quinta-feira, 14 de junho de 2012

Santo António no Azulejo Português


SANTO ANTÓNIO (Último quartel do séc. XVI).
 Painel de azulejos policromo (53x 5 cm) com 5 x 4 azulejos.
Arquidiocese de Évora.
  
Santo António já foi objecto de três textos editados por mim neste blogue:
Todavia há sempre uma abordagem diferente que pode ser feita, o que aconteceu connosco quando nos embrenhámos no âmbito dos azulejos portugueses. Essa a razão do presente texto:
 - Santo António no Azulejo Português
A iconografia azulejar antonina impressiona pela sua vastidão. Esta realidade está em consonância com o com aquilo que dissemos no primeiro daqueles textos, já que “Santo António além de Padroeiro de Portugal e de Pádua, é considerado Padroeiro dos pobres, dos oprimidos, dos combatentes, dos doentes, dos náufragos, dos animais, dos noivos, dos casais, das casas e das famílias, das pessoas que desejam encontrar objectos perdidos, bem como aquele que livra os homens das tentações demoníacas.”, bem como “A circunstância de o dia festivo de Santo António (13 de Junho) coincidir com as festas do Solstício de Verão, faz com que seja celebrado em Portugal como um dos santos mais populares, com presença honrosa e permanente na literatura, na pintura, na escultura, na música, na toponímia, na filatelia, no folclore, na arte popular, especialmente na barrística, assim como na literatura oral.”.
Nos painéis azulejares portugueses a temática antonina desdobra-se por diversos tópicos:
 - Santo António e o Menino Jesus
 - Santo António e outros Santos
 - Milagres de Santo António
Lembramos que, de acordo com a tradição cristã, os milagres mais divulgados de Santo António são:
- 0 livro roubado
- A ajuda a Bispo a recuperar papéis perdidos
- A aparição da Virgem e o Anjo afastando o Demónio
- A bilocação
- A concessão da revelação oratória
- A criada que caminha sob forte chuva sem molhar as roupas
- A cura de um louco
- A cura de um menino paralítico
- A mula adorando a Eucaristia
- A recuperação dos cabelos arrancados a uma mulher
- A reconstitução de um pé decepado
- A ressureição de um mancebo como prova da inocência da pai de Santo António 
- A salvação de um homem da morte por esmagamento
- O aparecimento do Menino Jesus
- O casamento da jovem
- O controle sobre o tempo
- O Menino que foi salvo pela fé em Santo António
- O prato envenenado
- O reencontro do anel desaparecido ao Bispo de Córdoba
- O Sermão aos peixes
- Os Pássaros e a Plantação
A amostragem de imagens de paineis de azulejos de temática antonina ainda que ampla, não foi exaustiva, de modo que não se conseguiram cobrir todos os milagres, o que sereserva para uma segunda edição deste texto.
Publicado inicialmente em 14 de Junho de 2012

SANTO ANTÓNIO PREGANDO AOS PEIXES (1ª metade do séc. XVII).
Painel de azulejos (6 x 5). Fabrico de Lisboa.
Proveniente das Escadinhas do Jogo da Pela, Lisboa.
 Museu Antoniano, Lisboa. 
SANTO ANTÓNIO COM O MENINO JESUS (1651 - 1675).
Painel de 16 azulejos (56 x 83,7 cm).
Fabrico de Lisboa.
 Museu de Évora.  
SANTO ANTÓNIO COM O MENINO (séc. XVII).
Painel de azulejos da Igreja do Recolhimento de Santo António,
Ilha de Santa Maria, Açores. 
SANTO ANTÓNIO E O MILAGRE DA RECONSTITUIÇÃO DE UM PÉ DECEPADO
 (séc. XVII)
 Painel de azulejos da Igreja de Santo António, Recife – Brasil. 
SANTO ANTÓNIO COM O MENINO E NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
(Meados do sé. XVIII).
Painel de azulejos (4x3). Fabrico de Lisboa.
 Proveniente das Rua de Alcântara, 6, Lisboa.
Museu da Cidade, Lisboa. 
SANTO ANTÓNIO PREGANDO AOS PEIXES (c. 1725 - 1745).
Painel de azulejos (111x80 cm).
Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. 
SANTO ANTÓNIO E O MILAGRE DA RECONSTITUIÇÃO DE UM PÉ DECEPADO
(1720-1730).
Painel de azulejos de Oliveira Bernardes.
Igreja do Convento de São Francisco de Guimarães.
SANTO ANTÓNIO COM O MENINO, SÃO FRANCISCO DE BORJA E
SÃO FRANCISCO DE PAULA (c. 1760-1775).
Painel de azulejos (9x6 - incompleto).
Fabrico de Lisboa. Proveniência desconhecida.
 Museu da Cidade, Lisboa. 
NOSSA SENHORA DAS DORES, SANTA RITA E SANTO ANTÓNIO COM O MENINO
(c. 1775-1780).
Painel de azulejos (7 x 6 - incompleto).
Autoria de Francisco Jorge da Costa. Fabrico de Lisboa.
 Proveniente da Rua Bica do Marquês, 19, Lisboa.
 Museu da Cidade, Lisboa.  
 REGISTO, SENHOR DOS NAVEGANTES, SÃO MARÇAL E SANTO ANTÓNIO COM O MENINO
 (c. 1760-1770).
Painel de azulejos (11x7 azulejos).
 Fabrico de Lisboa. Proveniente da Rua de S. Ciro, 20-22, Lisboa.
Museu da Cidade, Lisboa.
 SANTO ANTÓNIO (c. 1770-1785).
 Painel de azulejos (126 x 65 cm). Fabrico de Lisboa.
Colecção Bacalhôa - Vinhos de Portugal, Vila Nogueira de Azeitão.
 SANTO ANTÓNIO (c. 1750 - 1775).
Painel de azulejos (142 x 142 cm).
Fabrico de Lisboa.
 Museu Nacional do Azulejo, Lisboa.
RESSURREIÇÃO DO MANCEBO COMO PROVA DA INOCÊNCIA
DO PAI DE SANTO ANTÓNIO (Terceiro quartel do séc. XVIII).
 Painel de azulejos (224x182 cm) com 13x16 azulejos.
Arquidiocese de Évora. 
SANTO ANTÓNIO CONCEDENDO A REVELAÇÃO ORATÓRIA.
(Terceiro quartel do séc. XVIII).
 Painel de azulejos (224x140 cm) com 10x16 azulejos.
Arquidiocese de Évora. 
MILAGRE DA MULA ADORANDO A EUCARISTIA.
(Terceiro quartel do séc. XVIII).
Painel de azulejos (224x182 cm) com 13x16 azulejos.
 Arquidiocese de Évora. 
APARIÇÃO DA VIRGEM E O ANJO AFUGENTANDO O DEMÓNIO
 (Terceiro quartel do séc. XVIII).
Painel de azulejos (220,9x131 cm) com 10x16 azulejos.
 Arquidiocese de Évora.
 NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, SANTO ANTÓNIO E SÃO MARÇAL
 (c. 1775-1790).
 Painel de azulejos (99 x 269 cm). Fabrico de Lisboa.
 Colecção Solar, Lisboa.
SANTO ANTÓNIO COM O MENINO E SÃO MARÇAL (Finais do séc. XVIII).
Painel de azulejos (8 x 10 - incompleto).
 Autoria de Francisco de Paula e Oliveira.
Produzido na Real Fábrica de Louça, ao Rato – Lisboa.
Proveniente da Rua das Amoreiras, 44-48, Lisboa.
Museu da Cidade, Lisboa. 
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, SANTO ANTÓNIO E S. MARÇAL
 (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Quinta de Sant’Ana,
 sita na Travessa de Santo André, Ameixoeira. 
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Igreja de Santo António dos Capuchos,
na freguesia de Oliveira do Castelo, em Guimarães.
  SANTO ANTÓNIO (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Igreja de Santo António dos Capuchos,
 na freguesia de Oliveira do Castelo, em Guimarães.
SANTO ANTÓNIO (séc. XVIII).
 Painel de azulejos da Igreja de Santo António dos Capuchos,
na freguesia de Oliveira do Castelo, em Guimarães. 
SANTO ANTÓNIO PREGANDO AOS PEIXES (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Igreja do Convento dos Capuchos, Lisboa.
 SANTO ANTÓNIO PREGANDO AOS PEIXES (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Igreja do Convento dos Capuchos, Lisboa.
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES (séc. XVIII).
 Painel de azulejos da Sé de Aveiro.
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Capela Baptismal da Sé de Lisboa. 
 SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Igreja do Convento de Santo António da Lourinhã.
SANTO ANTÓNIO A RESSUSCITAR UM MORTO DIANTE DA SÉ DE LISBOA (séc. XVIII).
Painel de azulejos da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, ilha de Santa Maria, Açores. 
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES (séc. XVIII).
 Painel de azulejos da Igreja de Nossa Senhora da Vitória,
ilha de Santa Maria, Açores. 
SANTO ANTÓNIO E O MILAGRE DO PRATO ENVENENADO (séc. XVIII).
Capela de Santo António do Solar dos Zagalos, Sobreda da Caparica. 
SANTO ANTÓNIO E O MILAGRE DA BILHA QUEBRADA.
CAPELA de Santo António do Solar dos Zagalos, Sobreda da Caparica. 
NOSSA SENHORA DAS SETE DORES; SÃO MARÇAL,
SANTO ANTÓNIO COM O MENINO E ALMAS DO PURGATÓRIO (1800).
Painel de azulejos (126 x 98 cm).
Produzido na Real Fábrica de Louça, ao Rato, Lisboa.
Museu Nacional do Azulejo, Lisboa.  
 NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO E SANTO ANTÓNIO (1821).
 Painel de azulejos da Rua da Palmeira, Mercês.
SANTO ANTÓNIO E O MILAGRE DA BILHA QUEBRADA (1949).
 Painel de azulejos da fonte do largo da vila de Cavez,
Cabeceiras de Basto. 
SANTO ANTÓNIO E O MENINO (1992).
 Convento Santo António da Lourinhã. 
SANTO ANTÓNIO (séc. XX).
Painel de azulejos (28,4 x 4 cm).
 Autoria de Graça Vaz.
Produzido na Fábrica de Cerâmica
Viúva Lamego, Lisboa.
Museu Nacional do Azulejo, Lisboa.

SANTO ANTÓNIO JUNTO À SÉ (1995-96).
Painel de azulejos de Mestre Lima de Freitas (1927-1988).
Fábrica de Cerâmica de Constância.
Estação da CP do Rossio, Lisboa.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Memórias do Tempo da Outra Senhora


Este o título do livro da autoria do escritor estremocense Hernâni Matos, a ser lançado pela Colibri, no próximo dia 1 de Setembro (sábado), pelas 16 horas, na Igreja dos Congregados, em Estremoz, no decurso das Festas à Exaltação da Santa Cruz.
O livro com Prefácio de António Simões e Posfácio de Francisca Matos, tem capa de Carlos Alves e é ilustrado com 53 imagens que maioritariamente são imagens de Estremoz do passado.
Trata-se de um livro que é uma viagem aos tempos de infância e de juventude do autor. Nele se encontrarão registos dum tempo que já não existe, mas que perdurou sob a forma de afectos: os jogos e as brincadeiras de infância, a escola, a vida familiar, a cidade e os divertimentos juvenis.
Segundo o autor “São memórias que são retratos de uma época com marcas identitárias bem definidas e que a alquimia das palavras fez emergir no presente, já que “A verdade é como o azeite, vem sempre à tona de água”.”
No lançamento do livro, a apresentação deste e do autor estarão a cargo do Dr. Fernando Mão de Ferro (Colibri) e Prof. Doutor Augusto Fitas (Universidade de Évora). Leitura de excertos a cargo de Adelaide Glória, Ana Mateus, Georgina Ferro, António Simões, Fátima Crujo, Francisca Matos, Maria do Céu Pires e Odete Ramalho.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Walowski, fotógrafo de Estremoz


C.J. Walowski foi um dos primeiros fotógrafos a registar imagens de Estremoz. A pesquisa na imprensa periódica levou-nos a descobrir o anúncio cuja imagem reproduzimos e que foi publicado no semanário “O ESTREMOCENSE”, dirigido por Rodam Tavares, desde o nº 152 (7 de Fevereiro de 1891), até ao nº 167 (30 de Maio de 1891), o que permite datar no ano de 1891, fotografias que se diziam ser de finais do século XIX – princípios do séc. XX.
No nº 164 (2 de Maio de 1891), de “O ESTREMOCENSE” é dito que “O distinto photographo J. Walowski, que aqui se demora só até 10 do corrente mez, tirou já muitas vistas de diversos pontos de Estremoz e d’alguns monumentos notáveis desta vila;”. Enumera de seguida as vistas e diz que “São ao todo 21 vistas que formarão um formoso álbum…”.
Julgamos interessante perceber o contexto nacional e internacional em que trabalhou Walowski, para o que passamos em revista algumas das principais efemérides da época:
- 5 de Janeiro - José Elias Garcia é afastado do Directório no Congresso do Partido Republicano.
- 10 de Janeiro - João de Azevedo Coutinho regressa de África, sendo vitoriado por estudantes radicais republicanos, que procuram encontrar, sem êxito, um caudilho militar que levasse a uma viragem política.
- 31 de Janeiro – Tem lugar no Porto, a primeira grande tentativa republicana de derrube da Monarquia.
- 20 de Março – O Parlamento aprova um empréstimo de 36.000 contos, concedido ao Estado por financeiros portugueses, franceses e alemães em troca do monopólio do tabaco.
- 12 de Abril - Manifesto dos exilados republicanos com insultos ao rei, subscrito entre outros por Sampaio Bruno.
- 14 de Abril - O Parlamento aprova Regulamentação sobre as condições de emprego, a duração da jornada de trabalho, o repouso semanal e a higiene e segurança nos estabelecimentos industriais que empregavam menores e mulheres.
- 8 de Maio - É celebrado um novo tratado entre Portugal e a Inglaterra, que substituirá o acordo assinado em 20 de Agosto de 1890 e que é considerado mais gravoso do que este.
- 15 de Maio – O papa Leão XIII publica a sua encíclica “Rerum Novarum”, na qual expõe a doutrina social da Igreja, sublinhando que o capital só se pode legitimar ao serviço das necessidades da comunidade. Afirma também que o estado deve intervir no sentido de proteger os grupos sociais menos favorecidos e incita vigorosamente os operários no sentido de se organizarem em associações profissionais. Com esta encíclica, a Igreja conseguiu a sua inserção no mundo operário.
- 21 de Maio - João Crisóstomo consegue formar Governo, após ter apresentado a D. Carlos I a demissão do seu Governo, face ao agravamento da crise financeira.
- 21 de Junho – Morre Elias Garcia (1830-1891), político, jornalista, professor, coronel de engenharia e grão mestre da Maçonaria, que desempenhou um papel capital na divulgação e luta pelos ideais liberais e republicanos.
- 11 de Setembro – Suicídio de Antero de Quental (1842-1891), publicista politico, filosofo e poeta.
A desvalorização da nossa moeda, leva na época à triplicação do valor da libra, agravando o deficit orçamental. O governo tem dificuldades em honrar os compromissos da dívida pública e em socorrer bancos, companhias ferroviárias e coloniais que se encontravam à beira da falência. A situação financeira degrada-se com a baixa de exportações dos produtos agrícolas e a elevação dos compromissos externos do Estado e das empresas privadas, bem como o crescimento das importações. O público reage activamente, correndo em massa aos depósitos bancários e à conversão das notas. O Banco de Portugal fica sem reservas e os outros Bancos acabam por suspender os pagamentos, o que levou o Governo a impor o curso forçado das notas, que no de decurso do ano haviam desvalorizado em mais de 10%.
Walowski trabalha em Estremoz no ano de 1891, quando as instituições monárquicas já estão abaladas e os republicanos procuram uma mudança de paradigma a nível de governo da Nação e da Chefia do Estado, o que só conseguirão a 5 de Outubro de 1910. E porque a ditadura do mercado e do capital tende a esmagar os mais fracos e desfavorecidos, a doutrina de Roma volta ao tempo das catacumbas e chama a si a defesa dos mesmos. Tal como faz hoje. Talvez porque o problema ameaça ser eterno quando não se corta o mal pela raíz.


Estremoz - Igreja de Santo André.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
Arquivo do autor.
Estremoz - Avenida do Rocio.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
Arquivo do autor. 
Estremoz - Convento dos Congregados.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
Arquivo do autor. 
Estremoz - Misericórdia e Convento das Maltesas.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
 Arquivo do autor.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O professor


O professor (2012). Irmãs Flores e Ricardo Fonseca. Colecção particular.


O PROFESSOR - Figura masculina, bem encabelada e de bigode. De pé, segurando na mão esquerda uma cantarinha de Estremoz, enquanto a direita parece acompanhar a conversação. Veste fato cinzento -escuro, com casaco de jaquetão. Usa camisa branca e gravata às listas brancas, vermelhas e azuis. Os sapatos são pretos. A figura assenta sobre base quadrangular de fundo verde - escuro. Os cantos da base estão cortados em bisel. Dimensões (cm): altura: 24; base: 6,8 x 6,8.
Boneco da autoria das irmãs Flores e de Ricardo Fonseca, seu sobrinho, confeccionado segundo a técnica tradicional dos bonecos de Estremoz.
Trata-se duma peça que foi oferecida ao autor num almoço-convívio de amigos, realizado no passado dia 6 de Maio, no restaurante Cadeia Quinhentista, em Estremoz e em que participaram entre outros: Hugo Guerreiro (director de Museu), Joaquim Rolo (artesão da madeira, chifre e cortiça), Irmãs Flores e Ricardo Fonseca (artesãos do barro), Guilhermina Maldonado (arte conventual), António Moreira (artesão do ferro), José Cartaxo (fotógrafo), Mateus Maçaneiro (poeta), Augusto Fitas e Francisca Matos (professores). O almoço tratou-se de um testemunho de amizade com o autor, como reflexo de actividades conjuntas que têm sido desenvolvidas, bem como de cumplicidades que têm partilhado.

O PROFESSOR

Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que é recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da sua alma. Nessa conjuntura se tornou filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.
Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o seu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no mercado das velharias em Estremoz, no qual é presença habitual e onde recolecta objectos que duma forma virtual, pré-existiam no seu pensamento.
O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-no a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procura aprender e partilhar saberes.
A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as suas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-lhe a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação, constituindo um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural transtagana.
Perfilha há muito a ideia de que é necessário estabelecer pontes de entendimento entre as pessoas, já que a partilha cúmplice de ideias e valores comuns, viabiliza a edificação conjunta de arquitecturas, facto que induzirá e consolidará laços de união entre os intervenientes.
Uma das muitas coisas que partilha com os outros é a escrita, instrumento de libertação do Homem. Filho de alfaiate, aprendeu a alinhavar palavras, que permitem cerzir ideias com que se propagam doutrinas. Esse o sentido da sua intervenção cultural e cívica. É isso que gosta de fazer. O seu posto é aí. Por isso, não se quer reformar da vida.
Houve um poeta que leu na sua juventude e que falava de alguém com pena de morrer na cama, embrulhado em pus e algodão em rama. Pela sua parte, ainda que seja difícil a escolha da morte, gostaria de morrer em combate, isto é fazendo aquilo que gosta de fazer: a defesa, preservação e fomento da cultura popular. Por isso, não se pode reformar. Como combatente não se pode render, ou seja, tal como diz no seu blogue “Um homem nunca se rede, mesmo de fato e gravata”.
Escritor, jornalista e blogger intervém em domínios como a História Postal, a História Popular de Estremoz, a Etnografia e a Cultura Popular Alentejana, publicando textos, apresentando comunicações e montando exposições temáticas e iconográficas. Furiosamente independente, incisivo e cáustico quanto baste, mas sempre preciso. Procura levar tudo às últimas consequências e como franco-atirador do pensamento e da acção, busca fazer o varrimento da transversalidade dos saberes. Depois disso, a síntese dialéctica é um ovo de Colombo nascido no cu da galinha da sua cabeça.

Texto publicado inicialmente em 22 de Maio de 2012   

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Gíria popular do nada


(…) E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar... 
Florbela Espanca (1894 - 1930)

Na sequência da nossa pesquisa em cerca de duas dezenas de fontes bibliográficas distintas, sete delas citadas na bibliografia, reunimos a presente colectânea de “dizeres” sobre o “nada”, o que é revelador da criatividade da gíria popular:

- Antes de mais nada = Em primeiro lugar [5]
- Daqui a nada = Daqui a brevíssimo tempo [1]
- Dar em nada = Não ter grandes resultados [2]
- Dar em nada = Referência a empreendimento que fracassa [5]
- De nada = Insignificante [2]
- De nada = Não tem de quê [5]
- Deixar um bocado a nada (Minho) = Deixar uma área de terreno sem cultivo, para recreio do gado, que aí se alimenta de vegetação selvagem [7]
- Há nada = Há momentos atrás [5]
- Nada = Não [1]
- Nada = Pouca quantidade [2]
- Nada = Pouco tempo [6]
- Nada d’ iscas = Nada disso [3]
- Nada de = Não é permitido [5]
- Nada de costas e nada de peito = Referência a uma mulher excessivamente magra e sem seios [8]
- Nada de nada = Absolutamente nada [5]
- Nada de novo = Sem novidades [2]
- Nada disso = De forma alguma [2] 
- Nada feito! = Rejeito! = Discordo! [5] 
- Nada mais, nada menos que = Expressão qualificativa que antecede a descrição de algo de inesperado, surpreendente ou espantoso [5]
- Nada mal = Bastante bem [5] 
- Nada na manga = Jogo liso, sem falcatruas [3]
- Nada, é peixe = Réplica zangada a quem dá como resposta a palavra “nada” [4]
- Nadinha = Pouco tempo [6]
- Não dar nada por alguém = Referência a quem não se atribui qualquer consideração ou valor [5]
- Não dar por nada = Não se aperceber [5]
- Não digo nada! = Exclamação que precede o relato de factos invulgares [5] 
- Não dizer nada = Não despertar qualquer interesse, recordação ou comentário [5]
- Não faltava mais nada = Exclamação usada perante algo que ultrapassa os limites da paciência, da compreensão ou da resistência de uma pessoa [5] 
- Não ficar a dever nada a = Ser equivalente a [5]
- Não ficar nada atrás de = Ser equiparável a [5]
- Não olhar a nada = Não se preocupar [5]
- Não pescar nada de = Não perceber de [5]
- Não prestar para nada = Não ter qualquer utilidade, préstimo ou mérito [5]
- Não ter nada a ver com = Ser estranho a [5]
- Não ter nada de = Não ter nenhuma característica de [5]
- Não ter nada de seu = Ser bastante pobre [5]
- Partir do nada = Começar a vida muito pobre [5]
- Pequenos nadas = Pormenores que passam despercebidos [5] 
- Por nada = De graça [1] 
- Por nada = Sem razão [1]
- Por um nada = Por pequena diferença [5] 
- Ter em nada = Não atribuir qualquer consideração, valor ou importância [5]
- Tirar alguém do nada = Ajudar uma pessoa a sair da miséria, ignorância ou obscuridade [5]
- Tirar do nada = Criar [5] 
- Um tudo nada = Muito pouco [5] 
- Vir do nada = Ter origem humilde [5]
- Viver do nada = Comer pouco [5]

BIBLIOGRAFIA

[1] - BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino (10 vol.). Coimbra, 1712-1728.
[2] - HOUAISS, António e al. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa  (6 vol.). Círculo de Leitores. Lisboa, 2003.
[3] – LAPA. Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
[4] – NEVES, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes. Editorial Notícias, Lisboa, 1998.
[5] – SANTOS, António Nogueira. Novos dicionários de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
[6] – SOUSA. Luís de. Dizeres da Ilha da Madeira. Palavras e Locuções. Edição do autor. Funchal, 1950.
[7] - TAVARES DA SILVA, D. A. Esboço Dum Vocabulário Agrícola Rgional. Separata dos Anais do Instituto Superior de Agronomia, Vol. XI. Lisboa, 1942. 

Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 17 de Maio de 2012