A amassadura do pão (Estremoz).
Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988).
Noutros tempos, nos campos do Alentejo, bem como nas suas vilas e aldeias, a amassadura e a cozedura do pão eram acompanhados de um certo ritual de liturgia popular. Assim, ao deitar-se o sal na água da amassadura, dizia-se:
“Em louvor de S. Gonçalo,
Que não saia ensolso nem salgado.” [5]
Antes de começar a amassar, quem o ia fazer, benzia-se e depois de fazer uma cruz na farinha, dizia:
"Senhor, eu vou amassar;
Nossa Senhora me queira ajudar,
Que me dê forças e valor
Para este pão bom ficar.” [4]
Ao acabar de amassar, o amassador ou a amassadeira, gravava na massa, com o dedo indicador direito, o sinal da cruz e sobre ele, cinco buracos, um ao centro e os quatro restantes, em cruz, os quais simbolizavam as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Após isto, benzia-se e dizia:
“Deus te ponha a virtude,
Que eu fiz o que pude.” [3]
Ao acabar de amassar, também podia ser feita uma cruz na massa, ao mesmo tempo que era dito:
Deus te finte,
Deus te acrescente,
E as almas do Céu para sempre.
A Virgem te ponha a mão
Que cresça mais um pão.” [4]
Terminada a amassadura, cobria-se a masseira ou o alguidar com um pano, a fim de a massa levedar e levantar. Dizia-se então:
“Pelo sinal da Santa Cruz...:
S. Mamede te levede,
S. Vicente te acrescente,
S. João te faça bom pão,
A Virgem Nossa Senhora
Te deite a santa bênção.” [4]
Em alternativa, ao acabar de amassar, podia-se dizer:
“Em louvor de S. Vicente,
Deus te acrescente;
Eu fiz o que pude,
Nosso Senhor lhe ponha a virtude.
Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo
Ámen.” [4]
Outra oração popular possível, era:
“Em louvor de Nossa Senhora,
Deus te acrescente,
E as almas do Céu para sempre;
O diabo cego seja
Para que te não veja.” [4]
Terminada a amassadura, a massa ficava na masseira ou no alguidar até levedar. Para tal, com o auxílio da mão direita, gravavam-se três cruzes na massa e ao meter-se o pão no forno, dizia-se:
“O Senhor te acrescente
Como o fole da semente,
Dentro do forno e fora do forno
Como acrescentou o mundo todo.
Nós a comer, e tu a crescer,
Todos seremos cheios
Com bem pouco comer.” [3]
Ao meter-se o pão no forno, fazia-se uma cruz com a pá, dizendo:
“Em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo,
Que cresças no forno e fora do forno,
E os meus inimigos, que comam um corno”. [2]
De resto, ao meter o pão no forno, podia-se fazer uma cruz à frente da porta do mesmo, dizendo:
"Nosso Senhor te acrescente,
As almas do Céu para sempre,
Venha a dona e fique contente.
O diabo arrebente,
O Senhor S. João
Que faça bom pão,
A gente a comer,
E tu a crescer,
Tudo Deus pode fazer.
Queira Deus que cresças tanto no forno
Como mentiras há na... (nome da terra).” [4]
Ao meter o pão no forno ou ao acabar de amassar, podia ser dito também:
“Deus te acrescente
E as almas do Céu para sempre;
O Diabo que arrebente,
A dona que fique contente;
Que cresças tanto
Como mentiras há no povo.” [4]
Existia a crença que o primeiro pão cozido num forno, livra das maleitas e por isso era dado a quem o pedia. [1]
BIBLIOGRAFIA
[1] - CHAVES, Luís. Páginas Folclóricas I – A Canção do Trabalho. Separata do vol. XXVI da “Revistas Lusitana”. Imprensa Portuguesa. Porto, 1927.
[2] - CONSIGLIERI PEDROSO, “Supertições Populares”, O Positivismo: revista de Filosofia, Vol. III. Porto, 1881.
[3] – DELGADO, Manuel Joaquim. A Etnografia e o Folclore do Baixo Alentejo. Separata da Revista Ocidente. Lisboa, 1956
[4] – POMBINHO JÚNIOR, A.P. Orações Populares de Portel. Edições Colibri-Câmara Municipal de Portel. Lisboa, 2001.
[5] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927.
Hernâni Matos
Publicado em 1 de Julho de 2011
Publicado em 1 de Julho de 2011