A apresentar mensagens correspondentes à consulta Cântaros de Água ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta Cântaros de Água ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Matar a sede no Alentejo


A ceifa. Dordio Gomes (1890-1976). Óleo sobre tela (154 x 194 cm).


                                                                                   À minha filha Catarina

INTRODUÇÃO
O corpo humano de um adulto é composto por 60% de água, a qual está presente em todos os tecidos e desempenha múltiplos papéis: dissolve todos os nutrientes e transporta-os a todas as células, assim como às toxinas que o organismo necessita de eliminar. A água regula ainda a temperatura corporal através da produção de suor.
Através da transpiração, respiração, urina e fezes, perdemos diariamente cerca de 2,5 litros de água ou mesmo mais, se a temperatura for muito elevada e/ou o esforço físico for intenso. Esta perda deve ser reposta.
As necessidades de água do ser humano dependem das perdas e o bom funcionamento do nosso organismo passa pela água que consumimos. Através dos alimentos obtemos cerca de metade da água necessária, o resto deve ser ingerido, bebendo pelo menos, 1,5 litros de água por dia.

SEDES DE OUTRORA
Noutros tempos, nos campos do Alentejo, bebia-se água de algumas ribeiras, assim como de nascentes e poços. Quem andava nas fainas agro-pastoris, bebia normalmente água por um coxo, feito de cortiça.
Fainas violentas como as ceifas, exigiam que houvesse distribuição regular de água, o que era feito, geralmente por uma aguadeira da ceifa, transportando um cântaro de barro e um coxo, por onde se bebia à vez.
Os pastores na sua vida de nómadas conheciam bem a localização das nascentes e poços, onde matar a sede.
Dos poços a água era tirada com caldeiros de zinco, embora em sua substituição se vissem muitas vezes, à beira dos poços, grandes chocalhos com a mesma função. Lá diz o cancioneiro:

“O' lá Cabeço de Vide,
Toda coberta de neve,
Terra do neto da bruxa,
Quem não traz chocalho não bebe.” [1]

Nas aldeias e vilas, as mulheres iam às fontes, encher os cântaros de barro, que transportavam depois à cabeça, equilibrados miraculosamente pela sogra, que a maioria das vezes não passaria duma rodilha enrolada em forma de anel.
Nas cidades, existiam aguadeiros, proprietários de carro com grade para transporte de cântaros, puxados por muar ou burro. Igualmente os havia com recursos mais elementares. Havia quem transportasse os cântaros em cangalhas de madeira assentes no lombo das bestas. Havia também aqueles que nem besta tinham e efectuavam o transporte dos cântaros em carros de mão, que eles próprios empurravam. Os cântaros usados, eram geralmente em zinco, com tampa, não só para não partirem, como para não entornarem. Cada aguadeiro tinha, de resto, a sua própria rede de clientes certos, que eram abastecidos a partir da fonte que frequentava.

SEDES DE HOJE
Hoje é impensável e desaconselhável beber água de ribeiros e de poços, já que os aquíferos estão contaminados por adubos químicos e pesticidas, quando não por águas residuais, domésticas ou industriais. O mesmo relativamente à água das fontes das nossas vilas e aldeias.
Hoje temos que beber água da rede, muitas vezes com sabor a cloro ou então, água engarrafada. Esse o preço do progresso. Um preço que poderia ter sido evitado, praticando uma agricultura biológica, em equilíbrio com os agroecossistemas, assim como um tratamento e convenientemente encaminhamento das águas residuais, que em muitos casos ainda não é feito. Até quando?

BIBLIOGRAFIA
[1] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 13 de Julho de de 2011

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O vasilhame de barro de Estremoz


Estremoz: Mercado dos barros integrado no mercado semanal, cerca de 1940.
Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.


“O VASILHAME DE BARRO DE ESTREMOZ” é o tema da exposição de olaria estremocense, patente ao público na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz. A iniciativa é da Associação Filatélica Alentejana e conta com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz. A exposição pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12,30 horas e entre as 14 e as 17,30 horas.
As olarias de Estremoz desde sempre produziram, todo o tipo de vasilhame destinado a uso doméstico, nomeadamente o destinado a conter água.
Dantes, todas as casas tinham na cozinha, um poial dos cântaros, onde os tamanhos mais correntes eram “a terceira” (15 litros) e a quarta (10 litros). Aí se ia buscar à fonte ou ao poço, a água destinada ao consumo doméstico. Nos poiais, lá estavam gravados muitas vezes, a cruz e o signo-saimão, símbolos mágicos de protecção contra o mau-olhado e o quebranto. Estes símbolos podiam aparecer igualmente gravados nos cântaros ou nas suas tampas de cortiça.
Para além dos cântaros, existiam ainda recipientes para água de menores dimensões, como as bilhas, os moringues, as garrafas de água, os barris e os púcaros.
As bilhas (de 1 a 2 litros) e os moringues (1 a 3 litros) permitiam levar água à mesa da refeição. Já as garrafas de água (1 a 2 litros) eram mais destinadas a ter na mesinha de cabeceira, para uso nocturno. Quantos aos barris (1 a 2 litros), destinavam-se a ser usados em viagem ou levados para o local de trabalho, usando um cordel que os permitia transportar ao ombro ou a tiracolo. Eram também usados nos carros de tracção animal, protegidos por um invólucro tecido com esparto, num receptáculo existente no exterior do carro.
Em Estremoz, sempre houve três tipos de decoração do vasilhame para água:
- o riscado, de aspecto mais rústico, tendo colado meniscos convexos de argila, decorados com minúsculos seixos de quartzo;
- o polido, com uma decoração mais fina e requintada, que joga com o contraste entre a superfície baça e os motivos que foram polidos;
- folhas, bolotas e ramos de sobreiro, moldados em barro e colados à superfície, conjugados com algum polimento daquela.
Existem também recipientes em barro, vulgarmente conhecidos por “picassos”, com formas mais ou menos estilizadas: o peixe, o galo, a cabra, a mulher nua, a sereia, etc.
Antes da vulgarização dos frigoríficos, o vasilhame de barro era a garantia de se ter em casa, água fresca que nos permitisse dessedentar nos dias de Verão. O barro é poroso, pelo que a água contida no interior do recipiente, chega à superfície por capilaridade. Daqui se evapora por acção do calor, o que consumindo energia, faz baixar a temperatura no interior do recipiente. Este abaixamento de temperatura é directamente proporcional à massa de água evaporada e inversamente proporcional à massa de água contida na vasilha. Os cálculos revelam que ao evaporar-se 1 decilitro de água de um recipiente, que passe então a ficar com 1 litro dela, a temperatura desta baixa 5,4 º C. É a magia da natureza. E como é saborosa a água contida em recipientes de barro, sobretudo de barro novo, que se desfaz em fino pó.
A vulgarização dos frigoríficos deu uma facada de morte nos oleiros, que já tinham levado outra com a implementação dos recipientes de alumínio, a substituir a loiça vidrada. Entre nós só já há um oleiro, Jerónimo Lagartinho, que talvez venha a ser o último oleiro de Estremoz. A olaria estremocense está em risco de extinção. Não se pode fazer nada para o evitar? É que chorar lágrimas de crocodilo depois, é hipocrisia e não resolve nada.

Publicado pela 1ª vez em 7 de setembro de 2012

Cântaro de barro de Estremoz (altura: 40 cm; diâmetro
máximo: 68 cm) com cerca de 5 litros de capacidade.
Fabrico da Olaria Alfacinha (Anos 40 do séc. X). Decoração
com folhas, bolotas e ramos de sobreiro moldados em barro
e colados à superfície, conjugados com algum polimento
daquela. A própria asa é uma pernada de sobreiro. No lado
oposto, o brasão de armas de Estremoz. Colecção do autor.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O vasilhame de água no Alentejo

Cântaro de barro de Estremoz (altura: 40 cm; diâmetro máximo: 68 cm)
com cerca de 5 litros de capacidade. Fabrico da Olaria Alfacinha
(Anos 40 do séc. X). Decoração com folhas, bolotas e ramos de sobreiro
moldados em barro e colados à superfície, conjugados com algum
polimento daquela. A própria asa é uma pernada de sobreiro. No lado
oposto, o brasão de armas de Estremoz. Colecção do autor.



O Alentejo teve importantes centros oleiros, dos quais se destacam: Flor da Rosa, Nisa, São Pedro do Corval, Viana do Alentejo, Redondo e Estremoz. Aqui se produziu ou ainda se produz, todo o tipo de vasilhame destinado a uso doméstico, nomeadamente o destinado a conter água.
Dantes, todas as casas tinham na cozinha, um poial dos cântaros, onde os tamanhos mais correntes eram “a terceira” (15 litros) e a quarta (10 litros). Aí se ia buscar à fonte ou ao poço, a água destinada ao consumo doméstico. Nos poiais, lá estavam gravados muitas vezes, a cruz e o signo-saimão, símbolos mágicos de protecção contra o mau-olhado e o quebranto. Estes símbolos podiam aparecer igualmente gravados nos cântaros ou nas suas tampas de cortiça.
Para além dos cântaros, existiam ainda recipientes para água de menores dimensões, como as bilhas, os moringues, as garrafas de água e os barris.
As bilhas (de 1 a 2 litros) e os moringues (1 a 3 litros) permitiam levar água à mesa da refeição. Já as garrafas de água (1 a 2 litros) eram mais destinadas a ter na mesinha de cabeceira, para uso nocturno. Quantos aos barris (1 a 2 litros), destinavam-se a ser usados em viagem ou levados para o local de trabalho, usando um cordel que os permitia transportar ao ombro ou a tiracolo. Eram também usados nos carros de tracção animal, protegidos por um invólucro tecido com esparto, num receptáculo existente no exterior do carro.
Em Nisa, o vasilhame sempre foi decorado com minúsculos seixos de quartzo, embutidos no barro, formando arabescos que lhe conferem o ar de fino bordado. Já em Estremoz, sempre houve três tipos de decoração do vasilhame para água:
- o riscado, de aspecto mais rústico, tendo colado meniscos convexos de argila, decorados com minúsculos seixos de quartzo;
- o polido, com uma decoração mais fina e requintada, que joga com o contraste entre a superfície baça e os motivos que foram polidos;
- folhas, bolotas e ramos de sobreiro, moldados em barro e colados à superfície, conjugados com algum polimento daquela.
Antes da vulgarização dos frigoríficos, o vasilhame de barro era a garantia de se ter em casa, água fresca que nos permitisse dessedentar nos dias de Verão. O barro é poroso, pelo que a água contida no interior do recipiente, chega à superfície por capilaridade. Daqui se evapora por acção do calor, o que consumindo energia, faz baixar a temperatura no interior do recipiente. Este abaixamento de temperatura é directamente proporcional à massa de água evaporada e inversamente proporcional à massa de água contida na vasilha. Os cálculos revelam que ao evaporar-se 1 decilitro de água de um recipiente, que passe então a ficar com 1 litro dela, a temperatura desta baixa 5,4 º C. É a magia da natureza. E como é saborosa a água contida em recipientes de barro, sobretudo de barro novo, que se desfaz em fino pó.
A vulgarização dos frigoríficos deu uma facada de morte nos oleiros, que já tinham levado outra com a implementação dos recipientes de alumínio, a substituir a loiça vidrada. Por isso, os oleiros que resistem, vivem hoje, em parte, da louça decorativa que, por vezes, lá vão vendendo.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

54 – O Aguadeiro - 5


Aguadeiro.
Quirina Marmelo (1922-2009).
Colecção particular.

Literatura de tradição oral 
O (A) aguadeiro (a) tem múltiplos averbamentos na nossa literatura de tradição oral.
No que respeita a ADAGIÁRIO registo: “Janeiro geadeiro, Fevereiro aguadeiro”.
No âmbito da GÍRIA POPULAR são conhecidos os termos: Aguadeira (Capa que não deixa passar a água), Aguadeira (Petisco que abre o apetite), Aguadeiras (Penas que acompanham as asas das aves de rapina até ao rabo), Aguadeiro (Capote de saragoça, próprio para resistir à água - Alentejo), Aguadeiro (Chapéu com a orla da aba voltada para cima e que retém a água quando chove, pelo que é necessário desabá-lo - Alentejo), Aguadeiro (Ciclista que acompanha a equipa), Aguadeiro (Designação pejorativa dada a cocheiro que conduz mal), Aguadeiro (Homem encarregado de introduzir água salgada na salina), Aguadeiro (Feixe de linho pronto para demolhar).
No domínio das ALCUNHAS ALENTEJANAS, conheço apenas uma: Aguadeiro – Alcunha outorgada a homem ou mulher que vendia água, antes de existir água canalizada (Aljustrel, Casto Verde e Ourique).
Em termos de ANTROPONÍMIA e de acordo com o site http://forebears.io que dá acesso a bases de dados genealógicas, o apelido Aguadeiro será comum a 37 pessoas em Portugal e terá resultado da transformação da alcunha em sobrenome, pelo que sendo aguadeiro uma antiga profissão de âmbito nacional, é normal que a distribuição geográfica seja bastante vasta.
Quanto a PREGÕES ALENTEJANOS, Eurico Gama, em “Os Pregões de  Elvas” (1954), refere os seguintes: - “Á-gua-dê-ro!; - Á-gua fres-qui-nha!”; - “A tos-tão a bar-ri-gada!”; - “S’tá aqui o home da água!”; - “É um céu aberto a água da Fonte Nova!”; - “A água da Fonte Nova percorre as veias de toda a criatura!”.
Na área da TOPONÍMIA, tenho conhecimento da existência da Rua dos Aguadeiros (Peniche, Faro, Portimão e Quarteira) e do Beco dos Aguadeiros (Lisboa).
No que concerne a CANCIONEIRO POPULAR, apenas refiro que Lopes da Areosa no Romance  do  Senhor  da  Serra (d’Arga), nos diz que: “…(Os meus passos de romeiro /   todos os anos lá vão) / e nesta peregrinação / não encontro o aguadeiro / dos tempos que já lá vão /…”.
A nível de LENDAS, há a referir a “Lenda da Bilha de S. Jorge”. De acordo com ela, no dia da Batalha de Aljubarrota, os exércitos português e castelhano encontravam-se frente a frente, sob um sol escaldante. Nuno Álvares Pereira temeu mais a sede que o exército inimigo, pelo que incumbiu Antão Vasques de procurar água, tarefa ingrata, dado a secura dos ribeiros. Desesperado porque não conseguia encontrar água, Antão Vasques apeou-se do cavalo, ajoelhou-se e orou a S. Jorge, a quem implorou que o auxiliasse. Surgiu então uma camponesa com uma bilha de água, que se enchia quando dela se bebia, saciando a sede e recompondo as forças e o espírito. Quando os castelhanos atacaram, convictos de encontrar os portugueses debilitados pela espera e pela sede, estes resistiram com firmeza e, para grande espanto dos castelhanos, venceram a batalha. 
No círculo das ANEDOTAS POPULARES, apenas registo uma: VALORIZAÇÃO INSTANTÂNEA - Um aguadeiro percorria as ruas de uma praça-forte sitiada, carregando dois cântaros de água, a qual apregoava: - “A pataco o cântaro, a pataco…”. Quando um estilhaço de granada rebenta um dos cântaros, o homem não se atrapalhou, modificando apenas o pregão: - “A dois patacos o cântaro, a dois patacos…”.
Hernâni Matos

quarta-feira, 25 de maio de 2016

50 - O aguadeiro - 1


Aguadeiro (1959).
Mariano da Conceição (1903-1959).
Colecção particular.

Aguadeiros
Nas aldeias e vilas, as mulheres iam às fontes encher os cântaros de barro, os quais transportavam depois à cabeça, equilibrados miraculosamente pela sogra, que a maioria das vezes não era mais que uma rodilha enrolada em forma de anel.
Nas cidades, existiam aguadeiros, proprietários de carro com grade para transporte de cântaros, puxados por muar ou por burro. Igualmente os havia com recursos mais rudimentares. Havia quem transportasse os cântaros em cangalhas de madeira, assentes no lombo das bestas. Havia também aqueles que nem besta tinham e efectuavam o transporte dos cântaros em carros de mão, que eles próprios empurravam. Os cântaros utilizados eram geralmente em zinco, para não partirem e, com tampa, para não entornarem. Cada aguadeiro tinha, de resto, a sua própria rede de clientes certos, que eram abastecidos a partir da fonte que frequentava.
Em Estremoz eram os aguadeiros que asseguravam a distribuição domiciliária de água, o que constituiu prática corrente até à inauguração da rede pública de abastecimento de água, em 26 de Maio de 1952. Na actualidade, o abastecimento é assegurado pelo sistema aquífero Estremoz-Cano, com uma área total de 202,1 Km2 e que se alonga segundo uma direcção NW-SE entre a região do Cano e o Alandroal, sendo constituído, principalmente pelo chamado anticlinal de Estremoz e pela aplanação do Cano.
Fontes de Estremoz
Embora delas já não corra água, existem ainda na parte baixa da cidade, as fontes onde se abasteciam os aguadeiros: - FONTE DAS BICAS, construída em data desconhecida do séc. XVI e que teve contíguo um tanque de lavagem, que o Município de 1905 transferiu para o Lavadouro Público; - FONTE DO HOSPITAL DE SÃO JOÃO DE DEUS, mandada construir pela Câmara de 1834, no muro contíguo à ermida de São Brás e que a edilidade de 1901 ordenou que fosse removida para o local onde actualmente se encontra; - FONTE DO ESPÍRITO SANTO mandada construir pelo Senado de 1834 e que chegou a ter chafariz para animais de carga e sela. Nos anos sessenta do século passado, o chafariz foi sacrificado ao pseudo progresso, já que foi arrancado a fim de facilitar a circulação automóvel; - A FONTE DOS CURRAIS, situada na Rua Brito Capelo (antiga Rua dos Currais) e que foi mandada construir pela Câmara Municipal em 1907; - FONTE DO CONVENTO DE SANTO ANTÓNIO, subterrânea, situada no exterior e datada de 1702.
A referência mais antiga que conheço relativa a fontes e à água de Estremoz, é de 1726 e aparece no “Aquilegio Medicinal”, de Francisco de Fonseca Henriques: “Na Villa de Eftremoz, e no seu termo ha tantas, e tão excelentes agoas, que parece um retalho da Provincia de Entre Douro, e Minho; porque no rocio da dita villa há duas fontes, huma a que chamaõ das Bicas, e outra a que chamaõ Fonte Nova, ambas de agoa admirável e abundantiffima; (…)”. A existência destas fontes é confirmada nas “Memórias Paroquiais de 1758”, que referem ainda a existência da chamada Fonte da Gafaria, a pouca distância da ermida de São Lázaro.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

53 – O Aguadeiro - 4


Aguadeiro.
Jorge da Conceição (1963-  ).
Colecção particular.

Literatura Alentejana
Como é sabido o(a) aguadeiro(a) era o homem ou mulher que acarretava água, que vendia nos domicílios ou na rua. Para além disso, no Alentejo também era designado por aguadeiro(a), o homem ou mulher que no decurso das ceifas, distribuía água para o pessoal se dessedentar. Iremos apontar aqui algumas referências literárias a nível de prosa.
No século XIX surgem-nos: - José da Silva Picão - ATRAVÉS DOS CAMPOS (1883): “Lá aliviam a miúde, para dizerem coisas ou para emborcarem golos de água fresca que a aguadeira lhes oferece,…”. - Fialho de Almeida - O AGUADEIRO ALENTEJANO in ÁLBUM DE COSTUMES PORTUGUESES (1888): “- E desta reclusão proposital da mulherinha que se fez dama, e acha que ir à fonte é ocupação imprópria de uma sécia nasceu o aguadeiro da vilota alentejana, o mariola válido e bistrado … e que em vez de cavar nas vinhas, ou de revolver a ferro de arado o esboroento salão dos sobreirais, anda de cachimbinho na boca, o grande relaxado, a apregoar – quem merca a água! – pelas ruelas sonolentas do povo, onde os porcos fossam nas estrumeiras, cigarras chiam, e um velho sino bate as horas, com uma plangência sinistra de tam-tam.”. - Conto O MENINO JESUS DO PARAÍSO in O PAÍS DAS UVAS (1893): “Com o camelo e o árabe, seria uma paisagem tangerina. Substituindo porém o dromedário por um cónego, e o árabe por um aguadeiro vestido de Saragoça, gritando “quem merca água!” adiante dum burro com cântaros de cobre, numas cangalhas de azinho, inesperadamente a feição muda, e não há Alentejo mais típico, nem gravura eborense mais “avant la lettre”. Entretanto o Paraíso de Évora é principalmente notável por três coisas: pelo seu aspecto exterior, pelo seu refeitório e pelos doces.”.
No século XX surgem-nos sucessivamente:
- Fialho de Almeida - Conto AVES MIGRADORAS in AVES MIGRADORAS (1914): “Lembra a rainha Dobrada, esposa de S. M. Termo tinto, dando beija-mão aos aguadeiros.”. - Júlio Dantas - ESPADAS E ROSAS  (1919): “Mas, para Alberto Sousa, como para o inglês Watts, “le paysage seul ne prouve rien”; é precisa a figura humana, o animal, o pormenor etnográfico a comunicar-lhe vida, intenção, movimento, —e assim, nas suas interpretações da écloga alentejana há sempre, ou uma mancha negra e confusa de gado, bezoando, cabritando, tilintando os chocalhos de cobre das Alcáçovas sob a guarda dos alfeireiros e dos rabadões, como no admirável trecho da Feira de S. Lourenço; ou o burro de um aguadeiro, como no Poço de Aljustrel;”. - J.A. Capela e Silva - GANHARIAS (1939): “Começa o martírio da sêde. E os homens pedem em grita a água que chega mórna, e que é ingerida em quantidades inverosimeis, continuamente distribuida pelo aguadeiro.”. - Manuel da Fonseca - CERROMAIOR (1943): - ”A maior parte dos camponeses já havia feito as compras e enchera as vendas do largo. De quando em quando, atraídos pelas gargalhadas dos que estavam de fora, chegavam às portas. O motivo do riso era a loucura mansa do aguadeiro, já bêbado, de fralda de camisa fora das calças, ajoelhado diante do burro. O meu burro é um santo!”. - Virgílio Ferreira - APARIÇÃO (1959): "A feira abriu com grande excitação. Todo o Rossio se iluminou de festa com … solitários vendedores de água com uma bilha e um copo ao lado,…”. - Mário Cláudio - AS BATALHAS DO CAIA (1995): “E impingiam-lhes os talhantes as carnes velhas e nervosas, abasteciam-nos as fruteiras das mais amargas laranjas, forneciam-lhes os aguadeiros a vaza das nascentes dos cemitérios, se não aquela em que haviam malevolamente mijado.”.
Hernâni Matos

terça-feira, 25 de outubro de 2016

58 - O aguadeiro - 8


Aguadeiro (2014).
Jorge da Conceição (1963-  ).
Colecção particular.
Figurado de Estremoz – 3
Vimos que o núcleo base do figurado de Estremoz inclui um exemplar conhecido por “Aguadeiro”, conjunto constituído por uma figura antropomórfica masculina (o aguadeiro) e uma figura zoomórfica (o burro). Trata-se de uma peça produzida pelos sucessivos barristas, utilizando as suas próprias marcas de identidade, mas sem fugir aos traços gerais do modelo original. Todavia, nem todos assim procederam, quando ao modo de Estremoz, manufacturaram figuras, que duma forma insofismável, continuam a traduzir a identidade cultural regional e local, observável em tempos ainda não muito recuados.
O aguadeiro de Jorge da Conceição (2014) é um conjunto constituído por uma figura antropomórfica masculina (o aguadeiro), um carrinho de mão para transporte de cântaros e a fonte na qual se abastece de água. Representa um aguadeiro rural trajando à maneira de meados do séc. XX, com o braço direito pendente, empunhando um cocho de cortiça para beber água e o braço esquerdo erguido, com a mão segurando um lenço branco com que limpa o suor. Na cabeça, dois pontos negros em fundo branco, representam os olhos, encimados por dois traços castanhos de espessura diferente, que figuram as pestanas e as sobrancelhas. No nariz em relevo, estão representadas as narinas. Na boca, os lábios avermelhados igualmente em relevo. O cabelo é castanho-escuro, penteado para trás, com patilhas laterais e apresenta também volumetria, tal como as orelhas que estão a descoberto. A figura enverga calças em relevo, de cor castanha e camisa ainda em relevo, de cor cinzenta, com as mangas arregaçadas, fechada no peito por três botões brancos de forma semiesférica e é atada à frente, à moda dos eguariços. Os botins são analogamente castanhos, ainda que duma tonalidade diferente das calças.
À frente do homem encontra-se um carrinho de mão, com dois pés e dois braços, de cor castanha, sugerindo madeira. A roda com seis raios, similarmente castanhos, apresenta o aro exterior cinzento-escuro, lembrando ferro. O estrado do carrinho apresenta duas cavidades para transporte de cântaros, orladas com um anel em relevo e de cor cinzento-escuro, alvitrando borracha. No buraco da frente está encaixado um cântaro de tom avermelhado, evocando barro e cujo gargalo se encontra vedado por uma tampa de cor castanho-claro, supostamente de cortiça. O buraco de trás, está parcialmente encoberto por um chapéu aguadeiro preto, de fita igualmente preta.
A fonte, de cor branca, aparentando alvenaria caiada, tem um depósito em forma de urna ornamentada por grinaldas de flores, é encimada por uma vieira e ostenta duas gárgulas antropomórficas, tudo em relevo. Das bocas das gárgulas saem tubos de cor cinzento-escuro, aparentando ferro e dos quais jorra “água” de tom prateado. A urna está emoldurada a azul do Ultramar. Sob a bica da direita encontra-se um cântaro semelhante ao anterior, a recolher água e cuja tampa está assente no bordo da taça, em cor branca de mármore com veios.
O conjunto assenta numa base rectangular de cor verde bandeira, pintada lateralmente num tom castanho-avermelhado.
O exemplar de figurado de Estremoz aqui descrito exige uma confecção mais complexa e morosa do que o espécimen anteriormente descrito. Para além disso e já não é pouco, corresponde em termos de imaginário do seu criador, a uma ruptura com aquilo que vinha sendo feito, elevando assim a nossa barrística a um novo patamar, como já tinha acontecido na criação de outros modelos. É caso para dizer que ocorreu aqui uma mudança de paradigma, a qual se regista e se valoriza.

Hernâni Matos

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Bonecos de Estremoz: Irmãs Flores (1.ª parte)


Fig. 1 - Irmãs Flores. Perpétua (1958- ) à esquerda e Maria Inácia (1957) à direita.
Fotografia de 2018 da autoria de Luís Mendeiros. Arquivo fotográfico do autor.

A extensão do texto e o considerável
número de ilustrações, aconselhou que
fosse dividido em duas partes,
 que serão publicadas sucessivamente.
Esta é a 1.ª parte.

LER AINDA

Irmãs Flores foi o nome escolhido como barristas, pelas irmãs Maria Inácia Fonseca e Perpétua Fonseca, como forma de homenagear a sua mãe, já que dela não herdaram o apelido Pisa-Flores.
Maria Inácia Fonseca é natural de São Bento do Ameixial, Estremoz, onde nasceu a 30 de Abril de 1957. Filha legítima de João Inácio Fonseca, de 34 anos de idade, motorista, e de Matilde Augusta Pisa-Flores, também conhecida por Matilde Augusta Casaca, de 34 anos de idade, doméstica, ambos residentes no Monte do Papa Tremoços (1). Dos 12 aos 15 anos trabalhou no campo em tarefas sazonais e fora delas foi costureira. Entre 1975 e 1980 frequentou a Escola Secundária de Estremoz, onde concluiu o Curso Complementar dos Liceus (2). Em 17 de Setembro de 1977 casou catolicamente com João Alberto Mateus, comerciante, e adoptou o apelido Mateus.
Perpétua Matilde Fonseca, irmã de Maria Inácia e filha dos mesmos pais, nasceu no mesmo local, a 7 de Abril de 1958 (6). Dos 12 aos 17 anos foi cabeleireira. Entre 1975 e 1980 frequentou a Escola Secundária de Estremoz, onde concluiu o Curso Geral dos Liceus (7). Em 11 de Maio de 1985 casou catolicamente com Francisco Maria Marranita Sousa, electricista, e adoptou o apelido Sousa.

Discípulas de Mestra Sabina Santos
Maria Inácia e Perpétua são discípulas de Mestra Sabina Santos com quem começaram a trabalhar (Fig. 2), a Maria Inácia em 1972 e a Perpétua em 1975. Quando falam de Mestra Sabina Santos fazem-no com enlevo e saudade. Com ela aprenderam a arte que transmitiram a seu sobrinho Ricardo Fonseca, um barrista de corpo inteiro, que com elas trabalha, lado a lado.
Com a aposentação de Mestra Sabina Santos, em 1988, ficaram com o legado dos seus utensílios, tintas, moldes das caras e dos tronos e Bonecos mais antigos. Criaram então a sua própria oficina-ateliê, primeiro na Rua das Meiras, 8 e daí transitaram, em 1999, para o Largo da República, 16. Aqui se mantiveram até 2010, ano em que se fixaram no Largo da República, 31-32 (Fig. 1), sempre na procura de melhores condições de trabalho e de atendimento do público.
Na minha condição de etnólogo amador e autodidacta, o registo etnográfico das imagens profanas, e em particular dos personagens da faina agro-pastoril, será porventura o mais forte atractivo dos Bonecos de Estremoz, que me leva à oficina-loja das irmãs Flores, minhas vizinhas, a quem visito amiúde no Largo da República, fascinado pela magia emergente das suas mãos de barristas populares.

O Traje Popular Português 
Em 2007 lancei às Irmãs Flores o desafio de criar novos modelos de Bonecos de Estremoz, inspirados maioritariamente em aguarelas de Mestre Alberto de Sousa. O resultado foi a criação de 36 novas figuras que deram origem à colecção “O Traje Popular Português” e a uma exposição homónima que, numa iniciativa da Associação Filatélica Alentejana, esteve patente ao público de 17 de Fevereiro a 21 de Abril de 2007, no Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz.

Bonecos da Gastronomia
Como fruto de uma incursão à oficina-loja das irmãs Flores, resultou o livro “Bonecos da Gastronomia” (3), dado à estampa em 2009, numa edição da Câmara Municipal de Estremoz, por ocasião da XVII Cozinha dos Ganhões. A 1ª edição deste livro é ilustrada por 16 imagens de Bonecos das Irmãs Flores, dos quais 11 são “Bonecos da Tradição” e 5 são “Bonecos da Inovação” (Coqueira, Queijeira, Mulher a cozinhar, Padeiro e Vendedora de queijos).
A materialização do livro foi possível graças ao companheirismo do poeta António Simões, das barristas Irmãs Flores, do fotógrafo José Cartaxo e do designer Carlos Alves. A concretização duma ideia inicial minha, encheu-nos a todos de imenso júbilo e desde logo foi equacionado o desenvolvimento mais aprofundado dessa ideia.
Decorrido um ano sobre a primeira edição do livro “Bonecos da Gastronomia”, reconheci que este começou por ser um trabalho de base. Daí que numa primeira fase tivesse concluído que o conjunto dos dezasseis Bonecos que figuraram na primeira edição do livro pudesse ser estruturado, agrupando--os em cinco subconjuntos perfeitamente hierarquizados: Recolha de matérias-primas, Preparação de matérias-primas, Confecção de alimentos, Venda e distribuição de alimentos e Consumo de alimentos.
Numa segunda fase, efectuei o levantamento do que podia ser acrescentado a cada subconjunto, visando torná-lo mais completo. Depois de alguma reflexão, os “Bonecos da Gastronomia” (4), passaram a ser em número de trinta e seis, tendo sido introduzidos vinte e um novos Bonecos e abandonado outro. Desses vinte e um Bonecos, sete já pertenciam à galeria tradicional dos Bonecos de Estremoz. Os restantes catorze foram criação das Irmãs Flores. São eles: Azeitoneira, Caçador, Pescador, Roupeiro, Amassadeira, Forneira, Pisador, Manteeiro, Aguadeira da ceifa, Vendedora de criação no mercado, Taberneiro, Mondadeira a comer, Mulher ao poial dos cântaros e Homens a petiscar.
Nessa criação, efectuada com um severo respeito pela tradicional técnica de manufactura dos Bonecos de Estremoz, foi por vezes utilizada documentação do meu arquivo fotográfico, o que permitiu conferir rigor à contextualização de cada figura.

Alentejo do Passado
Em 2011 lancei às Irmãs Flores o desafio de criarem figuras que integrassem uma colecção que designei por “Alentejo do Passado”, estruturada em 8 grandes áreas, procurando dar uma visão do Alentejo do passado: Pastorícia, Colecta, Ciclo do pão, Ciclo do azeite, Ciclo do vinho, Tiragem da cortiça, Na horta, Na cidade. Esta colecção absorveu a colecção “Bonecos da Gastronomia”, mas com vista à sua concretização foram criados 34 novos “Bonecos da inovação” (Pastor a fazer colher, Ordenha de ovelhas, Tosquia de ovelhas, Roupeiro a caminho da rouparia, Ordenha de vacas, Porqueiro, Lavrador a cavalo, Semeador, Ganhão a lavrar, Mondadeira a mondar, Ceifeiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho numa eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Varejador, No rabisco, Juntando a azeitona, Vindimadora a vindimar, Vindimador a carregar cesto com uvas, Transporte de uvas no tino, Adegueiro, Tirador de cortiça, Empilhador, Carrada de cortiça, Hortelão, Hortelão a caminho do mercado, Peixeiro, Talhante, Ervanário, Brinholeira, Mulher ao pé do poço, Mulher acarretando água, Família a comer).
A colecção “Alentejo do Passado” deu origem a uma exposição homónima, de iniciativa da Associação Filatélica Alentejana e que esteve patente ao público, de 19 de Novembro de 2011 a 14 de Janeiro de 2012, no Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz. Os visitantes foram confrontados com barrística popular do mais alto nível, que regista com rigor e fidelidade o que eram as fainas agro-pastoris do Alentejo d’antanho, bem como a vida na cidade, até cerca de meados do século XX.

Memórias do Tempo das Outra Senhora
Em 2012, associando-se ao lançamento do meu livro “MEMÓRIAS DO TEMPO DA OUTRA SENHORA / ESTREMOZ--ALENTEJO”(……..), as Irmãs Flores criaram 6 novos “Bonecos da Inovação” (o Professor, o Sapateiro Joaquim António Chouriço, o Cavalinho de pau, Jogo do botão, Corrida de rodas e Jogo do pião), que passaram a integrar a colecção “Alentejo do passado”, patente ao público na Sala de Exposições da Associação Filatélica Alentejana no Centro Cultural de Estremoz.

Mudança de Paradigma
Do exposto se conclui que os “Bonecos da Inovação” vieram enriquecer (e de que maneira!), a barrística popular estremocense. Com a criação de “Bonecos da Inovação”, houve mesmo nalguns casos uma “Mudança de Paradigma”, com a nossa barrística a atingir a sua mais alta expressão, na confecção de figuras mais complexas e de execução mais morosa. Cito como exemplo figuras de “Alentejo do Passado” tais como: Ganhão a lavrar, Lagareiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Transporte de uvas no tino e Carreteiro transportando cortiça.
As Irmãs Flores estão de parabéns, pois sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo, pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude que se expressa na criação de novos modelos de Bonecos de Estremoz, que têm a ver com a nossa identidade cultural, local e regional. Por isso são embaixatrizes de vanguarda da nossa Arte Popular transtagana e a comunidade estremocense revê-se com enlevo na elevada qualidade artística do seu trabalho, o que aqui se testemunha, por ser uma verdade insofismável. Bem hajam pois, pelo deleite de espírito que nos proporcionam e que muito contribui para o reforço da identidade cultural alentejana.

Participação em certames
Até ao presente, já participaram nas seguintes feiras: Fatacil (Lagoa), Vila Franca de Xira, Pombal, FIA (Lisboa), Vila do Conde, Foz do Douro (Porto), Palácio de Cristal (Porto), Mercado Ferreira Borges (Porto), Santo Tirso, FIAPE (Estremoz) e Cozinha dos Ganhões (Estremoz). Actualmente só participam nas duas últimas.
Em Portugal têm participado em exposições individuais e colectivas no Museu Municipal de Estremoz Prof. Joaquim Vermelho, no Museu de Olaria de Barcelos e no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa. No estrangeiro expuseram em Valladolid, Nantes, Paris (Notre Dame), Bruxelas, Hamburgo, Toronto e Brasil.

Discípulos
Maria Inácia tem uma filha, Sónia Mateus (1979- ), que foi aluna da minha mulher e que é professora no Instituto Politécnico de Castelo Branco. Perpétua tem um filho, João Sousa (1986- ), que foi meu aluno e é médico. Como “Filho de peixe, sabe nadar”, os primos revelaram naturais aptidões para modelar o barro ao modo de Estremoz. Tenho na minha colecção peças modeladas por eles na juventude e com as respectivas marcas de autor.
Na oficina-ateliê das Irmãs Flores, além de trabalhar o seu sobrinho, Ricardo Fonseca, trabalha Leolinda Inácia Parreira Pereira (1966- ), uma colaboradora que se ocupa de tarefas de pintura.

BIBLIOGRAFIA
1 - Maria Inácia Fonseca - Assento de Nascimento Informatizado nº 1008 de 2009, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
2 - Maria Inácia Fonseca - Processo individual de aluna nº 4260.
3 - MATOS, Hernâni. Bonecos da Gastronomia – 1ª ed. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 2009.
4 - MATOS, Hernâni. Bonecos da Gastronomia – 2ª ed. Associação Filatélica Alentejana. Estremoz, 2010
5 - MATOS, Hernâni. Memórias do Tempo da Outra Senhora / Estremoz – Alentejo. Edições Colibri. Lisboa, 2012.
6 - Perpétua Matilde Fonseca - Assento de Nascimento Informatizado nº 676 de 2009, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
7 - Perpétua Matilde Fonseca - Processo individual de aluna nº 4263.


Fig. 2 - Sabina Santos (1921-2005) nos anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita as
discípulas Maria Inácia Fonseca (1957- ) e Perpétua Sousa (1958- ).
Fotografia de Xenia V. Bahder. Arquivo fotográfico do autor.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Figuras da faina agro-pastoril e inovação


Carreteiro transportando sacos de trigo. Irmãs Flores.

Figuras da faina agro-pastoril da tradição
A recuperação da produção de Bonecos de Estremoz, extinta desde 1921, foi concretizada em 1935 e nos anos seguintes, graças à acção do escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), que para o efeito recorreu primeiro à velha barrista Ana das Peles (1869-1945) e depois ao mestre oleiro Mariano da Conceição (1903-1959).
Uma tal recuperação incluiu as figuras que retratam as actividades agro-pastoris do Alentejo do passado e que podem ser agrupadas nos seguintes grupos:
PASTORÍCIA – Inclui: Pastor de tarro e manta, Pastor com um borrego ao ombro, Pastor com dois borregos, Pastor das migas, Pastor a comer, Maioral e ajuda a comer, Pastor do harmónio, Mulher dos carneiros, Mulher dos perus, Mulher das galinhas, Matança do porco e Mulher dos enchidos.
CICLO DO PÃO – Inclui: Ceifeira.
CICLO DO AZEITE – Inclui: Mulher da azeitona.
Todos estas figuras são “Bonecos da tradição”, possuem todas elas os seus próprios atributos e ainda são modeladas na actualidade por barristas seguidores da estética de Sá Lemos.

Figuras da faina agro-pastoril e inovação
Para além das figuras atrás referidas, existe um número considerável de outras, retratando igualmente as actividades agro-pastoris do Alentejo do passado, as quais foram criadas por iniciativa dos barristas ou por sugestão de coleccionadores ou de estudiosos da barrística popular estremocense.
Fruto de um levantamento por mim efectuado, decerto correndo o risco de omissões, dada a complexidade do levantamento, identifiquei 81 dessas figuras, as quais por oposição às anteriores, são designadas por “Bonecos da inovação”. Tais figuras distribuem-se por 8 grandes áreas da actividade agro-pastoril, a saber:
- COLECTA: Caçador, Pescador.
- PASTORÍCIA: Pastor sentado a fazer uma colher, Pastor junto à fogueira, Pastor de tarro e alforge, a comer sentado, Pastor de barrete com alforge ao ombro, Pastor com alforge e cornas, Pastor de capote com cabeça descoberta, Pastor de capote com cão, Pastor de capote com tarro e manta, Pastor com tarro, Pastor de colete com tarro e manta sentado, Pastor deitado debaixo da árvore a tocar gaita de beiços, Pastor sentado debaixo da árvore com borregos, Pastor a dormir a sesta debaixo da árvore com borregos, Pastor a fazer as migas de cabeça descoberta, Pastor de tarro e manta com corna e barril a comer, Pastor sentado a limpar o suor, Pastor na choça, Pastor a tirar água do poço, Ordenha de ovelhas, Tosquia de ovelhas, Mantieiro, Roupeiro a caminho da rouparia, Homem a ordenhar vaca, Mulher a ordenhar vaca, Roupeiro na rouparia, Porqueiro, Matança do porco e mulheres dos enchidos, Mulher dos enchidos junto à chaminé, Vendedora de criação a caminho do Mercado.
- CICLO DO PÃO: Lavrador abastado, Ganhão a lavrar, Semeador, Mondadeira, Mondadeira a mondar, Mondadeira a comer, Mondadeira sentada a descansar, Ceifeiro, Ceifeiro com alforge e canudos, ceifeira com canudos, Ceifeira sentada, Aguadeira da ceifa, Coqueira, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro junto ao moinho, Moleiro a entregar sacos de farinha, Amassadeira, Forneira.
- CICLO DO AZEITE: Varejador, No rabisco, Juntando a azeitona, Rancho do acabamento, Lagareiro.
- CICLO DO VINHO: Vindimadora a vindimar, Vindimadora, Vindimador a carregar cesto com uvas, Transporte de uvas no tino, Pisadores, Taberneiro,
- CICLO DA CORTIÇA: Tirador de cortiça, Empilhador, Carreiro transportando cortiça.
- NA HORTA: Hortelão a cavar, Carroça com hortelão a caminho do mercado.
- NO MONTE: Namoro junto ao poço, Mulher ao pé do poço, Mulher a transportar água à cabeça, Mulher ao poial dos cântaros, Aguadeiro rural, Mulher com taleigo e cesto de ovos, Fiandeira com cesto de ovos na cabeça, Cozinha dos ganhões, Família a comer, Serão rural à lareira, Mulher a bordar, Mulher a fazer meia, Bailarico rural.

O contributo da Irmãs Flores
A esmagadora maioria destes “Bonecos da inovação” (54 num total de 81) foram criados pelas barristas Irmãs Flores (1957,1958 - ), criação à qual não sou estranho e convém explicar porquê.
Colecciono Bonecosde Estremoz há mais de 40 anos, pelo que a minha insaciável curiosidade intelectual me levou à condição de investigador da Barrística Popular Estremocense. Trata-se de uma temática multidimensional, que me interessa nos seus múltiplos aspectos. Um deles é o registo etnográfico contido nas figuras que representam os personagens das fainas agro-pastoris do Alentejo de finais do séc. XIX – meados do séc. XX.
Em 2009 publiquei o livro “Bonecos da Gastronomia”, ilustrado com 16 imagens de Bonecos de Estremoz da temática homónima, por mim encomendados às Irmãs Flores, dos quais 11 eram “Bonecos da tradição” e 5 eram “Bonecos da inovação”. O livro foi reeditado em 2010, reproduzindo então 36 figuras da mesma temática, todas elas encomendadas às Irmãs Flores, das quais 16 eram “Bonecos da tradição” e 20 eram “Bonecos da inovação”.
Em 2011 lancei às Irmãs Flores o desafio de criarem Bonecos que integrassem uma colecção que designei por “Alentejo do Passado”, que registasse com rigor e fidelidade o que eram as fainas agro-pastoris do Alentejo de finais do séc. XIX – meados do séc. XX, estruturada em 8 grandes áreas: Colecta, Pastorícia, Ciclo do pão, Ciclo do azeite, Ciclo do vinho, Ciclo da cortiça, Na horta, Na cidade. Esta colecção absorveu a colecção “Bonecos da Gastronomia” e com vista à sua concretização, foram criados 34 novos “Bonecos da inovação”. A colecção “Alentejo do Passado” integrou assim 54 “Bonecos da inovação”, todos eles criados pelas Irmãs Flores, muitas vezes recorrendo ao meu arquivo fotográfico e documental, o que permitiu conferir rigor à contextualização de cada figura.
A criação dos “Bonecos da inovação” de que venho falando, veio enriquecer (e de que maneira!), a barrística popular estremocense. Nalguns casos ocorreu mesmo uma mudança de paradigma, com a nossa barrística a atingir a sua mais alta expressão, na confecção de figuras mais complexas e de execução mais morosa. Cito como exemplo, figuras como: Ganhão a lavrar, Lagareiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Transporte de uvas no tino e Carreteiro transportando cortiça. Na altura, tive a oportunidade de escrever: “As Irmãs Flores estão de parabéns, pois sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo, pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude que se expressa na criação de novos modelos de Bonecos de Estremoz, que têm a ver com a nossa identidade cultural, local e regional.”

Outros contributos
A seguir às Irmãs Flores, o barrista que mais inovou no número de figuras do âmbito agro-pastoril foi José Moreira (1926-1981) com um modo de representação igualmente popular como as Irmãs Flores, ainda que com um estilo bastante diferente. Segue-se o barrista Rui Barradas (1953- ) com um modo de representação mais erudito, seguido de Jorge da Conceição (1963- ), expoente máximo da representação erudita. 

Balanço Final
À semelhança do que se passou com as Imagens Devocionais e com os Presépios, creio ter ficado comprovado de uma forma clara, o papel desempenhado pela inovação como agente de enriquecimento e valorização do domínio das figuras da faina agro-pastoril.

Hernâni Matos 

Publicado inicialmente em 26 de Setembro de 2020


Namoro junto ao poço. Afonso Ginja.

Serão rural. Afonso Ginja.

Pastor de barrete com alforge ao ombro. Aclénia Pereira.

Pastor deitado debaixo da árvore a  tocar gaita de beiços. Aclénia Pereira.

Pastor sentado a limpar o suor. Aclénia Pereira.

Mulher a ordenhar vaca. Aclénia Pereira.

Ceifeiro. Duarte Catela.

Caçador. Irmãs Flores.

Pescador. Irmãs Flores.

Mantieiro. Irmãs Flores.

Tosquia de ovelhas. Irmãs Flores.

Roupeiro. Irmãs Flores.

Mondadeira a mondar. Irmãs Flores.

Mondadeira a comer. Irmãs Flores.

Ceifeiro a ceifar. Irmãs Flores.

Carreteiro transportando sacos de trigo. Irmãs Flores.

Moleiro junto ao moinho. Irmãs Flores.

Moleiro a entregar sacos de farinha. Irmãs Flores.

Amassadeira. Irmãs Flores.

Forneira. Irmãs Flores.

Família a comer. Irmãs Flores.

Vindimadeira. Irmãs Flores.

Transporte de uvas no tino. Irmãs Flores.

Pisadores. Irmãs Flores.

Taberneiro. Irmãs Flores.

Carreteiro transportando cortiça. Irmãs Flores.

Pastor de tarro e manta com capote. Isabel Pires.

Pastor de capote com cão. Isabel Pires.

Lavrador abastado. Jorge da Conceição.

Pastor com tarro. Jorge da Conceição.

Pastor com alforge e cornas. Jorge da Conceição.

Mondadeira. Jorge da Conceição.

Ceifeiro e ceifeira com canudos. Jorge da Conceição.

Aguadeiro rural. Jorge da Conceição.

Mulher a transportar água à cabeça. Jorge da Conceição.

Pastor a tirar água do poço. José Moreira.

Pastor sentado debaixo da árvore com borregos. José Moreira.

Pastor a dormir a sesta debaixo da árvore com borregos. José Moreira.

Fiandeira com cesto de ovos na cabeça. José Moreira.

Mulher dos enchidos junto à chaminé. José Moreira.

Varejador. José Moreira.

Tirador de cortiça. José Moreira.

Camponesa de taleigo e cesto de ovos. Liberdade da Conceição.

Coqueira. Quirina Marmelo.

Cozinha dos ganhões. Quirina Marmelo.

Pastor de capote, de cabeça descoberta. Rui Barradas.

Pastor de colete com tarro e manta, sentado. Rui Barradas.

Pastor a fazer as migas, de cabeça descoberta. Rui Barradas.

Pastor de tarro e manta, com corna e barril, a comer. Rui Barradas.


Pastor junto à fogueira. Rui Barradas.

Mondadeira sentada. Rui Barradas.


Ceifeira sentada. Rui Barradas.

Mulher a fazer meia. Rui Barradas.

Mulher a bordar. Rui Barradas.

Matança do porco e mulheres dos enchidos. Ricardo Fonseca e Vasco Fonseca.

Porqueiro. Sabina da Conceição.

Semeador. Sabina da Conceição.