quinta-feira, 19 de março de 2015

Morra o saco de plástico! Morra! Pim!

Rua Vitor Cordon, Estremoz, 1955. Fotografia de Henri Cartier-Bresson.
Ao fundo do lado esquerdo, um camponês carrega dois taleigos.

Desde tempos imemoriais que nas suas deslocações, o Homem teve necessidade de transportar mercadorias e entre elas, alimentos. Para tal, com a sua imaginária inventou sabiamente recipientes que facilitavam o seu transporte e que eram fáceis de manufacturar a partir daquilo que a Terra dá: - cestos de vime ou de cana; - alcofas de esparto, sisal, palha ou ráfia; - alforges de lã ou de couro; - taleigos de linho, lã, algodão ou seda, muitas vezes confeccionados por mãos femininas a partir de retalhos ou primorosamente bordados.
Quando se danificavam e ficavam impedidos de cumprir a sua missão, eram lançados à Terra Mãe que os tinha gerado e cujas entranhas, após degradação, passavam de novo a integrar:  “Todos saem do pó e para o pó voltam (Eclesiastes 3:20).
A utilização de recipientes como cestos, alcofas, alforges e taleigos está profusamente documentada nas iluminuras que ilustram os códices medievais e renascentistas, bem como em quadros pintados nos séculos posteriores.
Em meados do século passado, era vulgar a utilização de qualquer daqueles recipientes. Do mercado trazia-se fruta num cesto e batatas e hortaliça numa alcofa. Havia um taleigo para o pão, outro para os queijos, bem como outro para o feijão ou para o grão. Pagava-se com moedas ou notas que se traziam num taleigo dentro dum bolso. Eu, puto de bibe e de pião, tinha um taleigo para os berlindes e outro para os botões.
Nas mercearias e drogarias, as mercadorias eram embaladas em cartuchos de papel ou embrulhadas nele. O mesmo se passava com os medicamentos nas farmácias. Nas retrosarias, os tecidos, os acessórios ou a roupa confeccionada, eram embrulhados em papel.
Dos locais de compra, as mercadorias eram transportadas em taleigos, cestos ou alcofas, que se levavam de casa. E a vida lá ia decorrendo, em equilíbrio harmónico do Homem com a Terra Mãe. Todavia, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, foi assumindo importância crescente a nível mundial, uma matéria-prima conhecida genericamente por plástico, a qual por ganância da indústria química, passou a ser utilizada em tudo e mais alguma coisa, nomeadamente no fabrico de sacos de plástico.
Por influência maléfica do marketing agressivo daquela indústria, os comerciantes avalizam então uma política de utilização dos sacos de plástico, vantajosa para os fabricantes. É veiculada a mensagem errónea de que é chique ir às compras, de mãos a abanar, porque lá nos dão sacos de plástico. Como se o custo dos sacos não estivesse incluído no valor da transacção. Porém, toda a moeda tem duas faces. Foi assim que os cientistas descobriram que na prática, o plástico deve ser considerado como não biodegradável, uma vez que o seu tempo de decomposição, oscila entre os 100 e os 500 anos, dependendo do tipo de plástico. Uma tal estimativa, traduz a dificuldade de o plástico se fundir com a Terra Mãe, a qual irreversivelmente irá poluir, quebrando o ancestral equilíbrio harmónico entre os materiais perecíveis e a Natureza. Foi então que a responsabilidade social dos cientistas, os induziu a advogar a reciclagem do plástico, bem como o abandono do seu uso.
Em nome da sobrevivência, a civilização que inventou o saco de plástico, vê-se forçada a marginalizá-lo e a substitui-lo por produtos amigos do ambiente. É caso para dizer:
- VIVA O TALEIGO! VIVA!
- MORRA O SACO DE PLÁSTICO! MORRA! PIM!


A barrista Liberdade da Conceição (1913-1990), pintando Bonecos de Estremoz
na Exposição do Mundo Português. Do lado esquerdo da cadeira está  pendurado
 um taleigo. Imagem do filme "A Grande Exposição do Mundo Português (1940)",
de António Lopes Ribeiro

segunda-feira, 16 de março de 2015

21 - Os Bonecos de Estremoz na Exposição do Mundo Português

A barrista Liberdade da Conceição na Exposição do Mundo Português.

A "Exposição do Mundo Português", foi um evento de grande dimensão e impacto, que se realizou em Lisboa, de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940. Visava comemorar simultaneamente as datas da Fundação do Estado Português (1140) e da Restauração da Independência (1640). Estava implantada entre a margem direita do rio Tejo e o Mosteiro dos Jerónimos, ocupando cerca de 560 mil metros quadrados.
António Ferro (1895-1956), Secretário-Geral da Comissão Executiva da Exposição, era próximo de José Maria de Sá Lemos (1892-1971), Director da Industrial António Augusto Gonçalves. Por isso, esteve em Estremoz, onde convidou Mariano da Conceição (1903-1959) a participar na Exposição. Este não o pôde fazer presencialmente, dada a sua condição de funcionário público, uma vez que era Mestre de Olaria naquela Escola. Todavia, participou indirectamente, já que os bonecos confeccionados por ele em Estremoz, eram transportados para Lisboa, onde na Exposição eram pintados por sua mulher, Liberdade da Conceição (1913-1990), que ali esteve presente durante todo o período da mesma.  No filme "A Grande Exposição do Mundo Português (1940)", de António Lopes Ribeiro, vê-se aquela barrista, vestida de camponesa, a pintar bonecos de Estremoz. Estes foram na Exposição do Mundo Português, o ex-líbris de excelência da cidade que lhes deu o nome, bem como os melhores embaixadores da nossa Arte Popular e da nossa identidade cultural local e regional. Foram também a prova insofismável de que na nossa terra existiam criadores populares de elevado gabarito. A mensagem transmitiu-se através do feedback de cerca de 3 milhões de visitantes, originários dos mais distintos locais, não só de Norte a Sul do país, como também das Ilhas e mesmo das Sete Partidas do Mundo.
Os bonecos de Estremoz, até então relativamente pouco conhecidos, adquiriram por mérito próprio e muito justamente, grande notoriedade pública. Foram eles que desalojaram a nossa Arte Popular do estatuto comezinho em que se encontrava acantonada e lhe conferiram dimensão humana à escala planetária.
Com a Exposição do Mundo Português houve uma mudança de paradigma na produção de bonecos de Estremoz. Mariano da Conceição resolveu dar uma inflexão à sua actividade. Até ali só manufacturava bonecos na Escola. A partir daí, passa também a executá-los em casa e a comercializá-los em diversos locais de Estremoz. Demonstra assim que a produção de figurado é uma actividade viável, abrindo caminho para aqueles que se lhe seguiram, após a sua morte prematura em 1959.

terça-feira, 10 de março de 2015

Fé precisa-se!

O oleiro Mariano da Conceição (1903-1959) a trabalhar na roda,
em Março de 1931.

Os Bonecos de Estremoz
Estremoz é terra de bonequeiras, cuja arte remonta ao século XVII. Apesar de chegar a ter sido dada como extinta, a manufactura de bonecos de Estremoz não se perdeu, fruto da acção de Sá Lemos, director nos anos 30 do século passado, da Escola Industrial António Augusto Gonçalves. Para tal contou com a colaboração de ti Ana das Peles e do oleiro Mariano Augusto da Conceição.
Em boa hora, o Município candidatou a Património Cultural da Humanidade, a “Produção de Figurado em Barro de Estremoz”. Esta está em fase de consulta pública desde o passado dia 25 de Fevereiro e terá a duração de 30 dias. A iniciativa é da Direcção Geral do Património Cultural e visa a sua ulterior inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. Trata-se de um marco importante e indispensável à Candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade,a qual todos  desejamos seja coroada de êxito.

A Olaria
À semelhança do figurado é igualmente rica e diversificada a produção oleira de Estremoz. Assim o atestam os acervos do Museu Municipal e do Museu Rural de Estremoz: peças com diferentes funcionalidades, geometrias, técnicas de fabrico e de decoração. Algumas delas pela sua nobreza, viram parentes suas ser dignas de figurar à mesa de reis.
A referência mais antiga aos barros de Estremoz remonta ao foral de D. Afonso III, seguindo-se-lhe o foral de D. Manuel I. Daqui para diante as referências histórico - literárias são múltiplas: António Caetano de Sousa, Giovanni Battista Venturini, Francisco de Morais, Inventário de D. Joana (irmã de Filipe II), correspondência de Filipe II, Padre Carvalho, Francisco da Fonseca Henriques, João Baptista de Castro, Duarte Nunes de Leão, D. Francisco Manuel de Melo, Alexandre Brongniart e Carolina Michaëlis de Vasconcelos, entre outros.
Os barros de Estremoz têm sido cantados pelos nossos poetas eruditos: Camões, Gil Vicente, António de Vilas Boas e Sampaio, António Sardinha, Celestino David, Maria de Santa Isabel, Guilhermina Avelar e António Simões. Mas não só os poetas eruditos têm tomado a olaria como tema de composições, o mesmo se passando com os nossos poetas populares.
No decurso do tempo, a olaria de Estremoz tem sido igualmente objecto de estudos etnológicos e etnográficos, dos quais salientamos, os de Leite de Vasconcelos, Virgílio Correia, D. Sebastião Pessanha, Luís Chaves, Azinhal Abelho, Solange Parvaux e Joaquim Vermelho.
Tudo isto não aconteceu por acaso, uma vez que Estremoz já foi um importante centro oleiro do Alto Alentejo. Hoje resta uma única olaria que já não labora, limitando-se a escoar alguma produção que ainda tem em stock.
Correndo o risco de ser acusado de perfilhar o mito sebastianista, direi que Estremoz está à espera que surja um novo Sá Lemos, que faça renascer a olaria local, qual Fénix renascida das cinzas. Até lá, Fé precisa-se.


O oleiro Mariano da Conceição (1903-1959) a desenfornar,
em Março de 1931.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Bonecos de Estremoz em alta

 Primavera.
Oficinas de Estremoz (séc. XIX).
Colecção particular. 

Bonecos de Estremoz: Etnografia e Arte
Este o título do livro a ser lançado hoje, dia 5 de Março, pelas 18 horas, na Sala de Convívio da Sociedade de Geografia de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, 100. O livro é da autoria do Mestre José Fernando Reis de Oliveira e a apresentação será feita pelo Professor João Pereira Neto.
Darei mais informação sobre a obra quando tiver um exemplar na minha posse.
Bonecos de Estremoz em selos
O website dos Correios de Portugal informa que o plano de emissões filatélicas de 2015 contempla a emissão “BONECOS DE BARRO TRADICIONAIS”, que inclui um selo cujo motivo é um boneco de Estremoz. Apesar dos esforços desenvolvidos não consegui até ao momento reunir mais elementos sobre o assunto: data da emissão, taxas e motivos dos selos, designer dos mesmos e locais onde serão apostos carimbos de 1º dia. Informarei o leitor quando obtiver resposta a estas questões.
A candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
A “Produção de Figurado em Barro de Estremoz” está em fase de consulta pública desde o passado dia 25 de Fevereiro e terá a duração de 30 dias. A iniciativa é da Direcção Geral do Património Cultural e visa a sua ulterior inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.
A consulta de todos os elementos constantes do processo de inventariação pode ser efectuada através do website MatrizPCI (http://www.matrizpci.dgpc.pt/ ).
A apresentação de observações poderá ser efectuada através daquele endereço web ou endereçada por correio registado, à Direcção Geral do Património Cultural, Palácio Nacional da Ajuda, 1349-021 Lisboa.
Finda a consulta pública, no prazo de 120 dias aquela entidade decidirá sobre o pedido do Município de Estremoz no sentido de o figurado local ser incluído no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. Trata-se de um marco importante e indispensável à Candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade.


Senhora de pézinhos.
Oficinas de Estremoz (séc. XIX).
Colecção particular.

Pastor a comer.
Oficinas de Estremoz (séc. XIX).
Colecção particular. 

Sargento a cavalo (assobio).
Oficinas de Estremoz (séc. XIX).
Colecção particular. 

Universidade Sénior de Sousel

A mesa do Encontro. Hernâni Matos, Zulmira Baleiro e Joana Reis. 

A Universidade Sénior de Sousel vem promovendo mensalmente encontros com pessoas de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes saberes, sob a epígrafe “Uma Conversa por mês”. Desta feita, coube-me a mim responder à chamada. Assim, no passado dia 24 de Fevereiro lá estive pelas 15 horas no Auditório Municipal de Sousel. Na mesa e a meu lado, as dinamizadoras, professoras Joana Reis e Zulmira Baleiro. Na sala, a presença de cerca de 4 dezenas de pessoas.
A minha conversa subordinou-se ao tema “Quando um texto é um pretexto – Experiências de escrita” e foi acompanhada de projecções.
Comecei por falar da escrita em si e no que ela representa para mim: a necessidade de comunicar e de partilhar com os outros, estados de alma, ideias, emoções e sentimentos, procurando dar o que de melhor há em mim e me povoa a mente. Chamei a atenção para o facto de que a gestação dum texto nem sempre é fácil, já que por vezes há que criar algo, a partir de pouco mais que coisa nenhuma. Por isso não se pode escrever a metro, como quem enche chouriços. Há que ser artesão das palavras.
Falei seguidamente das minhas experiências de escrita (jornalismo, poesia, blogue, livros) explicando que muitas vezes os textos surgem como transmutação de imagens, sejam elas fotografias, postais ilustrados, arte pastoril, bonecos de Estremoz ou peças de olaria. Exemplifiquei com 2 textos meus: “A menina quer bailar?” e “Uma cigarreira real?”, elaborado o primeiro a partir de um postal ilustrado do início do séc. XX e o segundo a partir de uma peça de arte pastoril datada de 1875.
A finalizar, enumerei os temas que me são gratos abordar. Entre eles estão a gastronomia, o trabalho e o amor. Fui assim conduzido à leitura sucessiva de 3 textos meus: “A Santa Inquisição e o assado de borrego”, “Cristina Malaquias: A visão mágica das coisas” e “A todas as mulheres do mundo”.
Seguiu-se um bate-papo informal e uma conclusão desde logo evidente é que não se pode parar. Parar é morrer. Falámos ainda de temas gratos a todos os presentes, tais como Protecção do Meio Ambiente, Reciclagem e Defesa do Património.  Foi uma tarde gratificante para todos.

(Fotografias de Carla Baptista)

Os participantes no Encontro.

quarta-feira, 4 de março de 2015

20 - Ricardo Fonseca, o benjamim dos barristas

Porco – Paliteiro (2014). 
Ricardo Fonseca (1986-  ).
Colecção particular.
  
Paliteiros zoomórficos constituem a mais recente produção do figurado de Estremoz. Trata-se de uma criação do jovem barrista Ricardo Fonseca.
Natural de Estremoz, onde nasceu há 29 anos, o artesão tem o 12º ano de escolaridade, tendo cursado Artes na Escola Secundária Rainha Santa Isabel. Sobrinho das Irmãs Flores, logo em criança se sentiu atraído pelo trabalho das tias e começou a manusear o barro, usando a técnica tradicional dos bonecos de Estremoz. Quando saiu da Escola em 2005, começou a trabalhar com elas na oficina-loja do Largo da República. A manufactura de bonecos passou então, de brincadeira a actividade profissional, executada com prazer e igualmente com grande paixão, o que o leva por auto-desafio a criar imagens cada vez mais complexas.
Na opinião de Ricardo, as pessoas gostam dos Bonecos de Estremoz, não só pela sua singularidade, como pelo facto de reflectirem fielmente a identidade cultural alentejana.
Habitualmente e conforme as encomendas, faz de tudo um pouco, dentro e fora do núcleo central do figurado de Estremoz. Todavia, hoje em dia, o que tem mais procura são modelos como “O Amor é Cego”, “Primavera”, “Rainha Santa Isabel” e “Presépios”, tanto clássicos como mais populares ou mais estilizados. São estas as peças que mais confecciona. A sua aquisição é feita por todo o tipo de pessoas, oscilando os preços entre os 20 e os 250 euros.
Para além de inúmeros presépios, cujas particularidades se torna difícil descrever, são de sua criação, figuras das quais as mais recentes são: “ O professor”, “Fernando Pessoa”, “Cavaleiro Tauromáquico”, “Forcado” e “Rainha Santa Isabel alimentando um pobre”. As suas marcas de autor são múltiplas: - “Ricardo Fonseca” com ou sem data ou com data e “Estremoz”, manuscritas e com iniciais maiúsculas; - RF com ou sem data, pintado em cor variável.
De parceria com as tias tem executado exemplares como “Coreto Municipal”, “Presépio de Galinheiro” e “Jogador de bilhar”.
Tem participado em exposições colectivas, não só em Estremoz, como em Espanha e Itália, assim como em Feiras de Artesanato (FIAPE e a FATACIL), no stand das tias. Ganhou o 1º Prémio no Concurso de Barrística “Rainha Santa Isabel”, promovido pelo Município de Estremoz no decurso da FIAPE 2011.
Se tivesse que se dedicar à manufactura de um único tipo de artefactos, escolheria os Presépios, já que estes possibilitam um número ilimitado de cenários, o que se torna estimulante, sob um ponto de vista criativo.



LEGENDA DA FIGURA