Painel de azulejos (224 cm x 182 cm). Autor desconhecido. Arquidiocese de Évora. 

Alegoria Eucarística (1920). Painel de Azulejos da autoria de Jorge Colaço (1868-1942).
Igreja de Santo António dos Congregados, Porto.

Bendito E Louvado Seja O Santíssimo Sacramento Da Eucaristia.  Painel de azulejos (1929) da autoria
do aguarelista e ceramista Eduardo Leite, executados pela Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, em
Lisboa. Fachada da Capela das Almas, situada no ângulo da Rua de Santa Catarina  com a Rua
Fernandes Tomás, Porto. 

Celebração da Eucaristia (1954). Painel de azulejos.
Largo de Santo António, Freguesia de Cabeça, Seia.

sábado, 13 de outubro de 2012

António Coelho - Memórias dos Campos

António Coelho - Memórias dos Campos
Esta a designação da exposição a inaugurar pelas 16 horas de sábado, dia 13 de Outubro, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, na Rua João de Sousa Carvalho, em Estremoz.
Trata-se de uma exposição integrada por miniaturas de carros rurais e alfaias agrícolas, criados pelo artesão veirense António Coelho, de 81 anos de idade.
A iniciativa é da Associação Filatélica Alentejana e conta com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.
A exposição que estará patente ao público até ao dia 17 de Novembro de 2012, pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12,30 horas e entre as 14 e as 17,30 horas.


No ano de graça de 1931, há precisamente 81 anos, na freguesia de Veiros - Terras do Barbadão, que já foi sede de concelho, uma mãe deu à luz uma criança do sexo masculino, a quem o padre de serviço baptizou e registou como António João Coelho. Era um infante com o destino marcado. A mãe era uma camponesa que sazonalmente conseguia trabalho na monda, na ceifa ou na azeitona. O pai era pastor e o filho seguiu as pisadas do pai. Foi ajuda de rebanhos de ovelhas e de varas de porcos dos 9 aos 16 anos, idade com a qual passou a trabalhar como ganhão, o que fez até aos 25 anos, idade em que casou com a sua ainda mulher, que lhe deu 2 rapazes e 3 raparigas que criou e preparou para a vida.
Foi na altura do casamento que a sua vida deu uma volta para melhor. Sabem porquê? Porque como diz o poeta António Gedeão, “sempre que um homem sonha /o mundo pula e avança”. E o António Coelho tirou a carta de tractor e passou a ser tractorista, tornando-se mais tarde agricultor, primeiro com courelas arrendadas e depois com herdades.
É o exemplo de vida de um homem que por mérito próprio se conseguiu libertar da servidão humana inerente à sua condição de pastor e de ganhão, para ascender primeiro à categoria de tractorista e de agricultor depois, mister que exerceu até se reformar aos 67 anos. Foi uma reforma singular, pois reformou-se do trabalho, que não da vida e mantendo acesas as memórias dos campos onde nasceu e que com ele cresceram. Memórias que através de impulsos neuronais, transmite às mãos que com engenho e arte muito próprias, transmitem à madeira, os registos de um passado que fez parte da sua vida diária e integra hoje a nossa memória e o nosso património cultural colectivo.
Antes de se reformar já fazia peças de arte pastoril em madeira, tais como “bolotas” e “cadeirinhas de prometida”, que dava às mulheres e às moças que muito bem entendia ou que fazia a pedido de alguém.
As “bolotas” serviam como ganchos de meia que as mulheres usavam quando faziam croché ou tricotavam peças de vestuário, de lã ou algodão, como era o caso das chamadas “meias de cinco agulhas”. As bolotas eram pregadas na blusa ou no vestido da mulher, na parte superior do peito, geralmente do lado esquerdo. Aí eram fixadas através dum alfinete-de-ama ou cozidos com linha e tinham um sulco ou um buraco, por onde passava o fio, que do novelo era redireccionado para as agulhas.
As “cadeirinhas de prometida” eram um símbolo do contrato pré-matrimonial no Alentejo da primeira metade do séc. XX que os moços ofereciam às suas “prometidas” e que elas passavam a usar, presa na fita do chapéu de trabalho, até à altura do matrimónio. Esta a fórmula encontrada pela sábia identidade cultural alentejana, de dar a conhecer à comunidade que a moça já estava “prometida” e que em breve iria casar.
Depois de se reformar passou a fazer miniaturas de alfaias agrícolas, tais como arados, araveças, charruas e grades, assim como carros de parelha, carroças, carros manchegos e pipas de rega, bem como figuras dos protagonistas das fainas agro-pastoris dessa época: pastores, ganhões, semeadores, cortadores de lenha, cavadores de enxada, manteeiros, feitores, etc.
Como matéria-prima principal utiliza a madeira: pau de buxo, de limoeiro ou de laranjeira, bem como tábuas de caixotes de fruta. Utiliza ainda cola e tintas para madeira. Raramente utiliza pregos.
Como ferramentas, utiliza o machado para falquejar a madeira, a navalha que é a ferramenta principal, o serrote, a grosa, o martelo, assim como o vidro para limpar a madeira.
Já comercializou peças suas na Feira de Veiros, mas esta é a sua primeira Exposição.
Desejamos-lhe longos anos de vida e que esta seja a primeira de muitas exposições, que decerto poderá fazer noutras terras.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Prémio Literário Hernâni Cidade 2012



O presente ensaio foi um dos não premiados no concurso literário referido em epígrafe

A MODELAÇÃO DO HOMEM ATRAVÉS DA LITERATURA
Manuel da Charneca

É impossível abrir um livro sem que ele nos ensine nada.
(Adágio popular)


A Escrita e como resultado dela a Literatura nos seus múltiplos aspectos são instrumentos ao serviço da libertação do Homem. Através delas, o escritor desembaraça-se dos fantasmas que lhe povoam o espírito. Por meio delas, o autor relata o passado, regista o presente e antevê o futuro. Abordagem real ou ficcionada, tanto faz. Nesse sentido, a Escrita e a Literatura constituem também uma forma de catarse.
Todavia, a Escrita e a Literatura não são apenas a expressão do acto de libertação protagonizado pelo seu autor. Elas constituem também um acto de partilha com o leitor, de sentimentos, emoções, ideias, projectos, valores cívicos, morais ou estéticos. A eles o leitor é permeável, pelo que como resultado da sua absorção, assimilação e integração na rede neuronal da sua mente, há uma mudança de paradigma. O leitor dá então um salto qualitativo para outro patamar da sua consciência. A Literatura modela assim o Homem, tal como a partir do barro informe, Deus terá moldado o primeiro Homem.
A Literatura contribui, pois, para o despontar, florescer e amadurecer da espiritualidade humana, processo imparável e irreversível cujas marcas visíveis se traduzem na evolução e aperfeiçoamento do tecido social, constatáveis através de relações inter-pessoais mais justas, mais solidárias e mais fraternas. O Homem é assim um terreno onde o escritor faz seara. Exactamente do mesmo modo que o ganhão lavra a Terra-Mãe, para depois lhe fecundar o ventre, lançando-lhe a semente que as primeiras águas farão germinar.
Da presente reflexão resulta como evidente a função social da Literatura, em termos do conteúdo literário.
Analisemos agora a questão da forma literária. A oralidade do texto, e até mesmo a sua musicalidade e ritmo, induzem no leitor uma sensação de harmonia, psicologicamente equilibrante.
Também o rigor e o vigor da linguagem permitem ao leitor usufruir de imagens sensoriais que deleitam os seus cinco sentidos: visão, audição, olfacto, paladar e tacto. E isso é evidente na obra de autores alentejanos como o Conde de Monsaraz, Florbela Espanca ou Manuel da Fonseca, que registaram poeticamente, em vibrantes estrofes, a matriz da nossa natureza ancestral. Igualmente autores alentejanos como Fialho de Almeida, Manuel Ribeiro ou Antunes da Silva, magistralmente perpetuaram na prosa, o colorido policromático e multifacetado da nossa etnografia, a dureza da nossa labuta, a firmeza do nosso querer, o calor do nosso sentir, a razão das nossas revoltas ancestrais, os marcos das nossas lutas e as mensagens implícitas nas nossas esperanças.
Na obra daqueles autores, o azul límpido do céu, o castanho da terra de barro, a cor de fogo do Sol e o verde seco da copa dos sobreirais, constituem uma paleta de cores, trespassada por uma claridade que quase nos cega e é companheira inseparável do calor que nos esmaga o peito, queima as entranhas e encortiça a boca.
Nas suas obras, surgem também as sonoridades do restolho seco que quebramos debaixo dos pés, das searas e dos montados, dos rebanhos que ao entardecer regressam aos redis, mas sonoridades também na ausência de som por não correr o mais leve sopro de aragem.
E falam-nos dos odores das flores de esteva, de poejo e de orégãos, mas também do barro húmido, do azeite com que temperamos divinamente a comida e do vinho espesso e aveludado, que mastigamos nos nossos rituais gastronómicos.
Falam-nos também da textura do barro, do sobro, da laje e do mármore, da qual temos memória epidérmica.
Falam-nos ainda do sabor do património culinário legado pelos nossos ancestrais: pré-históricos, fenícios, celtas, romanos, visigodos, mouros e ganhões. Gastronomia em que o fogo permite criar sabores, por detrás dos quais estão sábias operações de alquimia doméstica, mais que magia iniciática de pedra filosofal demandada, o sabor encontrado constitui um prazer simultaneamente onírico e telúrico.
Em termos de forma, o leitor não fica de modo algum indiferente a uma linguagem fotográfica, rigorosa e certeira. Pelo contrário, assimila a riqueza da linguagem utilizada, quer ela seja constituída por termos menos correntes ou regionalismos, quer incorpore na sua textura o património da tradição oral, tal como adágios, anexins, alcunhas, adivinhas, lengalengas, quadras e décimas que por vezes são postas na boca de alguns personagens. Ao fazê-lo, o escritor está a contribuir para a sua transmissão no tecido social, o que equivale a contribuir para a salvaguarda, preservação, valorização e divulgação do património cultural imaterial.
Também em termos de forma, a existência no texto literário de citações e referências, induz a que o leitor faça uma incursão pelos originais, de modo a aprofundar os seus conhecimentos.
Ainda neste campo, o leitor não ficará decerto indiferente à pontuação usada pelo autor. Na sequência da leitura de Saramago, há leitores que passam a ser parcos na utilização de pontuação, o que decerto não acontecerá com leitores de Eça.
Do exposto se conclui que é inegável a repercussão que a forma do texto literário tem no leitor, o que legitima mais uma vez, a função social da Literatura.
Abordemos finalmente a questão do estilo literário. Cada autor tem o seu próprio estilo, uma forma particular de usar a linguagem escrita para compor as suas próprias obras. O estilo é a marca indelével do escritor, que se transmite ao leitor, o qual no início da sua escrita literária e antes de atingir o equilíbrio de um estilo próprio, veste a roupagem literária correspondente ao estilo do autor que lhe serviu de guia. Daqui se infere novamente a função social da Literatura.
“A modelação do Homem através da Literatura” foi a nosso ver o melhor título para o presente ensaio, no qual se efectuou o reconhecimento da função social da Literatura em termos de conteúdo, forma e estilo.

(Identidade  real do pseudónimo literário "Manuel da Charneca")

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Big-Bang

BIG BANG
Imagem recolhida em ONE MIND - ONE ENERGY
 
O Homem e com ele a Mulher, são dois vectores distintos e algumas vezes divergentes na procura incessante de construção dum Mundo melhor.
Para o materialismo dialéctico será a luta de contrários que os anima, que eventualmente, permitirá consumar uma síntese dialéctica.
Pela minha parte tenho dúvidas que seja assim, como tenho dúvidas da existência, não só de Deus, como também do Big-Bang.
Fóssil sobrevivente dum paradigma que encarno e assumo, recuso a render-me.
Já tive a minha batalha de Maratona e a minha Aljubarrota caseira.
O meu posto é aqui. A minha dúvida é cartesiana, não é pirrónica.
Parafraseando o ateniense Sócrates, apenas posso clamar “Só sei que nada sei”.


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Sócrates, filósofo.


SOCRATES PHILOSOPHORUM FONS (SÓCRATES FONTE DOS FILÓSOFOS)
Esta a inscrição latina que encima o painel de azulejos barrocos joaninos (1744-1749) da Aula de Filosofia Grega do Colégio do Espírito Santo, inaugurado em 1553. Actualmente é a sala 119 da Universidade de Évora. Sócrates ocupa o eixo central da composição, numa clara alusão ao papel fundamental que desempenhou na tradição filosófica grega. A seu lado, o discípulo Platão e grupos de ouvintes discutindo.

Sócrates (470 a.C.-399 a.C) foi um filósofo ateniense que em determinado momento da sua vida terá começado a interessar-se sobre o conhecimento de si próprio e do homem em geral, o que o leva a proclamar a célebre máxima: “Só sei que nada sei”.
Em torno de si gravita um grupo de discípulos e amigos, dos quais sobressai Platão (428/427 a.C. - 348/347 a.C.).
Depois de uma vida inteira votada a questionar os seus concidadãos, em obediência a uma voz interior (daimon), é acusado de corromper a juventude ateniense com a sua filosofia moral, contrária à religião e às leis da cidade.
Condenado por um tribunal a beber cicuta, morre numa prisão em Atenas, rodeado de amigos e discípulos.
Aquele que disse “O verdadeiro conhecimento vem de dentro” é considerado o pai da Filosofia Grega.