Cântaro de barro de Estremoz (altura: 40 cm; diâmetro máximo:68 cm) com cerca de 5 litros de capacidade. Fabrico da Olaria Alfacinha (Anos 40 do séc. X). Decoração com folhas, bolotas e ramos de sobreiro moldados em barro e colados à superfície, conjugados com algum polimento daquela. A própria asa é uma pernada de sobreiro. No lado oposto, o brasão de armas de Estremoz. Colecção do autor.
O Alentejo teve importantes centros oleiros, dos quais se destacam: Flor da Rosa, Nisa, São Pedro do Corval, Viana do Alentejo, Redondo e Estremoz. Aqui se produziu ou ainda se produz, todo o tipo de vasilhame destinado a uso doméstico, nomeadamente o destinado a conter água.
Dantes, todas as casas tinham na cozinha, um poial dos cântaros, onde os tamanhos mais correntes eram “a terceira” (15 litros) e a quarta (10 litros). Aí se ia buscar à fonte ou ao poço, a água destinada ao consumo doméstico. Nos poiais, lá estavam gravados muitas vezes, a cruz e o signo-saimão, símbolos mágicos de protecção contra o mau-olhado e o quebranto. Estes símbolos podiam aparecer igualmente gravados nos cântaros ou nas suas tampas de cortiça.
Para além dos cântaros, existiam ainda recipientes para água de menores dimensões, como as bilhas, os moringues, as garrafas de água e os barris.
As bilhas (de 1 a 2 litros) e os moringues (1 a 3 litros) permitiam levar água à mesa da refeição. Já as garrafas de água (1 a 2 litros) eram mais destinadas a ter na mesinha de cabeceira, para uso nocturno. Quantos aos barris (1 a 2 litros), destinavam-se a ser usados em viagem ou levados para o local de trabalho, usando um cordel que os permitia transportar ao ombro ou a tiracolo. Eram também usados nos carros de tracção animal, protegidos por um invólucro tecido com esparto, num receptáculo existente no exterior do carro.
Em Nisa, o vasilhame sempre foi decorado com minúsculos seixos de quartzo, embutidos no barro, formando arabescos que lhe conferem o ar de fino bordado. Já em Estremoz, sempre houve três tipos de decoração do vasilhame para água:
- o riscado, de aspecto mais rústico, tendo colado meniscos convexos de argila, decorados com minúsculos seixos de quartzo;
- o polido, com uma decoração mais fina e requintada, que joga com o contraste entre a superfície baça e os motivos que foram polidos;
- folhas, bolotas e ramos de sobreiro, moldados em barro e colados à superfície, conjugados com algum polimento daquela.
Antes da vulgarização dos frigoríficos, o vasilhame de barro era a garantia de se ter em casa, água fresca que nos permitisse dessedentar nos dias de Verão. O barro é poroso, pelo que a água contida no interior do recipiente, chega à superfície por capilaridade. Daqui se evapora por acção do calor, o que consumindo energia, faz baixar a temperatura no interior do recipiente. Este abaixamento de temperatura é directamente proporcional à massa de água evaporada e inversamente proporcional à massa de água contida na vasilha. Os cálculos revelam que ao evaporar-se 1 decilitro de água de um recipiente, que passe então a ficar com 1 litro dela, a temperatura desta baixa 5,4 º C. É a magia da natureza. E como é saborosa a água contida em recipientes de barro, sobretudo de barro novo, que se desfaz em fino pó.
A vulgarização dos frigoríficos deu uma facada de morte nos oleiros, que já tinham levado outra com a implementação dos recipientes de alumínio, a substituir a loiça vidrada. Por isso, os oleiros que resistem, vivem hoje, em parte, da louça decorativa que, por vezes, lá vão vendendo.
Num cântaro assim até a água sabia melhor!
ResponderEliminarBeber tem arte com a dimensão exacta de quem numa descontinuidade neuronal, teve mestria para atingir um pico de corrente, que se traduziu num acto criativo. É a criatividade de quem concebeu o vasilhame que viabilizou o acto de beber.
ResponderEliminarTodavia a arte não acaba aqui. Há a considerar também a arte do bebedor, seja ele um baptista beberricador de água ou um cultor de Baco,como é frequente na cultura mediterrânica, que é uma cultura báquica. Qualquer delas é uma arte do emborca, do bota abaixo, que todavia não é indiferente à arte do criador do vasilhame. E a beleza deste estimula e potencia o acto de beber...
Em muitas zonas do Alentejo. Os barris para transporte de água em carros de tracção animal, eram transportados em caixas de cortiça forradas com uma saca encharcada e adaptada ao tendal do carro.
ResponderEliminarA secular sabedoria popular sempre foi uma infinita fonte de engenho e arte.
EliminarObrigado pelo seu comentário, que valoriza este post.
Fico sempre encantada aqui com o seu blog onde se aprende tanta coisa.Com ele regresso ao Alentejo dos meus avós . Um abraço, bem haja
ResponderEliminarLaura Caeiro Vargas
Laura:
EliminarObrigado pelo seu comentário.
É gratificante saber que os amigos apreciam o que escrevemos. é um estímulo para continuar.
A arte manual é a mais genuína sabedoria das mãos que moldam a imagem ditada pela alma, sonhada pelo artista.
ResponderEliminarAs cantarinhas são um dos exemplos. O barro é material de
eleição de muitos artistas, pela sua maleabilidade de trabalhar. Aprecio sempre com muito interesse os seus registos professor Hernâni já é um sucesso o seu blogue. Muito obrigada por partilhar os seus saberes.
Rosa Casquinha
Rosa:
ResponderEliminarCongratulo-me com as suas palavras, que como as doutros amigos, são um estímulo para prosseguir.
Graças a Deus que ainda existem Portugueses como o Sr. com amor pelo que fazem e que não deixam morrer a nossa cultura (neste caso tralhar o barro). Parabéns.
ResponderEliminarConceição Correia (natural de Retaxo aldeia Beirã).
Conceição:
ResponderEliminarO que a gente faz, nunca é demais.
Um abraço para si:
Hernâni