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segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Um singular berço das pombinhas de Ricardo Fonseca

 


Fig. 1

O presente berço do Menino Jesus, conhecido por “berço das pombinhas” (Fig. 1), cuja simbologia já foi por mim analisada [i], é duma tipologia que já era executado por oficina de barristas de Estremoz desconhecidos, de finais do séc. XIX – princípios do séc XX, os quais assinalavam a sua produção com a marca incisa “EXIREMOZ”, aposta por percussão de carimbo. Este tipo de berço continuou a ser produzido por Gertrudes Rosa Marques (1840-1921), Ana das Peles (1869-1945), Mariano da Conceição (1903-1959), Sabina Santos (1921-2005), Liberdade da Conceição (1913-1990), José Moreira (1926-1991), Maria Luísa da Conceição (1934-2015), Fátima Estróia (1948 -  ) e Irmãs Flores [(Maria Inácia (1957 -  ) e Perpétua (1958 -  )] [ii].

No berço de Ricardo Fonseca (1986-  ) é dominante uma dicromia quente-frio, materializada cromaticamente pelo binário ocre amarelo – azul do Ultramar, tradicionalmente usado na arquitectura popular desta terra transtagana, iluminada pelas claridades do Sul. A cor de fundo do berço é o ocre amarelo, à excepção do folho que encima o espaldar do berço e cuja coloração é a do azul do Ultramar.

A dicromia dominante dá uma forte contribuição para contextualizar o berço em termos identitários alentejanos. Esta contextualização é reforçada pela decoração do berço com elementos fitomórficos associados à região: espiga de trigo, papoila e ramo de oliveira (no espaldar) e ramo de sobreiro (na cercadura lateral do berço).

A manta listada que cobre o Menino Jesus é amovível (Fig. 2), o mesmo se passando com o Menino Jesus (Fig. 3), que estava assente num pano branco, por sua vez assente em palhinhas.

Este exemplar de berço do Menino Jesus constitui um bom exemplo da possibilidade que existe de introduzir inovação morfológica e contextualização regional em exemplares do Figurado de Estremoz, sem que estes deixem de pertencer ao chamado núcleo central daquele Figurado.

Hernâni Matos



[i] MATOS, Hernâni. “Contributo para uma Simbólica das Figuras de Presépioin jornal E, n.º 324, Estremoz, 21 de Dezembro de 2023. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2023/12/contributo-para-uma-simbolica-das.html [Consultado em 31 de Dezembro de 2023].

[ii] Sabina Santos produziu também outro tipo de berço, habitualmente designado por “berço dos anjinhos”, que foi igualmente confeccionado pelos barristas que se lhe seguiram.


Fig. 2



Fig. 3

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O guardador de memórias e o Mercado das Velharias em Estremoz

 

Caixa em madeira. Joaquim Carriço Rolo.


A identidade cultural alentejana
Participei em 1998 na batalha pela regionalização, apresentando publicamente uma comunicação [i], no fim da qual concluí:
“Julgo ter ficado sobejamente demonstrado que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.
Como diria o poeta, é preciso, é imperioso, é urgente, que cada um de nós tenha consciência dessa identidade cultural e lute pela sua preservação, valorização e aprofundamento.”

Guardador de memórias
A batalha pela regionalização foi perdida, mas tal desfecho não fez esmorecer em mim o que me motivara a intervir naquele Encontro - a minha actividade de guardador de memórias, epíteto que me viria a ser atribuído pelo António Júlio Rebelo [ii]:
“Hernâni Matos é um guardador de memórias.
Quem guarda memórias não vive no passado, faz do passado um tempo presente e futuro. Olhar para as raízes do tempo é compreender melhor o que está e o que virá, com sabedoria, com afectividade, e nunca o seu contrário.
Quem guarda memórias olha para os acontecimentos e vê neles um fio estendido, que vem de tão longe e pode projectar-se para tão longe.
Quem guarda memórias habita o mundo com um saber feito dos outros, da terra funda, da comunidade, e tudo isso passa para nós, é-nos proporcionado, dando-nos com dedicação esse mundo imenso feito de vida”.
Sou assumidamente um guardador de memórias. Memórias de camponeses, de ganhões, de pastores, de ceifeiros, de varejadores e de mulheres da azeitona. Memórias de artesãos e de poetas populares. Memórias de outras vidas, de outros saberes, de outros anseios, de outros modos de ver o mundo e a vida.
Como guardador de memórias, assumo-me como fiel guardião da nossa ancestral matriz identitária, incumbido duma nobre missão: a de transmitir às novas gerações a importância e a riqueza da pluralidade do passado e das tradições do nosso povo, para que elas tenham consciência de que urge resistir a uma globalização castrante que assimptoticamente procurará reduzir à chapa zero, as nossas identidades culturais, a nível local, regional e nacional.

O Mercado das Velharias em Estremoz
Em texto auto-biográfico datado de 2012[iii], escrevi:
“Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que é recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da sua alma. Nessa conjuntura se tornou filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.
Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o seu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no mercado das velharias em Estremoz, no qual é presença habitual e onde recolecta objectos que duma forma virtual, pré-existiam no seu pensamento.
O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-no a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procura aprender e partilhar saberes.
A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as suas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-lhe a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação, constituindo um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural transtagana.”
O Mercado das Velharias em Estremoz é um os palcos da minha acção. Na antecâmera do novo ano que aí vem, dou-vos conta das mais recentes memórias no domínio da arte pastoril, que ali foram recolhidas por mim.
Termino, desejando-vos a todos um BOM ANO DE 2024.


[i] MATOS, Hernâni. A necessidade da criação da Região Administrativa do Alentejo in Encontro promovido pelo Movimento “Alentejo – Sim à Regionalização por Portugal”. Estremoz, Junta de Freguesia de Santa Maria, 24 de Outubro de 1998.
[ii] REBELO, António Júlio. Guardador de memórias. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2021/02/guardador-de-memorias.html [Consultado em 29 de Dezembro de 2023].
[iii] MATOS, Hernâni. Acerca de mim in catálogo da Exposição ARTE PASTORIL - MEMÓRIAS DE UM COLECCIONADOR. Museu Municipal de Estremoz. Estremoz, 6 de Maio de 2012. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/p/acercva-de-mim.html [Consultado em 29 de Dezembro de 2023].

Caixa em madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Tarreta em cortiça. Autor desconhecido.

Tabaqueira em chifre e madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Colher e garfo em madeira. Autor desconhecido.

Chavão ou pintadeira em madeira. Autor desconhecido.

Cágueda em madeira com decoração apotropaica. Autor desconhecido.

Castanholas em madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Nossa Senhora do Rosário. escultura em madeira. Joaquim Carriço Rolo (?).


Rosário em madeira e arame. Joaquim Carriço Rolo.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Contributo para uma Simbólica das Figuras de Presépio


Fig. 1 - Berço das pombinhas (1983). Liberdade da Conceição (1913-1990).
Colecção Jorge da Conceição.

Referências bíblicas
O Presépio é um dos grandes símbolos religiosos que retrata o Natal e o nascimento de Jesus. Etimologicamente, a palavra “Presépio” provém do latim “Praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica, designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos (LUCAS 2: 1 a 18) e (MATEUS 2: 1 a 11). Deles destaco a Anunciação do Anjo do Senhor aos pastores: “Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura.” (LUCAS 2: 12), bem como “Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o Menino deitado na manjedoura.” (LUCAS 2: 16).
Um elemento chave dos Presépios tradicionais de Estremoz é o chamado “Berço do Menino Jesus”, cuja simbólica me proponho aqui analisar em dois casos concretos.

Simbólica do Berço das pombinhas
O “Berço das pombinhas” (Fig. 1) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. Nele, a manjedoura de Belém transfigurou-se em berço com espaldar à maneira das camas senhoriais, já que para os cristãos, Jesus Cristo é Rei e Senhor do Universo. O berço é decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo. Trata-se de cores garridas associadas às claridades do Sul e utilizadas no embelezamento das habitações populares desta terra transtagana.
Na simbologia judaico-cristã, a pomba é um símbolo de pureza e de simplicidade, bem como daquilo que de imorredouro existe no Homem, o princípio vital, a Alma. As quatro pombas brancas poderão ser uma representação alegórica dos quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João), que narraram a vida e a doutrina de Jesus Cristo como um Evangelho, visando preservar os seus ensinamentos ou revelar aspectos da natureza de Deus.
O simbolismo do galo está associado aos cultos solares da antiguidade, nos quais o Sol era venerado como divindade. De acordo com a tradição do culto mitraísta, o galo cantou no momento do nascimento de Mitra, o deus do Sol, da sabedoria e da guerra na Mitologia Persa. O mito viria a ser recuperado pela Religião Cristã, estando na origem da Missa do Galo, celebrada na passagem de 24 para 25 de Dezembro, assinalando o nascimento de Jesus. Não há confirmação histórica de que Jesus tenha nascido na data em que se comemorava o nascimento de Mitra. Todavia, ela foi adoptada pelo Cristianismo, visando fundir os dois cultos, uma vez que o culto a Mitra estava enraizado entre os romanos. A data corresponde também no Hemisfério Norte ao início do Solstício de Inverno, no qual os mitraístas celebravam o seu culto. O Cristianismo adoptou o galo como símbolo do arauto anunciador de boas novas, uma vez que o nascimento de Jesus correspondia ao despontar de uma nova luz para o mundo. Segundo a lenda, a única vez que o galo cantou foi à meia-noite, anunciando o nascimento de Jesus.
De acordo com a Mitologia Popular Portuguesa: - "O galo quando canta diz: - “Jesus é Cristo”; - "O canto do galo à meia-noite faz dispersar a assembleia do Diabo e das Bruxas"; - "É mau agouro um galo cantar antes da meia-noite". Para o Adagiário Português: - “Galo que fora de horas canta / Cutelo na garganta”; - "O galo preto espanta as coisas ruins"; - “Galo branco não dá manhã certa”.
A figura do Menino Jesus está deitada sobre o seu lado direito. O braço esquerdo apoia-se no peito. Trata-se possivelmente de uma alegoria ao “Sagrado Coração de Jesus”. Recorde-se que no antigo Egipto, a mão colocada sobre o peito, indicava a atitude do sábio, que no caso de Jesus é Sabedoria Divina. Já a mão direita no pescoço assinalava a posição do sacrifício, aqui uma possível alegoria ao sacrifício de Jesus na cruz.

Fig. 2 - Berço dos anjinhos (2017). Ricardo Fonseca (1986 - ).
Colecção Hernâni Matos.

Simbólica do Berço dos anjinhos
À semelhança do “Berço das pombinhas” (Fig. 1), também o ”Berço dos anjinhos” (Fig. 2) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. É igualmente decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo.
O simbolismo do galo é análogo ao do “Berço das pombinhas”. O galo está ladeado de dois anjinhos, mensageiros de Deus junto dos homens. Ostentam asas numa alusão clara à sua capacidade de ascensão ao Céu. São em número de dois, já que Jesus Cristo manifesta dois aspectos: o Divino e o humano. Tocam trombeta, instrumento musical usado para anunciar os grandes acontecimentos históricos e cósmicos. As trombetas associam aqui o Céu e a Terra numa celebração única: o nascimento de Jesus Cristo.
O espaldar do berço está enfeitado com um laço dourado. Na antiga Grécia existia o costume de atar as imagens dos Deuses com um laço, para que não abandonassem o local e o povo. No antigo Egipto, o laço simbolizava a eternidade, pela união entre os deuses e os homens, o Céu e a Terra. Por outras palavras, o laço pode ser encarado como um supremo privilégio de domínio dos deuses. No Cristianismo, os laços das vestimentas representam os três votos: a obediência, a pobreza e a castidade. Modernamente, o laço dourado é símbolo de promoção do valor da amamentação para a sociedade. A cor dourada simboliza a amamentação como padrão ouro para a alimentação infantil. Uma parte do laço representa a mãe e a restante representa a criança. O laço é simétrico, o que significa que a mãe e a criança são ambos vitais para o sucesso da amamentação. Sem o nó não haveria laço, pelo que o nó representa o pai, a família e a sociedade, sem os quais a amamentação não teria êxito. O laço encontra-se ladeado de folhas de sobreiro com bolotas, numa alegoria ao Alentejo.
O berço encontra-se marginado por arcos sensivelmente ogivais, parcialmente encobertos por ramos de palma, verdes. Os ramos de palma simbolizam o martírio de Jesus, uma vez que a palma é considerada um atributo dos mártires, que na arte cristã ocidental são representados empunhando um ramo de palma. Esta, desde a época pré-cristã que é considerada como um símbolo de vitória e de ascensão, pelo que os heróis eram saudados com ramos de palma ao retornarem vitoriosos das batalhas. Os romanos usaram os ramos de palma como símbolo de vitória contra os judeus. Estes viriam a reagir, pelo que de acordo com os quatro evangelhos canónicos, Jesus foi recebido festivamente com ramos de palma na sua entrada triunfal em Jerusalém. Por isso a palma veio a ser adoptada pelos primeiros cristãos como símbolo da vitória dos fiéis sobre os inimigos da alma e é ainda encarada pelos cristãos como símbolo da vitória na guerra travada pelo espírito contra a carne. Daí que no Domingo de Ramos, os fiéis transportem ramos de palma abençoados pelo sacerdote no início da Procissão de Ramos. Pelo facto de se manter sempre verde, a palma encerra em si um simbolismo associado à Ressurreição e Imortalidade de Cristo após o drama do Calvário.
Entre os arcos ogivais, 4 corolas de gerbera que simbolizam a pureza e a inocência das crianças e aqui do Menino Jesus. Da esquerda para a direita e em sequência espectral, as cores e o respectivo simbolismo são sucessivamente: violeta (espiritualidade, mistério e misticismo), azul (nobreza, harmonia e serenidade), laranja (alegria e vitalidade) e vermelho (paixão e amor). As corolas são em número de 4, já que para Pitágoras o número 4 era perfeito, pelo que foi o número utilizado para fazer referência ao nome de Deus. Aquele número está também ligado ao simbolismo da cruz e ao número de evangelistas que descreveram a vida de Jesus.
A figura do Menino Jesus está deitada de costas em cima das palhinhas e com o braço esquerdo apoiado no peito, o que tem interpretação análoga à do “Presépio das pombinhas”. O braço direito encontra-se esticado ao longo do corpo, com a palma da mão aberta, o que significa que não tem nada a esconder. Trata-se da mão direita, a mão que abençoa. A palma está virada para o Céu, simbolizando pacificação e dissipação de todo o medo.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 21 de Dezembro de 2023
Publicado no jornal E, n.º 324, de 21 de Dezembro de 2023
 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Vera Magalhães recebeu o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos de Estremoz

 

A barrista Vera Magalhães ladeada pelo  Presidente do Município, José Daniel Sadio
pelo Presidente da Assembléia Municipal, Ricardo Catarino.
 Fotografia de Município de Estremoz.

Teve lugar ontem no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Estremoz, uma Sessão Comemorativa do 6.º aniversárioda Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na ListaRepresentativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO.

No decurso da cerimónia foi entregue à barrista Vera Magalhães, o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos deEstremoz, que lhe foi outorgado pela Adere-CERTIFICA, entidade credenciada para conceder aquela certificação.

Anteriormente, a barrista Vera Magalhães frequentou um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição. Foi frequentado por 16 formandos, dos quais até à presente data, 4 foram certificados pela Adere – CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.

Mais recentemente, a barrista teve a Exposição “TRADIÇÃO E CULTURA - Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães” patente ao público no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, entre os dias 9 de Setembro e 26 de Novembro.



quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Exposição "Menino Jesus no Berço"



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 6 de Dezembro de 2023

O Centro Interpretativo para a Valorização e Salvaguarda do Boneco de Estremoz apresenta, a partir de 9 de dezembro, na sua Sala de Exposições Temporárias, a Exposição “Menino Jesus no Berço” – Figurado de Estremoz.
Esta exposição surge a partir do desafio lançado aos barristas, atualmente a produzirem figurado de Estremoz, para que fizessem, nesta época em que se celebra o nascimento de Jesus, a figura do Menino Jesus deitado no Berço.
Nesta mostra contamos com a participação dos Barristas Afonso e Matilde Ginja, Ana Catarina Grilo, Carlos Alberto Alves, Fátima Estróia, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge da Conceição, José Carlos Rodrigues, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Manuel Broa, Ricardo Fonseca e Vera Magalhães.
A exposição poderá ser visitada até 28 de janeiro de 2024.
Venha visitar!


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Lançamento do livro "O Motorista dos Cortes/Histórias da minha terra" de José Domingos Ramalho

 


Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 29 de Novembro de 2023

Dia 9 de dezembro, pelas 15:30 horas, o Museu Berardo Estremoz vai receber o lançamento do livro "O Motorista dos Cortes/Histórias da minha terra", de José Domingos Ramalho.
Depois de “O Ameixa tem Uma Filha”, – Edição da 5 Livros – 2022, José Domingos Ramalho, volta a escrever sobre a vida das gentes e paisagens humanas do Alentejo.
Mestre em Recursos Humanos e Desenvolvimento Sustentável e Licenciado em Sociologia, é co-autor da obra Diagnóstico Social: Teoria, metodologia e casos práticos - Edição Sílabo 2017.
O autor dedica parte da sua vida ao estudo da grafologia e é conhecida a sua paixão pela cultura, gastronomia e etnografia alentejana.
Venha conhecer duas histórias das gentes alentejanas, num só livro!
A entrada para a iniciativa é gratuita.

Sinopse
O Motorista dos Cortes
Entre a primeira e a segunda guerra mundial, uma família tradicional alentejana, trouxe ao mundo sete raparigas e dois rapazes.
No dia em que uma das filhas engravidou e o parceiro não quis assentar-se como pai, a vida da família mudou radicalmente.
A rapariga passou à condição de mulher escondida e o rapaz refugiou-se na Lisboa castiça, boémia e fadista.
Ao fim de vinte anos de destinos separados, será a filha de ambos, já em idade adulta, a promover a união dos progenitores, mas a estória pode ter um desfecho inesperado.



quarta-feira, 29 de novembro de 2023

XVII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 29 de Novembro de 2023

A Galeria D. Dinis vai receber a XVII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz, de 1 de dezembro a 7 de janeiro de 2024.Esta mostra, que é já uma referência no Alentejo, contará com mais de 20 Presépios, produzidos em diversos materiais: Cerâmica, tecido, pedra, madeira, cortiça, vidro e metal.

Os artesãos participantes são: Afonso Ginja, Ana Catarina Grilo, António Moreira, Carlos Alberto Alves, Carlos Pereira, Conceição Perdigão, Duarte Catela, Fátima Lopes, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge Carrapiço, Jorge da Conceição, José Carlos Rodrigues, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Manuel Broa, Maria José Camões, Perfeito Neves, Ricardo Fonseca, Sara Sapateiro, Sofia Luna e Vera Magalhães.

Visite e sinta, através dos presépios, o espírito de um Natal Feliz.








quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Lúcia Cóias partiu. Fica a saudade.



Lúcia Cóias (1934 - 2023)

A última viagem
Por mais sedentários que sejamos, todos nós somos nómadas. Ao longo da vida, vivamos onde vivamos, todos nós somos impelidos a viajar no espaço e no tempo. É como se fossemos templários à procura do Santo Graal. Só que a busca agora é outra e mais diversificada. À procura da espiritualidade, da beleza interior e da verdade, juntam-se agora outras necessidades de procura, de natureza material: trabalho, condições de vida, formação académica ou profissional, amor, paz, divertimento e muito mais que se poderia aqui enumerar. São necessidades que se traduzem em viagens, que temos o livre arbítrio de realizar ou não, se assim nos der na real gana. Todavia, para além destas viagens, há uma outra de natureza diferente, inescapável e com desfecho único, já que é uma viagem sem retorno, independente do nosso livre arbítrio. É a viagem que se inicia quando se transpõe a última etapa da vida e se diz que alguém morreu ou partiu. É uma viagem sobre a qual existem múltiplas interpretações, entre elas a da antropologia bíblico-cristã, mas qualquer delas ultrapassa o âmbito dos propósitos da presente abordagem textual.

Morreu a Lúcia da Singer!
Morreu a Lúcia da Singer! Foi uma notícia que correu célere em Estremoz, no passado dia 18 de Novembro e que me tocou particularmente. É que eu conhecia bem a Lúcia Cóias, seguramente há 70 anos, para além de ser amigo pessoal de seu filho Paulo Cóias e de ter sido professor de sua filha Cristina Cóias, bem como amigo pessoal de sua irmã, a poetisa Constantina Babau.
A Lúcia foi empregada da Singer em Estremoz, onde durante largos anos foi competente professora de costura, que marcou gerações e gerações de jovens mulheres. Tratou-se de uma actividade que, após a aposentação, prosseguiu com êxito na Academia Sénior de Estremoz, onde era muito estimada por todos os membros, sentimento partilhado, de resto, pela generalidade da comunidade local.

Poetisa do amor e da saudade
Como poetisa, Lúcia Cóias (1934-2023), é autora dos livros “Poesia Popular” (2015), “Rosas Brancas” (2016) e "Madrugada" (2018). No primeiro destes livros, em “Infância perdida” confessa: “Sem mãe fiquei aos três anos / E sofri horrores tamanhos / Num mundo que não era o meu / Senti-me sempre perdida / Sem alegrias na vida / E ela partira p’ro céu”. Lúcia ao perder a mãe, foi internada e criada no Asilo de Infância Desvalida João Baptista Rolo, em Estremoz, onde o internato gerido por freiras, a marcou para toda a vida. Ainda em “Infância perdida” confessa: “Tantas torturas passadas / Que não devem ser contadas / Pois ainda creio em Deus / Não sei bem porque razão / Vou dar-lhes o meu perdão / E os soluços ficam meus”.
Lúcia cresceu, fez-se mulher, casou e teve dois filhos. Todavia, perdeu o marido prematuramente, de tal modo que em “Saudade”, começa por se dirigir a ele nos seguintes termos: “Ó meu amor que agonia / Partiste naquele dia / Partiste p´ra não voltar / Meu coração está desfeito / Ficou-me esta dor no peito / Quase ceguei de chorar”. Termina o poema dizendo: “Sei que tu já estás nos céus / Lá bem pertinho de Deus / Se é que a outra vida existe. / Olha bem p’los teus filhinhos / Guia-os por bons caminhos / Consola a minha alma triste”.
O amor de mãe transborda no poema “Ao meu filho”: “A ti meu filho eu dedico esta poesia / Pelo milagre que o amor em mim te fez / Pois tu me deste a santa alegria / De ser mãe pela primeira vez”. O mesmo sentimento maternal transvasa igualmente no poema “À minha filha”: “Obrigada minha filha, eu te adoro / Pelo amor e carinho que me deste / Perdoa se estou triste e às vezes choro, / Tu sabes o que é dor pois já sofreste”.

O amor ao próximo
Na poesia de Lúcia Cóias, o amor não se se circunscreve à família. É mais vasto e assume, em particular, a forma de amor ao próximo. É o que nos revela o poema “Amar sem olhar a quem”, onde no final nos diz que: “Dar amor, dia após dia / Sem olhar à diferença / Não é loucura é magia / De quem tem alma e tem querença” e acrescenta: “Esta é a ventura maior: / Em cada ser ver um irmão. / É viver para dar amor / É ser alguém de eleição.” O amor ao próximo é um amor preocupado, como nos revela no final do poema “Oração”: “Que mágoa sinto em meu peito / Quando à noitinha me deito / Numa cama agasalhada / Lembro a Deus com muito afecto / Aqueles que não têm tecto / E dormem num vão de escada.”

Lúcia Cóias presente!
Lúcia Cóias partiu, mas deixou connosco uma enorme saudade, partilhada entre a família, os amigos e todos os que com ela conviveram. Deixou-nos igualmente a mensagem do seu exemplo de vida, da sua vontade de viver e de lutar contra a adversidade, bem como o seu legado de amor a Deus, à família e ao próximo. Por isso, Lúcia Cóias perdurará nas nossas memórias e nos nossos corações.

Publicado no jornal E, n.º 322, de 23 de Novembro de 2023

Em 2017, Lúcia Cóias participou na iniciativa Poetas em defesa da olaria de Estremoz”, desenvolvida pelo blogue “Do Tempo da Outra Senhora”, publicando o poema:

terça-feira, 21 de novembro de 2023

6.º aniversário da inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO

 



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 21 de Novembro de 2023.

O Município de Estremoz irá comemorar o 6.º aniversário da inscrição da Produçãode Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património CulturalImaterial da UNESCO", no dia 7 de dezembro de 2023, com o seguinte programa:

SALÃO NOBRE (CÂMARA MUNICIPAL DE ESTREMOZ)

- 18:00 horas - Cerimónia de Celebração do 6.º aniversário da inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO"

Hugo Alexandre Nunes Guerreiro, coordenador da candidatura e responsável pelo Plano de Salvaguarda;

José Daniel Pena Sádio, Presidente da Câmara Municipal de Estremoz.

- 18:20 horas - Entrega de Certificado de Produtor de Bonecos de Estremoz a Vera Magalhães.

- 18:25 horas - Conferências:

Ana Fonseca (CME) e Mathilda L. Coutinho (Centro Hercules da Universidade de Évora): Bonecos de Estremoz - à descoberta do imaterial;

Ana Cristina Mendes (Diretora adjunta do CEARE): Indicações Geográficas Europeias.

TEATRO BERNARDIM RIBEIRO

- 22:00 horas - Dezalinhados Filarmónica Rock Show com a Banda Sociedade Filarmónica Artística Estremocense e a Banda Filarmónica do Grupo União e Recreio Azarujense.

Entrada livre que carece de levantamento de bilhete no Teatro Bernardim Ribeiro ou Posto de Turismo.

Venha celebrar connosco!


Hernâni Matos

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

18 de Novembro, às 15:30, no Museu Berardo Estremoz: “António Telmo em Estremoz”


António Telmo (1927-2010). Fotografia de João Albardeiro (1951-2004).

António Telmo em Estremoz  

Dar a conhecer a vida, a obra e o pensamento de António Telmo, filósofo e escritor que durante três décadas viveu e leccionou em Estremoz, é o propósito da sessão “António Telmo em Estremoz”, que se realiza no Museu Berardo Estremoz no próximo dia 18 de Novembro, sábado, a partir das 15:30, numa parceria da Câmara Municipal deEstremoz com o Projecto António Telmo. Vida e Obra. 

A abrir a sessão terá lugar a apresentação, por Elísio Gala, ensaísta e professor de Filosofia na Escola Secundária do Redondo, do livro A Glória da Invenção – Uma aproximação aopensamento iniciático de António Telmo, de Pedro Martins e Risoleta C. Pinto Pedro, recentemente editado pela Zéfiro, que é também a chancela que publica as Obras Completas de António Telmo. Mara Rosa lerá alguns excertos da obra.

Depois, António CândidoFranco, escritor e professor da Universidade de Évora, fará uma intervenção sobre António Telmo.

Por fim, uma mesa-redonda moderada por Pedro Martins, e que conta com a participação de Elísio Gala, Hernâni Matos, Ilídio Saramago, João Fortio, João Tavares, José Capitão Pardal e Paula Capelinha dará a conhecer, entre outras vertentes, a relação do cidadão, do escritor, do professor ou do bilharista com Estremoz e com outras terras da região, igualmente marcantes na sua vida e na sua obra.

Durante a sessão, estarão à venda obras de António Telmo ou sobre António Telmo e temáticas afins, editadas pela Zéfiro.  

António Telmo - Nota biográfica

António Telmo Carvalho Vitorino nasceu em Almeida em 2 de Maio de 1927, vindo a falecer em Évora em 21 de Agosto de 2010. Licenciado em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, dedicou-se profissionalmente ao magistério, leccionando em Beja, Évora, Sesimbra (onde foi também o primeiro director da Biblioteca Municipal), Redondo (onde, no início da década de 70 fundou, instalou e dirigiu a Escola Preparatória – nas suas palavras «a primeira escola democrática em Portugal, ainda antes do 25 de Abril») e Estremoz, onde, na década de 80, se viria a radicar. 

Foi um dos filósofos mais audazes, originais e fecundos de Portugal. Discípulo de Álvaro Ribeiro, José Marinho, Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva (a convite dos dois últimos, durante cinco semestres, entre 1966 e 1968, ensinará Latim e Literatura Portuguesa na Universidade de Brasília), António Telmo desenvolveu ao longo de várias décadas um pensamento da razão poética, num diálogo constante entre a poesia e a filosofia, o símbolo e a ideia, a imaginação e a inteligência – em suma, entre a alma e o espírito.

Hermeneuta pioneiro e genial, a este intrépido livre-pensador religioso, que restituiu ao esoterismo o seu direito de cidade no pensamento português da segunda metade do século XX, se ficou a dever, na História Secreta de Portugal, a subtil decifração, à luz da gnose templária, dos medalhões simbólicos do Claustro do Mosteiro dos Jerónimos; e, outrossim, a desocultação da obra poética de Luís de Camões, sobretudo de Os Lusíadas – sem esquecer o subtil diálogo de aprofundamento e desvendamento que estabeleceu com o corpus poético e teorético de Fernando Pessoa. Por outro lado, com a sua Gramática Secreta da Língua Portuguesa, António Telmo demonstrou, segundo uma dedução cabalística dos fonemas conforme às estruturas da árvore sefirótica, a natureza de língua sagrada do idioma pátrio.

Na senda de seu mestre Álvaro Ribeiro, que via na filosofia portuguesa uma confluência sintetizadora das três religiões abraâmicas, António Telmo, descendente de gente de nação, chama a atenção para a existência, entre nós, de um subconsciente hebraico, fruto do recalcamento a que mais de dois séculos de manifesto terror inquisitorial haveriam fatalmente de nos conduzir. Deste modo, o filósofo reelabora a kabbalah judeo-cristã à luz de um marranismo de que toma progressiva consciência e que irá porventura culminar na sua iniciação maçónica, a que estará subjacente um propósito de rectificação da Arte Real já aflorado na História Secreta de Portugal, mas bem patente nas derradeiras obras do filósofo.

António Telmo deixou colaboração esparsa por inúmeros jornais e revistas, entre os quais se destacam o Diário de Notícias, o 57 ou a Espiral. Além do ensaio, a sua obra abarca ainda a ficção, a dramaturgia e a poesia, géneros literários que só episodicamente cultivou, mas sempre com uma evidente preocupação filosofal. Entre os títulos da sua biografia, contam-se os seguintes livros: Arte Poética (1963); História Secreta de Portugal (1977; reed. 2013); Gramática Secreta da Língua Portuguesa (1981); Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões (1982); Filosofia e Kabbalah (1989); O Bateleur (1992); O Horóscopo de Portugal (1997); Contos (1999); Viagem a Granada (2005); A Hora de Anjos Haver (2007); A Verdade do Amor, seguido de Adoração, de Leonardo Coimbra (2008); Congeminações de um Neopitagórico (2009); O Portugal de António Telmo (2010); A Aventura Maçónica (2011); Sesimbra, o lugar onde se não morre (2011).

Em 2021 foi publicado em França Philosophie et Kabbale, tradução em francês do livro Filosofia e Kabbalah, com o selo de Éditions de La Tarente, prefácio de Sylvie e Rémi Boyer e ilustrações de Lima de Freitas.

As suas Obras Completas estão em curso de publicação na editora Zéfiro, com o apoio institucional e científico do Projecto António Telmo. Vida e Obra.

Texto da responsabilidade do Projecto António Telmo. Vida e Obra

 Hernâni Matos

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Uma Primavera de Mestre Jorge da Conceição

 

Fig. 1 - Primavera (aspecto frontal). Mestre Jorge da Conceição (1963 - ).


É sabido que colecciono Bonecos de Estremoz produzidos por todos os barristas, independentemente da época e do tema. E faço-o, por entender que não há uma maneira única de os produzir, já que cada barrista tem o seu próprio estilo e as suas próprias marcas identitárias, fruto de circunstâncias diversas, as quais me dispenso de analisar aqui. No acto de criação, apenas é exigido ao barrista que respeite a técnica de produção e a estética do Boneco em barro vermelho de Estremoz.
A minha colecção, apesar de invejada por muitos, apresenta alguns “calcanhares de Aquiles”. Um deles é não integrar como eu gostaria, um número julgado apropriado e representativo da produção de Mestre Jorge da Conceição. Daí que eu tenha resolvido tratar este calcanhar, o que me levou tempos atrás a encomendar-lhe algumas figuras. A primeira a ser-me entregue foi uma Primavera (Fig. 1 e Fig. 2), que de imediato, despertou em mim uma emoção que iria desembocar na redondilha maior que então compus:

Aquece-me o coração
Esta linda Primavera
De Jorge da Conceição,
Cuja posse era quimera.

A beleza da figura resulta de uma modelação perfeita, fortemente naturalista, conjugada com um cromatismo harmonioso. Para além disso, uma observação mais minuciosa do exemplar, torna possível deduzir que, no decurso da sua manufactura, ocorreu uma mudança de paradigma relativamente à produção de barristas que antecederam Mestre Jorge da Conceição.
Em primeiro lugar, as flores do arco deixaram de estar representadas por discos cilíndricos coloridos e pintalgados, para serem mostradas, ainda que de uma maneira generalista, por flores com tridimensionalidade, ostentando uma parte frontal e uma parte posterior, distintas.
Em segundo lugar, o vestido deixa de apresentar folhos apenas no fundo, para os apresentar também nos punhos e no amplo decote que vai de ombro a ombro.
Em terceiro lugar, a fita do chapéu deixa de ser uma mera pintura e adquire ela própria, tridimensionalidade.
Em quarto lugar, o topo da base deixa de ser sarapintado, pompeando aquilo que configura ser um chão atapetado de flores.
Tudo isto é de se lhe “tirar o chapéu” e dai que, apesar de ser paisano, me ponha duplamente em sentido. Em primeiro lugar, pelo trabalho de excelência de Mestre Jorge da Conceição. Em segundo lugar, pelo facto de a Primavera envergar um vestido com as cores da nossa bandeira nacional, que de imediato despertam em mim um sentimento patriótico.
Obrigado Mestre Jorge da Conceição por me ter enchido as medidas com esta criação germinada a partir da sua grande alma de artista e à qual a magia das suas mãos conferiu forma e cor, transmitindo-lhe harmonia, perfeição, beleza e elegância. Bem-haja!


Fig. 2 - Primavera (aspecto posterior). Mestre Jorge da Conceição (1963 - ).

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

ANA DAS PELES na toponímia estremocense

 

Sá Lemos trocando impressões com Ana das Peles numa sala de aulas da Escola Industrial
 António Augusto Gonçalves. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988),  publicada
no semanário estremocense “Brados do Alentejo” nº 250, de 10 de Novembro de 1935. 


Novos topónimos concelhios
Em reunião do Município realizada no passado dia 28 de Junho, foi aprovada uma proposta da Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, a qual integra a acta da sua reunião de 24 de Maio do ano em curso, no sentido de serem atribuídos novos topónimos, assim distribuídos: Estremoz (12), Veiros (10), Arcos (4).
Entre os 12 novos topónimos aprovados para Estremoz, figura o nome da barrista ANA DAS PELES (1869-1945), que assim viu a sua memória perpetuada através da atribuição do seu nome à rua que se inicia na Avenida Tomaz Alcaide e termina na Avenida Condessa da Cuba, junto à Associação Cultural e Recreativa dos Marinheiros de Estremoz, instalada no local do antigo Dispensário de Assistência aos Tuberculosos.

Ana das Peles, o novo topónimo
A proposta de inclusão do antropónimo “Ana das Peles” na toponímia local, teve origem numa proposta do Presidente da União das Freguesias (Santa Maria e Santo André), aprovada por unanimidade na reunião ordinária da Junta de Freguesia, de 14 de Fevereiro passado. O teor da proposta aprovada é o seguinte:
A 19 de Fevereiro de 2023 completam-se 78 anos sobre a morte da bonequeira Ana das Peles (1869-1945), velha barrista que foi o instrumento primordial da recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, empreendida pelo escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971) nos anos 30 do séc. XX.
Em 1935 os Bonecos de Ana das Peles participaram na “Quinzena de Arte Popular Portuguesa” realizada na Galeria Moos, em Genebra. Em 1936 estiveram presentes na Secção VI (Escultura) da Exposição de Arte Popular Portuguesa ocorrida em Lisboa, em 1937 na Exposição Internacional de Paris e em 1940 na Exposição do Mundo Português, promovida em Lisboa.
Os Bonecos de Ana das Peles, foram nestas exposições, um ex-líbris de excelência da cidade de Estremoz. Eles foram os melhores embaixadores da nossa Arte Popular e da nossa identidade cultural local e regional. Eles foram, simultaneamente, a primeira declaração e a primeira prova insofismável de que na nossa terra existiam criadores populares de grande qualidade. Os Bonecos de Estremoz, até então relativamente pouco conhecidos, adquiriram por mérito próprio e muito justamente grande notoriedade pública.
Ana das Peles partiu, mas os seus Bonecos muito apreciados e procurados, povoam vitrinas de coleccionadores e de museus para deleite de espírito. Com eles a imagem de marca da nossa identidade cultural local e transtagana, testemunho e herança de uma época.
78 anos volvidos sobre a morte de Ana das Peles, os seus gestos de modeladora de sonhos, continuam a ser repetidos, ainda que recriados pelos barristas de hoje. Por isso Ana das Peles é imortal e os Bonecos de Estremoz serão eternos.
Ana das Peles é uma figura que pela sua acção desempenhou um papel de relevo na construção da Memória de Estremoz, pelo que não pode ser olvidada nas páginas da História local.
Desde 7 de Dezembro de 2017 que a manufactura de Bonecos de Estremoz está inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Como reconhecimento do papel desempenhado por Ana das Peles na recuperação duma tradição que corria o risco de se extinguir e que hoje é motivo de orgulho para todos os estremocenses, a Junta de Freguesia de Estremoz (Santa Maria e Santo André) propõe à Câmara Municipal de Estremoz, a perpetuação da Memória daquela barrista, incluindo o seu nome na toponímia local, usando a fórmula: “ANA DAS PELES / BARRISTA”.”

Quem se segue?
Até agora a toponímia estremocense já perpetuou o nome dos seguintes barristas: Mariano da Conceição (1903-1959), Sabina da Conceição Santos (1921-2005), Liberdade da Conceição (1913-1990), Maria Luísa da Conceição (1934-2015), Quirina Marmelo (1922-2009) e Ana das Peles (1869-1945). Todavia, para além deles há outros barristas falecidos que até agora foram esquecidos. São eles:
- António Lino de Sousa (1918-1982), oleiro da Olaria Alfacinha e discípulo de Mestre Mariano da Conceição, com quem aprendeu a manufacturar Bonecos de Estremoz, a cuja confecção se dedicou em exclusivo entre 1976 e a data do seu falecimento.
- José Moreira (1926-1991), discípulo de Ana das Peles e que foi o barrista que mais contribuiu para a divulgação dos Bonecos de Estremoz. Percorreu o país de lés a lés e não houve feira ou exposição de artesanato a que ele não fosse.
- Aclénia Pereira (1927-2012), que nos anos 40 do séc. XX foi discípula de Mestre Mariano da Conceição na Escola Industrial António Gonçalves e que foi barrista até ao fim da vida, mesmo depois de se ter transferido para Santarém, em cujo distrito foi uma grande embaixadora dos Bonecos de Estremoz.
- Isabel Carona (1949-2006), que foi uma das primeiras discípulas de Mestra Sabina da Conceição e que depois de trabalhar com ela durante dez anos, se fixou em Sarilhos Grandes, Montijo, onde continuou a arte bonequeira.
- Mário Lagartinho (1935-2016), o último oleiro de Estremoz, que como barrista confeccionou Bonecos de Estremoz nos anos 70-90 do século passado e que pela sua acção continuou a cadeia de transmissão de saberes.
- Arlindo Ginja (1938-2018), discípulo de Mário Lagartinho, que conjuntamente com seu irmão Afonso exerceu o mester durante 32 anos, até se aposentar em 2011.
Estes barristas, cada um à sua maneira, contribuiu para que a manufactura de Bonecos de Estremoz esteja actualmente inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Daí ser da mais elementar justiça que o seu nome seja igualmente perpetuado na toponímia estremocense. Ficamos à espera.


Estremoz, 27 de Julho de 2023
Publicado no jornal E nº 319, de 13 de Outubro de 2023

Ana das Peles a modelar uma figura. Fotografia de Albert t’Serstevens (1886-1974)

Ana das Peles a pintar Bonecos na sua oficina na Rua Brito Capelo nº 21 em Estremoz,
local onde também residia na época. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). 

A entrada da Rua Ana das Peles pelo lado da Avenida Condessa da Cuba.

Placa toponímica da RUA ANA DAS PELES / BARRISTA