ESTUDO
PARA O "VIRA" (1904). Alfredo Roque Gameiro (1864-1935). Aguarela
sobre
papel (39 x 26,5 cm ).
Museu de Aguarela Roque Gameiro (Minde).
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As palavras são multifacetadas como as
pedras preciosas. Podem ser encaradas sob vários ângulos. Podem significar uma
coisa ou outra, ou mesmo quase coisa nenhuma.
As palavras têm o seu próprio visual. Há palavras elegantes e
outras que não o são tanto. Há mesmo palavras deselegantes.
As palavras têm a sua própria sonoridade. Há palavras ruidosas,
como as há graves ou melodiosas. Há palavras que fazem eco e outras que
esbarram contra muros de silêncio.
As palavras têm cheiro. Há palavras que fedem a distância, tal
como as há aromáticas, constituídas por agradáveis e subtis fragrâncias.
As palavras têm sabor. Há palavras doces, tal como as há azedas,
amargas ou ácidas.
As palavras são tácteis. Há palavras macias e mesmo aveludadas,
mas também há palavras ásperas, como as há peganhentas e mesmo viscosas.
Há palavras terrestres, como as há aéreas, subterrâneas e
aquáticas.
As palavras são caminheiras que se deslocam entre as margens do
papel.
As palavras são mariposas que cruzam os ares, entre bocas e
ouvidos.
As palavras em movimento geram correntes, ondas e turbilhões.
As palavras geram movimentos de apoio e de solidariedade, mas
também de repulsa.
As palavras permitem saltar obstáculos e mesmo mover montanhas.
As palavras têm a sua própria velocidade. Há palavras lentas, tal
como as há velozes.
As palavras têm o seu tempo próprio, não devem ser ditas antes,
nem depois dele.
As palavras têm uma aceleração própria. Há palavras cadenciadas,
como as há acelerantes ou atrasadoras.
As palavras têm forma, umas são angulosas e outras são redondas,
já que não tem ponta por onde se lhes pegue.
As palavras têm simetria ou não. Há palavras simétricas e palavras
assimétricas.
As palavras têm cor. Umas são mais coloridas, outras mais
cinzentas e mesmo negras. Há mesmo palavras para todas as cores do espectro do
arco-íris.
As palavras têm tamanho. Umas são curtas como a polegada, outras
são compridas como a légua da Póvoa.
As palavras têm volume. Umas são como senhoras anafadas, outras
como modelos anorécticos.
As palavras têm peso. Umas são pesos leves e outras, pesos
pesados, tal como no boxe.
As palavras não têm todas igual densidade. Há palavras maciças,
como há palavras balofas e mesmo ocas. As mais compactas submergem no texto,
enquanto que as de compactidade reduzida, flutuam à flor do texto.
As palavras têm força. Há palavras fortes e palavras fracas.
As palavras têm potência. Umas são potentes, outras nem tanto e
outras são mesmo impotentes.
A eficácia das palavras é variável. Umas são eficazes, outras não.
As palavras não têm todas a mesma duração. Há palavras imortais,
como as há duradouras e breves. Há mesmo palavras que já ultrapassaram o prazo
de validade.
As palavras não têm todas a mesma temperatura. Há palavras escaldantes,
mas também as há cálidas, mornas, frias e gélidas.
Jornal
E nº 182 – 27-07-2017
Publicado inicialmente em 27 de Julho de 2017
Publicado inicialmente em 27 de Julho de 2017
Lindo texto sobre o "elogio das palavras". Parabéns!
ResponderEliminarCongratulo-me com a apreciação que fez do meu texto. O mesmo integra um conjunto de três sobre o mesmo tópico, os quais vão ser reeditados de seguida.
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