quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A criação na Mitologia Popular

VENDEDORA DE CRIAÇÃO A CAMINHO DO MERCADO
Boneco de Estremoz da autoria das Irmãs Flores

O termo “criação”, designa o conjunto de todas as aves domésticas (galo, galinha, frango, franga, pinto, peru e pato).
A presente colectânea de superstições populares sobre a “criação”, que culmina a nossa pesquisa em três fontes bibliográficas distintas, cujos autores as recolheram da tradição oral, mostra mais uma vez a riqueza da Mitologia Popular Portuguesa:
Sistematizámos o material identificado, em três grandes grupos:
- GALINHAS
- GALOS
- OVOS
Passemos cada um deles, em revista:

GALINHAS
- Quando se põem as galinhas a pastar, para que regressem cedo é conveniente esfregar-lhes as patas na lareira, dizendo: - “Para casa a horas!” [1]
- A fim de que as galinhas não se percam, esfrega-se-lhes o rabo pelo lar, dizendo:

“Se eu te procurar,
Aqui te venha encontrar.
Que cresças no forno e fora do forno,
E os meus inimigos, que comam um corno.” [1]

- Se as galinhas se espiolham, é sinal de chuva. [3]
- Se os galos e as galinhas cantam muito, é sinal de chuva. [1]
- Se as galinhas se põem a cantar ou se recolhem de dia ao galinheiro, é sinal de chuva. [2]
- Se uma galinha canta como o galo, deve ser logo morta, porque é sinal de morte do dono de casa. Lá diz o provérbio:

“Galinha que canta de galo
Põe o dono a cavalo!” [2]

- Se uma galinha canta de galo, haverá em casa grandes penas, pelo que deve ser vendida e com o dinheiro dela, comprarem-se uns sapatos. [1]
- Costuma-se dizer que galinha que canta quer galo. [3]
- Para se deitar uma galinha, sobe-se para cima dum forno com umas calças vestidas com a cuada para a cabeça e diz-se:

“Em louvor de S. Salvador,
Tudo pitinhas, só um galador.”

e reza-se um Padre-Nosso e uma Ave Maria. [3]
- Quando se deita uma galinha, em sítio que possa estremecer, a fim de que os ovos não saiam goros, é conveniente pôr uma ferradura na palha debaixo deles. [1]
- Não é conveniente deitar galinhas quando troveja, porque goram os ovos. [2]
- Os ovos que se deitam para a galinha chocar, não devem passar por nenhum lugar onde haja água, por que se estragam. Todavia, se isso tiver de acontecer, deve-se deitar-lhes por cima, sal ou pão esmigalhado. [3]
- Não se devem lavar os ovos que se deitam para a galinha chocar, senão não criam sangue. E devem ser sempre treze ovos, que é a dúzia de Nossa Senhora. [2]
- Devem deitar-se algumas galinhas no dia de Santa Bárbara (4 de Dezembro) ao meio-dia, para tirarem na noite de Natal. O galo que nascer nesta noite, cantará sempre à meia-noite. [1]
- Quando troveja, goram todos os ovos que nessa ocasião estiverem deitados às galinhas. [1]
- Quando troveja e está uma galinha a chocar, a fim de que os ovos não gorem, devem pôr-se dois ferros em cruz, por cima da galinha. [1]
- Se há trovoada e uma galinha está no choco, é conveniente meter uma ferradura entre os ovos, para os pintos não se assustarem dentro da casca. [2]
- Na Quinta-Feira de Ascensão, quem tiver galinhas, deve espreitá-las, para ver as que põem ovos do meio-dia para a uma hora. Esses ovos devem ser guardados, porque nunca estragam e são um excelente profiláctico contra todas as doenças. [1]
- Se uma galinha demora a pôr, bate-se com o cú na lareira, dizendo:

“Pões ou não pões,
Galispo, galinha,
As penas têm tinha
E o corpo sezões.” [3]

- Depois das galinhas porem ovos, devem ser passadas pela perna esquerda de um homem, para voltarem a pôr ovos de casca dura. [3]
- Ao matar-se uma galinha ou outra ave doméstica e ela estrebuchar muito, sem morrer, é porque alguém está com pena dela. [1]
- Para alguém saber da sua sorte, verte um ovo de galinha num copo bem limpo e repleto de água. Depois, coloca o copo no exterior de casa, desde o anoitecer até ao amanhecer. Conforme o ovo assumir a froma de esquife, navio ou igreja, assim anunciará, respectivamente, morte, viagem para o Brasil ou casamento. [3]
- Sonhar com galinhas, é sinal de desgosto e morte. [1]
- Ter uma galinha pedrês, é de bom agouro. Lá diz o provérbio:

“Galinha pedrês
Nem a vendas nem a dês.” [1]

- Galinha preta em casa, livra o dono de ser agarrado pelo Diabo. [3]
- A galinha preta tem a ver com a feitiçaria. [1]
- As galinhas pretas põem ovos com duas gemas, com a faculdade de curar certas doenças. [1]
- Para as recém-paridas, o melhor caldo é o de galinha preta. [1]

GALOS
- O galo quando canta diz: “Jesus é Cristo.” [2]
- Ao fim de sete anos de estar numa casa, o galo põe um ovo donde sai uma serpente. Se esta olha, primeiro o dono da casa, este morre. Se acontecer o contrário, é a serpente que morre. [1]
- Em chegando a velhos, os galos põem um ovo, do qual nasce um sardão, que mata o dono da casa. [1]
- Galo que canta como galinha, é mau agouro. [3]
- Se os galos e as galinhas cantam muito, é sinal de chuva. [1]
- Se um galo canta ao sol-posto, é sinal de morte. [1]
- Se os galos cantarem de noite, todas as coisas más se espalham. [2]
- É mau agouro um galo cantar antes da meia-noite. Lá diz o provérbio:

“Galo que fora de horas canta
Cutelo na garganta.” [3]

- Se os galos cantarem antes da meia-noite, é anúncio de mudança de tempo. [2]
- Se um galo canta antes da meia-noite, é sinal de navio à barra, ou que alguma filha foge de casa. [1]
- Se um galo canta quatro vezes antes da meia-noite, é sinal de morte. [1]
- O canto do galo à meia-noite faz dispersar a assembleia do Diabo e das Bruxas. [3]
- Uma pessoa que coma atrás duma porta, cristas de galo assadas, perde o medo. [3]
- O galo preto espanta as coisas ruins. [1]
- À meia-noite da noite de Natal, na igreja diz-se a missa do galo. [3]
- Nos telhados e mas torres das igrejas é hábito pôr um galo de ferro a fazer de catavento. [3]

OVOS
- Passar pelos olhos, um ovo quente, acabado de ser posto, tem a faculdade de aclarar a vista. [1]
- Visando ter mais galinhas do que frangos, ao acomodarem-se os ovos no ninho, deve-se dizer:

“Em nome de S. Salvador
Que nasçam todas as galinhas,
E um só galador.” [1]

- É mau deitar as cascas dos ovos para o lume, porque as galinhas deixam de pôr. [2]
- Em Quarta-Feira de Trevas, é conveniente pôr um ferro sobre a ave que choca ovos, para que estes não gorem. [1]
- Sonhar com ovos, é sinal de mexericos. [1]
- Sonhar com um ovo, é sinal de notícia triste. [1]

BIBLIOGRAFIA
[1] - CONSIGLIERI PEDROSO, “Supertições Populares”, O Positivismo: revista de Filosofia, Vol. III. Porto, 1881.
[2] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927.
[3] – LEITE DE VASCONCELLOS, José. Tradições Populares de Portugal. Livraria Portuense de Clavel e C.ª – Editores. Porto, 1882.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Estremoz - Mercado da criação

VENDEDORA DE CRIAÇÃO NO MERCADO
Boneco de Estremoz da autoria das Irmãs Flores

Aos sábados, Estremoz tem um dos melhores mercados tradicionais do país, que constitui um dos pontos altos na animação da cidade de Estremoz, formigueiro humano de quem compra e vende ou simplesmente usufrui do prazer de ver. É também um catalizador da economia local, que nesse dia espevita o adormecido comércio local.
Uma das componentes do mercado de sábado é o chamado “mercado da criação”. Este sempre teve por base, os camponeses das nossas freguesias rurais, que ali vão vender produtos que não consomem, conseguindo com isso equilibrar o periclitante orçamento familiar, seja ele salário ou pensão. É um mercado em que os vendedores são maioritariamente pessoas de idade. E é sempre triste quando algum deles parte. Sentimos então a falta da pessoa a quem comprávamos os ovos, as galinhas, os coelhos ou mesmo vegetais ou fruta. Digo isto, porque com o tempo se cria uma relação de empatia entre as pessoas. É que compramos nabiças ao senhor Joaquim, porque elas estão mordidas das lagartas, o que é a melhor garantia de não terem sido tratadas com pesticidas. Compramos laranjas à Dona Antónia, porque além de serem doces, são pequenas e não brilham, o que é a melhor caução de não serem transgénicas e não terem sido polidas com um produto químico qualquer. Compramos também galinhas à Dona Joana, porque são galinhas do campo, alimentadas com aquilo que a terra dá e não com ração para animais. Até os ovos sabem melhor. O mesmo se passa com os coelhos, alimentados exclusivamente a erva.
Compramos no mercado da criação, por que sabemos donde vêm as coisas e associamos essas coisas ao rosto das pessoas que as produzem e vendem. É pois, natural, que quando algumas dessas pessoas parte, a gente sinta a sua falta. É um círculo de afectividade que se quebra e uma clareira que se abre no mercado, pois em geral quem parte não deixa substituto. E assim o mercado da criação corre o risco de ir definhando lentamente.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A brincar se constrói a personalidade


JOGO DO PIÃO (c. 1930). Fotografia de João Martins. Negativo em nitrato. Divisão
de Documentação Fotográfica / IMC. Número de Inventário do Objecto: 155.001.122

O presente post, fruto da nossa reflexão pessoal sobre jogos e brincadeiras infantis, é a síntese dialéctica de dois posts anteriores: BRINCADEIRAS D'OUTRORA, editado em 9 de Março de 2010 e DIA MUNDIAL DA CRIANÇA, editado em 1 de Junho de 2011. Trata-se do nosso contributo para o debate que se impõe em torno do tema que é objecto deste post.

                                                   Todo o mundo é composto de mudança,
                                                   Tomando sempre novas qualidades.
                                                                   Luís de Camões (c.1524 – 1580)

Porque fomos crianças ontem, devemos pensar nas crianças de hoje e apostar fortemente nas crianças de amanhã.
A brincadeira é o trabalho da criança. É a brincar que a criança aprende a ser homem ou mulher e constrói a sua personalidade.
As brincadeiras de hoje não são as brincadeiras de ontem. Nos meus tempos de miúdo, éramos capazes de nos divertir com um simples apito. Com ele, podíamos imitar um pássaro, um polícia ou um árbitro. Dependia da nossa imaginação momentânea e daquilo que nos desse na real gana. Exercitávamos assim a nossa imaginação criadora e praticávamos o exercício da liberdade.
Outras brincadeiras e jogos eram colectivos. Jogávamos aos amalhões, à mosca, à pateira, à roda, ao botão, ao pião, ao berlinde, à bola, etc., etc. Com eles, desenvolvíamos a nossa socialização e reforçávamos o espírito colectivo. E às vezes desentendíamos e jogávamos ao soco uns com os outros e todos levavam no focinho, porque lá diz o rifão: “Quem vai à guerra, dá e leva”. Passado algum tempo, fazíamos as pazes e continuávamos a brincar juntos.
Nas nossas brincadeiras, o que contava era a imaginação sem limites e a arte do desenrasca, em que o português ainda hoje é mestre.
Havia também a ida aos grilos e partidas que se pregavam aos tansos como a “ida aos gambozinos” ou fazer de estribo na “brincadeira do rei coxo”.
Hoje em muitos casos não é assim. São as consolas, os jogos de vídeo, de computador e de telemóvel. Tudo envolvendo jogos que na sua esmagadora maioria foram concebidos para serem praticados individualmente, visando fomentar o individualismo e para programarem e vincularem os seus praticantes, a estereótipos de egoísmo, do salve-se quem puder, do vale tudo, da violência, do terror e do medo. É isso que interessa à sinistra alta finança mundial, que a nível global, controla os governos de cada país.
Não lhes interessa que haja cidadãos que se possam sentir homens livres, criativos, com carácter, com coragem, amantes da Paz, solidários com o próximo, com respeito pelo colectivo, que reconheçam o valor do esforço, do trabalho e do mérito. Isso para eles é subversivo. Para eles, interessa-lhes que em criança, os cidadãos sejam programados de maneira diferente.
Interessa-lhes cidadãos dóceis, submissos, governados pelo medo, obedientes, egoístas, sem respeito pelo colectivo e que aceitem acefalamente a violência e a guerra.
Nos meus tempos de miúdo, para além das brincadeiras de rapazes e tanto quanto me permite a memória dos tempos idos, sempre tive gosto por colecções, entre elas, botões, cromos, moedas, selos, postais, panfletos publicitários e mais tarde, aí pelos 12 anos, livros.
A estas colecções vieram-se juntar outras, mas as colecções primitivas ainda hoje perduram. Entre elas, as colecções de cromos montadas nas respectivas cadernetas, como é o caso das RAÇAS HUMANAS, da HISTÓRIA DE PORTUGAL, da HISTÓRIA NATURAL e dos TRAJES TÍPICOS DE TODO O MUNDO, entre eles os de Portugal.
As cadernetas de cromos constituíam a nossa iniciação à leitura e à literatura, a nossa primeira abordagem à História de Portugal, a nossa partida à descoberta do mundo, de outros povos e de outros costumes.
Decerto que foi com a caderneta dos TRAJES TÍPICOS DE TODO O MUNDO, que eu fiquei fascinado pela Etnografia, antes de saber que entre nós, Garrett tinha sido o percursor, Leite de Vasconcellos o fundador e Luís Chaves e outros mais, os continuadores.
As cadernetas de cromos, foram as minhas pastilhas de Cultura. Foram o meu software, antes de terem inventado as consolas electrónicas que programam e condicionam o divertimento, assim como a raça maldita dos Magalhães, que põem os putos convencidos que fazer um trabalho de pesquisa, não é mais que uma mera operação de corte e colagem.
Não trocava uma caderneta de cromos por 10 Magalhães, nem sequer o meu talego de botões (com mirôlas e chapéuzinhos de chumbo) por consolas.
Nos meus tempos de miúdo, as meninas, salvo alguma Maria Rapaz, que as havia e algumas delas encantadoras, brincavam às donas de casa, passando a ferro, fazendo jantarinhos e dando banho e biberão aos bonecos.
Hoje, reconheço que o sistema estava montado para gerar diferença de género e havia coisas que, apesar de puto, eu tinha a noção que não deveriam ser assim.
É preciso que os pais e educadores tenham cada vez mais consciência destes problemas e se empenhem em dar a volta ao que está errado, para que a formação daqueles que serão os homens e mulheres de amanhã, se possa efectuar sem desvios nem distorções.
Torna-se necessário retomar jogos e brincadeiras antigas, algumas das quais têm milhares de anos e adoptar outras novas, que ajudem a formar homens e mulheres de carácter, livres, verdadeiros, justos e solidários. Essa é uma revolução permanente que temos de tomar nas nossas mãos. É a nossa grande batalha pela cidadania. E havemos de vencer, porque quem não se rende, vence sempre. De resto, o registo das memórias passadas é o melhor investimento cultural que podemos legar aos nossos netos.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 26 de Agosto de 2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A origem das alheiras


                              

À  Manuela Mendes:                      

Por diligência de D. João III junto da cúria romana, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, foi imposto em Portugal pela bula "Cum ad nihil mugis", de 23 de Maio de 1536 e só seria extinto em 1821.
A Inquisição foi singularmente activa em Lisboa, Coimbra e Évora, com poder religioso, político, social e cultural, que institucionalizou o espírito de intolerância, particularmente anti-judaico e organizou um autêntico genocídio cultural através da censura literária.
Quando o pesado braço da Inquisição iniciou a perseguição aos judeus portugueses, estes viram-se na necessidade de se converter ao cristianismo, adoptando os seus costumes, pelo menos na aparência.
Como a tradição judaica, recusava o consumo da carne de porco, em virtude de esta ser considerada "impura", os nossos judeus viram-se na contingência de inventar a alheira, enchido no qual a carne de porco era substituída por uma extensa gama de carnes, que incluía galinha, peru, pato, perdiz, vitela, carneiro, cabra,os quais eram envolvidos por uma massa de pão, que lhes conferia consistência.
A alheira é, hoje, um dos mais afamados ex-libris transmontanos. Lá diz o rifão: "A necessidade é mestra de engenho". Na verdade, as disposições regimentais do Tribunal do Santo Ofício, em contraposição com as leis e garantias do direito civil, permitiam o secretismo das testemunhas de acusação, a inviabilização da defesa do réu, a viciação do sistema de provas admissíveis e a validade da tortura, muitas vezes pelo fogo, na ratificação das confissões, ainda que estas fossem posteriormente desmentidas. Muitas vezes, as sentenças acarretavam a confiscação de bens e a morte pelo fogo.
Foi nesse contexto repressivo, que os nossos “marranos”, temerosos de perderem os bens e a vida, criaram a saborosa alheira. É caso para dizer:
- "Bem hajam, por isso!"
- "Honra e glória à criatividade da comunidade judaica portuguesa!"

BIBLIOGRAFIA
- DIVERSOS. Dicionário ilustrado da História de Portugal. Publicações Alfa, Lisboa, 1985.
- DIVERSOS. História da Arte em Portugal. Publicações Alfa, Lisboa, 1986.
- DIVERSOS. Marcos da Arte Portuguesa. Publicações Alfa, Lisboa, 1986
- SARAIVA, José Hermano. Imagens da História de Portugal. Publicações Alfa, Lisboa, s/d.

Publicado inicialmente em 19 de Agosto de 2011

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A menina quer bailar?




Esta é a 2ª edição do post A MENINA QUER DANÇAR?,
editado em 20 de Fevereiro de 2010, agora revisto, reformulado e ampliado,
com a introdução de mais vinte quadras do cancioneiro popular alentejano,
ligadas à temática do baile popular, assim como três provérbios desse tema e
mais duas referências bibliográficas. Quanto ao título, ele próprio foi reformulado.


Nos bailes populares alentejanos dos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX, era sacramental a pergunta endereçada pelo rapaz, à moça que lhe enchera as medidas:
- A menina quer bailar?
A resposta, podia assumir a forma dum rotundo “Não!”, tradicionalmente conhecido por “cabaço”. Mas a resposta podia igualmente revestir a forma dum rasgado sorriso, acompanhado dum entregar de corpo, às mãos e braços do varão inquiridor, que conduziria a moça durante o baile.
Eles bailavam de chapeirão, de bota cardada e calças com boca-de-sino. Elas, de saia a rasar o chão, o que levava alguns rapazes a confessar que:

"Toda a vida me agradou
Moça de saia rasteira,
Porque pranta o pé no chão
Devagar, não faz poeira." [3]

Todavia, os rapazes não gostavam que as moças dançassem de socos:

“Os sóccos para dançar
Fazem mui ruim effêto,
Ainda que as damas usem
Ricas jóias em sê pêto. ” [3]

No descanso, dava para eles enrolarem um paivante e tirar umas quantas fumaças, que isso de ser homem dá para fumar. E é sempre bom levar o varapau, que o diabo às vezes assume a forma de maltês. Também dava para elas comporem as saias à cinta, aperaltar os colares e compor os carrapitos.
Como vêem existia uma grande diferença de género.
Eu tenho uma certa pena das moças, porque os aprestos dos homens deviam ser algo incómodos, a menos que eles fossem ágeis e cuidadosos. De contrário, dançar de botifarras, devia dar para pregar cada pisadela que fervia. Uma botas alentejanas que se prezem, não são propriamente uns sapatos à Fred Astaire.
Também o chapeirão devia ser uma grande chatice, a menos que a moça fosse mais baixa.
Se a moça fosse mais alta, o chapeirão batia-lhe no peito e mantinha as distâncias, o que convenhamos era um grandessíssimo inconveniente para o homem.
Se a moça fosse da mesma altura, o chapeirão devia estar sempre a embirrar com a cabeça dela, a menos que dançassem de cabecinha ao lado, correndo o risco de dar um jeito ao pescoço. E o dinheiro que sobrara da romaria já não dava para ir ao endireita.
Um dos locais mais afamados para bailar no Alentejo, era o terreiro das Festas de S. Mateus, em Elvas:

“Eu também já fui à festa
e fiz promessas a deus
de cá voltar outra vez
a dançar no São Mateus.” [2]

Os bailes populares eram abrilhantados por tocadores de viola ou de acordeão, que eram também cantadores.
O bailar chegava a ser apontado como recomendação divina:

“Deus do céu mandou à terra
Um aviso à mocidade,
Que cantassem e bailassem,
Divertissem-se à vontade.” [1] (Amareleja)

A maioria dos rapazes gostava de bailar e versejar:

“Canto saias, bailo saias,
Eu saias ando bailando,
Gosto de bailar as saias
Com quem as andas trajando.” [3]

Alguns indicavam minuciosamente, as características a que devia obedecer o baile:

“O bailar quer-se mexido,
Puladinho e bem cantado,
Quer-se alegre e chegadinho
Ao par que levo ao meu lado.” [1] (Beja)

Bailar bem, era uma virtude a que os rapazes aspiravam:

“Quatro coisas ha no mundo
Que eu desejava apprender:
Cantar bem, tocar viola,
Báilhar bem e saber ler.” [3]

Algumas das moças seriam vaidosas. Pelo menos, era essa a opinião de alguns dos rapazes:

“Estas meninas d’gora
São bonitas, bailam bem;
Mas em tendo um fato novo,
Já não falam a ninguém.” [3]

Algumas moças recusar-se-iam mesmo a bailar:

“Menina que é cabaceira,
Tantos cabaços tem dado,
Veja lá se tem algum
Também para mim guardado.” [3]

Por vezes, a rapariga não sabia dançar:

“Oh! Que pernas, oh! que boca,
Henriqueta, vossê tem!
P´ra que quer vossê as pernas,
Se vossê não dança bem?” [3]

Havia rapazes que sabendo cantar e bailar, não percebiam porque é que as raparigas não gostavam deles:

“Tu dizes que não me queres,
Meu amor diz-me porquê,
Eu sei cantar e bailar,
E rir e falar tambem.” [3]

Havia rapazes que lamentavam não saber cantar tão bem, quanto sabiam versejar:

“S’eu soubesse cantar bem,
Como sei fazer cantigas,
Andava de bàlho em bàlho
Divertindo as raparigas.” [1] (Aljustrel)

Quando faltavam raparigas no baile, havia rapazes que procuravam desfazer os pares, originando frequentes zaragatas:

“Camarada, dá licença,
Um bocadinho, faz favor?
Quero dar palavra e meia
Ó seu par, que é meu amor.” [3]

Alguns rapazes faziam do cantar e tocar nos bailes, o seu ganha-pão:

“A cantar e a bailar
É que o meu bem ganha pão,
De viola a tiracolle
E panderêta na mão.” [3]

Havia quem exteriorizasse a sua liberdade de poder cantar e bailar:

“Inda canto, inda bailo.
Inda cá não ha tristeza,
Inda cá não ha quem tenha
Minha liberdade presa.” [3]

Havia mulheres que desejavam ficar sem o marido, a fim de poderem cantar e bailar, tal como em solteiras:

“Já não canto, já não bailo,
Que não quer o meu marido,
Deixem-no ir embora,
Restaurarei o perdido.” [3]

Havia quem, talvez por despeito de não ter par, considerasse que quem estava a bailar, não tinha dinheiro:

“Dos pares que andam bailando
Ali no meio do terreiro,
Não se me dá de apostar:
Nenhum d’elles tem dinheiro.” [3]

Havia quem, por estar triste, desejasse que os pares a bailar, caíssem, a fim de se divertir:

“Os pares que andam bailando,
Quem m’os dera ver cair!
Tenho o meu coração triste,
Q’ria fartar-me de rir.” [3]

Os rapazes reconheciam que, bailar de empreitada, dava cabo deles:

“Não é o cantar que dá
Cabo da rapaziada;
É o muito andar de noite
E o bàlhar de empreitada.” [1] (Odemira)

Enquanto houvesse cantadores, havia baile:

“Eu vejo o baile acabado
À falta de cantadores:
Agora começo eu,
Com licença, meus senhores.” [3]

Uma coisa é certa: nem todos os homens gostavam de bailar:

“Para bailar doe-me um dente,
Para cantar uma perna,
Onde tenho algum alívio
É à porta da taberna.” [3]

Alguns homens, por questões anatómicas, dançariam mesmo mal. Lá diz o rifão: "Barrigudo não dança, só sacode a pança". Todavia, também por questões anatómicas, ainda hoje persiste a crença de que: “Homem pequenino, ou velhaco ou dançarino”. De resto, o rifão “Assim como cantares, assim dançarás", talvez possa significar que “Se tiveres voz de cana rachada, então terás, decerto, pé de chumbo”.
Era este o contexto sociológico e lúdico dos bailes populares, nas feiras, festas e romarias do Alentejo, de finais do séc. XIX – inícios do séc. XX.

BIBLIOGRAFIA
[1] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa, 1980.
[2] - SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano. Livraria Portugal. Lisboa, 1959.
[3] - THOMAZ PIRES, António. Cantos Populares Portugueses. Vol. IV. Typographia e Stereotypia Progresso. Elvas, 1910.

Inicialmente publicado a 17 de Agosto de 2011

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Cancioneiro popular da água


Camponesa do Redondo. Bilhete-postal ilustrado, edição do Museu de Ovar, reproduzindo aguarela de Alfredo Moraes (1872- 1971).

PREÂMBULO

A importância da água é incomensurável, já que é utilizada como simples bebida ou com fins medicinais, na preparação e confecção de alimentos, no banho, na lavagem de roupa e de loiça, na rega, etc. Daí que seja natural que no cancioneiro popular alentejano, existam múltiplos registos que referem a água. Seleccionámos, sistematizámos e estudámos algumas dessas referências, fruto da nossa pesquisa em quatro fontes bibliográficas distintas, cujos autores, cada um na sua época, as recolheu da tradição oral. Sistematizámo-las em quatro grupos distintos:

1 – Mitologia no Cancioneiro Popular
2 – A obtenção da água
3 – O vasilhame de água
4 – Matar a sede

Passemos, de seguida, em revista, estes grupos:

MITOLOGIA NO CANCIONEIRO POPULAR

Faz parte da Mitologia Popular Portuguesa, a crença de que no princípio do mundo, a água foi condenada a correr sempre [2]. Daí que o cancioneiro popular alentejano constate que a água corra sempre, naturalmente, para baixo:

“A agua p’ra baixo corre,
P’ra cima não faz corrente;
Meu amor, se estás zangado,
Eu também não ‘stou contente.” [3]

Por isso e em contrapartida, para cima, a água só segue forçada:

“Água de ladeira acima,
Sem a levarem não vai.
Se queres qu´ê seje tua,
Vai-me pedir ò mé pai.” [1] (Vale de Santiago – Odemira)

A chuva faz correr água nos barranquinhos e revitaliza a natureza:

“Graça a Deus que já chove,
Já correm nos barranquinhos,
Já os campos ‘stão alegres,
Já cantam nos passarinhos.” [1] (Beja)

A água que corre na ribeira tem peixes:

“O barranco leva água.
Há peixinhos na ribeira.
Nesse teu peito amoroso,
Amizade verdadeira.” [1] (Montes Velhos - Aljustrel)

É frequente, o desejo de que a água fique retida:

“Agua, sustem-te nos valles,
Não sejas tão corredia;
Ja não há amor’s leaes,
Como n’outro tempo havia.” [3]

Integra igualmente a Mitologia Popular Portuguesa, a crença de que, no princípio do mundo, a água também tinha fala [2] e comunicava com quem junto a ela manifestava as suas emoções:

“Puz-me a chorar saudades
A’beira d’agua que corre,
A agua me respondeu:
Quem tem canceiras não dorme.” [3]

A própria água podia falar até dos seus progenitores:

“A minha mãe é ribeira,
O meu pae é rio corrente,
Sou filha das aguas claras,
Não tenho nenhum parente.” [3]

Pertence também ao domínio da Mitologia popular portuguesa, a convicção de que a água dorme todas as noites [2].

“Dormes ao pé da ribeira,
Hás-de-me saber dizer
Quantas horas dorme a água
Antes da manhã romper.” [1] (Mértola)

Daí que também alguém responda:

“Contas horas drome a água,
Isso nã’ le sê dezer:
Qu’é drumo à bêra do rio,
Toda a noite oiço correr.” [1] (Odemira)

Daí que alguém pergunte:

“Menina, que sabe tanto,
Há-de-me saber dizer:
Contas horas drome a água
Entes da manhã romper?” [1] (Mértola)

A OBTENÇÃO DA ÁGUA

É considerado uma ventura, morar próximo de água:

“É um regalo na vida,
Ao pé da água morar,
Quem tem sêde vai beber,
Quem tem calor vai nadar.” [3]

Por vezes, bebia-se água do pego:

“Tinha sêde e fui beber
Lá no pêgo de Vianna;
Val’ mais uma hora d’amor,
Que o ganho d’uma semana.” [3]

Bebia-se muita água do poço, o qual era um local de encontros amorosos:

“Quanto mais fundo é o pôço,
Mais fresca n’el’ são as aguas
Quanto mais falo contigo,
Mais gosto das t’as palavras.” [3]

Alguns conseguiam escapar às tentações de amor junto ao poço:

“Adeus, poço do terraço,
Onde eu mato a minha sede,
Armaram-me lá um laço
Mas eu não cahi na rede.” [3]

O poço podia ser um local de infidelidade amorosa:

“Vi-te ao poço mai-la outra,
enquanto eu ceifava o trigo;
ai quem pudesse ceifar
a dor que trago comigo.” [4]

Havia quem admitisse por saudade, arrojar-se ao poço:

“Hei-de-me deitar ao poço,
Fazer de mim caldeirão.
As saudades são tantas,
Que elas por mim puxarão.” [1] (Beja)

Havia poços que tinham um engenho para tirar água, a nora:

“Como alcatruzes de nora
São as vaidades do mundo,
Os que enchem vão a cima,
Os que vasam vão ao fundo.”  [3]

As fontes à beira dos caminhos sempre foram muito apreciadas pelos viajantes:

“Benditas sejam as fontes
À beirinha dos caminhos,
Onde vão matar a sede
Os alegres passarinhos.” [1] (Amareleja)

Poder beber água de todas as fontes era motivo de inveja:

“Nã’ m’enleva de quem tem
Carros, parelhas e “montes”;
Só m’enleva de quem bebe
Água de todas as fontes.” [1] (Beja)

Nenhuma fonte se podia menosprezar:

“Ninguém diga eu não hei-de
Desta fonte água beber;
Pode a sede apertar muito,
E outro remédio não ter.” [1] (Vale de Santiago – Odemira)

A fonte era um local de encontro, onde se bebia sem ter sede:

“Fui à fonte beber agua,
Por baixo da canna verde,
E só p’ra vêr os teus olhos
Bebi agua sem ter sede.” [3]

“Fui beber a uma fonte
Debaixo da fresca murta,
Fui só para ver os teus olhos,
Que a sede não era muita.” [1] (Mina da Juliana – Aljustrel)

A fonte era, algumas vezes, um local de encontros imprevistos:

“Fui à fonte beber agua,
Julgando que não te via.
Mas fiquei tão distrahida,
Que nem a água bebia.” [3]

A fonte era ainda um local de namoro:

“Andam na eira os rapazes
O seu trigo a debulhar,
E à noite vão para a fonte,
As moças a namorar.” [3]

A fonte era também um local de brincadeiras:

“Menina, se for á fonte,
Não brinque lá com ninguém,
‘Stá a louça muito cara
Cada cântaro um vintem.” [3]

O caminho da fonte era um caminho muito percorrido:

“Adeus praça, adeus castelo,
Adeus caminho da fonte:
Por causa das raparigas
Muito calçado se rompe.” [2] (Alandroal)

Na fonte achavam-se, por vezes, objectos perdidos:

“Fui à fonte beber água,
Achi um lencinho verde.
Quem no perdeu, tinha amores,
Quem no achou, tinha sede.” [1] (Beja)

Os desentendimentos amorosos, levavam a mudar de fonte:

“Algum dia em tendo sede,
Ia beber ao teu “monte”;
Agora estou mal contigo,
Vou beber a outra fonte.” [1] (Beja)

A água muitas vezes corria da fonte para um chafariz e daqui para um lavadouro:

“Deixa lá falar, quem fala,
Deixa lá dizer quem diz,
Deixa lá correr as aguas,
Da fonte p’r’o chafariz.” [3]

Por vezes também se consumia água da chuva, guardada em cisternas:

“O regalo do soldado
É ter a cama no chão,
Beber agua da cisterna,
Comer pão de munição.” [3]

A água é um bem finito, que deve ser conservado:

“Quem quer boêr não turva a água,
Quelara a quer conservar,
Que assim faz o homem serio
Quando pretende casar.” [3]

O VASILHAME DA ÁGUA

As bilhas de barro eram conhecidas por tornar a água mais saborosa:

“Aquela bilha de barro
comprada em Vla Viçosa
p’ra matar sede de amor,
faz a água mais gostosa.” [4]

As bilhas tinham como único inconveniente, o serem frágeis:

“Caiu-me a bilha no monte.
lá deixou ficar a asa…
Culpa tem quem fez a fonte
tão longe da minha casa.” [4]

Dava-se água pelo púcaro, o que não era privilégio de todos:

“Senhora, que a todos daes
Agua por púcaro novo,
Só a mim é que deixaes
Desconsolado de todo.” [3]

Havia quem implorasse água do púcaro:

“M’nina que estás à janella,
Co’ pucarinho na mão,
Dá-lhe volta, se tem agua
Réga-me este coração.” [3]

Em casa, além do púcaro, usava-se também o copo:

“Em cima daquela mesa
Está um copo d’água fria
Onde se baptizou a Cristo,
Filho da Virgem Maria.” [1] (Amareleja)

MATAR A SEDE

A sede leva a pedir água:

“Dá-me uma pinguinha d’agua,
Que eu bem na sinto correr,
Onde há silvas e montrastos
Alguma pinga ha de haver.” [3]

“Dá-me uma pinguinha d’agua
Pela tua propria mão,
Que das terras d’onde eu venho
Nem as fontes agua dão.” [3]

Todavia, o pedido pode ser recusado:

“Passei pela tua porta,
Pedi-te agua, não m’a deste;
Nem os moiros na moirama
Fazem, o que tu fizeste.” [3]

“Eu pedi uma pinga d’agua
Á ingrata d’uma prima,
Vinha com ella da fonte,
E disse-me que a não tinha.” [3]

As recordações podem fazer esquecer a sede:

“De tanta sede que tinha
Nenhuma água bebi.
Quando ia para beber
Tive lembranças de ti.” [1] (Beja)

Ver as bicas da fonte, não mata a sede:

“D’aqui onde estou bem vejo
Correr as bicas da fonte;
Ai de mim! que morro à sêde,
Tendo o remedio defronte.” [3]

Os bêbados têm sede, mas de vinho:

“Ó meu amor, vinho, vinho,
Agua não posso beber,
A agua tem sanguessugas,
Tenho medo de morrer.” [3]

Além de matar a sede, a água permite aclarar a voz:

“Dá-me uma gotinha de água
Para lavar a garganta;
Quero cantar como a rola,
Como a rola ninguém canta.” [1] (Beja)

O despeito de amor, pode levar alguém a rogar pragas, nas quais intervém a água:

“Meu amor abandonou-me
Não sei qual fosse a razão,
Ao beber lhe falte a água,
Ao comer lhe falte o pão.” [3]

BIBLIOGRAFIA

[1] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa, 1980.
[2] - LEITE DE VASCONCELLOS, José. Etnografia Portuguesa, Vol. V. Imprensa Nacional – Casas da Moeda. Lisboa, 1982.
[3] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. I. Typographia Progresso. Elvas, 1902.
[4] - SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano. Livraria Portugal. Lisboa, 1959.

Hernâni Matos