domingo, 3 de novembro de 2013

Dia de Finados


Dia dos mortos (1859). William-Adolphe Bouguereau (1825-1905).
Óleo sobre tela. Musée des Beaux-Arts de Bordeaux.

Dia de Finados
A 2 de Novembro assinala-se o Dia de Finados ou Dia dos Fiéis Defuntos. Este dia é celebrado entre nós com tristeza, pois recordam-se as pessoas de família e os amigos que já morreram. De acordo com a tradição católica, as pessoas acorrem aos cemitérios para prestar homenagem aos mortos. Para tal, deixam ramos de flores nas campas e acendem velas para iluminar os falecidos no caminho para o Paraíso, ao encontro da comunhão com Deus e oram e mandam rezar missas em sua memória. Para os católicos, o culto dos mortos é, em certo sentido, a festa da vida, já que acreditam na imortalidade da alma.
A veneração e o culto dos mortos integram as práticas de todas as religiões desde tempos imemoriais, tendo inicialmente estado ligado aos cultos agrários e de fertilidade. Os mais antigos acreditavam que, tal como as sementes, os mortos eram enterrados com vista à ressurreição. Em particular, desde os primórdios do cristianismo que a oração pelos mortos é uma prática corrente entre os cristãos, crentes no Purgatório e na eficiência das preces em benefício do descanso e da purificação da alma dos defuntos, familiares ou não, sobretudo aqueles que não tenham deixado na terra quem o pudesse fazer.
A igreja Bizantina consagrou uma data destinada a estas orações, fixando-a no sábado que antecedia o último domingo antes da Páscoa, enquanto na Igreja Siríaca a celebração decorria na sexta-feira dessa mesma semana. No Ocidente a prática manifestava-se no século VII, celebrada no interior dos mosteiros, ainda que em data variável.
A veneração e culto dos mortos compreende celebrações colectivas ou individuais, tais como exéquias ou ofícios fúnebres religiosos (missas de corpo presente, do 7.° e do 30.° dia, etc.). Todavia, a primeira referencia a comemorações por intenção dos defuntos, efectuadas anualmente e em data fixa, associadas à Festa de Todos os Santos é atribuída a Santo Isidoro de Sevilha (c. 560-636) no século VII, ainda que se deva ao abade de Cluny, Santo Odilon (c. 962-c.1048), a introdução do ritual litúrgico no seu mosteiro entre 1025 e 1030, daqui irradiando a todos os mosteiros da ordem e depois à Igreja no seu todo.
O Ofício de Defuntos é difundido pelos mosteiros a partir do século XIII, embora desde os tempos apostólicos possam encontrar-se textos alusivos à oração pelas almas.
Na Igreja Católica, na celebração litúrgica do Dia de Finados, recita-se o “Oficio de defuntos” e as missas são de “Requiem”, ainda que o dia 2 de Novembro calhe a um domingo.
Em 1915, por concessão de Bento XV (1854-1922), através da bula “Incruentum Altaris” foi autorizado a todos os sacerdotes da Igreja Católica celebrarem três missas no dia dos Fiéis Defuntos. Este privilégio já havia sido concedido a Portugal, Espanha e América Latina pelo papa Benedito XIV (1675-1758) em 1748, devido à influência desse costume na Igreja de Aragão, enquanto Leão XIII (1810-1903) estende a concessão a toda a igreja, pedindo que no último domingo de Setembro todos os sacerdotes celebrem urna missa para os defuntos, extensiva aos sacerdotes falecidos.
A nível da pintura europeia, a Missa e Ofício de Defuntos ilustram códices medievais e renascentistas, onde é se observa o uso dos paramentos negros pelos clérigos e vestimentas de luto negras por parte dos fiéis. A nível de pintura do séc. XIX conhecida, observa-se igualmente o uso de vestuário negro por parte daqueles que ocorrem aos cemitério no Dia de Finados.

Pão por Deus 
Para além das cerimónias fúnebres religiosas relacionadas com o culto dos mortos, as comemorações do Dia de Finados abarcam igualmente expressivas celebrações alimentares características desta ocasião, representadas principalmente pelos bolos especiais, pão e frutos secos, sobretudo a castanha.
As refeições cerimoniais próprias deste dia, sob a forma de manjares, refeições ou dádivas aos defuntos ou aos mesmos consagradas através dos seus familiares vivos, são reminiscências de práticas rituais ancestrais, identificadas com o culto dos mortos. 
No Dia de Finados era tradição, as crianças e os pobres pedirem de porta em porta o “pão por Deus” ou seja os manjares cerimoniais que lhes são oferecidos nesta data. Na crença popular, crianças e adultos representam as almas dos mortos que neste dia vagueiam pelo mundo, simbolizando a dádiva do “pão por Deus” a esmola que se dá por tenção dos defuntos ou uma oferenda doada às próprias almas. O povo crê que por cada bolo por eles comido, há uma alma que se livra do Purgatório. 
Ainda hoje é possível ver grupos de crianças a pedir de porta em porta o “pão por Deus”, arrecadando em troca romãs, peras, maçãs, nozes, pinhões, figos, rebuçados, bolachas, pãezinhos e dinheiro que recolhem num saco destinado aos donativos.
Em Portugal, ainda são respeitadas outras crenças muito antigas, como não caçar nem pescar no Dia de Finados. 

BIBLIOGRAFIA
BARROS, Jorge; COSTA, Soledade Martinho. FESTAS E TRADIÇÕES PORTUGUESAS / Novembro e Dezembro. Círculo de Leitores. Lisboa, 2003.

Publicado inicialmente a 3 de Novembro de 2013

Ofício dos defuntos.
Livro de Horas, 82. 14--.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa.

 
Ofício dos mortos (c. 1401-1433).
Livro de Horas de D. Duarte (segundo o uso de Roma), 323v.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa.

 
Missa de exéquias. (1410). 
Anónimo.
Rationale Divinorum Officiorum de Guillaume Durand (1230-1296).
Edição francesa de 1410. 

 
Missa de exéquias (c. 1440).
Jan van Eyck (c. 1395-1441).
Livro de Horas de Turim-Milão.

 
Vigília junto a um defunto (c.1515).
Gerard Horenbout  (c. 1465–1541). 
Livro de Horas de Spínola.
J. Paul Getty Museum, Malibu.

 
Ofício dos mortos [Século XVI (1517-1551)] 
Atribuído a António de Holanda (1480-1557).
Livro de Horas de D. Manuel I, 129 v. 
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

 
Ofício dos Mortos (1530-1534).
Simon Bening (c. 1483/1484–1561).
Livro de Horas D. Fernando (1530-1534).
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Dia dos Finados.
Aurélia de Sousa. (1866-1922).
Óleo sobre tela.

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